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1 Introdução ao Direito das Obrigações

Para compreender o Direito das Obrigações, primeiramente, analisa-se a relação


desse ramo do Direito Civil com os demais ramos do Direito Privado. Depois,
apresenta-se esse ramo do Direito dentro do Código Civil de 2002, que unificou as
normas que disciplinam este conteúdo. Por fim, analisam-se conceitos essenciais
para o Direito das Obrigações, quais sejam: dever moral, dever social, dever
jurídico, débito, responsabilidade, obrigação em sentido estrito, sanção e coação.

1.1 Direito das Obrigações em relação aos outros ramos do Direito

De acordo com Carlos Gonçalves (2019, p. 18), o Direito das Obrigações nada mais
é que um conjunto de normas que “regem relações jurídicas de ordem
patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outro”.
Nesse sentido, o mesmo autor destaca que se trata de uma esfera do Direito Civil
com grande relevância econômica, pois abrange todas as relações patrimoniais.

O Direito das Obrigações possui uma conexão direta com outros ramos do Direito,
como o direito do consumidor que, apesar de possuir regramento específico
(Código de Defesa do Consumidor), utiliza os direitos obrigacionais como seu
regramento geral e suplementar. Muito além do direito do consumidor, a
compreensão do Direito das Obrigações é fundamental para o entendimento de
todos os ramos do Direito Privado. Nesse sentido, afirma Orlando Gomes (1981, p.
5): “o estudo de vários institutos dos outros departamentos do Direito Civil
depende do conhecimento de conceitos e construções teóricos do Direito das
Obrigações, tanto mais quanto ele encerra, em sua parte geral, preceitos que
transcendem sua órbita e se aplicam a outras seções do Direito Privado” (apud
GOMES, 2019, p. 34). Deste modo, é evidente a importância do Direito das
Obrigações não só em sua esfera propriamente dita, mas para o Direito Privado
como um todo, pois muito além de ecoar em outros ramos do Direito Civil, ele é
pilar conceitual de todos os demais.

1.2 Unificação do Direito das Obrigações no Código Civil

Até a entrada em vigência do atual Código Civil, publicado em 2002, o Direito das
Obrigações era disciplinado em dois códigos distintos: O Código Civil (1916) e o
Código Comercial (1850). Assim, o atual Código Civil absorveu matérias que eram
disciplinadas no Código Comercial que tratavam do Direito das Obrigações, quais
sejam, o Direito de Empresa e os títulos de crédito. Assim, a Parte Primeira do
Código Comercial foi revogada (arts. 1º a 456). De acordo com Miguel Reale
(1999, p. 5), o que na realidade se fez foi consolidar e aperfeiçoar o que já estava
sendo seguido no País, que era a unidade do Direito das Obrigações. Como o
Código Comercial de 1850 se tornara completamente superado, não havia mais
questões comerciais resolvidas à luz do Código de Comércio, mas sim em função
do Código Civil (apud GONÇALVES, p. 35 e 36).

Nesse sentido, atualmente, o Direito das Obrigações se encontra disciplinado de


forma unificada no Código Civil em sua Parte Especial, Livro I, artigos 233 a 965.

1.3 Acepções de obrigação

Segundo o doutrinador Caio Mario da Silva Pereira (2018), o ordenamento social é


repleto de obrigações, deveres e imposições, sejam estas advindas da relação do
indivíduo com o Estado, ou até mesmo dentro de seu núcleo familiar, por
exemplo.

Nem todos os deveres penetram o ordenamento jurídico, como é o caso do dever


moral ou do dever social, que, ainda que relevantes, não podem ser exigidos
judicialmente, possuindo mero repúdio social como mecanismo para seu
cumprimento. Por sua vez, o dever jurídico é justamente aquele que pode ser
exigido judicialmente, pois possui sanções coercitivas, ou seja, possíveis
interferências do Estado para o seu cumprimento (PEREIRA, 2018). Dever jurídico
não é sinônimo de obrigação, pois permeia outros ramos do direito, como o
Direito Penal, onde temos como exemplo o dever jurídico de não matar. Contudo,
o dever jurídico costuma estar no bojo da obrigação.

Para o Direito das Obrigações, o vocábulo “obrigação” possui sentido estrito,


sendo este “o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir da outra
prestação economicamente apreciável” (PEREIRA, 2018, n. p.). Ainda, nas palavras
de Gonçalves (2019, p. 17), "o Direito das Obrigações, todavia, emprega o referido
vocábulo em sentido mais restrito, compreendendo apenas aqueles vínculos de
conteúdo patrimonial, que se estabelecem de pessoa a pessoa, colocando-as,
uma em face da outra, como credora e devedora, de tal modo que uma esteja na
situação de poder exigir a prestação, e a outra, na contingência de cumpri-la".

Frisa-se a compreensão da obrigação como dever juridicamente relevante,


economicamente mensurável, que se estabelece entre sujeitos e que pode ser
exigido judicialmente se necessário. Ao tratar da obrigação em seu sentido estrito,
é importante compreender dois conceitos: débito e responsabilidade. Trata-se da
Teoria Dualista do Direito das Obrigações, adotada pelo Direito Civil brasileiro.
Débito é o dever de um sujeito da obrigação de satisfazer a prestação ajustada,
enquanto a responsabilidade nada mais é que uma consequência do não
cumprimento de uma obrigação (SIMÃO, 2013).

Toma-se como exemplo dois sujeitos, João e Carlos. João decide vender seu
automóvel para Carlos. Então, João deve entregar o veículo a Carlos, que, por sua
vez, deve pagar pelo bem adquirido. Se Carlos decide não pagar pelo veículo, ou
seja, não cumprir com o débito que satisfaz sua prestação, nascerá para este a
responsabilidade, que tem como consequência afetar o patrimônio de quem não
satisfez sua prestação, conforme preceitua o artigo 391 do Código Civil.

Em síntese, conforme ensinamento de Gonçalves, a responsabilidade é “a


consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional”
(2019, p. 51). Em outras palavras, a responsabilidade no Direito das Obrigações é
uma garantia contra eventual inadimplemento de um dever obrigacional, trazendo
consequências em caráter coercitivo, visando o adimplemento da obrigação
(FARIAS; ROSENVALD, 2017).

1.4 Sanção e coação

No âmbito do Direito das Obrigações, as sanções se apresentam como


mecanismos de coação, que visam, inicialmente, o cumprimento das prestações
ajustadas por sujeitos que contraem uma obrigação. Diretamente relacionada
com o conceito de responsabilidade, a sanção se dá dentro da esfera do
patrimônio da parte. Nesse sentido, destaca-se a redação do artigo 389, do Código
Civil: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.” (BRASIL, 2002, on-line).

