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Esmeralda Vailati Negrao ‘Ana Paula Scher Evani de Carvalho Viotti Semantica Lexical Antonio Vicente Seraphim Pietroforte Iva Carlos Lopes Seméntica Formal. Ana Liieia de Paula Miiller ‘Bvani de Carvalho Viotti Pragmatica.. José Luiz Fiorin Estudos do discurso.. Diana Luz Pessoa de Barros 33 um 137 wu161 187 Sintaxe: explorando a estrutura da senten¢ca Esmeralda Vailati Negrao ‘Ana Paula Scher Evani de CarvalhoViotti 1. Introdugao Saber como os itens lexicais de uma lingua se estruturam em uma sentenga é parte central da competéncia linguistica dos seres htamanos, tal como é entendida pela Gramatica Gerativa e como foi abordada no volume I desta Introduso. O falante de qualquer lingua natural tem um conhecimento inato sobre como os itens lexicais de sua lingua se organizam para formar expressbes mais e mais complexas, até chegar ao nivel da sentenca. Imaginemos o léxico de nossa lingua como uma especie de dicionério mental ccomposto pelo conjunto de iten lexiais(palavras) que utilizamos para constuir nossas senfengas. Nossa competéncia nos permite ter intaigdes a respeito de como podemos dividir esse dicionério, agrupando itenslexicais de acordo com algumas propriedades _gramaticais que eles compartilham. Essas propriedades nos levam a distinguir um grupo pr oposig2o a outro. Assim, por exemplo, no processo de aquisigao de nossa lingua ‘atema, sabemos, desde muito cedo, que um item lexical como mesa & diferente de um item lexical como cair. Uma crianga logo diz cau, mas nunca diz mesou. Isso indica que cla sabe que cair faz parte de um grupo de palavras - como chorar, querer, papar — que ‘pode combinar-se com um tipo particular de sufixos, como ~o, eu, iu. Ao mesmo tempo, ela sabe que mesa faz parte de um outro grupo de palavras ~ como cadeira, berco, brinquedo — que, por sua vez, pode se combinar com outro tipo de sufixo. 82 Inrodugd0 6 Linguistica ‘Nossa competéncia linguistica também nos ajuda a perceber que as sentengas de nossa Iingua no so o resultado da mera ordenagao de itens lexicais em uma sequéncia linear, Sem nunca ter passado por um aprendizado formal a respeito desse assunto, sabemos que uma sequéncia de palavras como menino bicicleta 0 da caiu nfo é uma sentenga do portugués. Ao mesmo tempo, sabemos que, para termos uma sentenga do portugués formada por esses mesmos itens lexicais, pre- cisamos, antes, fazer combinagdes intermedirias: compor o com menino; compor da com bicicleta; compor caiu com da bicicleta;e, finalmente, compor o menino com caiu da bicicleta, Sabemos, portanto, que a estrutura da sentenga nfo ¢ linear, mas sim hierérquica, Essa nossa competéncia também nos indica que uma sentenga se constitui de dois tipos de itens lexicais: de um lado, esto aqueles que fazem um tipo particular de exigéncia e determinam os elementos que podem satisfazé-la;e, de outro, esto os itens lexicais que satisfazem as exigéncias impostas pelos primeiros. Tomemos, como exemplo, uma sentenca como ‘O Jodo construiu uma casa’. Intuitivamente, sabemos que 0 verbo consiruir é um item lexical do tipo que faz exigéncias. Construir precisa ser acompanhado de duas outras expressées lingufsticas: uma que corresponda ao objeto construido e outra, a agente construtor. Na sentenga em exame, as expressdes uma casa e o Jodo sio as express6es que, respectivamente, satisfazem e35as exigencias impostas por construir. Isso é to natural para nés ‘que 86 nos damnos conta de que as coisas so como so, se formos expostos a uma sentenga fora de contexto, em que uma das exigéncias impostas por construir nfo csteja satisfeta. Imaginemos que alguém se aproxime de nés e nos diga, como inicio de conversa, ‘construiu uma casa’, Nossa reagio é imediatal Perguntamos logo ‘quem construiu wma casa? ”. Com isso, estamos pedindo a nosso interlocutor que acerte sua sentenga, de modo a que as imposigdes feitas pelo verbo construir sejam satisfeitas. Nosso objetivo, neste texto, € mostrar como esse nosso conhecimento linguistico pode ser usado como um guia a nos orientar no trabalho de anélise da estrutura das sentengas de nossa lingua. 2. Categorias gramaticais Qualquerfalante da lingua portuguesa dra que palavra menino é do mesmo tipo que garota ou cackorros e dem tipo diferente das palavras comprar, comprou, compraria que, por sua vez, so do mesmo tipo que cantar, cantévamos, cantardo. (Ou sea, os flantes de uma lingua sabem que um certo item lexial pertence a uma dcterminada categoria gramatical. Alguns poderiam dizer que esse saber & conse- quéncia do conhecimento do significado do item lexical em questo. No entanto, se expusermos 0s falantes a sentengas com palavras inventadas, que nao existem no Sitoxe: explerando a estulure da sentenca 83 assam a ser definidas exatamente pelo fato de que os tens que as inte- ‘gram compartilham tais propriedades gramaticais. Sendo assim, o trabalho do analista da linguagem ¢ observar 0 comportamento gramatical de cada um dos itens lexicais ‘que integra o diciondrio de sua lingua e dividi-los em grupos de itens que exibem ‘comportamnentos comuns, Cada grupo corresponde a wa categoria gramatical CO trabalho de agrupamento de itens lexicais de cada uma das linguas naturais ‘em categorias zramaticais no é novo. Ao contrario, é tio antigo quanto os estudos linguisticos. Qualquerlivro de gramética contém uma seeao, comumente chamada “classes de palavras”, em que, a partir de alguns critérios tomados como definidores, classificam-se os itens lexicais de uma lingua. (© mode como tais livros nos apresentam as categorias gramaticais de nossa lingua nos da a impressio de que o trabalho de classificago dos itens lexicais do portugués jé est pronto, restando-nos somente a tarefa de memorizar 0s crtérios expressos sob a forma de definigdes, ¢, consequentemente, de memorizar os itens que integram cada classe. No entanto, essa completude é apenas aparente. Quem {id se submeten