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A ILÍADA DE HOMERO: inspiração temática para a Filosofia do

Direito
THE ILIAD OF HOMER: thematic inspiration for the Philosophy of
Law

Prof. Dr. Moacyr Motta da Silva


Doutor e Mestre em Direito pela UFSC
Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina, Curso de Direito:
Programas de Mestrado e Doutorado.
Professor titular do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da
UNIVALI.
Membro da Academia de Filosofia de Santa Catarina.

RESUMO
O estudo procura demonstrar, a partir da leitura da clássica poesia a Ilíada, que os versos nela
tratados constituem uma rica fonte de temas para a Filosofia do Direito. A partir deste universo
temático, o autor elaborou os seguintes tópicos: a) a predição da Tragédia. B) a Guerra entre Dois
Reinados: causa primeira. Leitura. C) a Moral. d) Da Política. E) estética poética. F) o simbólico – a
Balança como Instrumento de Equilíbrio. G) o Juiz. H) a Cultura Religiosa e Sociedade. Releva
assinalar que a obra pesquisada se constitui de uma poesia. Homero parece tê-la escrito, com o
objetivo de demonstrar que até mesmo na arte poética o artista pode valer-se dos princípios da Moral,
da Ética, da Justiça para demonstrar que nenhuma Sociedade se sustenta na riqueza da conquista por
assaltos, na traição, na mentira, na força física.

Palavras-chave: 1)Ilíada; 2) Filosofia do Direito; 3) Justiça

ABSTRACT
The study aims to show, from the classical reading of the poetry Iliad, which the verses in it treted
constitute a rich source of themes for the Philosophy of Law. From this thematic universe, the author
developed the following topics: a) the prediction of the tragedy. B) the war between two kingdoms: the
first question. Reading. C) Moral. d) the policy. E) poetic aesthetics. F) the symbolic - the balance as an
equilibrium tool. G) the Judge. H) the Religious Culture and Society. It is noted that the researched
work is a poetry. Homer seems to have written it, with the aim of demonstrating that even in the poetic
art the artist may assert itself with the principles of Ethics, Moral, Justice to show that no society is
sustained by the richness of burglary conquest, in treason, in lie, in physical strength.

Keywords: 1) Iliad; 2) Philosophy of Law; 3) Justice.

INTRODUÇÃO
2

1
O artigo que ora apresenta-se, tem o seu olhar voltado para a Ilíada
2 3
de Homero , obra que consagrou as letras da cultura da Grécia da Antiguidade. Por
entender que a poesia de Homero permite várias leituras, ou seja, além da clássica
4 5
Guerra de Tróia, de cunho épico, os versos descortinam um universo temático de
diferentes assuntos. Como resultado da pesquisa, foi possível criar-se o seguinte
conjunto de temas: a) a predição da Tragédia. B) a Guerra entre Dois Reinados:
causa primeira. C) da Moral. Leitura. D) Da Política. E) Estética poética. F) O
simbólico – a Balança como Instrumento de Equilíbrio. G) Do Juiz. Leitura. H) Da
Cultura Religiosa e Sociedade. Leitura. I) a poesia de Homero como Instrumento
pedagógico. Por se tratar de obra de natureza poética, o autor teve a necessidade
de socorrer-se da leitura de pensadores contemporâneos de Homero, tais como
Hesíodo, Platão. O autor contou, igualmente, com auxílio teórico de pesquisadores
da atualidade como Comte Spoville, Emille Durkheim, Jonathan Barnes e outros
referidos em notas de roda-pé.

1
A Ilíada se constitui de poema criado exclusivamente pela imaginação de Homero. Neste particular, a
Ilíada, não representa uma releitura da história dos Aqueus e dos Troianos. Não se trata de episódios
históricos vividos entre as duas culturas. Há, porém certos momentos do poema, nos quais o poeta
refere-se a cidades, costumes, religião, decisões de justiça extraídos do contexto de sua época.
(Atenas, Ftía, Cálidon, Tróia) Século VIII aC.).Do mesmo modo, a Ilíada escapa à categoria de mito.
Pesquisas desenvolvidas nesse sentido indicam que a Ilíada foi integralmente escrita. Provavelmente,
grafada.
2
A cronologia de Homero não é precisa. Ela pode ser considerada, com tempo provável anterior ao
século VIII a.C. Isto porque, há registros de que sua obra Ilíada foi escrita nos meados daquele
período. Duas cidades gregas reivindicam a terra natal de Homero, Esmirna e Quios. Homero não se
destacou apenas como poeta clássico da Grécia da Antiguidade. Sua obra literária permanece viva até
hoje.
3
Seus principais poemas foram a Ilíada e a Odisséia. O estilo literário de Homero é o épico. A Ilíada
de Homero constitui um dos ricos acervos literários da cultura da Grécia da Antiguidade. O poema se
constitui de vinte quatro cantos. O conflito entre os Aqueus ( gregos) e Troianos durou,
aproximadamente, dez anos. Homero faz um recorte nos episódios, para alcançar um espaço de
tempo de aproximadamente, cinqüenta e cinco dias.
4
O nome dado à obra Ilíada provém da palavra Ílio ou Ilion, com o significado de Tróia. (de Iliun
deriva do Latim Ilium). Tróia representa o nome dado à uma cidade lendária. O sítio arqueológico que
se presume ter sido a Cidade-Estado de Tróia pertence, na atualidade, à Turquia. A histórica Cidade-
Estado de Tróia, que à época serviu de inspiração para Homero criar o genial poema Ilíada, integrava
à Grécia. Na atualidade, pesquisas arqueológicas revelam a existência de restos de um sítio
arqueológico que se supõe ter sido a tradicional Tróia descrita por Homero.
5
A palavra épica designa, para o presente estudo, atos relativos a acontecimentos heróicos. Também
versos que descrevem uma epopéia, feitos heróicos. Épico é empregado na literatura, na poesia.
3

O objetivo a ser alcançado neste estudo está em colher subsídios,


fundamentações como contribuições teóricas para a Filosofia do Direito. O autor
considera importante desenvolver-se pesquisas em áreas de saberes localizadas em
outros sítios do conhecimento, posto que haja sempre a esperança de encontrar-se
assuntos que ampliam o pensar crítico, reflexivo do estudioso do Direito. A partir
deste propósito, o autor foi estimulado a penetrar no interior dos versos da Ilíada de
Homero, com o objetivo de identificar dados históricos, políticos que contribuíssem
para explicar-se, por exemplo, como era entendido o significado de justiça, da moral,
do direito, dos costumes ligados à religião. A pesquisa foi exitosa, estimuladora para
novos empreendimentos, posto conseguiu alcançar o objetivo do trabalho .