Neste ponto, é importante destacar o caráter patrimonial da sanção e,


consequentemente, da responsabilidade para o Direito das Obrigações. Esta
natureza patrimonial possui embasamento constitucional, pois a Constituição da
República impossibilita a chamada “prisão civil” no Brasil” em seu artigo 5º, LXVII:
“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”
(BRASIL, 1988, on-line). Assim, veda-se a possibilidade da responsabilização
pessoal do devedor.

Destaca-se que a regra da responsabilização patrimonial no Direito das Obrigações


não possui exceções no ordenamento brasileiro. Apesar do dispositivo
constitucional acima apontado permitir a prisão civil do devedor de alimentos,
esta não possui caráter punitivo e nem visa satisfazer a obrigação, sendo,
portanto, um mero mecanismo de coerção pessoal dentro da esfera da
responsabilidade patrimonial (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

2 Conceito, elementos e sujeitos da obrigação

Primeiramente, apresenta-se o conceito de obrigação. Segundo Carlos Gonçalves


(2019, p. 37),

obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de


exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação.
Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter
transitório (extingue-se com o cumprimento), cujo objeto consiste numa
prestação economicamente aferível.

No mesmo sentido, é a definição dada pelo doutrinador Washington de Barros


Monteiro (1997, p. 8 apud GONÇALVES, 2019, p. 27), que diz que obrigação é “a
relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo
objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida
pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu
patrimônio.”

Ainda, suscintamente, segundo Orlando Gomes (2005, p. 15), a obrigação é “um


vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma
prestação em proveito de outra” (apud FARIAS; ROSENVALD, 2017). Tendo como
base as definições consonantes acima apresentadas, identificam-se três
elementos principais que compõem a obrigação:

Nesse sentido, analisam-se os elementos supra listados. Posteriormente,


distingue-se direito obrigacionais e direitos reais e, por fim, traz-se uma definição
das chamadas obrigações naturais.
2.1 Elemento objetivo ou material: a prestação

A prestação é o elemento palpável da obrigação, que também é chamado pela


doutrina de “elemento material”. O elemento objetivo nada mais é que a
prestação, que, por sua vez, se traduz em uma conduta ou ato humano: dar, fazer
ou não fazer. Dar e fazer são condutas positivas, enquanto não fazer é uma
conduta negativa (GONÇALVES, 2019).

Conforme o artigo 104 do Código Civil, o objeto da obrigação deve ser lícito,
possível (possibilidade jurídica e física), determinado ou determinável (ainda que
inicialmente indeterminado, deve ser possível determina-lo no momento da
execução). Por fim, o objeto da obrigação deve ser economicamente mensurável,
ou seja, deve ter capacidade de se traduzir patrimonialmente (PEREIRA, 2018).

2.2 Elemento subjetivo: os sujeitos da obrigação

Toda obrigação é composta de, ao menos, dois sujeitos, sendo que um exercerá o
papel de sujeito ativo (credor) e o outro de sujeito passivo (devedor). Ambos
sujeitos podem ser pessoas naturais ou jurídicas, determinados ou determináveis.
Ainda, em uma mesma obrigação, podem existir múltiplos credores e/ou
devedores. O sujeito ativo, o credor, é a quem se deve a prestação, podendo exigir
o cumprimento desta. Por sua vez, o sujeito passivo, o devedor, é quem deve
satisfazer a pretensão do credor (GONÇALVES, 2019).

2.3 Elemento imaterial ou abstrato: o vínculo jurídico

O vínculo jurídico é elemento imaterial que une os sujeitos da obrigação, ou seja,


que une credor e devedor, possibilitando que o primeiro possa exigir a prestação
do segundo. É este o elemento que garante a sujeição do devedor ao credor, tanto
na esfera do débito quanto na responsabilidade, criando uma coerção para que o
sujeito passivo cumpra a prestação que é devida. Nas palavras de Farias e
Rosenvald (2017, p. 82),
é exatamente o vínculo jurídico que confere a coercibilidade à

é exatamente o vínculo jurídico que confere a coercibilidade à relação


obrigacional. Assim sendo, garante-se o cumprimento da prestação avençada,
porque, se não cumprida voluntariamente, enseja a atividade substitutiva da
vontade do devedor, através da atuação do Estado-juiz, que vai se imiscuir no
patrimônio do devedor para retirar a quantidade de patrimônio suficiente para
solver a dívida.

2.4 Obrigações naturais

Para compreender as obrigações naturais, categoria especial de obrigação, deve-


se antes entender o conceito de obrigação perfeita e obrigação imperfeita. A
obrigação perfeita é obrigação civil, reunindo em um mesmo sujeito, o débito e a
responsabilidade. Em outras palavras, trata-se da obrigação em que é devida uma
prestação ao credor pelo devedor, sendo que o credor pode exigir esta do
devedor, se não for cumprida voluntariamente. Por sua vez, obrigação imperfeita
é aquela em que ou não há débito, ou não há responsabilidade, ou então em que
ambos elementos estão presentes, mas recaem sobre sujeitos distintos.

Na esfera das obrigações imperfeitas, quando há responsabilidade sem débito,


tem-se as garantias prestadas por terceiro, como ocorre na fiança, por exemplo. Já
quando há débito sem responsabilidade, tem-se as chamadas obrigações naturais,
onde há prestação, mas não há possibilidade de que esta seja exigida
judicialmente. Como exemplo, tem-se as dívidas de jogo ou de aposta,
disciplinadas pelo artigo 814 do Código Civil (FARIAS; ROSENVALD, 2017). As
obrigações naturais não são um mero dever moral, que é externo à esfera jurídica.
Ao mesmo tempo, não possuem responsabilidade, portanto, se diferem das
obrigações civis (PEREIRA, 2018). Assim, trata-se de uma entidade intermediária,
de uma situação anômala externa à obrigação civil, que é perfeita.
2.5 Distinção entre direitos obrigacionais e direitos reais

Os direitos obrigacionais e o os direitos reais possuem como ponto de interseção


o fato de serem ramos do Direito Privado que tratam de patrimônio, todavia, são
ramos muito distintos.

Como já conceituado, os direitos obrigacionais são aqueles em que há um vínculo


entre dois sujeitos, no qual o credor tem o direito de exigir determinada prestação
economicamente mensurável do devedor, podendo pleitear judicialmente a
prestação, se necessário. No que diz respeito aos direitos reais, também
conhecidos como direito das coisas, estes trabalham com a relação entre sujeito e
coisa. Em outras palavras, segundo Carlos Gonçalves (2019, p. 23): “é poder
jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra
todos”.