a tarefa de analisar a lingua viva, defrontou-se com problemas, ‘uma vez que, nesses livros, s6 vemos tratados os easos prototipicos. E por iss0 Sintoxe: exporando a estrutura da sentenca’ 85 ‘que, no nosso entender, devemos nfo memorizar, mas iniciar-nos no trabalho de observacio das propriedades gramaticais dos itens lexicais de nossa lingua para, assim, ter a experiéncia da propria elaboracio de agrupamentos que servirain de base para o estabelecimento das categorias gramaticais Utilizando-nos dos critérios morfolégicos, distribucionais ¢ semanticos ‘podemos comecara levantar propriedades caracterizadoras de algumas categorias ‘gtamaticais, para que assim possamos vivenciar o processo de construso dos agra: pamentos dos itens lexicais de nossa lingua. Examinemos as sentencas em (4): () & A fagia sumin no céu As fags sumiram no céu ¢. Ble encontrou muitsfagias gigentescas, A primeira propriedade que observamos a0 comparar as sentengas em (4) éa de que a palavra fagia tem formas diferentes dependendo do fato de ela ser singular uplural. O morfema plural -s €caracteristco de palavras do tipo de garota/garotas. Em nossa lingua, palavras terminadas em -a sdo, em geral, palavras marcadas como pertencentes ao género feminino, Marcas de género e nimero sio tipicas de itens lexicais que integram a categoria dos nomes ou substantivos. Do ponto de vista distribucional, observamos que em (4a (4b, o item lexical fagia(s) vem antecedido pelos determinantes a, as. Em (4)c, ele ver. antecedido pelo quantificador muitas e seguido pela propriedade expressa pela palavra gigantescas, funcionando como o niicleo do constituinte que integra Ainda distribucionalmente, observamos que o constituinte do qual fagia(s) é ni- cleo pode anteceder ou seguir o verbo e satisfaz exigéncias sintiticas esemanticas. por ele impostas, Tanto 0 fato de serem nicleos de seu constituinte, quanto 0 fato de satisfazerem as imposigSes sintéticas ¢ seménticas do verbo reafirmam nossa hhipdtese de que fagia(s) pertence & categoria dos nomes. Por fim, apesar de nfo conhecermos o significado de fagia(s), sabemos que esse item nomieia uma entidade. E a classe dos nomes que inclui os itens lexicais ue desempenam 0 ato de nomear. Continuemos nossa experiéncia de observagao das propriedades com o fim de estabelecer agrupamentos de itens lexicais analisando as sentengas em (5): (6) a. 0 Jotoé um menino murge, mas no feliz 'b, O Jofoe 0 Pedro sto meninos muito murges. - O Jodo esté mais murge do que qualquer pessoa que eu conga 4. Hletem agido muito murgemente nesses dis. O item lexical murge na sentenga (5)aatribui uma propriedade ao substan- tivo menino, com o qual concorda em género e mimero. Essa concordancia pode ser comprovada na comparagaio entre (5)a e (5)b. Essa atribuigo de propriedade ‘0 substantivo pode se dar de maneira deta ou pela intermediagao de um verbo, ‘como na sentenga (5)c. O item murge aceita que a propriedade por ele atribuida varie em grau como em (5)b ¢ (5)c. Em (5)b, essa variago de grau se faz de forma 85 Intoduede & Linguistica absoluta; em (5)e, ela se faz. de forma comparativa. Com a sentenga (5)d vemos que, se acrescentarmos 0 sufixo -mente a murge, formamos um novo item lexical. Esse novo item lexical parece pertencer a uma nova categoria gramatical. Sabemos {sso porque, contrariamente ao que foi observado a respeito de murge, murgemente ‘io aceita receber marcas morfolégicas flexionais, como pode ser observado pela cstranheza da sentenga (6): (6) *0s meninos ttm agido muito murgementes nesses times dias. Ao ser exposto as sentengas em (5), qualquer falante do portugues diré que, apesar de nio saber o significado do item murge, ele parece ser do mesmo tipo que ‘ris, por exemplo, Para o falante iniciado nos estudos gramaticais, isso equivale a dizer que o item murge pertence & categoria gramatical dos adjetivos. Essa conclusdo baseada basicamente na anilise de propriedades morfologicas & corroborada pela analise da distribuigdo de murge nas sentengas. Em (5)a murge combina-se com o substantivo menino, que, subsequentemente, combina-se com o determinante um para formar 0 constituinte um menino murge. Portanto, murge ¢ parte integrante do constituinte nucleado por menino. J4 em (Se, ele & um consttuinte independente do item ao qual atribui uma propriedade. A utilizagao de itens lexicais que tém a propriedade de substituir constituintes, que aqui chamamos de Proronssas, pode funcionar como evidéncia de que murge tanto pode integrar um constituinte nucleado por um substantivo quanto pode formar um constituinte independente. Observem as sentengas em (7): ©) 2.0 Foto so 0 Soto est assim, Em (7)a, isso substitui o constituinte wm mentino murge, da sentenga (5) 4 em (Yb, assim substitui o constituinte mais murge do que qualquer pessoa, da sentenga (5)c. Distribucionalmente, podemos dizer, entio, que adjetivos ou integram constituintes nominais, ou so constituintes que tém a caracteristica de atribuir uma propriedade a um constituinte nominal. Essa atribuigto de propriedade feita pelo adjetivo ¢ mediada por um verbo, como mostra a sen- tenga (7)b. A conclustio de que murge pertence & categoria dos adjetivos nos permite agora prever outros contextos em que ele pode ocorrer. Consideremos a sentenga abaixo: (8) Bu cncontzei marge oaluno que tina feito a propost, [Na sentenga (8), murge nucleia um constituinte que pode estar relacionado a dois constituintes diferentes Um deles pode ser o constituinte eu. Nesse caso, desencadeia-se a interpretagdo de que eu estava murge quando encontrei o aluno ‘que tinha feito a proposta. O outro pode ser 0 consttuinte 0 aluno que tinha feito 4 proposta, levando-nos &interpretagao de que murge era o estado em que estava © aluno que tinha feito a proposta, quando eu o encontrei. Mais uma vez, essas Sintoxe: explorando @ estutura da ventenca 87 observag6es confirmam nossa andlise de que murge pertence & categoria gramati- cal