1 O POEMA: aspectos destacados.

1.1 A predição da Tragédia.

Na leitura da Ilíada, Homero põe na boca de Helena, a seguinte


sentença: “Sobre nós fez Zeus abater um destino doloroso, para que no futuro
6
sejamos tema de canto para homens, ainda por nascer.” As palavras de Helena
parecem antecipar a previsão de um futuro carregado de infelicidades.
Homero comunica ao leitor, que por obra de Zeus, a vida de Helena
e Alexandre servirá de inspiração para os poetas ainda virão. A leitura do verso
parece indicar que Zeus, na condição de Deus supremo de todos os deuses e dos
homens, possuía o poder de influir no destino de cada pessoa humana. Essa
prerrogativa, ao que se infere da leitura do poema, leva a supor-se que Homero
acreditava na existência de um Deus supremo.
Em outro trecho do poema, Menelau, primeiro esposo de Helena
pede a sanção máxima para os dois infiéis : “que morra aqueles dois, para quem já

6
HOMERO. Ilíada. Traduzida por: Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2005. Canto VI, verso
355.
4

7
foi preparada a morte e o destino.” Provavelmente, o poema traz a mensagem, no
sentido moral, de dizer que todo aquele que infringir princípios, regras consagradas
pela Sociedade, se submeterá às sanções por ela impostas. Esse vaticínio parece
uma das sanções morais do poema. Aceitando-se este entendimento, reconhece-se
que a Ilíada assume um caráter moral. Observado o poema por este ângulo, deduz-
se que Homero foi um educador moral.

1.2 A guerra entre dois reinados: causa primeira.

O poema apresenta seu epicentro numa relação de amor


considerada imoral.8 Os protagonistas centrais do poema são a bela mulher Helena,
esposa de Menelau, rei da Lacedemônia e o jovem Alexandre, um dos filhos de
Priamo, rei de Tróia.
Alexandre era considerado por seus compatriotas, como pessoa
devassa, bajulador, um verdadeiro ser imoral. Sua principal preocupação centrava-
se na aparência física. Foi durante uma viagem diplomática que Alexandre fez à
Lacedemônia, que o mesmo conheceu a bela Helena. O jogo de amor entre o jovem
Alexandre e a sedutora Helena nasceu entre paredes do palácio do esposo
Menelau. O ápice das relações diplomáticas alcança seu ponto de tensão, quando a
jovem e bela Helena, esposa de Menelau o trai com Alexandre, em um dos
aposentos do palácio do esposo. Na fúria da paixão desenfreada, Helena é raptada
por Alexandre para viver a espúria relação de amor, na cidade de Tróia.
O impensado ato de intensa emoção amorosa que tomou conta de
Alexandre e Helena foi como o dique de um rio, que, ao romper-se provoca
devastação às regiões ribeirinhas. Em desagravo ao rapto de Helena, poucos foram
os dias para que se iniciasse a sangrenta guerra entre Aqueus e Troianos. O
episódio de irrefletida paixão não teria maiores conseqüências, não fora a condição
política que atingiu a honra do rei Menelau. O esposo da bela Helena pertencia à

7
HOMERO. Iliada. Canto III, verso 100.
8
HOMERO. Iliada. Canto III.
5

nobre magistratura política Esparta. O jovem Alexandre cometera duas grandes


traições. A primeira contra o rei Menelau que o hospedou em sua jurisdição política.
A segunda, contra a magistratura de seu próprio pai Priamo, rei de Tróia.
Inconformados com o rapto de Helena, os Aqueus decidem atacar
Tróia para recuperar e bela esposa de Menelau. Dois exércitos posicionam-se frente
a frente, para degladiarem entre si. A falange dos Troinanos coloca-se em posição
de defesa. A falange dos Aqueus, fortemente armada prepara-se para o mortal
ataque, visando recuperar a honra de sua cidade. Vítimas e ofensores acham-se
diante dos portões centrais de Tróia.
Menelau toma a dianteira de seu grupo e propõe a ao príncipe
Alexandre um duelo entre ambos. A cena é marcada por insultos entre os
contendores. Heitor, um dos irmãos de Alexandre sugere que a guerra seja decidia
entre Menelau e Alexandre. Menelau aceita a proposta. Observa que o pacto seja
selado pelo sangue de um dos adversários. Helena, do alto do palácio de Alexandre
teme a iminência da terrível luta. O duelo dá vantagem a Menelau, diante de sua
condição física e habilidades para guerras. Porém, a deusa Afrodite vem em socorro
de Alexandre, e o leva envolto em uma névoa, para Helena. O prodígio da deusa
Afrodite, retira Alexandre, definitivamente, da luta. Foi reconhecida a vitória de
Menelau sobre Alexandre. Diante da frustrada vingança, tem início a guerra entre
Aqueus e Troianos. Os Aqueus por suas habilidades para a guerra conquistam o
adversário.9
A guerra entre os contendores adquire proporções inimagináveis.
Porém duas delas se destacam como epílogo. A primeira corresponde à proposta de
Pátroclo, o leal amigo de Aquiles. O jovem Pátroclo pede a Aquiles para comandar a
batalha, pois era seu desejo recuperar a honra dos Aquianos. O amigo empresta-lhe
o faiscante elmo, as armas e a armadura. Aquiles adverte ao jovem guerreiro que
apenas afaste os Troianos, da cercania das naus, sem os perseguir. Pátroclo, porém
desobedece Aquiles e se aproxima das cercanias da cidade de Tróia. Esse é o
instante em que Heitor, o matador de homens, luta com Pátrocolo e o mata,
6

cruelmente. Inconformado com a brusca interrupção do destino do amigo, Aquiles


jura vingar-se. Enfurecido, combate entre Aquiles e Heitor, um dos irmãos de
Alexandre.10

2 LEITURA.

2.1 Da Moral.

O poeta Homero, provavelmente pretendeu evidenciar, como tema


de fundo do poema Ilíada o sentido moral. Entre as virtudes morais, certamente, a
11
fidelidade representa uma das principais ações positivas nas relações humanas. A
fidelidade não convive com a mentira, a traição, pois ambas constituem vícios
morais. A fidelidade de natureza conjugal exige de cada um dos matrimoniais,
permanente zelo no sentido do bem, do bom nas relações entre si e com a
Sociedade. A fidelidade dos esposos requer voluntariedade e necessita sempre da
memória do outro. A fidelidade se expressa pela ação voluntária. A fidelidade
representa um dos verdadeiros fundamentos dos costumes morais.
O ato de infidelidade conjugal praticado por Helena, ao entregar-se a
Alexandre constituiu uma ofensa, uma quebra da ordem moral consagrada tanto por
Aqueus, quanto pelos Troianos.12 A vil traição não teria maior repercussão, não
fosse a elevada condição política de Helena, esposa do rei da Lacedemônia e de
Alexandre ter sido recepcionado em palácio do rei Menelau, em missão diplomática
de sua cidade (Tróia).
Outro momento a destacar na Ilíada corresponde às virtudes morais
demonstradas por dois adversários políticos. Priamo soberano rei dos Troianos

