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QUATRO DÉCADAS DE PLANEJAMENTO

ECONÔMICO NO BRASIL

• Anita Kon

A experiência brasileira de planejamento econômico governamental federal:


análise dos planos implementados e suas conseqüências.

Brazilian experience in central economic planning: analysis of the implementation and


the consequences of the plans.

PALAVRAS-CHAVE:
Planejamento governamental,
polítíca econômíca, plano, de-
senvolvímento, estabílízação.

KEYWORDS:
Publíc planníng, economíc po-
lícy, plan, development, stabíli-
zation.

* Doutora em Economia pela


FEAlUSP e Professora de Pla-
nejamento Socioeconômico da
Administração Pública da
EAESP/FGV.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 3, p. 49-61 Mai./Jun. 1994 49


No Brasil, as tentativas iniciais de or- A década de 50 caracterizou-se por
ganizar a economia datam da década de uma queda mais acentuada das exporta-
40, resumidas no relatório Simonsen ções do café a partir de 1954, aumentan-
(1944-45), nos diagnósticos da Missão do o esforço para a reorientação da ativi-
Cooke (1942-43), da Missão Abbink dade econômica voltada para a indústria.
(1948), da Comissão Mista Brasil ~ EUA O período 1956-61 foi assinalado pela in-
(1951-53) e no Plano Salte (1946).1 Porém, trodução de um processo de planejamen-
não consistiram em práticas efetivas de to efetivo das políticas econômicas gover-
coordenação global, restringindo-se a namentais a serem empreendidas, tradu-
medidas setoriais ou de racionalização zidas no Plano de Metas. Foi prevista,
do processo orçamentário, como no últi- para o apoio administrativo ao plano, a
mo caso. A primeira experiência que con- utilização de órgãos governamentais de
siderava o processo global e contínuo de
planejamento, e que foi efetivamente
aplicada no país, data de 1956, com o Pla-
no de Metas.
Este artigo examina a experiência bra-
sileira de planejamento econômico, em
nível federal, que compreende cerca de
quatro décadas, analisando as propostas
dos diferentes planos e os resultados de
sua implementação. Observa ainda a con-
dução da política econômica na busca da
correção dos desajustes causados por fa-
tores exógenos aos planos, originados
por condições internas ou externas ao
país.

O período posterior à Segunda Guerra


Mundial apresentou uma situação de controle já existentes, como o BNDE -
desgaste e forte recessão econômica nos Banco Nacional de Desenvolvimento
países mais desenvolvidos, tradicionais Econômico (criado em 1952), a CACEX -
produtores de bens de capital e demais Carteira de Comércio Exterior do Banco
produtos industrializados. Essa situação do Brasil (1953), a SUMOC - Superinten-
obrigou o Brasil- cujo processo de indus- dência da Moeda e do Crédito (1945),
trialização até então se desenrolava lenta- bem como a criação de novas institui-
mente, configurando uma forte depen- ções, como, por exemplo, os Grupos Exe-
dência de importações de bens de capital cutivos, responsáveis pela concessão de
e de matérias-primas - a voltar-se com incentivos ao setor privado e estabeleci-
maior intensidade para a produção na- mento de metas industriais, e o Conselho
1. LAFER, Celso. The planning
process and lhe polilical systern cional de produtos industriais, em aten- de Política Aduaneira.
in Brazil. A study of Kubits- dimento à demanda interna de bens de A articulação entre o capital privado e
chek's target plan - 1956-1961, o nacional, e entre o capital estrangeiro e
consumo, até então suprida pela impor-
Cornell Universily, 1970 (Tese
de Doutorado). tação. Iniciou-se, nesse período, um pro- o Estado, visualizada no plano, desempe-
cesso efetivo de substituição de importa- nhou papel importante no processo de
2. TAVARES, M. C. Da substi- industrialização que se acelerou acentua-
ções, baseado em uma diversificação in-
tuição das importações ao capi-
talismo financeiro. Rio de Janei- dustrial até então incipiente." Nessa oca- damente no período. Este processo carac-
ro: Zahar, 1974. sião, o modelo primário-exportador já le- terizou-se por uma fase de intensa substi-
vara o país a um processo de urbaniza- tuição de importações, desde que estava
3. Essa participação era de
35,1% do total da Formação de ção, que se fez acompanhar do desenvol- prevista a destinação de 43,9% dos recur-
Capital Fixo no Brasil em 1950, vimento de uma infra-estrutura de servi- sos para implementação do plano, a im-
atingindo 58,5% em 1960, con- ços em atendimento a uma industrializa- portação de bens e de serviços. Esta fase
forme LEFF, N. H. Política e De-
senvolvimento no Brasil. São ção "tradicional" de alimentos, bebidas, distinguiu-se ainda pelo aumento da par-
Paulo: Perspectiva, 1979. vestuário, mobiliário etc. ticipação do governo nos investimentos, 1

50 © 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.