dos adjetivos. CCabe ainda observar que a sentenga (8) pode ter @ ela associada mais uma interpretardo: a de que murge pode estar qualificando, de alguma maneira, 0 priprio evento de encontrar. Essa observagio poderia por em diivida a andlise até aqui desenvolvida. Afinal, estamos dizendo que adjetivos se associam a nomes wa constituintes nominais ¢ essa titima interpretago parece mostrar que murge pode se associar a verbos. De fato, hé outras palavras da categoria de murge que se associam a vetbos, e nao a nomes. isso o que vemos a propdsito de redondo, na seguinte sentenga, usada no comercial de cerveja: (©) Skoll a cerveja que desce redondo. esse exemplo, redondo esté associado a descer e no a cerveja: a inter- pretagio aqui ndo é a de que a cerveja estava redonda enquanto descia, mas é a de que a cerveja descia de modo redondo, suavemente, sem arestas. Alids, & ssa ‘imagem mostrada no comercial! ‘A possibilidade que temos de substitu redondo por redondamente ea falta de ‘area flexional de gnero (na sentenga (9), temos a forma redondo e nfo redonda) podem nos dar uma pista do que esté acontecendo nos casos de (8) ¢ (9). Podemos dizer que, nessas sentengas, temos um caso de coincidéncia de formas. Na verdade, quando murge integra ou se relaciona a constituintes nominais, ele é um item lexi- cal da categoria dos adjetivos. Por outro lado, quando murge se relaciona a verbos, ele pertence a uma outra categoria gramatical. O mesmo acontece com redondo. A mpossibilidade de esses itens variarem de acordo com os tragos de género eniimero ‘de um nome sustentam essa proposta. Sendo assim, podemos dizer que murge € ‘murgemente e redondo e redondamente, nesses casos, so variantes do mesmo item lexical, ‘Tradicionalmente, itens lexicais terminados em -mente so analisados como integrando uma outra categoria gramatical, a dos advérbios. Tendo em vista a discussao dos casos de (8) ¢ (9), poderfarmos nos perguntar: afinal de contas, a que categoria gramatical itens como murge e redondo pertencem: adjetivos ou advérbios? A distribuigdo desses itens, nas sentengas (8) e 9), parece indicar que estdo no caminho certo as hipdteses que sugerem que adjetivos e advérbios em -mente constituem uma tinica categoria gramatical. Nos termos dessas hipéteses, adjetivos esto para constituintes nominais assim como advérbios em -mente esto para verbos. ‘Um outro fato que corrobora uma andlise que engloba adjetivos ¢ advérbios ‘em -mente em uma ‘nica categoria é o de que esse tltimo grupo apresenta pro- priedades muito diferentes das de outros itens tradicionalmente assumidos como pertencentes & categoria gramatical dos advérbios. Observemos a sentenga (10) (10) Ete pds o caro dentro da garage. 88 Inrodueto 8 Unguisico t Deniro ¢ um dos itens lexicaistradicionatmente classificado como advérbio, “Tanto quanto os itens lexicais terminados em -mente, dentro ¢invariével, no sentido deque ee ndo concorda em género enimero com nenfum outro constituinte da sen- tence. Entretanio, em termos distribucionais ele exibe propriedades muito diferentes das dos itens terminados em -mente. Em primeiro lugar, ele precisa se compor com outros itens lexicais para formar um constituinte, do qual ele é 0 néicleo. Como tal, le impde exigéncias sintaticas e seménticas a esses itens lexicais que a ele se jjuntam para formar um constituinte, Dessa forma, podemos dizer que a garagem satisfaz condigdes impostas por dentro. Para que a combinaglo entre dentro e a ‘garagem seja possivel & necesséria a intermediagao do item de. O constituinte dentro da garegem, por sua vez, satisfaz, tanto quanto o constituinte o carro, as ccondig6es sintiticas e seménticas impostas pelo verbo pér. O verbo pér exige vir acompanhado por dois constituintes, um expressando 0 objeto locado ¢ outro cexpressando o lugar em que esse objeto foi locado. Como se vé, portanto, 0 com- portamento sintéticoe semantico de dentro ¢ muito diferente do comportamento de ‘murge/murgenente, pondo em divida anélises que os agrupam na mesma categoria. ‘As observagdes feitas neste primeiro item tiveram 0 objetivo de exemplifi- car oraciocinio que fazemos para realizar os agrupamentos de itens lexicais. Elas também mostraram que, apesar do grande conhecimento que existe sobre essa questo, muite ainda ha por fazer. 3. Estrutura de constituintes Em sua superficie, as sentengas das linguas naturais so formadas por uma sequéncia linear de itens lexicais, Mas essa sequéncia nfo é aleatéria, Assim, ssabemos que uma sentenga como (11)a é bem formada em portugués, e que uma sentenga como (11)b nfo & possivel em nossa lingua. (12) &, © menino comprou uma bicicleta nova com a mesada, », *A.comprou uma menino nova com bcicleta mesada [Esse conhecimento € parte de nossa competéncia linguistic, jé estudada no ‘volume 1 dest livro. Sem jamais ter sido formalmente ensinados a reconhecer es truturas possiveis ou impossiveis em nossa lingua, temos uma intuigdo a respeito de como as sequéncias de elementos linguisticos devem se estruturar sucessivamente, de modo a formar unidades mais e mais complexas, até chegarmos formagio de uma sentenga, Essas unidades sto chamadas de constituintes sintéticos e s#o os ftomos com que a sintaxe opera. ‘Tomemos, como exemplo, a sentenga (11}a. Sabemos que o item lexical nova deve se juntar a palavra bicicleta para formar um constituinte superior ~ bicicleta nova— que, por sua vez, $e junta a0 item lexical wma, para formar um Sinoxe: explorondo c estutura dasentenca » 89 constituinte ainda superior ~ uma bicicleta nova, O mesmo acontece com as palavras menino e 0, que formam um constituinte superior ~ 0 menino, ¢ com 0s itens mesada e a, que formam um outro constituinte — a mesada. Esse tiltimo constituinte, por sua vez, se junta com a palavra com, para formar um constituinte hierarquicamente superior ~ com a mesada. O verbo comprou ¢ 0s constituintes uma bicicleta nova e com a mesada se juntam, formando