Analisando-se as principais diferenças entre esses ramos do Direito Civil,


primeiramente, quanto ao objeto, observa-se que o direito obrigacional recai
sobre a prestação, enquanto o direito real tem como objeto a coisa propriamente
dita (GONÇALVES, 2019). Quanto aos sujeitos, segundo Farias e Rosenvald (2017),
o direito obrigacional é cooperativo (ao menos dois sujeitos), enquanto o direito
real é atributivo (apenas um sujeito, que é quem tem direito sobre a coisa). Ainda,
conforme salienta Gonçalves (2019), o sujeito passivo do direito obrigacional é
determinado ou determinável, enquanto o do direito real é indeterminável, pois
trata-se da coletividade abstrata (todas as pessoas). A indeterminação do sujeito
passivo dos direitos reais é intimamente ligada à sua eficácia. A eficácia dos
direitos reais é absoluta (erga omnes), ou seja, vale para todos as pessoas. Por sua
vez, os direitos obrigacionais possuem eficácia relativa (inter partes), só gerando
efeitos para os sujeitos que adentram à obrigação.

Quanto à duração, os direitos obrigacionais são temporários, se extinguindo com


o cumprimento da prestação. Já os direitos reais são perpétuos, só se extinguindo
com as hipóteses previstas em lei, como a desapropriação. Quanto ao exercício, os
direitos obrigacionais são mediatos, pois há a presença do devedor, enquanto os
direitos reais são imediatos, pois seu exercício se dá diretamente na coisa (FARIAS;
ROSENVALD, 2017).

Por fim, aponta-se que os direitos reais são numerus clausus (rol taxativo), ou
seja, todos os direitos existentes nesse ramo do Direito Civil estão previstos em lei
(art. 1.225, CC). Já os direitos obrigacionais são numerus apertus (rol
exemplificativo), pois são inúmeros e nem todos estão previstos em lei (FARIAS;
ROSENVALD, 2017).

Como vimos, os direitos das obrigações são diferentes dos direitos reais. Contudo,
existem obrigações híbridas, que integram tanto os direitos das obrigações quanto
os direitos reais: são as chamadas obrigações propter rem. Segundo Gonçalves
(2019, p. 30), essas obrigações “têm características de direito obrigacional, por
recair sobre uma pessoa que fica adstrita a satisfazer uma prestação, e de direito
real, pois vincula sempre o titular da coisa”. Existem várias obrigações propter rem
espalhadas pelo Código Civil, como, por exemplo, a obrigação dos condôminos de
não alterar a fachada do prédio (art. 1.336, III, CC).

3 Princípios do Direito das Obrigações

Como ramo do Direito Privado, o Direito das Obrigações se sujeita aos princípios
gerais do Direito Civil, como a boa-fé, função social, autonomia privada, dentre
outros. Para além destes, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2017)
apontam três princípios de excepcional importância para o Direito Obrigacional
disciplinado no Código Civil de 2002: socialidade, eticidade e operabilidade.
Princípio da socialidade

Trata-se da concepção de que, ao buscar satisfazer interesse próprio, o sujeito não


deve objetivar apenas o bem individual, devendo sempre resguardar as
expectativas da coletividade. É um princípio diretamente relacionado com a
função social. Deve-se sempre fazer um sopesamento entre o interesse individual
e o interesse social (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Princípio da eticidade

Trata-se da concepção do atual Código Civil ser mais poroso a valores sociais
externos, através das chamadas cláusulas gerais, que são normas
intencionalmente abertas, com uma maior possibilidade de interpretações
variadas para os operadores do direito. É uma maior abertura da lei para fontes
externas a ela, como a moral e a ética. É um princípio que garante um certo grau
de maleabilidade e progresso, conforme as demandas da sociedade na esfera do
direito civil (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Princípio da operabilidade

Também conhecido como princípio da concretude, trata-se da aplicação do direito


tendo em vista a situação concreta, observando-se as particularidades dos
sujeitos envolvidos. Visa garantir que a aplicação das normas do Código Civil se
moldem, na medida do possível, ao caso concreto, individualizando-se sujeitos e
relações (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

4 Fontes das obrigaçõesSegundo Maria Helena Diniz (2007, p. 40), as fontes das
obrigações são “os reguladores de relações particulares, entre duas ou mais
pessoas, tendo por objeto determinada prestação”. A doutrinadora aponta duas
fontes: a lei e o fato jurídico, que por sua vez se decompõe em fato jurídico
voluntário (ato jurídico e negócio jurídico) e fato jurídico involuntário (ato ilícito).

Importante destacar que ambas as fontes dialogam, pois em todas as obrigações


há a presença do fato humano e a atuação do ordenamento jurídico (PEREIRA,
2018).

4.1 Lei como fonte das obrigações

Pereira (2018) preconiza que a lei é fonte primária de todo direito. No mesmo
sentido é o entendimento de Maria Helena Diniz (2007), que afirma que é o
direito que dá significação jurídica aos fatos humanos e, especificamente no
Direito das Obrigações, é a lei que garante a formação do vínculo obrigacional.

Sempre presente como fonte, a lei ora atua como fonte imediata, ora atua como
fonte mediata da obrigação. A lei é fonte imediata nas situações em que a
obrigação decorre, exclusivamente, da vontade do Estado, ou seja, nos casos em
que a obrigação é determinada diretamente pela lei, a exemplo da obrigação
alimentar (art. 1.696, CC). Já o papel de fonte mediata da lei se dá quando a
obrigação decorre do fato jurídico, pois aqui a fonte imediata será a vontade dos
sujeitos manifesta no fato jurídico, e a lei agirá respaldando esse fato
(GONÇALVES, 2019).

Neste sentido, "pode-se, assim, resumidamente, dizer que a obrigação resulta da


vontade do Estado, por intermédio da lei, ou da vontade humana, por meio do
contrato, da declaração unilateral da vontade ou do ato ilícito. No primeiro caso, a
lei atua como fonte imediata, direta, da obrigação, nos demais, como fonte
mediata ou indireta" (GONÇALVES, 2019, p. 50).

4.2 Fato jurídico voluntário como fonte das obrigações: ato jurídico e negócio
jurídico

Por fato jurídico voluntário, entende-se ser o fato que produz efeitos queridos
pelo sujeito. Tal categoria de fato jurídico abrange os atos jurídicos e os negócios
jurídicos.
Ato jurídico, em sentido estrito, “é o que gera consequência jurídica prevista em
lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia
privada” (DINIZ, 2007, p. 42). Já negócio jurídico é quando “se procura criar
normas para regular interesses nas partes, harmonizando vontades
aparentemente antagônicas” (DINIZ, 2007, p. 42). Resumidamente, negócio
jurídico possui efeitos oriundos das vontades das partes, previamente negociadas
entre elas, enquanto o ato jurídico em sentido estrito é aquele que só possui os
efeitos previstos em lei, mas que também eram pretendidos pelo sujeito.