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possibilitado pela entrada de capital es- vés de uma tarifa aduaneira altamente
trangeiro privado e oficial para o finan- protecionista e da política cambial, que
ciamento do desenvolvimento de setores controlava o mercado de câmbio e as ta-
selecionados. xas de câmbio diferenciadas, segundo
O plano, identificando setores, metas e um sistema de prioridades. Como visto, o
objetivos a serem impulsionados, procu- desenvolvimento industrial foi fomenta-
rava eliminar "pontos de estrangulamen- do nesse período pela ação do BNDE,
to", que eram barreiras ao d esen volvi- que se concentrou nas indústrias de base
mente. dando ênfase a atividades produ- (siderurgia) e na infra-estrutura (trans-
tivas selecionadas. Para o setor de ener- portes e energia). Por outro lado, foi con-
gia, era planejado 43,4% do total do in- sideravelmente ampliada nessa época a
vestimento, a ser aplicado na elevação da participação direta do Estado nos investi-
capacidade de geração de energia elétri- mentos em indústrias de base, que foram
ca, produção de carvão mineral e produ- em grande parte financiadas pelas políti-
ção e refinação de petróleo. O setor trans- cas monetária e fiscal expansionistas.
portes abrangeria 29,6% do total dos in- De um modo geral, os resultados da
vestimentos planejados, com vistas no implementação do plano podem ser vi-
reaparelhamento de ferrovias, dos servi- sualizados, não só através dos investi-
ços portuários e dragagens da marinha mentos maciços no setor industrial de
mercante e do transporte aeroviário. No ponta, como também pela transferência
setor alimentação, seriam alocados 3,2% do excedente gerado nesse setor para ou-
do investimento planejado, através do tras atividades terciárias de apoio, parti-
crescimento da capacidade estática da cularmente por meio de dispêndio do Es-
rede de armazenamento e de frigoríficos, tado ou do fornecimento de serviços
da ampliação de matadouros industriais complementares de infra-estrutura (em-
e da mecanização da agricultura, bem bora esses investimentos de longa matu-
como do aumento da produção de fertili- ração comecem a se refletir com maior in-
zantes. A indústria de base absorveria tensidade na década seguinte). Esta es-
20,4'/') do total de investimentos, particu- trutura, que formou a base de apoio ao
larmente na siderurgia, produção de alu- crescimento industrial dos últimos anos
mínio, metais não-ferrosos, cimento, álca- da década seguinte, já no final dos anos
lis, celulose e papel, borracha, exportação 50, havia incorporado parte da indústria
de minérios de ferro, indústria automobi- de bens de consumo duráveis, de bens de
lística, de construção naval, mecânica e capital e da indústria pesada, bem como
de material elétrico pesado. Finalmente o de indústrias em substituição a importa-
setor educação, contemplado com 3,4% ções de insumos básicos, máquinas e
dos investimentos, visava à formação de equipamentos, eletrodomésticos e auto-
pessoal técnico especializado, orientado móveis.
para as metas de desenvolvimento do
país. Estes investimentos tiveram reper- A DIFUSÃO E CRiSTALIZAÇÃO 00
cussões con std erá vei.s no crescimento OESENIIOUJlMENTO INDUSTRIAL
global da economia, através de seus efei-
tos multiplicadores. Saliente-se o fato de A década de 60 apresentou-se contur-
que contribuíram para esse desenvolvi- bada, do ponto de vista econômico, com
mento as taxas extremamente rápidas transforrnacóes institucionais relevantes.
com que cresceu a demanda agregada. Até o ano de 1961, o processo de substi-
em virtude do aumento da renda real e tuição de importações no país propiciou
do excesso de demanda refletido na infla- taxas médias de crescimento anual do
ção, que naquela década, situou-se entre produto em torno de 6,8%. A partir de
10% e 20% ao ano. Além disso, a elastici- 1962, já se anunciava um período de es-
dade das condições de oferta interna per- tagnação, apresentando um crescimento
mitiu que parte desse aumento da de- menor em torno de 5%, e no período pos-
manda se transformasse em aumento do terior, até 1964, esse aumento cai para
produto real. 3,4% ao ano. De fato, o processo de subs-
As políticas econômicas do plano visa- tituição das importações vinha se esgo-
vam à proteção ao mercado interno, atra- tando e a economia entrou numa fase de