9
HOMERO. Iliada. Canto III
10
HOMERO. Iliada. Canto XXIV.
11
Pensamentos inspirados na leitura da obra: COMTE-SPOVILLE. Pequeno Tratado das Grandes
Virtudes. Traduzido por: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
12
HOMERO. Iliada. Canto III.
7

desce de sua magistratura e, humildemente roga a Aquiles, príncipe da Tessália, o


matador de Heitor, para que o mesmo devolva o cadáver de seu filho Heitor.
Priamo já com avançada idade, tivera conhecimento de que Aquiles
matara seu filho Heitor, por vingança da morte de Pátroclo. A súplica de Priamo era
para não deixar os restos mortais de seu filho insepulto. Sua intenção era levar o
cadáver de Heitor, para enterrá-lo em sua terra natal. (Tróia). Ponderava o ancião
Priamo que mesmo em situações de guerra era costume dos povos cobrirem com
terra os mortos em combate. Já havia mais de dez dias que os restos mortais de
Heitor eram arrastados pelo chão poeirento. No céu abutres, em vôos macabros
preparavam-se para festejar o próximo banquete.
Diante dos insistentes pedidos de perdão de Priamo, já de cabelos
brancos e alquebrados pelo tempo, Aquiles, o adversário político Priamo
compadece-se e autoriza a entrega do dilacerado corpo de Heitor. O gesto de
humildade de Priamo apoiado no legítimo pedido, provoca sentimento do perdão em
Aquiles. Certamente, Homero pretendeu dar um sentido de elevação moral à guerra
entre os dois povos (Aqueus e Troianos). Embora Homero tenha enfatizado com
riqueza de detalhes a crueldade das mortes entre (Aqueus e Troianos), há um
momento em que as paixões, as sangrentas lutas dão lugar à trégua. A tensão da
guerra é irmã do anseio da paz. Homero, certamente quis mostrar que além da
extrema cólera, do desenfreado desejo de vingança, o ser humano ainda é capaz de
perdoar o adversário.
Os versos escritos na Ilíada têm um sentido do humano. Homero
revela que o Homem, por mais rude que seja, traz no recôndito de sua essência,
sentimentos de amor e ódio, afago e desprezo, tensão e tranqüilidade, injustiça e
perdão. Ações dessa natureza revelam que a pessoa humana, caminha em dois
pólos distintos. É necessário desenvolver-se o equilíbrio entre a razão e a
sensibilidade. O meio termo entre os pontos opostos conduz o Ser humano à
excelência moral.

2.2 Da Política.
8

A seguinte leitura da Ilíada revela determinados momentos que se


pode situá-los na esfera da política pública.13 Tem-se que considerar que Homero
não era jurista ou filósofo, senão um poeta.
Os versos de Homero dão conta da existência de um Conselho do
povo, no qual as decisões que envolviam o destino da cidade passavam por uma
14
Assembléia ou Conselho do povo. O poeta canta em versos, o significativo
momento de tensão pré-guerra, onde se discutia entre os Aqueus, o modo pelo qual
a cidade de Tróia seria invadida. O autor assinala que toda decisão política, para
ganhar a simpatia e concordância de Zeus necessita submeter à aprovação de uma
Assembléia. Do mesmo estilo com que o poeta descreve as lutas entre Aqueus e
Troianos, Aquiles esmera-se na movimentação dos membros do Conselho do
povo.15 Em certo momento dos diálogos parlamentares, uma voz se levanta para
dizer que a todos é assegurado falar. Porém, não é bom todos mandar. Apenas um
16
que possui o cetro tem “o direito de legislar, para que decida por todos.”
Os debates de idéias, as fundamentações, as adversidades de
argumentações dos parlamentares, em sessões plenárias, constituíam eficazes
instrumentos de educação política. Os versos, neste particular não revelam
confrontos de ofensa ética entre os parlamentares. Neste particular, Homero
demonstra a existência de certo grau de educação política nas Assembléias do povo.
Do mesmo modo, os versos da Ilíada demonstram que a organização política dos
Aqueus, não se constituía de uma horda de homens, sem princípios e objetivos. A
declaração de guerra ou de paz não se dava por simples impulsos impensados,
estimulados por sentimentos de vingança e de ódio. O povo em Assembléia
apresentava moções de interesse geral, o rei na prerrogativa de soberano
magistrado político do povo possuía poder de legislar. Aquilo que o Conselho do

13
Por opção metodológica, o presente estudo deixa de entrar no mérito de aspectos destacados de
ordem política que ocorreram na antiga civilização grega. Entre eles citam-se: o regime político das
cidades antigas da Grécia nem sempre foram de uma só forma.
14
HOMERO. Iliada. Canto III.
15
HOMERO. Iliada. Canto II.
9

Povo votava, era encaminhado ao Magistrado. Somente após transformada em lei a


vontade do Conselho, a proclamação adquiria legitimidade.
A importância dos versos deste tópico encontra-se na versão
histórica em que Homero recupera o modo de vida política de um povo. Do ângulo
da História Política das Sociedades, a Ilíada se constitui em notável fonte de
referência política. Quiçá, uma das reservas históricas para o estudo da Democracia
da antiguidade.

2.3 Da Estética poética.

A próxima leitura do poema de Homero corresponde ao âmbito da


estética poética. Para o presente estudo, estética poética corresponde à idéia de
harmonia, de proporção e de adequação entre início, meio e fim no sentido literário.
Em síntese, os versos construídos na Ilíada buscam o belo. A riqueza das palavras
aparece na harmonia dos sons, na combinação das cores das vestes, na descrição
do cheiro da poeirenta terra, no desenho das armaduras, no resfolgar dos cavalos.
Tudo escrito com esmero de detalhes como se fosse uma tela de um artista plástico.
O poeta expressa sua sensibilidade artística, no emprego das
palavras, na demonstração de acontecimentos das batalhas, bem assim, a
demonstração de sentimentos humanos. Uma das técnicas literárias utilizadas por
17
Homero consiste no emprego de metáforas. A estética poética aparece, também,
no domínio do poeta na adequação das palavras, tanto sobre a revelação de
expressões fisionômicas de seus personagens, bem como a narração de diálogos

16
HOMERO. Iliada. Canto II.
17
Forma gramatical empregada na língua portuguesa para designar um objeto ou qualidade mediante
a aplicação de outra palavra para significar outro objeto ou qualidade, com certa semelhança.
Exemplos: “grito de guerra” Canto I, verso 490; “coração de leão” Capítulo V, verso 635; “pastor do
povo” Canto VII, verso 465; “aroma da planície” Canto VIII, verso 545; “corrente cruel “Canto X,
verso 455; “chicote reluzente “ Canto X, verso 500; “ aurora divina “ Canto XI, verso 720; “ mansão
de Hades” Canto XIV, verso 455; “fogo incansável” Canto XVIII, verso 225; “úivos de alegria”
CantoXVIII, verso 570; “ passar a perna aos mais nobres ”Canto XXII 605 “ondas dolorosas “Canto
XXIV, verso 5;.
10

travados entre penetração da lanças no corpo do adversário, todo o cenário assume


certo sentido de aparente realidade.
Chama a atenção do pesquisador, a capacidade de Homero de
colocar o leitor dentro da cena histórica, nela descrevendo ventos, tempestades e
causticante sol, tal como a realidade seria. Com igual domínio, Homero insere o
leitor no ambiente do diálogo, levando-o a imaginar-se estar ao vivo entre os
falantes. A seguir reproduz-se versos escolhidos no poema, nos quais aparecem as
figuras poéticas : “o vento inchou o centro da vela de ondas de púrpura”;18 “à Aurora
19
de róseos dedos.” ”Quanto a Pátroclo, enquanto Aqueus e Troianos combatiam de
roda da muralha afastados das naus velozes, ficou sentado na tenda do amavioso
Eurípilo, deleitando-se com palavras, enquanto sobre a ferida dolorosa aplicava
20
fármacos que apaziguassem as negras dores” ; ”uma nuvem negra de dor de
apoderou de Aquiles21”;”Ai de mim, desgraçada. Infeliz parturiente de um Príncipe.
Eu que dei à luz um filho irrepreensível forte, excelso entre os herói, cresceu rápido
22
como uma viga ” ;”E os cocheiros amedrontaram-se quando viram o fogo
incansável, terrível, por cima da cabeça do magnânimo filho de Peleu23”; “ Toda
planície se enchera de homens e de cavalos e refulgia o bronze. A terra ressoava
debaixo dos pés, ao embaterem uns contra os outros.”24 “Eneias...será que os
troianos de demarcaram um domínio senhorial superior aos dos outros : terra de
25
pomares e lavoura para nela habitares no caso de me matares? ”; “Não é possível
lutar contra Zéus Crónida. Ao nível dele nem o poderoso Aqueloo se coloca, nem a
grande força do Oceano de profundas correntes, de quem todos os rios procedem e
26
todo o mar, todas as fontes e todas nascentes profundas.” ( lamento da esposa de
Heitor) “Ela estava sentada ao tear no íntimo do recesso do alto do aposento, a tecer