4.3 Fato jurídico involuntário como fonte das obrigações: ato ilícito

Ainda seguindo o entendimento de Maria Helena Diniz, define-se fato jurídico


involuntário como aquele que gera efeitos alheios à vontade do agente, o que
ocorre nos casos de ato ilícito. Aqui, tem-se apenas consequências indesejadas
pelo agente, previstas em lei, como as sanções (DINIZ, 2007). Os atos ilícitos foram
definidos expressamente no Código Civil, em seus artigos 186 e 187, sendo que
suas consequências se encontram previstas nos artigos 927 e5 Atos unilaterais

Como regra geral no Direito das Obrigações, as declarações unilaterais de vontade


de um sujeito são fatos irrelevantes do ponto de vista da constituição de uma
obrigação. Normalmente, o Direito das Obrigações trata de situações onde há
convergência de declarações de vontades de mais de um sujeito, que formam um
vínculo obrigacional entre si.

Todavia, excepcionalmente, atos unilaterais (declarações unilaterais de vontade)


constituem obrigações para o sujeito, seja colocando-o como sujeito ativo ou
passivo de uma obrigação (COELHO, 2012). O Código Civil apresenta, em seu
Título VII, quatro tipos de atos unilaterais geradores de obrigação: promessa de
recompensa (arts. 854 a 860), gestão de negócios (arts. 861 a 875), pagamento
indevido (arts. 876 a 883) e enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886).
seguintes.

5.1 Promessa de recompensa

A promessa de recompensa ocorre quando um sujeito se compromete a


recompensar ou gratificar um terceiro que preencher certos requisitos pré-
estabelecidos. Este sujeito que promete a recompensa é chamado de
“promitente” e, ao se comprometer, fica vinculado aos termos de sua declaração,
se tornando devedor desta (COELHO, 2012). Nesse sentido, ressalta-se o artigo
855 do Código Civil, que estabelece que quem preencher os requisitos
estabelecidos pelo promitente tem direito de exigir a recompensa. Por fim,
ressalta-se que, como pontua Coelho (2012), pode-se prometer recompensa por
qualquer ato, fato, coisa, fazer ou condição, basta que recompense-se algo lícito.

5.2 Gestão de negócios

Como regra geral, uma pessoa pratica atos só em nome próprio, ou em nome de
terceiro através de representação (uma procuração, por exemplo). Todavia,
existem situações em que um sujeito pratica atos sem ser representante legal ou
contratual de outro sujeito, mas que geram obrigações para o último. É o caso da
gestão de negócios. Conforme o artigo 861 do Código Civil, a gestão de negócios
ocorre quando “aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão
de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu
dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar” (BRASIL, 2002, on-
line). O dono do negócio deve ser imediatamente comunicado (art. 864, CC).

5.3 Pagamento indevido

É a hipótese em que alguém recebe algo que não lhe era devido, nascendo assim
a obrigação de restituir (art. 876, CC). Por exemplo, se Amanda paga a pessoa
errada, quem receber o pagamento de Amanda tem dever de restituir o valor
recebido. Todavia, conforme artigo 877, cabe a Amanda provar que realizou o
pagamento indevido em razão de um erro.
Observa-se na redação desse artigo que, na verdade, o dono do negócio só fica
vinculado em relação a atos praticados em atenção aos seus interesses e, ainda
segundo o Código Civil (art. 862), se a gestão for contrária aos interesses do dono,
caberão sanções contra aquele que interviu em seu negócio.

5.4 Enriquecimento sem causa

O Código Civil conceitua o enriquecimento sem causa de maneira clara e objetiva


em seu artigo 884: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários.” (BRASIL, 2002, on-line). Assim, quando um sujeito adquirir vantagem
patrimonial em função de terceiro sem fundamento jurídico para isso, nasce a
obrigação de compensar o sujeito prejudicado (COELHO, 2012).

6 Classificação das obrigações

São várias as classificações possíveis para as obrigações, que variam de


doutrinador para doutrinador. Para fins didáticos, apresentam-se aqui as
classificações utilizadas pelo Código Civil expressamente, ou seja: obrigações de
dar (arts. 233 a 246), obrigações de fazer (arts. 247 a 249), obrigações de não
fazer (arts. 250 e 251), obrigações alternativas (arts. 252 a 256), obrigações
divisíveis e indivisíveis (arts. 257 a 263) e obrigações solidárias (arts. 264 a 285).

6.1 Obrigações de dar

Nas obrigações de dar, o devedor tem o dever de entregar um bem móvel ou


imóvel para seu credor. O cumprimento da obrigação de dar bem móvel ocorre
com a tradição, enquanto o cumprimento da obrigação de dar bem imóvel se dá
com o registro (GONÇALVES, 2019).
Segundo Diniz (2007, p. 70), "são consideradas como prestações de coisa as
obrigações do vendedor e comprador, do locador e locatário, do doador e do
depositário (CC, art. 627), do segurador e do segurado (CC, art. 757), do
comodatário, do rendeiro ou censuário (CC, art. 810), do mutuário (CC. 586) etc."

A obrigação de dar pode se referir a dar coisa certa ou incerta. Coisa certa é a
coisa individualizada, perfeitamente determinada em gênero, quantidade e
quantidade. Por exemplo, ao comprar uma obra de arte de um certo artista, tem-
se coisa certa, pois nenhuma outra obra poderá substituir aquela precisamente. Já
a coisa incerta é a coisa desprovida de individualidade, apenas definida quanto ao
seu gênero e quantidade, logo, desprovida de sua qualidade. Por exemplo, um
restaurante ao comprar uma caixa de cebolas, sem especificação de qualidade
(GONÇALVES, 2019).

6.2 Obrigações de fazer

A obrigação de fazer é aquela em que o credor busca um ato ou serviço a ser


executado pelo devedor. Ao contrário do que ocorre na obrigação de dar, aqui
busca-se a conduta do devedor, não o bem que possa resultar dessa conduta. Para
avaliar se uma obrigação é de dar ou de fazer, deve-se analisar o que prepondera:
se é a coisa em si, ou se o a coisa é uma mera consequência do fazer (FARIAS;
ROSENVALD, 2017).
#PraCegoVer: Na imagem, temos uma representação gráfica em três níveis: o
primeiro, e maior, apresenta o Direito das obrigações como conjunto de regras
jurídicas; na sequência, interliga dois importantes conceitos da obrigação do fazer:
o credor, com a capacidade de exigir determinada prestação econômica ou
determinado comportamento e, o devedor, que tem o dever de cumprir prestação
econômica ou omissão de comportamento. Além disso, para o devedor, o
patrimônio garante o cumprimento da prestação.

