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HERÓDOTO

 Conhecido como “pai da História” (pater historiae – epíteto atribuído por


Cícero), historiador e geógrafo (primeiro historiador do mundo ocidental
e o primeiro escritor em prosa);
 Nasceu em Halicarnasso (atual Turquia) - não pertencia à península
grega, nem às ilhas, mas sim um dos territórios coloniais gregos,
chamados de Magna Grécia - por volta de 484a.C. Posteriormente
mudou-se para Atenas onde se tornou adepto da política de Péricles e
foi amigo de Sócrates. Aí começou a relatar a situação da sua época,
particularmente as guerras entre Grécia e Pérsia e os fatos que as
sucederam.
 Morreu por volta de 425 a.C., provavelmente em Turim, na Itália, povo
que ajudou a fundar.

Revelou a história da invasão persa na Grécia. Foi o escritor da obra


"Histórias", onde relata as guerras médicas entre gregos e persas, esta obra
é classificada em 9 livros, que eram dedicados à nove musas, que segundo a
mitologia grega, eram responsáveis pela arte. O nove livros são:

 Clio - neste livro, estão relatadas as causas das "Guerras Médicas", as


primeiras desavenças e conflitos que aconteceram entre bárbaros e
gregos;
 Euterpe - o segundo livro relata os acontecimentos no Egito, sua
história, a geografia do país, a religião, os reis, animais sagrados e
costumes;
 Tália - o terceiro livro reúne fatos sobre o motivo que levou Cambises
(imperador da Pérsia) a atacar o Egito, toda a sua trajetória até a sua
morte e a entronização de Dário I;
 Melpômene - o quarto livro fala sobre Cítia - região na Eurásia habitada
por iranianos;
 Terpsícore - o quinto livro relata o avanço persa sobre a Grécia;
 Erato - o sexto livro, reúne a história de Esparta e Atenas, as políticas
internas e a invasão persa na Macedônia;
 Polímnia - o sétimo livro relata a invasão na Grécia a morte de Dário e a
posse de Xerxes I, que assume o trono do império persa;
 Urânia - o oitavo livro relata a Batalha do Cabo Artemísio, a ocupação e
a destruição de Atenas, a Batalha de Salamina e a retirada de Xerxes;
 Calíope - o nono livro conta sobre as batalhas de Plátea e Micala., os
trágicos amores de Xerxes, a tomada de Sesto pelos atenienses e a
opinião de Ciro sobre os riscos do expansionismo.

“Herodotus being so miraculous, and the Herodotean urge to seek origins still being so
strong with us, the desire to historicise him remains irresistible. Knowing what lay
around and behind him could make clearer what was unique about him; it could,
assuming an agreed definition of history, tell us whether he really was its Father. It
happens that we do have a certain amount of information - desperately fragmentary,
permitting only the smallest number of verifiable hypotheses - about his predecessors
and contemporaries. But in truth, if one wishes to know what relationship exists
between Herodotus and his colleagues, it is best to look first in Herodotus' own text.
Herodotus is frequently argumentative and judgemental. From the very first chapters
he rejects foolish opinions, weighs up conflicting evidence, makes firm
pronouncements on method: were it not for his winning charm, one could find all this
very irritating (as indeed some readers have). For all its prominence, however,
scholars have only recently begun to relate this feistiness to Herodotus' conception of
himself as an historian. For it is obvious (now) that he must be arguing with someone,
and a close study of the intellectual terrain over which these battles and negotiations
are being conducted can do much to illuminate Herodotus' situation as a writer.” -
Fowler, R. (2006), “Herodotus and his prose predecessors” , in C. Dewald, J.
Marincola (coord.), The Cambridge Companion to Herodotus, Cambridge: 29-
45