18
HOMERO. Iliada. Canto I, verso 480.
19
HOMERO. Iliada. Canto VI, verso 175.
20
HOMERO. Iliada. Canto XV.
21
HOMERO. Iliada. Canto XVIII.
22
HOMERO. Iliada. Canto XVIII.
23
HOMERO. Iliada. Canto XVIII.
24
HOMERO. Iliada. Canto XX.
25
HOMERO. Iliada. Canto XX.
26
HOMERO. Iliada. Canto XXI.
11

27
uma trama purpúrea de dobra dupla e nela bordava flores de várias cores. ”( no
epílogo do poema, a súplica do ancião Priamo: “Pensa no teu pai, ó Aquiles
semelhante aos deuses. Ele que tem a minha idade, na soleira da dolorosa
28
velhice.”
A Filosofia do Direito, enquanto área de saber que tem por objeto
investigações teóricas sobre os princípios universais do Direito, o exame crítico,
reflexivo dos valores de justiça, da ética, da moral, do humano como centro de
atenção, tem na Filosofia da Linguagem, seu principal apoio. Do ângulo da estética
poética, os versos da Ilíada constituem importante tema para ser estudado sob a
ótica da Filosofia da Linguagem. Em sentido comparativo pode-se dizer que a
Filosofia do Direito e a Filosofia da Linguagem, se interagem como um sistema na
linha do conhecimento As duas disciplinas, embora distintas quanto a seus objetos,
são harmônicas entre si.
A Ilíada de Homero não só constitui rico acervo da arte estética,
como também representa instrumento para a arte de transmitir idéias, com precisão
designativa. O poema de Homero necessita ser lido, interpretado e assimilado pelo
pesquisador da Filosofia do Direito.

2.4 O simbólico – a balança como instrumento de equilíbrio.

Outro momento enriquecedor encontrado nos versos da Ilíada


consiste na simbologia da balança. O poema relata a sangrenta luta entre Aqueus e
Troianos. A baixa dos mortos registrava-se de ambos os lados. O sangue dos
contendores derramava no solo, diante do arremesso das impiedosas lanças do
bronze. Por todos os lados via-se o precioso líquido da vida de Aqueus e dos
Troianos. Ainda que numericamente mais forte fosse a falange dos Troianos, os
Aqueus não abandonavam a poeirenta zona de combate. Foi a partir desse cruel
cenário que Homero poetiza:

27
HOMERO. Iliada. Canto XXII.
28
HOMERO. Iliada. Canto XXIV.
12

Mas nem assim conseguiam pôr os Aqueus em debandada,


porquanto eles se mantinham firmes, como a fiandeira honesta que
segura a balança e levanta os pesos e a lã de cada lado, para
igualizar, de modo a ganhar uma ninharia para os filhos, assim de
forma equável se esticou a luta e a batalha, até que Zeus outorgou a
29
gloria a Heitor […]

A criatividade poética de Homero destaca-se na comparação em que


o autor faz do equilíbrio de forças entre Aqueus e os Troianos em relação a
habilidade da fiandeira. Essa ergue a balança para pesar dois volumes de lã,
colocados em cada um dos pratos. O trato da lã parece ser sua fonte de economia.
A grandeza poética de Homero está em buscar nas coisas simples da vida,
exemplos de trabalho captados do cotidiano da cultura grega.
O objetivo da fiandeira consistia em igualizar o peso da lã de um
prato em relação ao do outro. O exemplo estampado nestes versos parecem ter sido
extraídos dos costumes da época. Tal como o filósofo Aristóteles virá, séculos mais
tarde, adotar em seus textos, exemplos do cotidiano para desenvolver suas idéias,
Homero o faz com a figura da fiandeira. A balança dotada de dois pratos móveis,
suspensos por uma lâmina em posição vertical e colocados horizontalmente em
cada um nas extremidades constituía instrumento destinado a pesar e igualizar
pesos de diferentes valores. Trata-se de costume de um povo que passa a ser
reproduzido em versos por Homero. Esse útil instrumento, todavia, tem sua origem
de tempos imemoriais. Não há provas que tenha nascido no Mundo da Antiguidade
Ocidental ou Oriental.
O emprego da balança nos versos da Ilíada assume um caráter
simbólico. Por isto, merece certas considerações. A batalha dos Aqueus para vencer
os Troianos funda-se num dado relevante. Corresponde ao sentimento moral dos
Aqueus que precisavam da vitória a qualquer preço. Mesmo que a força física dos
Aqueus estivesse aquém do necessário para derrotar os Troianos, o sentimento de
justiça constituiu a força moral que os estimulava à luta. Sabiam os guerreiros

29
HOMERO. Iliada. Canto XII, Versos 430 e 435.
13

Aqueus que se a batalha fosse perdida, a punição seria dobrada. A conquista de


Helena pelos Troianos, seguida da derrota em campo de batalha.
A representação da fiandeira de lã e o emprego da balança, nos
versos da Ilíada remete o leitor à simbologia da justiça, nos seguintes fundamentos.
Constitui prática do mundo contemporâneo, a representação da
instituição da Justiça, em forma de uma figura simbólica chamada Dike e ou
30
Thémis. A primeira representa a justiça humana (Dike), a segunda aparece como
símbolo da justiça dos deuses (Thémis)31, sua função era a de aconselhar Zeus
sobre a norma ( divina) mais justa a ser aplicada. Tanto uma como a outra figura
simbólica ostentam na mão direita, uma balança, em cujos pratos se busca o
equilíbrio. Na mão esquerda seguram uma espada, representativa da força do
32
direito.
Parece provável pensar-se que poeta Homero ao citar o exemplo da
fiandeira com a balança, (igualizar os pesos de lã), tenha se inspirado no símbolo da
deusa Diké. Neste particular estudo, registra-se que séculos mais tarde, aparecem
os Filósofos Pré-Socráticos, os Sofistas, e bem assim os clássicos gregos Sócrates,
Platão e Aristóteles.
Em princípio, não foram encontrados registros que os pensadores
assinalados simbolizaram a justiça, mediante representação de Diké ou de Thémis.
33
É certo, porém, que alguns deles leram a Ilíada. Ainda que permaneça incógnita a