A obrigação de fazer pode ser fungível ou infungível. Veja a seguir:


Fungível

É aquela substituível, impessoal, em que o ato ou serviço pretendido pode ser


executado por terceiro, sem prejuízo ao cumprimento da obrigação (art. 249, CC).

Infungível

É aquela insubstituível, de caráter personalíssimo - que só pode ser executada


pela pessoa do devedor para que ocorra o adimplemento (art. 247, CC).

No caso de obrigação infungível, se o devedor inadimplir com sua obrigação, o


que torna a obrigação impossível por ser a prestação personalíssima, deverá
indenizar o credor por perdas e danos, salvo se não teve culpa no inadimplemento
(arts. 247 e 248, CC). Noutro giro, em caso de obrigação fungível, se o devedor
inadimplir com culpa, o credor poderá contratar terceiro para cumprir a prestação
e os custos serão suportados pelo devedor, que ainda poderá incorrer em perdas
e danos (art. 249, CC).

O cumprimento de uma obrigação de dar coisa só é possível se a coisa for certa.


Então, a coisa incerta deve se tornar certa no momento do adimplemento da
prestação, através da chamada concentração da obrigação, que nada mais é que a
individualização da coisa que acontece através da escolha. Em regra, a escolha da
qualidade cabe ao devedor, mas as partes podem determinar em contrato que o
credor pode ser o responsável por realizar a individualização da coisa, conforme
artigo 244, CC (DINIZ, 2007).

O Código Civil, ao disciplinar as obrigações de dar, se preocupou com a


possibilidade de perda ou deterioração da coisa, pois são situações que
impossibilitam o cumprimento da obrigação do modo em que tenha sido
pactuada entre as partes. A perda ou deterioração ocorre antes da tradição do
bem do devedor para o credor e suas consequências dependem da presença ou
não de culpa do devedor.

No caso das obrigações de dar coisa certa, se houver perda total, ou seja,
perecimento da coisa, a obrigação se torna impossível e o contrato se resolve por
inadimplemento. Contudo, se houver culpa, a obrigação também se resolve, mas
o devedor responderá pelo equivalente do valor da coisa, mais perdas e danos
(art. 234, CC). Em caso de perda parcial de coisa certa, ou seja, de deterioração,
caberá ao credor decidir se aceita a coisa no estado em que se encontra, ou se a
obrigação se torna impossível. Caso escolha receber a coisa deteriorada, haverá o
devido abatimento do valor do bem, para que o credor não fique prejudicado (art.
240, CC). Já no caso das obrigações de dar coisa incerta, como o objeto não é
individualizado até o momento do adimplemento da obrigação, não é possível que
o devedor alegue perda do objeto (art. 246, CC).

No caso das obrigações de dar coisa certa, se houver perda total, ou seja,
perecimento da coisa, a obrigação se torna impossível e o contrato se resolve por
inadimplemento. Contudo, se houver culpa, a obrigação também se resolve, mas
o devedor responderá pelo equivalente do valor da coisa, mais perdas e danos
(art. 234, CC). Em caso de perda parcial de coisa certa, ou seja, de deterioração,
caberá ao credor decidir se aceita a coisa no estado em que se encontra, ou se a
obrigação se torna impossível. Caso escolha receber a coisa deteriorada, haverá o
devido abatimento do valor do bem, para que o credor não fique prejudicado (art.
240, CC). Já no caso das obrigações de dar coisa incerta, como o objeto não é
individualizado até o momento do adimplemento da obrigação, não é possível que
o devedor alegue perda do objeto (art. 246, CC).

Por fim, observa-se a obrigação de restituir, subespécie da obrigação de dar,


prevista nos artigos 238 a 240 do Código Civil. São as hipóteses que se
caracterizam “pela existência de coisa alheia em poder do devedor, a quem
cumpre devolvê-la ao dono. Tal modalidade impõe àquele a necessidade de
devolver coisa que, em razão de estipulação contratual, encontra-se
legitimamente em seu poder” (GONÇALVES, 2019, p. 72). É o que ocorre, por
exemplo, quando um sujeito aluga um automóvel, contraindo a obrigação de
devolver o veículo para a locadora em uma determinada data. Aqui, se a coisa se
perder antes de ser devolvida para o credor, sem culpa do devedor, a obrigação se
resolve e o credor sofre a perda (art. 238, CC). Contudo, se houver culpa do
devedor, este responderá pelo equivalente, mais perdas e danos (art. 239, CC). O
mesmo vale para a hipótese de deterioração, pois só caberá indenização em favor
do credor se houver culpa do devedor (art. 240, CC).

6.3 Obrigações de não fazer

Enquanto as obrigações de dar e de fazer são consideradas obrigações positivas,


por exigirem uma conduta do devedor, as obrigações de não fazer são chamadas
de negativas, pois exigem uma omissão por parte do devedor. A obrigação de não
fazer tem como foco um dever de abstenção (GONÇALVES, 2019). Em caso de
obrigação impossível, sem culpa do devedor, a obrigação de não fazer se extingue
(art. 250, CC). Já em caso de descumprimento da obrigação de não fazer com
culpa do devedor, o credor pode exigir que este desfaça o ato praticado, quando
possível, e ainda há possibilidade de incidência de perdas e danos (art. 251, CC).

6.4 Obrigações alternativas

Quando uma obrigação possui apenas um objeto, chama-se essa de obrigação


simples. Já quando uma mesma obrigação possui múltiplos objetos tem-se uma
obrigação composta. Uma obrigação composta pode ser cumulativa, alternativa
ou facultativa.

Obrigação cumulativa é aquela em que há mais de uma prestação e a obrigação só


será cumprida se todas as prestações forem solvidas. Por sua vez, na obrigação
alternativa existem múltiplas prestações, mas basta o cumprimento de uma delas
para que a obrigação se dê por cumprida. Para facilitar a memorização, basta
lembrar que as prestações da obrigação cumulativa são interligadas por “e” (dar
um boi e uma galinha e um porco), enquanto as prestações da obrigação
alternativa são interligadas por “ou” (dar um boi ou uma galinha ou um porco)
(GONÇALVES, 2019).