HISTÓRIAS:

proémio- resgatar e evitar o esquecimento e passar a memória dos povos; não


descuidar os antepassados e os antigos feitos/obras ( épya) – “esta é a
exposição das informações de Heródoto de Halicarnasso, a fim de que os
feitos dos homens, com o tempo, não se apaguem e de que não percam o
seu lustre ações grandiosas e admiráveis, praticadas, quer pelos helenos,
quer pelos bárbaros, e sobretudo, qual a razão por que entraram em
conflito uns com os outros.” (frase com que Heródoto introduz a
apresentação das suas Histórias). Gregos e Bárbaros como mundos isolados e
opostos (dicotomia), abarcando, não só os momentos heroicos, mas também o
quotidiano (ta genomena) e as suas práticas, usos e costumes.
Mais do que as razões de estado, que estão por trás das vitórias e derrotas
destas personagens, Heródoto tende a valorizar os motivos pessoais, o desejo
de vingança, a perspicácia e a inteligência – “a guerra passou a ser lida como
um produto da arte e do saber e, para além da consequência de uma
estratégia militar. Com esta nova perspetiva, a inteligência vai aparecendo, nos
historiadores do século V a.C., como um fator determinante no desenrolar do
combate.” É necessário conhecer o inimigo, os seus comportamentos, hábitos,
reações, costumes, sem nunca o subvalorizar. – “Mais do que o poder, a
riqueza ou o número, de homens, de armas, de terras, que fazem a vantagem
aparente de uma das partes, a sorte final depende sobretudo da lucidez, da
razão, do conhecimento, que podem redimir os mais fracos da própria
desvantagem natural.”

Finalidade tripla:

 Lembrar o passado
 Dar glória
 Encontrar uma causa (aitíh) da guerra (que o faz um historiador)

Heródoto debruçou-se perante os vários povos, dando bastantes legados (que


o tornam uma referência de um mundo multicultural – expõe-nos sem
sobrevalorizar nenhuns; “qual a razão por que entraram em conflito uns com os
outros” – deu muita atenção ao ‘não grego’; valorizou não só que era seu / a
sua cultura, mas também a dos Bárbaros – IMPARCIALIDADE – tão notáveis
feitos foram cometidos por helenos, como por bárbaros.

Tem consciência do relativismo de valores – cada povo dá valor a diferentes


coisas. *No texto 2 dos textos de apoio, podemos verificar esse relativismo:
quando comparamos os nossos defeitos com os dos nossos vizinhos,
acabamos por perceber que a nossa cultura/tradição, afinal, não tem assim
tantos defeitos quanto isso*.

No livro 1 relata o confronto entre o Ocidente/Europa (gregos) e o


Oriente/Ásia (Persas):

Expansionismo Persa:
Sucessão de reis (pais e filhos) – o fundador do Império Medo-Persa
foi Ciro (filho de pai Persa e mãe Meda). Este tem um filho, Cambises, que
transgride uma série de regras e normas e, por este motivo, muda-se a
linhagem para Dario (filho de Xerxes, persas e os que determinaram as
guerras Medo-Persas) – conquista o trono e a soberania e inverte (começam a
ser os persas a mandar nos medos.).