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relativa estagnação, em vista de distor- regionais, assegurar uma política de in-


ções no processo de desenvolvimento da vestimentos que aumentasse as oportuni-
etapa anterior." motivadas pelo processo dades de emprego produtivo e corrigir a
inflacionário crescente que acompanhou tendência a déficits do balanço de paga-
o esforço de industrialização, pelo senti- mentos. Interpretando a inflação como de
do desta industrialização (voltado para demanda e visando ao seu decréscimo, o
técnicas intensivas de capital e baixos ín- governo deveria reduzir seu déficit de
dices de absorção de mão-de-obra), pelo caixa, aumentando a carga tributária e
aumento vertiginoso do setor público na atuando sobre a correção salarial, de
economia e pela relativa estagnação do modo a evitar a elevação da massa de
setor agrícola no país, do ponto de vista renda à disposição dos assalariados aci-
da produtividade. ma do limite imposto pela capacidade de
Em 1963, foi publicado o Plano Trienal
de Desenvolvimento Econômico e Social
do Governo, abrangendo objetivos para o
período 1963-65, visando a recuperar o
ritmo de crescimento econômico observa-
do no período anterior. Entre estes objeti-
vos salientavam-se a consecução de uma
taxa anual de crescimento da renda na-
cional de 7% ao ano, a redução progressi-
va da inflação, a distribuição da renda, a
intensificação da ação governamental nos
campos educacional, de pesquisa científi-
ca, tecnológica e de saúde pública, o le-
vantamento dos recursos naturais, o refi-
nanciamento da dívida externa e a unida-
de de comando do governo dentro de sua
esfera de ação. A estratégia do plano ba-
seava-se na elevação da carga fiscal, na
redução do dispêndio público, na capta-
ção de recursos do setor privado no mer- produção da economia. fi Por outro lado,
cado de capitais, na mobilização de re- o crédito à produção e consumo do setor
cursos monetários, com restrição do capi- privado seria contido e orientado no sen-
tal estrangeiro, e numa série de reformas tido de manter a liquidez real do sistema
de base, como, por exemplo, a reforma produtivo, mas ao mesmo tempo evitan-
agrária. O Plano Trienal, portanto, expli- do a expansão não desejada nos meios de
citava a intenção de conciliar objetivos de pagamento.
crescimento, repartição e estabilidade, Neste período, foram efetuadas refor-
que, no entanto, mostraram-se conflitan- mas institucionais e tributárias relevantes
tes. As medidas postas em prática não e ainda relativas ao mercado de capitais,
impediram o fracasso da implementação ampliando o sistema de financiamento
do plano." observado pelo recrudesci- da economia. A reforma geral no Sistema
mento da taxa de inflação para 75%, que- Monetário-Creditício realizada em 1964 e
4. MARTONE,C. Análise do Pia·
no de Ação Econômica do Go- da da taxa de crescimento do PIB - Pro- a Reforma Financeira em 1965, visando à
verno (PAEG). In: LAFER, B. M. duto Interno Bruto - do país para 1,6%, modernização financeira, criaram novos
Planejamento no Brasil. The aumento do déficit de caixa do Tesouro instrumentos de mobilização financeira e
planning process and the
palitical system in Brazil. a acima do programado e queda da taxa de instituições especializadas no provimen-
study ot Kubitschek's target investimentos. to de vários tipos de crédito, como: as fi-
plan - 1956-1961. Ithaca: Em 1964, foi instituído o Programa de nanceiras, para o financiamento do con-
Cornell University, 1970 (tese
de doutoramento). Ação Econômica do Governo (P AEGj sumo de bens duráveis; os bancos comer-
para o período de 1964-66, com o objetivo ciais, para o fornecimento do capital de
5. MACEDO, Roberto B. M. Pia- primordial de combater o processo infla- giro das empresas; os bancos de investi-
no Trienal Econômico. In: LA-
FER,B. M. Op. cit., p. 61. cionário, além de acelerar o ritmo de de- mentos, para o fornecimento de recursos
senvolvimento econômico do país, ate- a longo prazo; o mercado de ações, crian-
6. MARTONE, C. Op. cit., p, 81. nuar os desníveis econômicos setoriais e do fundos de investimentos com dedu-