30
No sistema jurídico Romano-Germânico constitui prática comum a simbolização da justiça, mediante
a figura simbólica da Dike ou Themis ( órgãos do Poder Judiciário, em todos os níveis de jurisdição).
31
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. 19 ed.Petrópolis. Vozes. 2007. 1v. p.134, 161, 163,
169, 201; CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: Dos Pré-Socráticos a Aristóteles. 2
ed. 2002. 1v. p.498; GUTHRIE, W. K. C. Os Sofistas. Traduzido por: João Rezende Costa. São
Paulo: s/n, 1995, p .67; HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Traduzido por: Mary de Camargo Neves
Lafer. 7 ed. São Paulo: Iluminuras, 2007. p 79. JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do Homem
Grego. Traduzido por: Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.134 e 135.
32
Estudos realizados em torno dos dois símbolos culturais apontam ora (Diké), ora (Thémis). Por isto,
a existência de controvérsias sobre a representatividade das mesmas.
33
Entre os filósofos pesquisados foram encontrados os seguintes: Pré-Socráticos –Xenófanes. in
BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Traduzido por: Júlio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes.1997, p. 111; Heráclito, In BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos, p. 122; Ipon de
Crotona, In BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. p. 264; Demócrito, In BARNES,
Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos, p. 308; GUTHRIE, W. K. C. Historia de la Filosofia Griega.
Introducción a Aristóteles. Traduzido por: Alberto Medina Gonzáles. Madrid: Editorial. 6v. Platão. A
14

origem do autor que consagrou a figura simbólica da Justiça, é certo que as


civilizações que sucederam Homero, até os dias de hoje, consagram a
representação de uma mulher, que sustenta na mão direita, uma balança, e na
esquerda, uma espada figurativa do Direito. Diante da força dos costumes, neste
particular, o símbolo da justiça seja como Diké ou de Thémis assume valor de
consciência coletiva, provavelmente de âmbito universal.
Revela-se importante a figura simbólica da fiandeira de Homero.
Talvez o poeta pretendeu dizer em versos, que a fiandeira, com o emprego da
balança quis buscar o equilíbrio entre dois pesos. Porém, nem sempre a balança
suporta nos dois pratos, valores da mesma natureza. Em um deles tem o peso da
força física dos contendores, em outro, o do valor moral de um povo.
Aceitando-se a poesia de Homero como uma das fontes históricas,
de ordem direta, para o entendimento da Filosofia do Direito, pode-se pensar a
possibilidade de se revisitar outras, com o objetivo de conhecer-se culturas, para o
mesmo fim. Equivale pensar uma proposta de estudos área da Sociologia, das Artes,
da Antropologia, da História. Somente assim, será possível revitalizar-se Teoria da
Justiça para a Pós-Modernidade. Todo o acervo de estudo contribuirá para a
construção de fundamentos, por exemplo, entre o valor jurídico em relação aos
valores éticos, morais e espirituais. Esta proposta de enfoque visa romper com
dogmática visão do direito positivo.

2.5 Do Juiz

A riqueza temática da Ilíada não se limita às lutas entre Aqueus e


Troianos, nem mesmo o profundo amor entre a bela. Helena e o jovem Alexandre.
Homero, na sua capacidade criativa, poetiza, em versos, uma cena de casamento,

República. 8 ed. Traduzido por: Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996, par.363 a; 364 d; 377 d; 378 d e citações em outros parágrafos da mesma obra.

.
15

em cujo cenário aparece a figura do Juiz. Numa pequena cidade da Grécia,


mancebos e mulheres dançavam ao som de flautas e liras. Era uma linda festa de
bodas, na qual as noivas saídas de suas casas, entoavam canto nupcial. O ambiente
era iluminado por tochas lampejantes.O regozijo nupcial era compartilhado por
outras mulheres que se colocavam de pé.
Porém, um conflito surgiu próximo aos festejos. Dois homens
discutiam entre si, o pagamento de indenização, devido a um assassinato,
supostamente atribuído a um deles. Um dos homens alegava que nada devia, posto
que tudo fora pago em declarações. O outro declarava que não aceitava qualquer
decisão. Dois talentos de ouro era o valor entregue àquele que proferisse a sentença
mais justa. Os anciãos ( Juízes) encontravam-se sentados em pedras polidas dentro
34
de um círculo, considerado sagrado. Homero não anuncia o desfecho da contenda
judicial. Parece deixar ao leitor, a imaginação quanto à atuação do Juiz frente ao
destino dos dois homens.
A leitura do Canto revela importantes dados. O primeiro corresponde
à existência de um Juiz da Comunidade, dotado de poderes para julgar questões
dessa natureza. Daí subtender-se que a Comunidade dos homens não aceitava a
justiça privada. Ou seja, à época já havia o consenso da Sociedade em conferir a
uma pessoa do povo, a atribuição para julgar.( eram escolhidos anciãos por sua
experiência de vida). O segundo dado a assinalar, liga-se ao aspecto formal, um
local próprio era escolhido para a realização da audiência pública. Os Juizes
sentavam-se sobre pedras polidas, especialmente talhadas para acomodar os juízes.
Um círculo considerado sagrado constituía o local em que os Juízes
desempenhavam suas funções. O processo de julgamento era integralmente, oral. O
chão sagrado em forma de círculo decorria do respeito, do reconhecimento que a
Comunidade devotava de ao local de instalação da Justiça. Os Juizes tinham diante
de si, dois talentos de ouro, previamente depositados, para remunerar aquele que
proferisse a sentença mais justa. Os versos não revelam os fundamentos da
sentença que consistiria a decisão mais justa. A questão leva a pensar-se em
16

inúmeras respostas. Um raciocínio parece razoável. Somente outra Corte de Juízes


seria competente para examinar o justo ou injusto, para o caso sob julgamento.
Releva-se a considerar que certas impropriedades jurídicas
observadas nos versos se justificam, uma vez que Homero não era jurista, senão
poeta. A leitura da Ilíada, nesta perspectiva, denota que a instituição do julgamento
de pessoas que transgrediam as lei da Sociedade é de tempos imemoriais,( Diké) ou
de (Thémis).

2.6 Cultura Religiosa e Sociedade

Não há como estudar religião, sem se conhecer aspectos sócio-


econômicos-políticos do povo que a cultua. Essa regra não escapa, nem mesmo à
Sociedade Grega da Antiguidade. Tal sucede na quase maioria das vezes, os
registros, as notícias que revelam temas históricos, políticos de um passado distante,
têm origem em fontes que se referem a dados sócio-econômicos e políticos. A leitura
35
da Ilíada, nesta perspectiva, constitui um rico material de fontes dessas naturezas.
Além da obra de Homero, o autor utiliza-se dos dizeres de outro seu poeta
contemporâneo. Trata-se da pessoa de Hesíodo, uma das personalidades da arte
poética que viveu ao tempo de Homero.36
Do ponto de vista econômico, a Ilíada relata que os gregos já
dominavam a cultura do vinho, também, a produção do ouro, da prata e de pedras
preciosas. Mediante a técnica da fundição de metais sólidos, os gregos elaboravam
armaduras, espadas, carruagens, bem como instrumentos de guerra. Figuras
mitológicas talhadas em alto relevo, aparecem nos brilhantes elmos, nas taças e nas
armaduras. Os versos da Ilíada também referem à produção de tecidos (em teares).