um constituinte hierar- quicamente mais alto ~ comprou uma bicicleta nova com a mesada. Por fim, os constituintes complexos 0 menino ¢ comprow uma bicicleta nova com a mesada se juntam para formar 0 constituinte hierarquicamente mais elevedo, que é asentenca, Essa organizagdo, que parte de itens lexicais e os inclui em grupos maiores e hierarquicamente superiores, é chamada de estrutura de constituintes, A estratura de consttuintes da sentenga (11)a pode ser representada pelo seguinte diagrama Figura 1 [omenino comprow uma bicicleta nova com a mesada ‘0 menino} comprou uma bicicleta nova com a mesada| [0] [Tmenino] [comprou] [umabicicleia nova] [comamesada| famesadi] (bicicletalfnova) Gl fmesad ‘Ea impossibilidade de atribuirmos uma estrutura de constituintes ao exem- plo (11)b que o toma agramatical. Nossa competéncia linguistica nos informa que nio é possivel juntarmos um item lexical como a a outro como comprou, para formar um constituinte superior. Da mesma forma, uma palavra como bi- cicletando pode formar um consttuinte sintético com mesada. E assim por diante Em resumo, as sentengas das linguas naturas nfo sto formadas por sequén- cias inearesdeitens lexicais.Elas so formadas a partir da estruturagdohierérquica de seus constituintes, em que palavras sfo agrupadas em sintagmas e sintagmas S80 agrupados em sintagmas mais altos, até que se chegue ao nivel da sentenga. Nossa ccompeténcia linguistica nos permite ter intuigdes sobre o modo de estruturagdo das sentengas nas linguas naturai. Entretanto, muitos fatoslinguisticos, varios dos quais de natureza eminentemente sintética, podem nos ajudar a corroborar nosses intuigdes sobre a estrutura de constituintes de nossa lingua. Na préxima segto, ‘vamos examinar alguns deles. 3.1, Evidéncias para a estrutura de constituintes Alguns fendmenos da lingua que constituem evidéncia sintitica para o fato de que a sentenga é uma estrutura hierdrquica de constituintes so relacionados is 90 Intredugde & Linguistica possibilidades de distribuigto dos constituintes em diversas posigSes na sentenca. ‘Tomemos como exemplo a seguinte sentenga: (12) 0 Joto vai comprar o itm Hiv do Chomsky na Borders" aman, Para obtermos certos efeitos discursivos, os varios constituintes dessa sen- tenga podem ser colocados em posicio inicial. Esse tipo de deslocamento pode ser chamado de ToPICatzAcAO: (13), Aman, o Jo¥0 vai comprar o sttimo fivro do Chomsky na Borders. 3, Na Borders’, 0 Jodo vai comprar o tltimo livro do Chomaky aman. 6. O ditimolivro do Chomsky, 0 Joo vai comprar na Borders amanhi. 4 Do Chomsky, o Jodo vai comprar o timo livro aa Borders" amanht © Comprar 0 iltimolivo do Chomsky, o Joo vai amanhi, na Borders’ ‘Ainda, podemos deslocar 0s constituintes da sentenca para realizar uma coperagdo que é chamada de cuivacem. Nessa operagdo, constituintes da sentenca siio nfo s6 movidos para uma posido frontal, mas também s4o ‘ensanduichados’ entre o verbo ser € 0 conectivo que. Esse deslocamento serve para construirmos sentengas de foco, como as em (14): (14). B 0 Joto que vai comprar o timo livro do Chomsky na Borders’ amas ', Eo tltimo tivo do Chomsky que oJoto vai compra na Borders’ amanhi. «. Ena Borders’ que 0 Joo vai comprar oiltimo livro do Chomsky aman. 44. Baamanhi que 0 Jodo vai comprar o iltimo lio do Chomsky na Borders ‘Da mesma mancira, alguns consttuintes podem ser deslocedos para aposicéo final da sentenga. Comparem-se as sentengas em (15): (05) a. 0 Jotoconton tod hist sobre aqueetevel mal-etendido] [pra a Mara). . 0 Joo cont {pare « Mara} toda a hstria daquee terrvel ma-entendid). ‘Uma outra possibilidade de destocamento que evidencia a estnutura de cons- titwintes de uma sentenga constnaida com um verbo transitivo direto € a Passiviza- cAo. De uma sentenga como (12), podemos construir uma sentenga como (16)a. , de uma sentenga como (15)a, podemos construir uma sentenga como (16)b: (16) .0 timo tveo do Chomsky vai ser comprado pelo Joto aman na Border by Toda histriadaquele tersvel mal-entendido foi contada pelo Joo para a Masi Todos os casos acitna apontados envolvem movimento de constituintes. Os movimentos evidenciam o fato de que a sentenga é estruturada em constituintes, precisamente porque nfo ¢ possivel deslocarem-se partes de constituintes, nem sequéncias que no formem um consttuinte: (17) a, *{Uitimo}, 0 JoBo vai comprar o livro do Chomsky amanh& ns Borders’ ®. *{Chomsky}, 0 Joto vai comprar tikimo lio do amanhd na Borders «. *0 Foo contou [toda histéiadaquele] (para » Mars] terivel mal-ntendido}. 4. *fod al o Joo conto histria sobre aqule tev mal-entendido para a Maria, Sintoxe: explorando a estiulua da sentenca 91 Uma outra evidéncia denatureza distribucional para aestratura de consttuin- tes de uma sentenga ¢ o que tem sido chamado de FRAGMENTOS DE SEXTENCAS Considere-se 0 seguinte didlogo: (18) A: Aonde o Foto fi? B: Ag cinema Ao invés de dar a resposta completa & pergunta de A, B prefere usar uma forma curt, ou seja,um fragmento de sentenga. $6 consttuintes podem servir como ‘ragmentos de sentenca em respostas. Voltando & sentenga (12), vejamos quais os constituintes que nés conseguimos evidenciar a partir do uso de construgGes que cenvolvem fragmentos de sentences: (19) A: Quem vai comprar okimo lio do Chomsky amsnh? B: O oto. (20) A: O que Jofo vai comprar ara? B: © thm lvro do Chomsky. (@1) A: De quem o foto vai comprar osltimo lio amanha? B 3: Do Chomsky. (@2) A: Quando o Joo vai comprar oiltmo lio do Chomsky? B: Amanhi, (@3) Az Onde Jodo vai comprar o timo livre do Chomsky’? B: Na Border’ (24) A: O que o Joo vai fazer? 