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ções do Imposto de Renda; o Banco Na- Seriam implantados instrumentos no


cional da Habitação - BN H, com o fim de sentido de permitir a modernização da
operar como agente financeiro, com re- empresa nacional, do sistema financeiro e
cursos dos trabalhadores. Essas reformas do mercado de capitais. A par disto, se-
propiciaram, nos anos seguintes, um de- riam criados programas específicos,
senvolvimento muito rápido do sistema como a Política de Tecnologia Nacional,
financeiro brasileiro, pois se, em 1964, os visando ao avanço tecnológico, o Progra-
ativos monetários (papel-moeda e depó- ma Petroquímico, o Programa de Cons-
sitos à vista) em poder do público corres- trução Naval, o Programa Básico de
pondiam a 88% dos haveres financeiros, Energia Elétrica, os Corredores de Trans-
em 1978 situavam-se em 31%.7 Apesar portes, o Programa de Comunicações e o
desses resultados, as medidas levadas a de Mineração.
efeito não se fizeram sentir de imediato, O padrão de desenvolvimento econô-
pois os objetivos e metas propostos pelo mico escolhido foi coerente com a visão
plano não foram alcançados. de integração nacional, definida no Pro-
Em 1967, foi publicado o Programa Es- grama de Integração Nacional, ou seja,
tratégico de Desenvolvimento para o pe- com a disseminação dos resultados do
ríodo 1968-70, apresentando como objeti- progresso econômico a partir de centros
vos básicos o fortalecimento da empresa de crescimento regional e de seus efeitos
privada, visando à aceleração do desen- multiplicadores, baseando-se nas vanta-
volvimento econômico, concomitante- gens comparativas do país. Por outro
mente à estabilização gradativa do com- lado, este padrão, fundamentado na mo-
portamento dos preços, consolidação da dernização da tecnologia, tornou a eco-
infra-estrutura pelo governo, expansão nomia dependente de recursos externos,
das oportunidades de emprego, fortaleci- apoiada em crescente endividamento
mento e ampliação do mercado interno. público e privado. O Estado subsidiou a
Como condições para a consecução des- formação de capital na indústria, através
tes objetivos estavam a manutenção do de isenções ou reduções da tarifa adua-
controle do balanço de pagamentos e a neira e dos impostos IPI - Imposto sobre
realização de reformas econômicas e so- Produtos Industrializados e ICM - Im-
ciais, a fim de modernizar as estruturas posto sobre Circulação de Mercadorias,
institucionais e impedir o agravamento que incidiam sobre a importação de má-
das disparidades regionais e setoriais quinas e equipamentos destinados à in-
existentes. As condições para a retomada dústria, de acordo com projetos aprova-
do crescimento eram favoráveis devido a dos pelo Conselho de Desenvolvimento
fatores como a capacidade ociosa das em- Industrial (CDI) ou outros órgãos regio-
presas, a demanda global que se encon- nais de desenvolvimento. Além disto, fo-
trava reprimida, a disponibilidade de ram instituídos subsídios embutidos nos
mão-de-obra desempregada e a possibili- financiamentos a longo prazo para in-
dade de serem estimulados os investi- vestimentos industriais, pelo BNDE, que
mentos públicos e privados no sentido de consistiam em correção monetária infe-
modernização, apoiados pela reorganiza- rior às taxas de inflação observadas. Pa-
ção do sistema financeiro. Como conse- ralelamente, a instituição de incentivos
qüência das medidas de estímulo do pro- fiscais, administrados por órgãos regio-
grama, observou-se, a partir de 1968, a nais de desenvolvimento, pretendia im-
queda da taxa de inflação e o aumento da pulsionar os investimentos em regiões
taxa de crescimento do produto. menos desenvolvidas (particularmente o
Em 1971, é submetido ao Congresso nordeste), transformando a agricultura
Nacional o I Plano Nacional de Desen- da região semi-árida e assegurando um
volvimento Econômico (I PND) para o processo de industrialização auto-sus-
7. TAVARES, M. C. O sistema fi-
período 1972-74. As estratégias e priori- tentado, e, na Amazônia, ampliando a nanceiro e o ciclo de expansão
dades definidas tinham como objetivos fronteira agrícola. recente. Desenvolvimento Capi-
primordiais a manutenção do nível glo- Essas políticas permitiram que a reto- talista no Brasil, n. 2, São Pau-
lo: Brasiliense, 1983; LESSA,
bal do PIB, a continuação do combate à mada do crescimento econômico, verifi- Carlos. Quinze anos de Política
inflação, o equilíbrio da balança de paga- cada a partir de 1968, continuasse a acele- Econômica. São Paulo: Brasi-
mentos e a melhor repartição de renda. ração até 1973, quando se observaram ta- liense, 1981.