Conforme previsão expressa no Código Civil, em seu artigo 252, como regra, a
escolha da prestação que bastará para sanar a obrigação será realizada pelo
devedor. Quando a prestação é escolhida, ocorre a concentração da obrigação. A
presença de um objeto definido fruto da concentração torna a obrigação simples.
Segundo Gonçalves (2019), o fundamento por trás da existência das obrigações
alternativas é favorecer o cumprimento da obrigação, pois permite ao devedor
mais possibilidades de prestações capazes de sanar seu dever.

Devido à multiplicidade de possíveis prestações, deve-se ter atenção com as


previsões do Código Civil para o caso de perda do objeto em obrigação alternativa.
Se apenas uma das prestações se perder, a obrigação se concentra na prestação
restante (art. 253, CC). Se todas as prestações se perderem, sem culpa do
devedor, a obrigação se extingue (art. 256, CC). Agora, se todas as prestações se
perderem com culpa do devedor, o devedor terá de pagar ao credor o valor
correspondente à última prestação que se perdeu e ainda há possibilidade de
perdas e danos (art. 254, CC).

Na hipótese de, por estipulação contratual, ter-se estabelecido que a escolha da


prestação cabe ao credor, afastando-se assim a regra geral prevista no artigo 252
do Código Civil, se houver perda de uma prestação, o credor poderá escolher se
quer que esta seja substituída por uma das prestações alternativas, ou se quer
receber o valor da prestação que se perdeu, podendo ainda exigir perdas e danos
(art. 255, CC).
6.5 Obrigações alternativas com faculdade de substituição da prestação

Existe uma subespécie de obrigação alternativa chamada obrigação facultativa,


que é uma “obrigação simples, em que é devida uma única prestação, ficando,
porém, facultado ao devedor, e só a ele, exonerar-se mediante o cumprimento de
prestação diversa e predeterminada. É obrigação facultativa de substituição.”
(GONÇALVES, 2019, p. 108)

As obrigações facultativas não possuem previsão no Código Civil. Aqui, há a


estipulação de objeto principal e objeto substitutivo (secundário ou subsidiário) e
caberá ao devedor, e somente a ele, escolher qual objeto pagará para cumprir
com a obrigação. Esta é a diferença fundamental entre as obrigações alternativas
genéricas e as obrigações alternativas com faculdade de substituição da prestação,
pois naquelas pode-se estipular que a escolha da prestação caberá ao credor
(FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Outra diferença fundamental reside no fato de a obrigação alternativa ser


composta, enquanto a obrigação facultativa é simples. Apesar de a obrigação
facultativa ter mais de uma prestação possível, do ponto de vista do devedor, para
o credor a prestação é só uma e, por isso, simples.

Como aqui todo processo de escolha emana do devedor, caso haja perda do
objeto, a obrigação se extingue sem possibilidade de o credor exigir qualquer
outra prestação, ou então o devedor poderá meramente realizar o pagamento
através de um objeto substitutivo (GONÇALVES, 2019)

6.6 Obrigações divisíveis e indivisíveis

Nas obrigações divisíveis e indivisíveis, há multiplicidade de sujeitos, ou no polo


ativo da obrigação, ou no polo passivo, ou em ambos os polos. Obrigações
divisíveis (fracionárias) são aquelas em que é possível que haja cumprimento
fracionado, ou seja, a obrigação pode ser dividida entre as partes, sem que a
prestação fique prejudicada (art. 257, CC). Por sua vez, as obrigações indivisíveis
são aquelas em o objeto é uma coisa ou fato que não pode ser fracionado (art.
258, CC).

Como regra, toda obrigação é divisível, então, obrigações indivisíveis são


excepcionais. Quanto à divisibilidade do bem propriamente dito, o Código Civil,
em seu artigo 87, define que “bens divisíveis são os que se podem fracionar sem
alteração na sua substância, diminuição considerável do valor, ou prejuízo do uso
a que se destinam” (BRASIL, 2002, on-line). Ainda, em seu artigo 88 esclarece que
“os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação
da lei ou por vontade das partes” (BRASIL, 2002, on-line). Também se destaca aqui
a redação do artigo 258, que define que “a obrigação é indivisível quando a
prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetível de divisão, por sua
natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada razão determinante do
negócio jurídico” (BRASIL, 2002, on-line). Assim, em resumo, pode-se concluir que
a indivisibilidade pode ocorrer por três razões distintas: 1) pela natureza da coisa;
2) por vontade das partes; ou 3) por determinação da lei.

Como exemplo de obrigação indivisível pela natureza da coisa, tem-se a obrigação


de dar um gato, pois não é possível repartir um animal sem que esse morra
(COELHO, 2012). Já como exemplo de indivisibilidade por determinação da lei,
tem-se o artigo 1.791, que determina que até que ocorra a partilha, a herança
será indivisível para os co-herdeiros.

Analisa-se agora, os efeitos da divisibilidade e da indivisibilidade da prestação. Se


a obrigação for divisível e houver pluralidade de devedores, cada devedor será
responsável apenas por sua quota-parte da prestação. Havendo pluralidade de
credores, cada credor só tem direito a sua parte (art. 257, CC). Assim, por
exemplo, em uma obrigação onde duas pessoas devem 200 reais para um credor,
cada pessoa só está obrigada a pagar 100 reais, que é sua quota-parte. Agora, em
outro exemplo, se uma pessoa deve duas sacas de café para dois credores, cada
credor só pode exigir uma saca de café do devedor, o que equivale a sua parte
(GONÇALVES, 2019).

Se a obrigação for indivisível, o Código Civil prevê regras distintas para o


cumprimento da obrigação. Segundo o artigo 259, no caso de pluralidade de
devedores, todos são responsáveis pela dívida toda e, caso apenas um devedor
pague a dívida sozinho, poderá cobrar dos demais, sub-rogando-se no direito do
credor (ou seja, assumindo o papel de credor). Esta regra decorre justamente da
indivisibilidade da prestação. Nas palavras de Gonçalves (2019, p. 122),

o devedor, demandado por obrigação indivisível, não pode exigir que o credor
acione conjuntamente todos os codevedores. Qualquer deles, à escolha do autor,
pode ser demandado isoladamente pela dívida inteira. Ressalva-se apenas ao
devedor, que solve sozinho o débito por inteiro, sub-rogação dos direitos
creditórios, a fim de reaver dos consortes as quotas respectivas.

Havendo pluralidade de credores, cada credor só terá direito a sua parte. Então,
se um devedor decidir pagar a dívida inteira a apenas um credor, ainda assim este
poderá ser demandado pelos demais cocredores. Assim, o devedor só cumpre a
obrigação se pagar todos os credores, ou se pagar um credor com caução de
ratificação dos demais credores (art. 260, CC). Caso apenas um credor receba a
prestação inteira, os outros cocredores poderão cobrar sua parte deste credor
(art. 261, CC).