“(…) forte presença no seu discurso de elementos de forma e conteúdo típicos


do logos dramático. A construção de enredos próximos das intrigas a que o
público do teatro estava habituado, com as figuras dos poderosos monarcas
bárbaros e dos grandes tiranos gregos a serem confrontadas com as fraquezas
da sua contingência de mortais e com o poder supremo dos deuses e do
destino (…). Aí, como na tragédia ateniense contemporânea do historiador,
assistimos à construção das fundações de conceitos que, não obstante as
naturais metamorfoses provocadas pelo passar do tempo, ao longo da história
têm constituído alicerces da conceção que o Homem faz do mundo. Norma
(nomos), transgressão (anomia) e morte (thanatos) são as três
palavras/conceitos que enformam um tríptico, a meu ver estrutural, dos nove
livros das Histórias de Heródoto. Magistralmente assinalado por W. Burkert o
respeito que Heródoto demonstra face aos particularismos étnicos das diversas
etnias que povoam as HistóHas2, importa determo-nos na expressão lapidar
com que o historiador reconheceu ao nomos o estatuto de princípio universal
da organização do mundo. Esse trecho ocorre no final do célebre passo em
que Dario pergunta a alguns Gregos por que preço seriam capazes de prestar
aos seus pais as honras fúnebres praticadas pelos Indianos Calatinos e vice-
versa - *texto 3 material de apoio sobre NOMOS*. De ambas as partes
recebe uma rejeição peremptória (*que faz terminar a discussão ou dá a última
palavra*), desfecho que provoca em Heródoto a seguinte afirmação: Esta é,
pois, uma crença geral (tauta nenomistaí). Bem andou Píndaro, em meu
entender, ao afirmar que "a tradição (nomon) é a rainha (basilea) de todas as
coisas (3. 38. 4). Neste passo, o sentido do vocábulo grego nomos, como
vimos pela tradução, é genérico e abrangente, correspondendo à definição que
dele já deu J. de Romilly ao afirmar que ‫״‬a palavra aplica-se a toda a espécie
de regras, em todos os povos". O que as Histónas demonstram, através de
numerosíssimos exemplos, é que Píndaro, na leitura que dele faz o historiador,
de facto tinha razão. Ou seja, o nomos constitui um elemento formador da
identidade individual e coletiva dos sujeitos”
“o que Heródoto demonstra ao longo da sua obra é que o nomos deve ser visto
como princípio de causalidade histórica, uma vez que a pressão que este
exerce sobre as pessoas leva-as a agir de determinada maneira. Porque se
transforma em princípio de conformidade, orientando a atuação humana, o
nomos está na origem de comportamentos característicos, logo previsíveis,
entre indivíduos que se regem pelo mesmo código de regras.”– Humanitas LIX.

Nomos – princípio de historicidade:

 Fator de pressão – leva-os a agir de acordo com ele


 Inspirador / Formador dos atos dos indivíduos de um povo
 Princípio de conformidade / orientador da atividade humana (orienta
para agir)
 Comportamentos-tipo que os tornam previsíveis.

“Apesar de livres, não o são de todo: estão sujeitos a um soberano – a lei –


que temem muito mais do que receiam a ti os teus súbditos. De facto, fazem
tudo o que ela lhes mandar, e ela manda-lhes sempre o mesmo: que não lhes
é permitido fugir do campo de batalha, ainda que seja grande a avalanche dos
inimigos; devem conservar o seu posto, e vencer ou perecer.”

*texto 3 – textos de apoio*: Os persas queriam conquistar dois territórios


geograficamente opostos ao seu: o ocidente (gregos) e o oriente (indianos).
Estes dois povos tinham um culto funerário muito diferentes: enquanto que no
ocidente predominava a cremação, no oriente era a necrofagia (alimentavam-
se dos cadáveres). Pede-se aos dois povos que pratiquem costumes
diferentes, e as reações foram iguais. – Mais uma vez verificamos a atuação do
nomos – cada povo deve obedecer ao seu, sem violar o outro. Heródoto
transmite-nos uma mensagem dupla:

 Relativismo de nomos: Comer os pais representa um nomos para os


indianos e uma anomia para os gregos);
 Género de intolerância: não podem transgredir uma prática do seu
povo; não se afastam de uma regra que está estipulada.

Princípio geral que Píndaro resume numa fórmula: “o costume é de tudo rei”.

O facto de Heródoto ter escolhido um persa para ser um ‘juiz’ neste episódio,
demonstra uma atitude não centro-helenística do autor – carácter neutro
etnográfico (os gregos não são o ‘centro de tudo’.
Os persas, pelo contrário, eram um povo muito centrado nos valores materiais,
riquezas, ao contrário dos gregos e indianos, que não abdicam do nomos para
possuir riquezas.

“Quando lutam individualmente, os Lacedemónios não são em nada inferiores


aos outros, mas em grupo revelam-se os mais valentes guerreiros. Embora sejam
livres, não o são em absoluto, pois têm por soberano um corpo de princípios, que
receiam ainda muito mais do que os (vossos súbditos) a vós.” (7. 104. 4) *texto 4 dos
textos de apoio*

Demorato (espartano que passa para o lado dos persas) transmite a Xerxes a
sua opinião sobre os Lacedemónios (com quem os persas de vão defrontar)
quanto a forma como lutam – não desistem, não abandonam a luta. Os
Espartanos obedecem mais aos princípios que estão acima de todos dos
homens, que as reis.