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xas médias anuais do produto de 13%, na demanda de consumo, como resulta-


entre 1971-73. As reformas tributárias e fi- do da elevação do nível de emprego e do
nanceiras anteriormente verificadas, per- aumento da massa salarial, e das facilida-
mitiram a eliminação do déficit de caixa des de financiamento pelo crédito direto
do Tesouro Nacional e um financiamento ao consumidor. O crescimento industrial
dos investimentos sem efeitos inflacioná- do período 1968-73, portanto, manifes-
rios. Além do mais, foram criadas novas tou-se como o auge do ciclo de expansão,
instituições para a formação compulsória liderado pelas indústrias de bens de con-
de poupança, como o Programa de Inte- sumo duráveis (eletrodomésticos e auto-
gração Social (PIS-PASEP), o Fundo de móveis).
Carantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Também no período, as exportações de
novos instrumentos de captação de recur- produtos manufaturados foram estimula-
sos ao público, como as letras de câmbio, das particularmente pela desvalorização
as Obrigações Reajustáveis cambial anterior (agosto de 1968), e
do Tesouro Na- por um sistema de minidesvalo-
cional (ORTNL rizações cambiais ao ritmo
as cadernetas de da inflação, ao lado da
poupança, os criação de um siste-
Certificados de ma de incentivos e
Depósito Ban- subsídios fiscais e
cário (CDB) financeiros à ex-
etc. Esses novos portação. Foi in-
dispositivos centivada tam-
possibilitaram a bém a criação
folga de recursos de trading COIII-
financeiros em pames e pro-
apoio aos investimen- gramas espenals
tos maciços em infra- de produção para
estrutura e em capital fixo. exportação pela
Observou-se uma rápida I3EFIEX - Co rn is-
difusão do mercado para pro- S;10 para Conces-
dutos industrializados, que resultou da são de Benefícios Fiscais a Programas Es-
expansão da demanda interna e também peciais de Exportação (criada em 1')72).
da diversificação das exportações. A polí- Esses incentivos foram favorecidos pelo
tica governamental expans io n ista, em dinamismo do comércio internacional
apoio <1expansão do mercado interno, que se verificava até meados dos anos 70.
manifestou-se pelos investimentos em in- O aumento dos preços internacionais
fra-estrutura econômica e social, trans- do petróleo, em fins de 1973, teve como
portes, comunicações, energia, urbaniza- conseqüências uma crise internacional e
ção e saneamento básico, e <linda por reajustes nas economias mundiais, ge-
meio de investimentos diretos de empre- rando uma série de novos condicionan-
sas estatais em indústrias de base (parti- tes à política econômica que vinha sen-
cularmente de mineração), exploração de do implantada no pais. O I! PND, elabo-
petróleo, fertilizantes, química, pctroqui- rado nessa conjuntura para o período
mica e siderúrgica e em indústrias de ar- de 1975-79, previa um programêl de in-
mamentos e aeronáutica. Por outro lado, vestimentos condizentes com uma taxa
o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), média de crescimento de 10')(" visando à
criado anteriormente em meados dos substituição de importações como estra-
anos 60, constituído do Banco Nacional tégia. Tendo como diretriz primordial o
da Habitação (BNI1), serviu-se, neste pe- crescimento econômico acelerado e con-
ríodo, dos instrumentos de captação e tínuo e como retórica reafirmar o país
empréstimos criados para impulsionar a como potência emergente, o plano esta-
indústria de construção civil e as indús- belecia, como objetivos adicionais, a
trias fornecedoras de insumos a este setor. continuação da política anti-inflacioná-
A partir desses instrumentos de políti- ria pelo método grêldualista, a manuten-
ca econômica, observou-se uma expansão ção do equílfbrio no balanço de paga-