Segundo o artigo 262 do Código Civil, se um dos credores remitir a dívida, ou seja,
perdoar a dívida, esta remissão só vale para sua parte da prestação, então, os
outros cocredores ainda poderão exigir sua parte da dívida, sem, é claro, poderem
exigir a quota-parte da dívida que era do credor que realizou a remissão da dívida.
Então, por exemplo, se João deve dez sacas de café para cinco credores (duas
sacas para cada) e um dos credores decide remir a dívida, João ainda deve um
total de oito sacas de café (duas sacas para cada um dos quatro credores que não
perdoaram a dívida).

Por fim, aponta-se que, nas obrigações indivisíveis com mais de um devedor, caso
haja inadimplemento, deve-se observar a culpa de cada um. Se todos forem
culpados pelo descumprimento da obrigação, todos responderão pelo equivalente
da prestação, mais perdas e danos. Contudo, se a culpa for de apenas um devedor,
todos respondem pelo valor equivalente, mas apenas o culpado responderá por
perdas e danos (art. 263, CC).

6.7 Obrigações solidárias e obrigações indivisíveis

Uma obrigação é solidária quando há multiplicidade de credores e/ou devedores


e todos os credores têm direito à dívida toda, enquanto cada devedor é
responsável pelo adimplemento da dívida toda. As obrigações solidárias estão
disciplinadas no Código Civil, nos artigos 264 a 285. Quando há multiplicidade de
devedores, há solidariedade passiva. Quando há multiplicidade de credores, há
solidariedade ativa (PEREIRA, 2018). Nesse sentido, as principais características da
obrigação solidária são, segundo Gonçalves (2019, p. 132):

a) pluralidade de sujeitos ativos ou passivos; b) multiplicidade de vínculos, sendo


distinto ou independente o que une o credor a cada um dos codevedores
solidários e vice-versa; c) unidade de prestação, visto que cada devedor responde
pelo débito todo e cada credor por exigi-lo por inteiro. A unidade de prestação
não permite que esta se realize por mais de uma vez; se isto ocorrer, ter-se-á
repetição (CC, art. 876); d) corresponsabilidade dos interessados, já que o
pagamento da prestação efetuado por um dos devedores extingue a obrigação
dos demais, embora o que tenha pago possa reaver dos outros as quotas de cada
um.

É muito importante diferenciar as obrigações solidárias das obrigações indivisíveis,


pois as duas se assemelham pela pluralidade de sujeitos e pela possibilidade de a
obrigação ser demandada de apenas um devedor. A primeira diferença consiste
no fato de que, na obrigação indivisível, um devedor só poderá ser demandado
pela dívida toda em razão da impossibilidade de se dividir a prestação, enquanto
que, na obrigação solidária, a prestação até pode ser divisível, mas, mesmo assim,
cada devedor será responsável pelo todo. Em outras palavras, na obrigação
indivisível, ainda que o devedor possa ser demandado individualmente pelo todo,
este só deve sua quota-parte. Já na obrigação solidária, o devedor pode ser
demandado pelo todo porque deve o todo. Nesse sentido, diz-se que a obrigação
solidária é uma relação subjetiva (recai sobre os sujeitos), enquanto que a
obrigação indivisível é objetiva (tem a ver com o objeto da obrigação, que é a
prestação) (PEREIRA, 2018).

Por fim, Pereira (2018) aponta outra diferença: na obrigação indivisível, caso essa
se converta em perdas e danos, a obrigação perde sua indivisibilidade, pois,
conforme preceitua o artigo 263 do Código Civil, todos os devedores responderão
igualmente por estas. Por sua vez, na obrigação solidária, esta perdura mesmo se
convertida em perdas e danos, afinal, não guarda relação com o objeto da
obrigação, mas sim com seus sujeitos.

Fique de olho6.8 Obrigações solidárias ativas, passivas e seus efeitos

Agora, passa-se para uma análise aprofundada das obrigações solidárias.


Primeiramente, observa-se que os artigos 265 e 266 do Código Civil trazem dois
princípios comuns à solidariedade. O primeiro deles é que solidariedade não se
presume, pois deve advir da lei ou da vontade das partes (art. 265, CC). O
segundo princípio trata da possibilidade de uma obrigação solidária poder
apresentar diferentes modalidades de obrigação dentro de si, variando entre os
devedores e credores (art. 266, CC). In verbis: “A obrigação solidária pode ser
pura e simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a
prazo, ou pagável em lugar diferente para o outro” (BRASIL, 2002, on-line).
Assim, o artigo 266 demonstra que a obrigação solidária pode ser distinta entre
os sujeitos sem que, contudo, a obrigação perca sua unidade. Por exemplo, para
facilitar o cumprimento da obrigação, pode-se definir que cada devedor pode
cumprir sua prestação em um local distinto. O artigo 266 se comunica,
diretamente, com uma das principais características da obrigação solidária, que
é a multiplicidade de vínculos (GONÇALVES, 2019). Quanto aos efeitos da
solidariedade, estes diferem a depender da obrigação solidária ser ativa (quanto
aos credores) ou passiva (quanto aos devedores). Conforme preceitua o artigo
267 do Código Civil, na obrigação solidária ativa cada um dos credores pode
exigir do devedor a prestação por inteiro e, assim, a obrigação se resolve.
Posteriormente, basta que os cocredores realizem acerto com o credor que
recebeu a prestação (art. 272, CC). Noutro giro, se nenhum credor solidário
demandar a obrigação do devedor, o devedor poderá escolher a quem quer
pagar (art. 268, CC).

Caso ocorra perda do objeto da obrigação, esta se converterá em perdas e danos


e a solidariedade continuará a existir (art. 271, CC). Se um dos cocredores remitir
a dívida em uma obrigação solidária, a remissão valerá para todos os demais, ou
seja, a obrigação fica extinta para o devedor em relação a todos os credores.
Nesse caso, o cocredor que realizou a remissão deverá ressarcir os demais (art.
272, CC).

O artigo 273 do Código Civil trata da possibilidade de um devedor opor exceções


pessoais a um dos credores. “Exceção” é uma palavra técnica utilizada pelo
legislador que quer dizer defesa contra uma pretensão, ou seja, um ataque que
o devedor pode utilizar contra um credor. Uma exceção pode ser objetiva
(aponta vícios da própria prestação) ou pessoal (aponta vícios na relação dos
sujeitos da obrigação). Como exemplo de exceções pessoais, tem-se, por
exemplo, o caso em que um devedor aponta que o credor não está devidamente
representado em um processo. Assim, o que o artigo acima preceitua é que, se o
devedor opuser uma exceção pessoal contra um dos credores, esta não afeta os
demais credores. Novamente, trata-se da individualização de cada um dos
múltiplos vínculos que existem em uma mesma obrigação solidária
(GONÇALVES, 2019).