34
HOMERO. Ilíada. Canto XVIII, versos 490, 495, 500 e 505
35
HOMERO. Ilíada.
36
Hesíodo nasceu e viveu em Ascra, por volta do século VIII aC. Duas são as obras poéticas que
consagram Hesíodo: HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Traduzido por: Mary de Camargo Neves
Lafer. 7 ed. São Paulo: Iluminuras, 2007 e HESÍODO. A Origem dos Deuses. Traduzido por: Jaa
Torrano. 7 ed.São Paulo: s/n, 2007.
17

Do mesmo modo, o desenvolvimento da química na criação de tinturas (tecidos e


couros).
Uma das explicações para todo esse avanço parece estar na cultura
milenar de seu povo. Estes dados captados dos versos da Ilíada proporcionam certa
dimensão das condições sócio-econômicas e políticas do povo grego da
Antiguidade. A cultura religiosa parece não destoar do grau de desenvolvimento da
então Sociedade grega.
Uma das iniciais observações que aparece na Ilíada consiste na
37
pluralidade de deuses. A esse dado chama-se de cultura religiosa politeísta. No
poema de Homero, a religião mostra-se de caráter politeísta. Zeus é considerado pai
38
dos homens e dos deuses. Entre outras divindades que gravitam no universo do
poema, destacam-se: Febo Apolo, de cabelos de luz, e dileto de Zeus; Afrodite, a
deusa dotada da capacidade de ocultar as pessoas, em situações desesperadoras;
Hera, de alvos braços; Témis, de lindo rosto; Tetis, a deusa dos pés prateados; Íris a
mensageira de Zeus. Ainda que a poesia de Homero considere Zeus como deus no
ápice das divindades há que se admitir que nenhuma religião mostra-se homogênea,
39
inequívoca. Em princípio, cada pessoa era livre para louvar seus deuses,
sobretudo Zeus. O sentido de religião mesclava-se com a política, a Sociedade civil,
a justiça. Essa era a cultura religiosa desenvolvida pelos gregos da antiguidade.
Conforme se extrai dos versos de Hesíodo, a instituição da Justiça
de certo modo tinha correspondência com a religião.40 Hesíodo refere sobre a
existência de reis venerandos, que sob a proteção de Zeus, emitem sentenças
41
dotadas de reta justiça. Os venerandos reis eram pessoas da própria Sociedade.
Suas sentenças não eram escritas, senão orais. Os fundamentos dessas sentenças
guardavam harmonia com as tradições da vida pública e social.

37
Politeísmo. A palavra Deus no idioma grego tem o nome Theos. Já a palavra Polis do grego
designa muitos, vários. Portanto, Politeísmo significa a crença em inúmeros deuses.
38
HOMERO. Ilíada. Canto XV, verso 10
39
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e Religião na Grécia Antiga. Traduzido por: Joana Angélica DÁvila
Melo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p 10.
40
HESÍODO. A Origem dos Deuses, p.35
41
HESÍODO. A Origem dos Deuses, versos, 80, 85, 90 e 95.
18

Consideradas como fórmulas normativas não escritas eram


42
conhecidas por (díkai) . As fórmulas eram consagradas pelos membros da
Sociedade. Importante assinalar que os reis necessitavam de boa memória para
julgar as questões que lhes eram submetidas, em conformidade com o caso anterior.
(Provavelmente, o critério do precedente que, mais tarde veio a ser no direito anglo
saxônico.)
A crença, a consagração aos Deuses, a veneração de ambientes de
ordem religiosa aparecem com destaque na Ilíada. No poema, a cultura religiosa
revela-se no diálogo entre o Homem e essas entidades, como se fossem presentes
em sua vinda cotidiana. Duas figuras da mitologia religiosa aparecem nos versos da
Ilíada. O Olimpo constituía o habitat natural do deus Zeus, senhor de todos os
deuses e dos homens. Segundo a mitologia grega antiga, o Olímpo pertencia a uma
cadeia de montanhas, junto às altas nuvens. Do cume do Olimpo, Zeus observava
as ações dos humanos.
Hades representava, na antiga religião da Grécia, o lugar de
profanações, em cujas profundezas da terra habitavam os mortos condenados por
suas vidas errôneas. Na voz dos deuses aparece, com freqüência, a advertência da
morada do Hades. O humano que descumprisse as orientações de Zeus ou de seus
deuses menores teria o destino do Hades.
Homero põe nos seus personagens longas orações de religiosidade:

Ouve-me Senhor do arco de prata, deus tutelar de crise e da


sacratíssima Cila, que pela força reges Ténedo ó Esminteu. Se
alguma vez ao belo templo te pus um tecto, ou queimei para ti as
gordas coxas de touros ou de cabras, faz que se cumpra isto que te
43
peço: que paguem com tuas setas os Dânaos as minhas lágrimas.

A prece é respondida por Aquiles:

Toma coragem e profere o oráculo que souberes. Por Apolo dilecto


de Zeus a quem tu rezas , ó Calcas, e por intermédio de quem aos
Dânaos dás oráculos, enquanto eu for vivo e contemplar a luz da

42
A palavra Dike, no idioma grego é representado por justiça. No idioma Latino aparece com (dico),
(dicere), com o sentido de dizer.
43
HOMERO. Ilíada. Canto I, verso 40.
19

terra ninguém te porá a mão pesada junto às côncavas naus,


ninguém de todos os Dânaos, nem que tu refiras a Agamêmnon, que
44
agora entre todos os Aqueus declara ser o mais nobre.

Nos versos a seguir, observa-se outra prece dedicada ao deus Zeus.

Zeus pai, que reges o Ida, gloriosíssimo, máximo. Concede-me que


chegue estimado e miserando à tenda de Aquiles e envia uma ave,
célere mensageiro, a ave que de todas te é mais cara e pela força é
a maior de todas: que apareça do meu lado direito, para que eu
próprio veja com os olhos e possa ir confiante até as naus dos
45
Dânaos de rápidos poldros.

As invocações aos deuses aparecem, em regra, como apelo à uma


força maior, a partir da qual o Homem não teria condições realizá-la . Homero deixa
claro que tanto Zeus quanto os demais entes divinos são voltados para a justiça, a
paz. Constitui princípio religioso não atender pedidos de ato de vingança, de
injustiça. Na força dos entes divinos da família de Zeus, não há proteção pelo mal,
senão para o bem. Os versos descritos nos cantos buscam a humildade, a
solidariedade, o perdão.
A ira, a cólera, a vingança perpassa todos os cantos nas palavras
dos mortais Aqueus e Troianos. Vícios morais não são aceitos como princípios de
agir dos deuses. Por esse motivo, as orações à Zeus e demais deuses tanto são
feitas pelos reis, príncipes, como também o povo em geral.
A leitura do poema parece indicar que tanto Zeus quanto os demais
deuses eram invocados pelos humanos, para alcançar um fim material. ( a conquista
de uma batalha, a proteção contra a falsidade, igualmente para evitar a morte
sangrenta). Somente no último canto da Ilíada, mediante a interferência de Zeus, o
idoso Priamo consegue, com gesto de humildade o perdão de Aquiles.
Observa-se da leitura da Ilíada não haver uma espécie de catálogo
de codificação de preceitos religiosos. De igual modo, não existia um local público,
especialmente destinado às orações. O Olimpo, considerado a casa de Zeus,
figurava puramente no imaginário social. A consciência religiosa do povo grego da

44
HOMERO. Ilíada. Canto I, verso 85.
45
HOMERO. Ilíada. Canto XXIV verso 310.
20

antiguidade nascia e se desenvolvia pela via oral. Cada família ou grupo social
orava, prestava culto a seus deuses no âmbito de suas unidades familiares. Daí,
provavelmente, a diversidade de interpretações dos preceitos religiosos.