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QUA TRO DÉCADAS DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

mentos e a realização de uma política damento externo bruto, que de US$ 21 bi-
de melhoria na distribuição pessoal e lhões em 1975 elevou-se para US$ 49,9 bi-
regional de renda. Foram formuladas lhões em 1979.
estratégias para o desenvolvimento in- Além do mais, o ano de 1980 caracteri-
dustrial e agropecuário, a integração na- zou-se pela expansão da demanda agre-
cional e internacional e o desenvolvi- gada, ocasionada pela promulgação da
mento social. lei salarial de setembro de 1979, que fi-
A crise econômica internacional sur- xou reajustes semestrais de salários ba-
gida com o "choque do petróleo" não seados no Índice Nacional de Preços ao
alterou os objetivos de desenvolvimento Consumidor - INPC e o prêmio de pro-
acelerado do plano. Em consonância a dutividade aos assalariados, situado em
estes objetivos, o Brasil recorreu ao en- 7% em média, em 1980.8 A continuada
dividamento externo, reagindo à nova taxa de crescimento do produto, que no
situação mundial. Para isto, contribuiu período se situou em média em 9,4% no
a adoção de políticas contracionistas em país, deveu-se em parte à continuidade
países desenvolvidos, o que favoreceu o das exportações, que não refletiram o de-
estado de liquidez no mercado financei- saquecimento da demanda internacional
ro internacional e possibilitou a conti- após 1974, chegando mesmo a apresentar
nuação do crescimento do produto a ta- crescimento. Isto se verificou em conse-
xas elevadas no país. Essa conjuntura qüência das medidas econômicas que
foi apoiada ainda por uma política de compuseram uma "mini-reforma cam-
preços internos do petróleo, que gerou bial", as quais estimularam as exporta-
aumentos pouco expressivos deste insu- ções, bem como da intensificação das
mo, o que retardou a queda da ativida- desvalorizações cambiais e da maxides-
de econômica no país, em relação à dos valorização no final de 1979, de maneira
outros países. Por outro lado, o segundo a alterar a paridade do poder de compra
choque do petróleo em 1979, represen- do cruzeiro. Ainda em 1980, a prefixação
tado por um aumento de 37,9% nos pre- cambial resultou em vantagens nos pre-
ços do produto em relação ao ano ante- ços das matérias-primas importadas, con-
rior e de 73,1 '/r) no ano de 1980, foi tribuindo para a taxa de crescimento des-
acompanhado ainda por políticas de sas importações.
ajustes, de modo a permitir que os re- As altas taxas de crescimento do PIB,
passes internos dos preços fossem infe- no período do II PND, refletiram, por um
riores aos externos, apresentando-se lado, o atendimento de grandes obras
abaixo da inflação americana, com de- públicas que continuaram a impulsionar
clínio do preço real do barril. Esta polí- a atividade industrial e financeira, tais
tica permitiu a persistência das taxas as- como a da Usina Hidroelétrica de Itaipu,
cendentes da utilização desse insumo da Ferrovia do Aço, do Metrô em São
na indústria e em grande parte dos Paulo, da Usina Nuclear de Angra dos
transportes. Reis e outras. Além do mais, a partir de
A incongruência da implementação do 1974, foram ampliadas as linhas de crédi-
plano original, sem as reformulações ne- to através de empresas subsidiárias do
cessárias para enfrentar as pressões exó- Banco Nacional de Desenvolvimento
genas surgidas com a nova situação Econômico - BNDE, representadas pelos
mundial, não apenas comprometeu as órgãos de Financiamento da Indústria de
metas definidas, como também ocasio- Base - FIBASE, Investimentos Brasileiros
nou o agravamento das contas externas e S.A.- EMBRAMEC e Agência Especial de
das tensões inflacionárias. A adoção de Financiamentos Industriais - FINAME.
uma política de stop and go, ao longo do Paralelamente, foram adotadas medidas
período do plano, manifestando-se por de restrições às importações de máquinas
anos de expansão e recrudescimento da e equipamentos, favorecendo as indús-
inflação (1976-78) e anos de contenção do trias nacionais de bens de capital. A im-
crescimento (1975 e 1977), não impediu a plementação acima mencionada dos pro-
8. MACEDO. R. B. M. Política
aceleração da inflação, o aumento do dé- jetos de obras governamentais foi respon- salarial e inflação: a expetiênci«
ficit público, do déficit em transações cor- sável pela demanda de parte da produ- brasileira recente. São Paulo:
rentes na balança comercial e do endivi- ção das outras indústrias de base, produ- IPE/USP, 1981.