Despotes – aquele que tem poder absoluto sobre…

“São sobretudo os Persas, de entre os seres humanos, que pendem mais para
costumes estrangeiros.” - *texto 5 – textos de apoio*

Os persas eram mais tolerantes aos costumes dos outros; aceitam-nos e


adaptam-nos, ao contrário dos citas (*texto 6*) que os rejeitam (não só a nível
de costumes, mas também territorialmente).

A narrativa Herodoteana tem muitas narrativas dentro dela (confronta o


leitor com várias posições/perspetivas/pontos de vista.
Diferentes tipos de discurso:
 Etnográfico: narrativas do hábitos dos povos, caracterização, geografia,

deuses, rituais, tradições, costumes e crenças transmitidas de gerações

em gerações. (ethnos/oi: povo + graph: escrita) - Esta filiação/tradição

já vem de autores anteriores.


 Dramático: discurso direto; personagens heróis-trágicos; fins que

ascendem e caem; importância do destino.

 Científico: filosofia da natureza (descreve a fauna e a flora, a

geografia). *No século V, a botânica, geografia, zoologia, etc., não se

‘separam’*

Temas centrais/estruturantes na obra multifacetada:

MORTE – surge como um fio forte marcante da narrativa, que lhe dá


unicidade / sentido de união (insere-se na dimensão etnográfica, rituais
fúnebres).

Quase não há mortes naturais.

Mortes trágicas proporcionam uma sensação de ‘maravilha’, ou causa-efeito


(consequência dos atos praticados durante a vida).

Fundamentos éticos para a morte – NOMOS (termo polissémico *vários


sentidos*) – Valor (geral / abrangente) de regra, ou toda a espécie de regras
aplicado a todos os povos e são transmitidos de gerações em gerações /
princípio universal dos povos – valor etnográfico e o mais usado pelo autor.

Por oposição ao nomos, surge a anomia.

NOMOS ≠ ANOMIA (substantivo) / ANOMOS (adjetivo): aquele que


desrespeita a regra

Um exemplo desta anomia é Cambises *texto 1 dos textos de apoio*, que


desrespeita os Egípcios, as crenças religiosas e o princípio universal do que é
a tradição - considerado louco (patamar mais elevado da falta de noção) – juízo
cultural.

“Contudo, não obstante o papel modelador exercido pelo nomos sobre os


indivíduos, diversas são as situações em que aqueles o desrespeitam,
incorrendo naquilo a que os Gregos chamaram de anomia. O facto de, no
extenso texto de Heródoto, encontrarmos apenas duas ocorrências deste
substantivo, nenhuma delas, aliás, com o significado 'desrespeito pelos
costumes', não deve ser entendido como indicador da pouca importância que a
temática da transgressão das normas assume na construção da obra. Antes
pelo contrário! (…) é vasta a galeria de autores de infrações ao nomos que
pagam com a vida as suas faltas. A título meramente exemplificativo, permito-
me destacar apenas figuras que na morte expiam várias anomiai, por isso
mesmo passíveis de qualificar de verdadeiros hybristai. São eles: os
soberanos persas, Ciro e Cambises; o sátrapa Oretes; os tiranos gregos,
Periandro de Corinto e Polícrates de Samos; o rei de Esparta, Cleomenes.”

Episódio de Sólon e Rei Creso (cap.30-33):

Sólon – grego, de Atenas – visitante


Rei Creso – de Lídia de Sardes – anfitrião

(Sólon, antes de chegar à Lídia, passou no Egipto, onde encontrou Amásis.)

Conversa sobre o conceito de felicidade:

AFORTUNADO ≠ FELIZ

eutukhes olbios

Boa sorte, feliz, Conceito muito mais raro;


que não sofre desgraças. é preciso chegar ao fim da vida
sem ela correr mal.