2.7 A poesia de Homero como instrumento de Educação.

A arte poética de Homero reproduzida na Ilíada constitui, até os dias


46
hoje, considerável instrumento de Educação. Os versos narrados na Ilíada
revelam que Homero, foi também, um educador. Provavelmente, tenha sido um de
seus objetivos criar uma história que, na essência, procurasse ensinar ao povo da
Grécia caminhos a conduzir-se por princípios morais, éticos e políticos.
A concepção que se extrai do trabalho artístico de Homero, no
alvorecer deste Terceiro Milênio, parece coincidir com o pensamento de Platão. A
leitura da obra República, de Platão dá noticias que o filósofo já conhecera e
apreciara a poesia de Homero. Platão considerou Homero, como verdadeiro
47
educador da Grécia. Aceitando-se a idéia de que Platão era um extremado crítico
dos Sofistas, parece que o filósofo teve a necessidade de rever seu ponto de vista,
diante da poesia de Homero. Observe-se que Platão pede que todos aquele que
tecer palavras de louvor, de honras à Homero, seja beijado, como sendo as
melhores pessoas. O reconhecimento de Platão por considerar Homero o verdadeiro
educador da Grécia Antiga, representa uma consagração de natureza universal.
Justo porque Platão representa um dos filósofos clássicos da Grécia Antiga, cujos
ensinamentos conseguem ultrapassar os milênios.

46
A noção de Educação que orienta este tópico inspira-se na leitura da obra: MELO, O. F. Dicionário
de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2000.
47
“Por conseguinte, ó Glaucon quando encontrares encomiastas de Homero, a dizerem que esse
poeta foi o educador da Grécia, e que é digno de se tomar por modelo no que toda a administração e
a educação humana, para aprender com ele a regular toda nossa vida, deves beijá-los e saudá-los
como sendo as melhores pessoas que é possível, e concordar com eles em que Homero é o maior de
todos os poetas e o primeiro dos tragediógramos, mas reconhecer que, quanto a poesia, somente se
devem receber na cidade hinos aos deuses e encômios aos varões honestos e nada mais.” PLATÃO.
A República. 8 ed. Traduzido por: Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa : Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996. par.606 e. Nota. A palavra encomiasta no idioma português significa quem faz
21

Não somente Platão reconheceu Homero como educador dos


gregos. Estima-se que todo aquele que assimilar os conteúdos morais, éticos, da
Ilíada, há de ver na pessoa de Homero, um educador. O poeta revelou-se um
verdadeiro pedagogo na arte de ensinar. Parece que, de forma direta, Homero
procurou mostrar, que a escolha entre o caminho do bem, do justo, em oposição ao
mal, à injustiça, leva à degradação dos costumes morais. Homero demonstrou que a
humildade não é privativa de pessoas desprovidas de riquezas ou pertencentes a
camadas sociais de pouca ou nenhuma influência na Sociedade. A humildade,
segundo se extrai do pensamento de Homero constitui virtude moral inerente à
condição humana. A humildade se opõe à soberba. A humildade denota amor,
respeito ao outro. A palavra revela sabedoria, ou seja, a capacidade do Ser
considerar-se como os demais, sem exaltação a sua posição política, hierárquica e
ou outro fator que a eleve no meio social. A falta de cuidado nos limites da
humildade pode incorrer na depreciação de si, do Ser. A virtude da humildade
recomenda ação prática, de forma a tornar-se um hábito, a ser imitada.
Passagens dos versos da Ilíada dão conta que o pai de Heitor,
magistrado dos Troianos e de avançada idade, suplica humildemente, a Aquiles, que
o autorize a não deixar insepulto seu filho. É de se observar que os versos da Ilíada
não apenas focalizam a moral como idéia, mas, sobretudo, como ação.
A Ilíada revela que a vida da rainha e esposa Helena sustentada
pela riqueza, pela criadagem, no luxo de suas vestes e palácios não foi suficiente
para encobrir a infiel vida com o belo, o insidioso, representante do reino de Tróia.
Essa visão Homero retrata com esmero de sua criatividade. Os sentimentos de
vergonha, de pudor que sentiam os Aqueus, diante traição, da infidelidade de sua
rainha, não poderiam servir de motivo para ações impensadas. A razão deveria
orientar a condução do pensamento do povo ultrajado, os aqueus.
Homero destaca a que educação política deveria ser observada, até
mesmo, na idéia de invadir os muros de Tróia. Somente após a tomada de decisão

discurso de louvor. Quem faz elogio à alguém o a alguma coisa. Já a palavra encômio designa
discurso, canto ou louvor a alguém.
22

pelos membros do Conselho do Povo, tem início a guerra. Nesse particular, deduz-
se que Homero pretendeu demonstrar a necessidade de maturidade política, para o
encaminhamento de escolha de ação que envolveria a vida de centenas de pessoas
humanas. A recuperação da honra ultrajada diante da traição de Helena e do
Troiano Alexandre não poderia ser resgatada por atos impensados, de puro
sentimento. A leitura da Ilíada, nesta perspectiva, constitui fonte de ensinamentos
éticos, morais e políticos, como contribuições temáticas à Filosofia do Direito.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre as conclusões, o trabalho reforça a idéia, segundo a qual, há


necessidade do pesquisador do Direito romper com a tradicional linha de leitura
centrada, exclusivamente na Ciência Jurídica. Mediante esta opção, abre-se um
leque de estudos, por exemplo, na Antropologia, na Ética, na Fenomenologia, na
História, na Moral, na Política, na Psicologia, na Economia, na Sociologia. Para
tanto, precisa ousar, estimular o senso de criatividade. A experiência prática
demonstra que até mesmo na poesia há dados nos quais o poeta revela a cultura, o
modo de pensar e de agir da Sociedade que o cerca.
Homero, ao discorrer em seus versos, as lutas sangrentas entre
Troianos e Aqueus, ainda que não tenha sido um historiador, descreve aspectos da
forma de organização política da Sociedade da Grécia Antiga.
Em regra, o poeta cria sua arte, envolto em ambientes políticos,
sociais, econômicos e religiosos de sua época. Nestes cenários, a fantasia e o real
assumem a fala do poeta. Mediante a inspiração de seu de seu espírito, seus
personagens e ambientes se confundem entre o mito e o real. Homero ao escrever a
Ilíada, parece não fugir a observação.
A Ilíada não constitui um tratado sobre a arte de guerrear. Homero
parece evitar a apologia ao emprego da guerra, considerada como o extremo
instrumento empregado pelo homem, diante do esgotamento de todas as formas
racionais para aplacar a ofensa, a injustiça.
23

O estudo dos vinte e quatro Cantos da Ilíada de Homero descortina


ao pesquisador, um universo de temas significativos para a Filosofia do Direito. Além
do viés central da poesia, (épico) a obra poética mostra um rico mosaico dos
costumes da Grécia Antiga: a) política da boa vizinhança desenvolvida pelos reis das
Cidades-Estados da Grécia, mediante viagens a nações estrangeiras com o
objetivos diplomáticos e comerciais; b) instituição de Assembléias ou Conselhos do
povo criado para debates e resoluções de assuntos da cidade; c) instituição de
Juízes nomeados para o julgamento de pessoas acusadas de delito; d) processo
exclusivamente oral, adotado pelos Juízes da comunidade; e) critério de justiça
fundado nos costumes morais da Comunidade; f) cerimônias e sepultamento de
pessoas mortas; g) preservação do casamento monogâmico; h) repulsa à traição
matrimonial; i) cultura da religião apoiada na crença de deuses orientados por um
único Deus considerado imortal; i) liberdade familiar ou comunitária escolher o Deus
de suas vocações religiosas; j) falta ou inexistência de uma taboa carta de
recomendações religiosas; k) a crença na figura simbólica de um lugar destinado às
almas dos mortos.
A Ilíada vista por estes prismas permite deduzir que os versos nela
contidos representam uma das fontes reveladoras dos hábitos, do imaginário e dos
ideais da Sociedade da Grécia Antiga. No contexto do poema, observa-se a genial
imaginação de Homero na trama de diálogos de seus personagens. O poeta retrata
o ambiente cultural dos costumes de uma época. (Séc.VIII aC.) Ressalte-se que
tanto os Aqueus quanto os Troianos tinham como hábito, o saque de animais como
cavalos, bois e ovelhas, inclusive bens de uso comestíveis (colheitas de cereais). A
prática da invasão do domínio alheio fazia parte da prática dos mais fortes contra os
mais fracos. Os versos da Ilíada narram essas ações como se fossem condutas
normais, talvez justificadas pela necessidade da sobrevivência humana. O poeta não
menciona a invasão e ou a ocupação de terras cultiváveis ou de outra qualidade
produtiva. Daí deduzir-se que nesta particular a Sociedade grega, não aceitava
essas práticas ilícitas.
24