Por fim, ainda tratando da obrigação solidária ativa, observa-se que a coisa
julgada em relação a um dos credores beneficia todos os demais, caso seja
favorável a eles. Todavia, caso a coisa julgada traga prejuízos, valerá apenas para
o credor que participou da causa (art. 274, CC).

Agora, analisam-se os efeitos da solidária passiva, ou seja, nos casos em que há


múltiplos devedores, que podem ser executados em conjunto, ou
separadamente, sendo que cada um responde pelo todo da prestação (art. 275,
CC). Caso um dos devedores solidários venha a falecer, preceitua o Código Civil,
em seu artigo 276, que, havendo herdeiros “nenhum destes, será obrigado a
pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a
obrigação for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um
devedor solidário em relação aos demais devedores.” (BRASIL, 2002, on-line). O
que o artigo em questão diz, em outras palavras, é que se um devedor morrer, a
solidariedade se extingue para seus herdeiros. O conjunto de herdeiros substitui
o falecido devedor e os herdeiros entre si não são solidários, ou seja, só podem
ser demandados em conjunto. Nenhum herdeiro poderá ser cobrado
individualmente pela prestação. (GONÇALVES, 2019).

Caso um devedor tenha sua dívida perdoada, ou seja, remitida, tal fato não será
aproveitado pelos demais codevedores (art. 277, CC). Para clarificar o conteúdo
desse artigo, tem-se o seguinte exemplo: uma obrigação com três devedores,
em que cada um deve uma quota-parte de cinco reais, totalizando-se uma dívida
de quinze reais entre eles. Um dos três devedores obtém remissão da sua dívida.
Essa remissão não vale para os demais, no sentido de que eles continuam sendo
devedores. Todavia, a quota-parte remida não poderá ser exigida deles, então,
agora devem em conjunto um total de dez reais.

Ainda nesse exemplo, observa-se que o devedor que adquiriu perdão de sua
dívida, continua podendo ser demandado da dívida total – que agora é de dez
reais. Isso porque continua sendo devedor solidário. Então, em resumo, “a
remissão ou perdão pessoal dado pelo credor a um dos devedores solidários não
extingue a solidariedade em relação aos codevedores, acarretando tão somente
a redução da dívida, em proporção ao valor remitido” (GONÇALVES, 2019, p.
159). Então, observa-se que o efeito da remissão na solidariedade passiva é
diferente da remissão da solidariedade ativa, pois na última a remissão exonera
o devedor (art. 272, CC).

Há ainda a possibilidade de que o credor exonere um devedor da solidariedade.


Nesse caso, diferentemente do que ocorre na remissão da dívida, o devedor não
mais responderá pela obrigação total, mas apenas por sua quota-parte. Os
outros devedores se beneficiam da exoneração de um devedor, pois a dívida
total da solidariedade diminui (art. 282, CC).

Assim, como ocorre na solidariedade ativa, na solidariedade passiva o legislador


também ressaltou a individualidade de cada um dos vínculos obrigacionais da
solidariedade. Neste sentido, o artigo 278 do Código Civil determina que
“Qualquer cláusula, condição, condição ou obrigação adicional, estipulada entre
um dos devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos
outros sem consentimento destes” (BRASIL, 2002, on-line).

Quanto a impossibilidade da prestação, o artigo 279 do Código Civil apresenta as


consequências do inadimplemento da obrigação por culpa de um dos devedores
solidários. Quando isso ocorre, todos os demais devedores solidários
respondem pelo encargo de pagar o equivalente, ou seja, arcam com o valor da
quota-parte que não foi paga. Contudo, as perdas e danos só são devidas pelo
devedor culpado.

Caso o cumprimento da obrigação esteja em mora, se a culpa for de todos os


devedores, todos são responsáveis pelo pagamento de juros da mora. Se a culpa
for de apenas um devedor, ainda assim responderão pelos juros da mora,
contudo, o culpado deverá ressarcir seus codevedores posteriormente (art. 280,
CC). Quanto à possibilidade de oposição de exceções por um dos devedores
solidários, ressalta-se que não é possível opor ao credor uma exceção pessoal de
outro codevedor. Só é possível opor uma exceção pessoal que seja do próprio
devedor demandado, ou então uma exceção comum (art. 281, CC). O devedor
que for demandado da dívida da solidariedade por inteiro, terá direito de
regresso contra os demais codevedores, conforme preceitua o artigo 283 do
Código Civil (GONÇALVES, 2019).

Por sua vez, o artigo 284 do Código Civil trata da hipótese de insolvência de um
dos codevedores solidários. Quando essa hipótese ocorre, todos os codevedores
responderão pela quota deste, ainda que tenham sido exonerados da
solidariedade pelo credor. Isso ocorre porque é de pleno direito do credor
exonerar um devedor da solidariedade em relação ao crédito, contudo, a
exoneração não pode prejudicar direito alheio, que é o que ocorre caso o
devedor exonerado não pudesse responder pela eventual insolvência de um
codevedor da solidariedade (GONÇALVES, 2019). Para melhor compreensão,
tem-se o seguinte exemplo:

Tempos depois, Eduardo se tornou insolvente, o que impossibilitou o seu


pagamento da dívida e, consequentemente, Pedro foi responsável por realizar o
pagamento do restante da obrigação inteira sozinho, ou seja, realizou
pagamento de R$ 20.000,00.

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Finalmente, preceitua o artigo 285 do Código Civil: “Se a dívida solidária


interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela
para com aquele que pagar” (BRASIL, 2002, on-line). Aqui, segundo o
doutrinador Caio Mario Pereira (2018), tem-se situação em que, por algum
motivo, na solidariedade existe um devedor principal, como ocorre no caso de
fiança, onde há o direito de reembolso do fiador contra o afiançado (devedor
principal).

É ISSO AÍ!Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

entender o conceito de obrigação, seus elementos, sujeitos e fontes;

estudar sobre direito das obrigações, suas individualidades e sua relação com as
demais ramificações do Direito Civil;

compreender os princípios do direito das obrigações: princípio da socialidade,


princípio da eticidade e princípio da operabilidade;

aprender conceitos-chave, como dever jurídico, responsabilidade, sanção e


coação;

conhecer as classificações das obrigações, aprofundando-se em cada uma delas,


quais sejam: obrigação de dar, fazer e não fazer, além das obrigações
alternativas, divisíveis, indivisíveis e solidárias.

REFERÊNCIAS

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