Sólon sobre os que são bafejados pela felicidade, ainda que sem
recursos materiais - “se não é capaz de suportar, tal como aquele, a
desgraça e o desejo, a boa sorte afasta-os dele, que, apesar disso, é um
homem sem deformações, sem doenças, sem a experiência de penosos
padecimentos, orgulhoso da sua descendência e detentor de uma bela
figura. Se, para além dessas características, ainda vier a terminar bem a
vida, esse é quem procurais, aquele que merece ser chamado feliz.
Porém, antes de ele atingir o fim, acautelai-vos e não lhe chameis feliz,
mas afortunado”.
Exemplos: (“Os exemplos considerados (…), de Telo de Atenas e dos Argivos
Cléobis e Bíton, permitirão compreender a articulação que também pode haver
entre nomos e morte.”)

 Telo – o mais feliz de todos – morreu na guerra:

Telo teve boa descendência (fisicamente eram belos e moralmente, bem-


educados) que sobreviveu ao pai (não viu os seus filhos morrer precocemente);
viva numa pólis próspera (dimensão pública); uma boa economia, sem
privações; morreu em campo de batalha (para os gregos não havia nada
mais honroso).

 Cleóbis e Bíton – Argivos, com meios de subsistência suficientes,


atletas vencedores e dotados de grande força física. Eles próprios
puxaram a mãe no carro de bois (filia) – devoção, dedicação - para que
a mesma pudesse chegar ao santuário – acmé (ponto mais alto da vida /
suprema felicidade / fase do apogeu da juventude) A mãe pede, então a
Hera que concedesse aos seus filhos o melhor que o homem pode
obter. Foi assim que, após o sacrifício o banquete, os jovens
adormeceram no próprio templo e não voltaram a acordar (sono eterno)
– assim, mostra a divindade, ser melhor para o homem morrer do que
viver. A deusa compensou-os pela dedicação filial em plena akme das
suas vidas. Os argivos ergueram-lhe estátuas que consagraram em
Delfos como homens excelentes que eram – de mortais, passam a
heróis. – “Cumpre-se, assim, a máxima evocada em 1. 31. 3, que dita
que para o homem é melhor morrer do que viver. Ou seja, a morte
(thanatos), mesmo que colha o indivíduo na juventude, pode ser
encarada como um prémio e não uma punição. De acordo com uma
filosofia de vida eivada de pessimismo, para a qual a vida é uma soma
de sofrimentos inevitáveis, a morte pode ser encarada como bem.
Desde logo por duas razões: ou porque proporciona a libertação das
penas ou porque, quando surpreende as pessoas na juventude, reduz o
tempo de que dispõem para viver infortúnios. Neste último caso
podemos incluir o destino dos dois Argivos, a quem a divindade
concedeu o dom mais distinto (to aristón) que o homem pode ter:
morrer no apogeu da time, o mesmo é dizer, coberto de glória, distinção
em grego assinalada pela expressão andres aústoi”.

Um homem não pode achar que tem tudo. Precisa ainda de ter uma

morte bela (kalos thanatos, por oposição à kakos thanatos - morte

ignominiosa). Têm de esperar para o fim da vida – e esta ser calma e próspera

- para se denominar propriamente feliz: “Mas, antes de chegar ao fim, espera

e não o chames feliz, mas afortunado. (…) Quem detiver o maior número

delas ao longo da vida e em seguida atingir o seu termo de forma

afortunada, esse, a meu entender, tem direito de, como um rei, receber tal

nome. É necessário ver o fim de cada coisa e como se vai concluir."

(Proximidade ideológico-cultural entre a narrativa Herodoteana e a política

democrata Ateniense).

A boa sorte assenta na ausência de males (físicos e psicológicos).

Quantos mais anos de vida, maior a possibilidade da vida lhes

“falhar” / serem confrontados com desgraças.

Sólon alerta também para não confiarmos na felicidade do momento – a

divindade é invejosa quando vê excessos – “o deus gosta de abaixar o que

se eleva” – princípio da inveja (fqónoj) divina para com os insolentes (bem

identificado no anel de Polícrates), que punem os insolentes (punição do

hybristes) – “É que a muitos deixa ver o deus a felicidade e depois abate

sem apelo.”
“É que o homem muito rico não é mais feliz do que o que tem para o dia-

a-dia, se não o acompanha a sorte de terminar a vida no meio de toda a

espécie de prosperidades.” – princípio de moderação – se não tiver sorte,

de nada lhe vale a riqueza.