'B: Comprar o titimo livro do Chomsky, (25) A: 0 Jot vai comprar o iltimo livro do Chomsky amanhs? B Vai ‘Notem que, em (25), conseguimos isolar um constituinte ~ 0 verbo auxiliar vai — que nto haviamos conseguido separar pelas construgdes que envolvem movi- ‘mento. E importante sempre se tet em mente que nem todos os consttuintes sto evidenciados pelas mesmas construgdes. ‘Uma outra evidéncia sintitica que comprova a estrutura de constituintes ¢ ‘que ja ndo diz mais respeito a sua distribuigdo na sentenga ¢ a PRONOMINALIZACAO. A linguas naturais utilizam-se de proformas para retomara referéncia de entidades eventos jé mencionados na sentenca ou no discurso. As proformas, no entanto, 36 substituem constituintes sintaticos. Portanto, toda vez que pudermos substituir uma sequéncia de palavras por uma proforma, vamos estar diante de um constituinte sintitico, Voltemos a sentenga (12), que aqui retomamos em (26)a, ¢ vejamos 08 constituintes que podem ser substituides por proformas: (26) a. 0 Joto vai comprar oso tivo do Chomsky ns Borders’ aman ’. Ble ai comprar oéltmo liveo do Chomsky na Borders’ aman (0 Joo) ©, O Jodo vai comprilo na Borders’ amanhi.(o‘ilimo lio do Chomsky) 44. O Jodo vai comprar oltimo livro do Chomsky Iéamanha. (aa Borders) 92 Intradugde & Linguistica . O Joo vai faé-lo aman, (comprar 0 ilkimolivro do Chomsky na Borders’) £. 0 Foto vi facto, (comprar 0itimo livro do Chomsky na Borders’ amanhi) ‘Um outro recurso que temos para evidenciar consttuintes cujo miicleo é 0 verbo & 0 que envolve um fenémeno linguistico conhecido como suse. Respei- tadas certas condigdes discursivas, algumas partes da sentenga podem ser elididas, como no seguinte dislogo: (27) A: Acrianga no vai pacar de grit. BBs acho que ela ai prerde grit, ma 6 se voc pra de ar bla pra ela ‘Vejamos como esse recurso se aplica & sentenga (12) (28)a.0 to vai compra oikimo liv do Chomsky na Borders’ amanhi ea Maria tmbém i : amen 0 ao vai compra o timo tivo do Chomsky na Borders’ amenit ea Maria também vai eorprer chime tre de Chomsky ra Borders sant «0 Joo val comprar o skimo lio do Chomsky ne Borders’ aman ea Mara vai {comprar me ive do Chomsky Border] na segun ‘ei <4 0 Joie vai comprar o imo Livro do Chomsky na Borders’ aman ea Maria vai [eompraro-titime tive do-Chormsky] na Brentano's Os exemplos em (28) mostram que a elipse se aplica sobre um constituinte {da sentenga coordenada, que € idéntico a um constituinte da primeira sentenga. No caso de (28)a, 2sse constituinte € integrado pelo verbo auxiliar, o verbo principal e seu complemento, ¢ os constituintes denotadores de tempo ¢ lugar que modificam 0 verbo. Jé em (28), 0 constituinte elidido néo inclui o verbo auxiliar, Em (28)e, por sua vez, o constituinte elidido no inclui o advérbio de tempo. F, finalmente, em (28)d, 0 ccnstituinte elidido deixa de fora constituintes denotadores de lugar. Essas possibilidades evidenciam que aquilo que a gramética tradicional chama ppredicado tem uma estrutura bastante complexa, sendo formado por varios consti- ‘uintes hierarquicamente relacionados. ‘Como ros demais casos, para que o fendmeno linguistico da elipse possa ‘ocorrer, énecessério que o elemento elidido seja um consttuinte sintético. Portanto, uma sentenga como (29) ndo é possivel em portugues: (29) *0 Soto nto vai comprar kimo lire do Chomsky na Borders amanba, masa Maria ‘ni comprar 0 sltimo livolde Chomsky ne Borders eran. Em resumo, nesta sego vimos varios fatos sintéticos que evidenciam que as sentengas das linguas naturais no podem ser entendidas apenas como uma se- ‘quéncia linear de palavras. Elas so formadas por constituintes hierarquicamente estruturados. O que fizemos com os exemplos analisados acima foi um mero exer- cicio para comoborar nossa infuigdo sobre a estrutura de constituintes, Entretanto, cesses fatos sintiticos assumem um papel especial quando deparamos com um certo tipo de sentenga ambigua, Nesses casos, além de evidenciar a estrutura de | constituintes das sentencas das linguas naturais, esses fatos servem também para Sintoxe: explorondo 0 estuhra desentenga » 93 mostrar que existem ambiguidades que slo causadas pela possibilidade de estarmos diante de duas ou mais estruturas sintaticas distintas. Vamos tratar de alguns casos, desse tipo na préxima serdo. 3.2 Ambiguidades estruturais ‘Tomemos a seguinte sentenga: (20)0 Peo via a menina com obindeulo, Essa sentenga tem duas possiveis interpretagdes, Pela primeira, entende-se que o Pedro viua menina através do bindculo que ele trazia com ele. Pela segunda, entende-se que a menina que o Pedro viu usava ou carregava um binéculo. Em coutras palavras, pela primeira interpretacdo, a expresso com o bindculo ¢ enten- dida como o instrumento que possibilitou ao Pedro ver a menina, Pela segunda, diferentemente, a mesma expresso é entendida como algo que qualificaamenina que o Pedro viu. Muitos poderiam argumentar que essa ambiguidade s6 existe porque a sentenga esta fora de contexto. Em contextos apropriados, ela deixaria de ser am- bigua: um contexto especifico nos levaria a uma interpretacdo e nao a outra. Isso no deixa de ser verdade. Entretanto, a sintaxe tem como um de seus objetivos 0 estabelecimento de principios gerais que se apliquem de manera uniforme a um tipo de sentence, independentemente do contexto particular em que ela foi enun- ciada, Portanto, sua andlise nfo vai poder se basear nas varidveis de contexto, que ‘io intimeras, e, por essa razio, resistem a uma generalizagdo. O que a sintaxe vai fazer 6 investigar a possibilidade de a ambiguidade de uma sentenga como (30) ‘estar associada a diferentes estruturas. Apliquemos algumas das construgdes apr: sentadas na segao anterior pata fazer essa investigagdo, Comecemos por aquelas {que envolvem movimento de constituintes: G1) & (Como bindeulo},o Pedro via menina », Foi [oom o bindvulo} que o Pedro vi & mening (G2) a (Amenina com o bindeuo, o Pedro vio. ». Foi fa menina com o bindeulo] que Pedro vu. [Nas sentengas (2, acima, usamos topicalizardo, enas sentengas (b), usamos a clivagem. A primeira observastio que deve ser feita é que, com esses movimentos, 1 ambiguidade desaparece. Nas sentengas em (31), s6 é possivel termos a primeira ‘nterpretaglo, ou seja, a de que o Pedro viu a menina através do binéculo. Nas