A arte poética versada no poema de Homero veio confirmar uma


idéia, uma concepção do autor. Não há âmbito do conhecimento humano que não
possa contribuir para a Filosofia do Direito. Homero ao descrever sobre a índole de
seus personagens nada encobre sobre os mesmos. Ulisses era um impiedoso
saqueador de cidades. Alexandre um príncipe dotado de apenas belo corpo físico,
em contraste com seu caráter de bajulador, egoísta e conquistador de mulheres.
Havia deusas fiéis aos conselhos de Zeus e aquelas que, em desobediência ao
Deus supremo, induziam os humanos aos vícios. A escolha para o caminho do justo
e do injusto, da virtude e do vício dependia, exclusivamente de cada um em
particular.
A atenta observação à Ilíada leva o pesquisador a entender que a
religião da Grécia da Antiguidade não constitui uma instituição homogênea. As
manifestações religiosas diferiam de família para família, de grupo social para outro.
O primeiro dado a assinalar está na pluralidade de Deuses. Entre eles, um destaca-
se como o supremo Deus e senhor dos demais. Trata-se de Zeus, inclusive o Deus
de todos os gregos. De acordo com a crença mitológica, os deuses possuíam corpo
à semelhança do ser humano. A distinção estava nos poderes que assumiam. Como
Zeus, os demais deuses intervinham entre os humanos, através de fenômenos da
natureza, como trovões, elevação dos mares, dos ventos, das colheitas. Em outras
palavras, os deuses constituíam representações de forças da natureza.
Não havia uma tábua de prescrições determinando certo tipo de
comportamento no sentido do bom em relação ao mal, do injusto frente ao justo.
Releva destacar que determinadas ações dos humanos constituíam motivos de
48
alegria aos deuses. (a bondade, a justiça, o perdão), outras os encolerizavam.
Os personagens da Ilíada dialogam com os deuses, sobretudo com
Zeus. Isto revela certa aproximação e intimidade entre os mortais e os deuses. A
poesia não mostra a existência de oráculos ou dias especiais para conversar-se com
as divindades. A partir do estudo da Ilíada leva-se a deduzir que a religião dos

48
HOMERO. Ilíada. Canto I, Verso 10.
25

gregos da Antiguidade aceitava que Zeus e os demais deuses eram imortais. Já o


homem grego, para a religião era um ser mortal.
Um dado interessante aparece na pesquisa, Homero admite que,
49
após a morte, a alma não repousa com o corpo. Os versos do poeta dizem que a
alma sai do corpo para a mansão de Hades. Lá permanece para a eternidade.
Assinala-se que séculos mais tarde, surge na Filosofia Pré-Socrática,
a concepção da existência da alma como ente do corpo humano, com vida. Após a
morte, a alma dissipa-se do corpo para retornar, novamente, em outro corpo.50 Por
fim, o estudo da religião leva a pensar-se que, provavelmente, nesse momento
histórico esteja nascendo na cultura religiosa da Grécia Antiga, o que se denomina
igreja. Uma organização moral constituída de grupo de pessoas ( sacerdotes e fiéis)
51
unidas pela mesma crença religiosa.
A poesia traz a mensagem, no sentido moral, ao referir que todo
aquele que infringir princípios, regras consagradas pela Sociedade, se submeterá às
sanções por ela impostas. Este tópico constitui uma das regras morais nucleares da
poesia. Considerado este entendimento, reconhece-se que a Ilíada assume um
caráter pedagógico. Não naquilo que torna apologética as cruéis lutas entre Aqueus
e Troianos, mas no ponto em que o poeta demonstra a humildade, a firmeza de
caráter de determinados personagens.
Ao finalizar o presente estudo, assinala-se que a Filosofia do Direito,
enquanto área de saber que tem por objeto investigações os primeiros princípios, as
causas mais remotas que regem Direito, guarda relação com a Filosofia da
Linguagem. Do ângulo da estética poética, os versos da Ilíada podem constituir
objeto de estudo para a Filosofia da Linguagem. A Ilíada representa um acervo de
versos, nos quais os personagens entram e saem das cenas, cuidadosamente

49
“Assim dizendo, cobriu-o o termo da morte. E a alma voou-lhe do corpo para o Hades,
lamentando o seu destino, deixando para trás a virilidade e a juventude. E para ele já morto,
assim disse o divino Aquiles: “Morre. O destino eu aceitarei, quando Zeus quiser que se
cumpra e os outros deuses imortais.” In: HOMERO. Ilíada. Canto XXII, verso 365.
50
SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça e Virtude Moral & Reflexões. 2 ed. Curitiba. Juruá. 2008.
51
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. Traduzido por: Paulo Neves. São
Paulo: Martins Fontes, 2003
26

elaboradas. As idéias, os diálogos desenvolvem-se por um fio condutor único, sem


correrem o risco de colisão.( a moral) Estas observações levam o leitor a pensar
que Homero, mediante a elaboração da Ilíada propunha-se a ensinar a moral, no
sentido do bem, do justo como prática de convivência social e política.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Traduzido por: Júlio Fischer. São


Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. 19 ed. Petrópolis: Vozes. 2007. 1v.
COMTE-SPOVILLE. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Traduzido por:
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. Traduzido por:
Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GUTHRIE, W. K. C. Historia de la Filosofia Griega. Introducción a Aristóteles.
Traduzido por: Alberto Medina Gonzáles. Madrid: Editorial Gredos. 1999. 6v.
GUTHRIE, W. K. C. Os Sofistas. Traduzido por: João Rezende Costa. São Paulo:
s/n, 1995 .
HESÍODO. A Origem dos Deuses. Traduzido por: Jaa Torrano. 7 ed. São Paulo:
s/n, 2007.
HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Traduzido por: Mary de Camargo Neves Lafer.
7 ed. São Paulo: Iluminuras, 2007.
HOMERO. Ilíada. Trad. De Frederico Lourenço. Livros Cotovia. Lisboa. 2005.
JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do Homem Grego. Traduzido por: Artur M.
Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MELO, O. F. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000.
PLATÃO. A República. Traduzido por: Maria Helena da Rocha Pereira. 8 ed. Lisboa :
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça e Virtude Moral & Reflexões. 2 ed.
Curitiba: Juruá, 2008.
27

VERNANT, Jean-Pierre. Mito e Religião na Grécia Antiga. Traduzido por: Joana


Angélica D’Ávila Melo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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