A felicidade não se obtém “pela posse de tesouros materiais, mas de


‫׳‬bens que o dinheiro não pode comprar: saúde (mental e física), posse de uma
descendência modelar, boa aparência e uma morte digna (teleutesai ton bion
eu).”

Creso tem um sonho premonitório em que o seu único filho saudável,

Átis, morre com uma ponta de ferro. Decide, então, mandar retirar todas as

armas do palácio e não permite que este faça mais nenhum treino militar. Nos

preparativos do casamento de Átis, chega a Sardes um homem que procurava

purificação, Adastro (um fratricida). Creso, mesmo assim, permite-lhe ficar e

um dia, influenciado pelo seu filho, saem os 3 para caçar. É assim que Adastro,

sem querer, ao lançar o dardo direcionado ao javali, acerta em Átis, matando-o

e cumprindo a profecia. Creso desculpou-o e atribuiu as culpas a Zeus (ato de

desresponsabilização) – tripla negligência: ignora os sonhos (contra o nomos

religioso); não leva a sério os princípios da responsabilidade humana, nem de

homem maduro (uma vez que se deixou influenciar pelo filho). Não entende os

sinais que lhe dizem que deve corrigir a sua hybris. Não tem consciência dos

limites dos comportamentos dos mortais e desafia os deuses.

(Episódio com grande componente drama / trágico)

Adastro (nome que significa “aquela necessidade que não se pode evitar”),

consciente do seu duplo-homicídio, suicida-se.

 personagem de herói-trágico
 inevitabilidade – não consegue contornar o destino – há uma forca

acima dos homens (segundo a desculpa de Creso)

No entanto, Adastro, também tem responsabilidade naquilo que lhe aconteceu.

Aceita ser purificado, mas quando Creso insiste para que ele enfrente o javali,

ele aceita. (O público só sente pena porque estes heróis não são apenas

joguetes nas mãos dos deuses, mas porque as suas más decisões (presentes

também na vidas dos meros mortais) o levam ao desfecho trágico. Eles

representam-nos, bem como os nossos defeitos e erros.

Eudaimonia (εὐδαιμονία) - termo grego que literalmente significa "o estado de

ser habitado por um bom daemon, um bom gênio", e, em geral, é traduzido

como felicidade ou bem-estar / estado de plenitude do ser.

Dystykhía – desventura
Túkhē – Τύχη (sorte)
Eutukhía – fortuna

Creso confronta Ciro, perde e é capturado. O rei dos Persas quer dar o

exemplo a quem ousar desafiá-lo e, por isso, quer imolá-lo numa pira – morte

trágica e vergonhosa (kakos thanatos) – mas acaba por mudar de ideias. É

então que Creso chora, percebendo-se que errou e que, afinal, não passa de

um simples mortal.

Anel de Polícrates:
Perante toda a sorte de Polícrates, Amásis - com quem tinha um pacto
de hospitalidade - aconselha-o a livrar-se de algo que gostasse muito, de modo
a contrariar o estrondoso sucesso que causaria inveja aos deuses. Ele decide,
então, navegar até alto mar e deitar o seu anel à água (valor material –
importância que os gregos davam aos objetos – mesmo pensamento que
Creso). No entanto, cinco ou seis dias depois, um pescador apanha um peixe
enorme que crê ser digno de Polícrates, oferecendo-o. Ao abrirem o peixe
verificaram que, no bucho, estava o anel – percebem que os deuses rejeitaram
aquele gesto – Amásis retira os laços com Polícrates (contra a base da
hospitalidade: solidariedade).

Polícrates – hybris, tirano fratricida – mata o irmão (ato de desmesura por


ambição) – contra os laços de filia. Acaba por ser assassinado e o seu corpo,
depois de morto, é humilhado (empalado – espetar o corpo pela espinha dorsal
num pau sob sol e chuva).