sen- tengas em (32), paralelamente,s6 temos a segunda leitura, ou seja, aquela conforme ‘a qual a menina que o Pediro viu carregava ou usava um binéculo. Notem, ainda, que, ‘no caso de (31), 0 constituinte que foi deslocado para a realizagdo da topicalizagdo ou da clivagem foi com o bindculo. Poderia ter sido, também, a menina 94 inrodugo & Unguistica (G3) a. (A mening], 0 Pedro viu om obindoulo, ®. Foie menina] que o Peco vu com o bindeulo. Diferentemente, nas sentengas em (32), 0 constituinte deslocado foi a menina como binéculo. Considerando-se que, ao mover constituintes diferentes, acabamos por desfazer a ambiguidade da sentenga, estamos diante de uma forte evidéncia de que essa ambiguidade & causada pela possibilidade de a sentenga apresentar duas estruturas sintéticas diferentes. ‘Vejamos, agora, 0s resultados da passivizagao: (64) a [A meni) fo vita pelo Pero (com obinéculo. ', (Amenina com o bindculo] fo vista pelo Pedro, De novo, com a aplicagio da passiva, a ambiguidade da sentenca original se desfaz, Em (34)a tem-se apenas a possibilidade da primeira leitura, ¢ em (34)b tem-se apenas a possibilidade da segunda interpretagdo, Ainda, da mesma forma que acontecen com a topicalizagao e a clivagem, os consttnintes que foram deslo- cados para a construgéo da passiva foram diferentes. Em (34), apenas a menina foi movido para a posigio de sujeito da sentenga. Diferentemente, em (34)b, 0 consttuinte que agora ocupa a posigao de sujeito & a menina com o bindculo. Bis gui, portanto, uma outra evidéncia de que a ambiguidade da sentenga (30) é de natureza sintitica: uma tina ordenagao linear esconde duas estruturas hierirquicas to do teste de fragmento de sentenga confirma essa ideia: (85) A: Quer o Pedro viu com o bindcule? B: Amenina (6) A: Quem o Pedro viu? BB: A menina com o binbeulo, (© mesmo acontece com a pronominalizagao: (67) a, OPedeoa vin com o bindcuo, (a= a menina) ', O Pedro viu. =a menina com o bindculo) A primeira leitura, ou seja, a de que o Pedro viu a menina através do binéculo std associada a possibilidade de a menina com o binéculo serem dois con: ‘wintes separados. Por outro lado, a leitura segundo a qual a menina que o Pedro viu usava ou carregava um bindculo estéassociada & possibilidade de a menina com 0 ‘bindculo ser um inico constituinte sintitico. Todos os movimentos e substituigdes de constituintes revelam essas possibilidades e evidenciam o cariterestritamente sintético da ambiguidade da sentenga (30). Passemos, agora, & andlise de uma outra sentenga ambigua: (38) 0s meninos comeram as maga verde. A primeira interpretagdo que se pode fazer dessa sentenga éa de que, conside- rando-se que existam, no cenério, mags vermelhas e magi verdes, os meninos Sinlowe: exploondo o estutura dasentenga 95 ‘comeram as mags verdes. A segunda leitura possivel éa de que os meninos come- ram as mags antes de elas amadurecerem, quando clas ainda estavam verdes, ‘Como jé fo dto-a propésito da sentenga (30), concordamos que s6 nos damos conta dessa ambiguidade porque a sentenca esté fora de contexto. Contexts espe ficos nos levariam a uma tinica interpretagSo, fazendo-nos automaticamente exclui a outra possibilidade. Entretanto, neste texto, queremos mostrar que a ambiguidade deuma sentenca como (38), tanto quanto a de uma sentenga como (30), € causada pela possibilidade de ela apresentar diferentes estruturas sintéticas, No caso de (38), uma outra possibilidade de explicago para a ambiguidade poderia ser levantada. Talvez ela se deva & possibilidade de que, em nosso Iéxico, cxistam duas palavras verde, que tém o mesmo som e graf, mas sentidos diferentes: tum deles corresponderia a cor verde ¢ 0 outro seria equivalente a nao maduro(). Entretanto, podemos argumentar contra essa explicag4o, mostrando que casos de ambiguidade semelhantes acontecem em sentengas constraidas com palavras que nfo apresentam a mesma duplicidade de sentido que verde. Observe-se a sentenga (39) (39) Os meninos comeram as cenouras ess ‘A ambiguidade é a mesma apresentada pela sentenga anterior. Duas leituras siio possiveis. A primeira é a de que, de um conjunto de cenouras cozidas e ervas, (os meninos comeram as cruas ¢ deixaram as cozidas. A segunda ¢ a de que os ‘meninos comeram as cenouras quando elas ainda estavam cruas. Nesse caso, no entanto, no podemos nos valer de uma explicacdo de cardter lexical. Em ambos 6s casos, 0 sentido das palavras crua é 0 mesmo. Portanto, mantemos a ideia de que a ambiguidade de (38) (¢ também de (39)) & de natureza estritamente sintitica, As construgdes que usamos para evidenciar a estrufura de constituintes vio nos ajudar a comprovar essa ideia. ‘Como fizemos anteriormente, comecemos pela topicalizagto e pela clivagem: (40) a. [AS magis verdes], 0: meinos eomeram, ', Foram [as mars verdes] que os meninos comeram (41) a. [As mags}, 0s meninoscomeram [verdes ', Foram (as mais] que os menino comeram [verdes]. Nas sentengas (a), acima, temos casos de topicalizacdo, e nas sentengas (©), temos casos de clivagem. Com esses movimentos, a ambiguidade que existia. na sentenga original desaparece. Nas sentengas em (40), s6 6 possivel termos a interpretagio de que os meninos comeram a5 magas verdes e nio as vermelhas. (Nas sentengas em (41) $6 temos leitura de que os meninos comeram as mapas antes de elas amadurecerem. Em (40), 0 consttuinte que foi deslocado para a realizagio da topicalizagio ou da clivagem foi as magds verdes. Diferentemente, nas sentencas em (41), 0 constituinte deslocado foi as magas. Novamente, estamos diante do fato de que, 20 mover consttuintes diferentes, desfazemos a ambiguidade 96 — mtodusde @ Unguistica da sentenga. [sso indica que a ambiguidade é causada pela possi sentenga apresentar duas estruturas sintéticas diferentes, ‘Vejamos, agora, os resultados da passivizagio: (42) a. [As maga verdes] foram comidas pelos menos ». [Asmagis] foram comida verdes pelos meninos Da mesma forma que na topicalizagio e na clivagem, com a aplicagioda passiva a ambiguidade da sentenca original se desfaz. Em (42)a, tem-se apenas a possibilidade de primeira letura e, em (42)b, tem-se apenas a possbilidade da segunda interpretaglo, Os constituintes que foram deslocados para a construgiio da passiva foram diferentes, Em (42)a, o constiuinte que foi movido para a posigao de sujeito da sentenga foi as macds verdes. Diferentemente, em (42)b, apenas as ‘magds ocupa e posigao de sujeito, Estamos, mais uma vez, diante de uma evidéncia de que a ambiguidade da sentenga (38) & de natureza sintitica. Corroboram essa ideia os testes de fragmento de sentenga, em (43) e (44), eo de pronominalizagio, em (48): (3) A: Oque os meninos comeram? B: As mags verdes, (44) A: que os meninos comeram verde? By Asmapis (45) a Os meninos as comeram, (a5 = as mass verdes) »b. Osmeninos as comeram verdes, (as = a8 maps) A leitura segundo a qual os meninos comeram as maga verdes € nilo as, vermelhas estéassociada & possibilidade de as magas verdes serem um tinico cons- tituinte sintético. Diferentemente, a leitura segundo a qual os meninos comeram as maga antes de elas amadurecerem esta associada & possibilidade de as macs verdes serem dois consttuintes sintéticos separados. Mais uma vez, construgdies que movem 03 substituem constituintes revelaram essas possibilidades de ma- neira inequivoca, evidenciando o caréter estritamente sintético da ambiguidade da sentenga (38). 4, Predicados e argumentos Aideia de que usamos as linguas natursis para a expressto do pensamento, ‘ou sea, a ideia de que as linguas naturais se relacionam a representagdes men- tais niio é nove, E com base nessa ideia que vamos desenvolver esta segio sobre predicados e arzumentos. Imaginem uma fotografia em que aparecem uma crianga e um gato, A fo- tografa foi tirada em um hugar qualquer, uma saleta, por exemplo, em que havia, Sintoxe: explorondo a estutura do sentenga» 97 além da crianga e do gato, uma poltrona vermelha, uma mesa, um cesto de pathe contendo varios novelos de Ia ¢ algumas revistas sobre a polirona, e um quadro pendurado na parede atrés da poltrona, Perto da crianga e do gato havia muitos pedagos de fios de lé arrebentados. Ao comentar uma fotografia como essa, podemos descrever Virias situagdes diferentes, dependendo do que se mostrar mais relevante para nés. E cada pessoa {que se proponha comentar a mesme fotografia poderé descrevé-Ia de modo dife- rente, realgando uma determinada situagao e minimizando a importincia de outra. Assim, as sentengas que seguem, em (46), sto expressdes de algumas situagies ou propriedades possivelmente reveladas pela fotografia (46) a. Criaga ador gto », O gato estécorrendo pla sala, ©. O gato arrebentou um mons de 8 4. Um monte de it arcbentou. Nossal Howve uma gue dacrang contra 0 ato! 4, Temum cestode pala sobre pltons 2. Esse gto € amigo dacianga 1. A destuigdo dos novelas peo gto va initar ame i, Apolions€ vermela, 4. O quadeo na perede€ sgradivel aos ohos. Assentengas de (46)a. (46)d expressam situagées diferentes. Situago éum termo geral para descrevermos atividades, estados ou eventos. Cada uma dessas situagées & descrita, em termos gerais, por uma tiica palavra, nesse caso 0 verbo das sentengas. Assim, tem-se a situagao de adorar em (46)a, de correr em (46)b € de arrebentar em (46)e ¢ (46)d, todas descritas por um verbo. Essas situagBes envolvem wm niimero de participantes de um certo tipo, desempenhando papéis especificos dentro dela. Assim, a situagio de adorar, expressa em (46)a, requer a presenga de dois. participantes que sto os constituintes crianca e gato. Cada um deles desempenha um papel diferente nessa situagdo: um adora e 0 outro é adorado. De modo paralelo, © evento de correr, em (46)b, também envolve a presenga de participantes. Na ‘verdade, nesse caso, apenas um participante ¢ requerido eo gato é 0 constituinte que satisfaz esse requerimento, Esse participante também desempenha un papel especifico dentro da situagao descrita, que é 0 de corredor. O constituintepela sala ndo esté na sentenga para preencher um requisito do verbo correr. Dizemos, entio, que, em (46)a, crianga € gato sio os axcumetos do FREDICADO adorar. Sobre (46)b, dizemos que 0 gato € 0 tinico ancumeNto do PREDICADO correr. Podemos, cntio, caracterizar os argumentos de um predicado como os elementos que sio capazes de satisfazer suas exignoias e que desempenham papéis especificos de- terminados por ele. A expresso, pela sala, por outro lado, néo se caracteriza como argumento: além de no ser requerida pelo predicado, nao desempenha nenfum papel designado por ele 98 inttodugSo& Linguistica Podemos representar essas situagdes e seus participantes ou, em outros termos, esses predicados e seus argumentos como (47)a © (47)b. (47) a. adorar (rang, a0) comer (00) ‘Assim, dizemos que adorar & um predicado de dois lugares, porque ele toma dois argumentos, cada um desempenhhando um papel diferente. De corver, dizemos due ele 6 um predicado de um lugar, porque ele toma apenas um argumento, que também desempenha um papel espectfico. ‘Voltemos as possibilidades de descrigao da fotografia. As sentengas em (46)c e (46) expressam duas situagdes semelhantes. Cada uma delas define participantes diferentes, no entanto. A situagio em (46)¢ requer a presenga de {ois participantes, os conslituintes o gato © um monte de Id, que vao, cada um, desempenhar um papel diferente: 0 de arrebentador ¢ o de arrebentado. Em (46) 4, apenas um participante se faz necessério, um monte de 1a. Bsse participante também desempenha um papel nessa situagio, 0 daquele que é arrebentado. As- sim, em (46)¢, 0 gato e wm monte de ld s4o argumentos do predicado de dois lugares arrebentar; em (46)d, um monte de 1d & argumento do predicado de ‘um lugar arrebentar. Reparem que 0 papel desempenhado pelo constituinte wm monte de Id & 0 mesmo em (46)c e (46)d e, por isso, em (48)a © (48)b, temos ‘uma possibilidade inicial de representagiio dos predicados nessas sentengas: (48). amebentar (6 gato, um monte dof) ». arebentar (um monte de) (0s verbos sfio considerados os predicados por exceléncia, mas todas as outras categorias lexicais também podem funcionar como tal E 0 caso das preposisées, dos nomes e dos adjetivos, que discutimos a seguir. "Tomemos, inicialmente, as sentengas (46)e e (46)f. Observem o comporta- mento das preposigses contra em (46)e, e sobre em (46)f. Notem que, tanto quanto ‘0s verbos, elas descrevem uma situagao, ainda que esttica, da qual participam cer- tas entidades. A prepssigiio contra, por exemplo, expressa uma situago que envolve dois partcipantes em uma relagfo particular de oposigao ou antagonismo. No caso dda sentenga (46)e, esses participantes slo a crianca e o gato. Esses constituintes ‘satisfazem os requerimentes impostos pela preposigo contra e desempenkam os papéis que ela thes atribui. A preposigo sobre, em (46)f, expressa uma situago de representagdo do espaco, que envolve dois participantes: wm cesto de palha & « potrona, Eases constiintssatisfazem as exigéncias posts pela preposigio ‘¢ desempenham os papéis que so determinados por ela. cian seas lugares, que & a preposigo contra, que toma como argumentos os constituintes a crianga e 0 gato. Em (46)f, 0 predicado de dois lugares sobre toma, como seus ‘argumentos, 08 constituintes um cesto de patha ¢ a polirona. As representagSes que, inicialmente, podemos propor para esses predicados sio: Sinlaxe: explorando a estutura da sentenca 99 (49) a contra (acrianga, o gato) », sobre (um cestode pas, «potrons) Passemos, agora & observapdo da sentenga (46)g. Essa sentenca expressa a situagdo estativa de o gato ser amigo da crianga. A sentenga (46)a também expressa uma situagdo estaiva:a de que erianga adora gato. Mas existe uma grande diferenca entre as sentengas (46)a ¢ (46), no que diz respeito ao tipo de verbo que participa de sua construgao. Podemos dizer que o verbo adorar, em (46)a, é um verbo que tem valor predicativo, no sentido de que ele determina trés coisas: (i) niimero de ‘participantes envolvidos na situago que ele descreve; (ii) as caracterfsticas que esses participantes devem ter ~ se precisam ser [+ humanos}, [+ animados], etc; « (ii) 0 papel que cada um desses participantes desempenha na evento descrito Diferentemente, o verbo ser, em (46)g, no exibe essa capacidade. Ble é um verbo puramente gramatical, no sentido de que sua fungao € a de simplesmente carregar as marcas de flexdo de tempo, aspecto, modo e pessoa. Ele nio tem valor predica- tivo, Se 0 verbo ser nao tem valor predicativo, o que é que esté funcionando como predicado na sentenga (46)g? E o nome amigo. Vejam que é 0 termo amigo que requer pelo menos dois participantes na situagdo que ele descreve, que determina as caracteristicas que esses participantes precisam ter e que estabelece quais os papdis que eles vo ter na situacio descrita. Em (46)g, os constituintes esse gato © a-crianca sto esses participantes. Dizemos, ento, que amigo, na sentenga em exame, é um predicado de dois lugares, que toma as express6es esse gato e a crianga como seus argumentos. Portanto, nomes, em determinados contextos, também podem ser considerados predicados. Mas que contextos sii esses? Serd que nomes s6 podem ser predicados «em sentengas construfdas com verbos que nao t&m valor predicativo, como ser? Nao, Para entendermos melhor como isso pode ocorrer, passemos i andlise da sentenga (46)h, Nessa sentenga, temos uma situagdo expressa pelo verbo irritar, 1a qual estio envolvidos dois participantes — a destruigdo dos novelos pelo gato © a me — ambos satisfazendo as imposig6es do verbo. Portanto, nessa sentenga, bbé um predicado de dois lugares, que € 0 verbo irrtar, e seus dois argumentos, silo a destruicdo dos novelos pelo gato e a mde. Mas notem que essa no éatinica relayio de predicagdo que existe nessa sentenea, Dentro do argumento a desirui- io dos novelos pelo gato também existe uma relagio de predicagio, dessa vez estabelecida pelo nome destruicdo. Vejam que destruigdo expressa uma situago estética, que cavolve dois participantes: o gato ¢ os novelos. Cada um deles qual so micleos. Argumentos, por outro lado, so os itens que satisfazem as exigéncias de combinacao dos predicados. ‘Retomemos, emmais detalhe, a ideia de que os predicados impoem exigén- cias a seus argumentos. Essas exigéncias séo de dois tipos: seménticas e sintticas. ‘No que diz. respeito as exigEncias seménticas, elas esto relacionadas aos papéis, dos participantes na situago descrita. Tecnicamente, chamamos esses papéis de rapits TrMAriCos. Um predicado atribui tantos papéis temticos quantos forem os argumentos associados a ele. Papéis teméticos slo, portanto, 08 papéis desem- penhados por todo argumento de um predicado e atribufdos a esses argumentos pelo proprio predicado que os seleciona. Intuitivamente, podemos dizer, de um predicado como adorar, na sentenga (46)a, que ele atribui os papéis temiticos de ‘Expuiuenctapor (aquele que adora, 0 adorador), ¢ 0 de TEMA (0 objeto adorado). De um predicado como correr, na sentenga (46)b, podemos dizer que ele, tendo apenas um argumento, aribui apenas um papel temitico, que é ode aonvrs (aquele que corre, 0 comredor). Sintoxe: explorando a estrutuca da entenga 101 ‘Vejamos, agora, o que acontece com um predicado como arrebentar, presente nas sentengas (46)c e (46)d. Na sentenga (46)e, 0 verbo se comport ‘como um predicado de dois lugares, atribuindo dois papéis tematicos a seus ar- gumentos: 0 de acsnrs (o arrebentador), e o de pacientes (0 objeto arrebentado), Diferentemente, em (46)d, 0 verbo se comporta como um predicado de um lugar, atribuindo apenas um papel tematico a seu argumento: 0 de paciente, ou seja, 0 de objeto arrebentado, Seré que podemos dizer que a alterndncia entre, de um lado, um predicado

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