Candaules e Giges - tríade nomos-anomia-morte/ amor-poder-vingança

“Mas é na primeira ‫״‬short story" da obra, dedicada à intriga palaciana que


esteve na origem da deposição de Candaules e ascensão de Giges ao trono
da Lídia, que o historiador dá corpo a um drama cuja encenação se baseia no
diálogo entre os três conceitos nomos, anomia e thanatos. Note-se que, se
somarmos à própria localização deste quadro entre os capítulos de abertura do
Livro I das Histórias (caps. 8-12) o facto de nele estarem contidos elementos
que serão repetidos nas narrações seguintes das vidas dos monarcas
bárbaros, percebemos de imediato que a fabula de Candaules e Giges encerra
um evidente valor programático. Ou seja, aqui encontramos as linhas mestras
do pensamento ético que atravessa as Histórias e lhes confere unidade. De
facto, a atuação das personagens envolvidas nesta intriga palaciana gira em
torno de um princípio do código de honra comum aos Lídios e a quase todos
os Bárbaros. Antes de considerarmos o princípio em si, importa esclarecer que
a função de um código reside, precisamente, em determinar um conjunto de
regras. Só respeitando esses nomoi, o indivíduo constrói a sua imagem social
de pessoa honrada, ou seja, possuidora daquilo a que os Gregos chamavam a
time. Note-se que, não obstante nenhuma das palavras usadas por Heródoto
na narração do episódio em apreço corresponder às evocadas nomos e time,
ambos os termos e respetivos conceitos estão indiretamente implicados na
história, uma vez que o cenário desenhado corporiza os seus reversos, a
saber: um ato de transgressão das regras (respetivamente qualificado de
anomos, 1.10.3) e a vergonha de quem o comete (no texto apelidada de
"grande": aischyne megale, ibidem). Porém, como comecei por adiantar, de
acordo com o texto de Heródoto, a morte (thanatos) correlaciona-se com a
norma (nomos) e o seu desvio (anomia). Realmente o fim de Candaules e a
ameaça que paira sobre a vida de Gigesilustram que um ato de infração ao
nomos não pode ficar impune. Em suma, se não o autor moral da anomia,
pelo menos o seu executor terá de morrer (apollysthai, 1. 11. 3 e 4;
apothneskein, 1. 11. 3; apolôlenai, 1. 12. 1). No caso em análise, estamos,
assim, perante a relação direta entre anomia e morte.”

“Quando uma mulher tira a veste, despoja-se ao mesmo tempo do


pudor a mulher” / “De facto, tanto entre os Lídios como entre quase todos
os outros Bárbaros, ser visto nu, mesmo que se trate de um homem, é
tido por profunda desonra.” – código de conduta de Giges desrespeita e
Candaules ignora.

“De facto, devido à arrogância manifestada pelo facto de julgar possuir um bem
que mais ninguém tem, pois considerava a mulher a mais bela de todas,
Candaules integra a vasta galeria de hybústai – (“clarifica a leviandade e a
cegueira que o sentimento irracional produz. Associado à paixão está o desejo
de posse, de domínio sobre uma propriedade ou um tesouro, que neste caso é
a beldade que Candaules tem por a mulher”). (…) a principal semelhança entre
a fabula de Giges e a tragédia reside em princípios filosóficos e morais. (…)
para além do domínio exercido pelo Destino sobre os seres humanos: principio
da retribuição, correspondente à necessidade de os indivíduos pagarem pelas
culpas cometidas (Candaules salda com a vida o seu ato de anomia); a
passagem de um estado de suprema felicidade para a mais profunda das
desgraça (considerando-se particularmente afortunado por possuir a mais bela
das esposas, o rei lídio acabará assassinado às mãos do seu homem de
confiança, Giges); a chamada "cegueira trágica", que, contra todos os apelos à
sensatez, impele a personagem para a realização de atos insanos (surdo às
apreensões de Giges quanto à imponderação da empresa que lhe propõe,
Candaules teima em perpetrar o atentado contra o nomos estabelecido) (…)
De igual modo a soberana, que se apercebeu do ato de "voyeurismo" de que
foi vítima, declara, na ameaça de morte com que persuade Giges a aliar-se-lhe
para eliminar o marido, a ação dos dois homens de 'atos contrários às leis'
(poiesanta ou nomizomena, 1.11. 3). Acrescente-se, ainda, que todas as três
personagens envolvidas na trama que conduziu ao assassínio de Candaules
tinham consciência do elevado preço a pagar pela violação do código de
valores da saciedade em que se inseriam. De acordo com este, assistia à parte
ofendida o direito de se vingar. No entanto, a este propósito é curioso observar
que, tal como sucede ainda hoje em muitos contextos, mais importante do que
o "ser" é o "parecer". Essa é a impressão que transparece das palavras com
que Candaules, perante as objeções de Giges em perpetrar a transgressão
proposta, procura minimizar a importância da mesma, argumentando que o
importante é que a mulher não veja que está a ser vista (1. 9). Também a
atuação da rainha aponta no mesmo sentido. De facto, ao poupar a vida de
Giges, mediante a contrapartida de este matar o rei, o autor moral da anomia,
e de casar consigo (1. 11. 2), a soberana está a comprar o silêncio de Giges.
Porque Giges não deixa, efetivamente, de ser um dos autores da
'transgressão', mas que vê a sua vida poupada, podemos concluir que, desde
que a desonra não seja divulgada, i.e., desde que pareça não existir, não há
lugar para a punição esperada em semelhantes casos, a morte.

Livro V: 18-20

A beleza das mulheres Lacedemónias é enfatizada neste texto.

Os Persas chegam a Amintas, apresentam-se e pedem água para o rei Dario.


Amintas recebeu-os então, com um banquete e dispensou-lhes acolhimento.
Persas: “Anfitrião da Macedónia, é hábito entre os Persas, quando se
oferece um banquete em grande, que as concubinas e mesmo as esposas
legítimas sejam chamadas a tomar lugar à mesa. Pois bem, tu, que nos
recebeste com tanta amabilidade, que nos tratas com todo o requinte e
dás as rei Dario terra e água, segue também essa nossa prática.” Ainda
que esta prática fosse reprovada pelos gregos – e pelo que se sabe, também
pelos persas (tendo estes cometido um ato abusivo, protegidos pelo facto de
não poderem ser desmentidos) – Amintas concordou. As mulheres são, então,
colocadas em frente aos homens. Estes, podres de bêbados e fora do controlo
dos seus atos, “declararam a Amintas que não havia lógica nenhuma na sua
atitude. Pois mais valia não ter mandado vir as mulheres, do que fazê-las vir
para se sentarem não do lado dos homens, mas em frente, como um tormento
para a vista.” As mulheres passam, então, para o seu lado, sendo apalpadas
pelos convidados, havendo até quem as tentasse beijar. Alexandre, filho do rei,
jovem e inexperiente de dificuldades – não saberia reagir caso as coisas não
corressem como tinha planeado – convence o pai a retirar-se, ao que este lhe
responde: “Meu filho, vejo-te empolgado e julgo perceber o sentido do teu
discurso; queres pôr-me fora daqui para dares um golpe. Mas por favor, sou eu
que to peço em nome da nossa segurança, evita qualquer gesto contra esta
gente e resigna-te a assistir a esta cena. Quanto a retirar-me, vou seguir o teu
conselho”. Assim que o rei sai, Alexandre proclama: “Estas mulheres, caros
hóspedes, estão à vossa inteira disposição, quer vocês queiram fazer amor
com elas ou com umas tantas, a vosso gosto. Sobre este ponto, vocês
mesmos nos dirão as vossas preferências. Mas para já, uma vez que a hora de
recolherem à cama se aproxima e me é visível que vocês já estão bem
alegres, permitam, se estiverem de acordo, que estas mulheres se vão lavar e
encarreguem-se delas quando voltarem de banho tomado”. É assim que elas
saem e são chamados jovens – escolhidos de propósito para enganar, uma vez
que não têm barba e a voz (também marcador masculino) ainda não engrossou
(mais cristalina) – vestidos de mulheres, munidos de punhais para matar os
convidados – kakos thanatos.

Este episódio representa uma transgressão à prática social, que leva a uma
punição extrema e enquadra-se na tríade morte-nomos-vestes.

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