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toras de bens intermediários, como as de ção da inflação e diminuir o déficit das


minerais não-metálicos, metalúrgica, quí- contas externas do país. Paralelamente a
mica e madeira. isto, a queda da produção industrial,
Para o comportamento dos preços, que acompanhada de uma redução das im-
revelaram uma aceleração em seu cresci- portações, contribuiu para a obtenção de
mento a partir de 1974, acentuada em um superávit da balança comercial do
1979, contribuíram vários fatores, que po- país em 1981. No entanto, já no ano se-
dem ser resumidos como: encarecimento guinte, a recessão verificada nos países
das matérias-primas devido ao aumento importadores de produtos brasileiros
no preço dos derivados do petróleo; cres- provocou a retração destes mercados e a
cimento das exportações, que afetou os conseqüente desaceleração das exporta-
preços internos; elevação da taxa de juros ções. Este fato neutralizou as medidas
médios pagos interna e externamente;
aumento paralelo da demanda interna
em 1980, decorrente da política salarial;
maxidesvalorização verificada no final de
1979, visando a corrigir desníveis cam-
biais e crescimento dos custos de produ-
ção em 1980, em virtude da política sala-
rial, que foi repassada aos preços de bens
e serviços.

A alta acelerada de preços externos e


internos já acentuada em 1979, a evolu-
ção da taxa externa de juros em 1980 para
níveis inusitados, onerando ainda mais o
pagamento da dívida externa do país,
bem como a manutenção da queda da
atividade econômica no âmbito interna- contracionistas internas, que visavam a
cional, associada à restrição do crédito reduzir as necessidades de empréstimos
externo, já delineavam (desde o final dos externos. 9
anos 70) a tendência para a restrição do O desequilíbrio da balança de paga-
ritmo de produção global. Para isto, con- mentos do país resultou, no período
correram a diminuição da demanda in- 1982-83, em uma situação em que mais
terna, em conseqüência de políticas sala- de 80% das receitas cambiais em transa-
riais sucessivas que reduziram considera- ções correntes eram destinadas ao serviço
velmente o poder de compra da popula- da dívida externa. Além do mais, a partir
ção, e outras políticas governamentais de de 1982, observou-se uma retração do sis-
ajustes, que passaram a ser postas em tema financeiro privado internacional
prática a partir de 1980. com relação à renegociação das dívidas
O III Plano Nacional de Desenvolvi- externas de 25 países, entre os quais o
mento, formulado para o período de Brasil, o que conduziu o país a um estado
1980-85, tinha seus objetivos substancial- de iliquidez. As medidas macroeconômi-
mente alterados em relação aos planos cas que visavam a reduzir o nível da de-
anteriores, visando ao reequilíbrio das manda no mercado interno, com o intuito
contas cambiais e do balanço de paga- de gerar excedentes de exportação, in-
mentos, bem como ao controle da taxa de cluíam uma política cambial agressiva e a
inflação. O rápido processo de contenção manutenção de incentivos e subsídios no
9. CARNEIRO, D. D. O Terceiro da atividade econômica, que decorreu da sentido de favorecer a produção para ex-
choque: é possivel evitar-se a elevação drástica da taxa de juros domés- portação, enquanto as atividades volta-
recessão? In: ARIDA, P. (org.)
Dívida externa, recessão e ajus- tica e da tentativa de controle do déficit das para o mercado interno tiveram seus
te estrutural. Rio de Janeiro: do setor público com a desaceleração dos preços controlados pelo Conselho Inter-
Paz e Terra, 1982. investimentos, visava a conter a acelera- ministerial de Preços (CIP). As importa-

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QUA TRO DÉCADAS DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

ções, por sua vez, tiveram um controle Após três anos consecutivos de reces-
mais rígido, particularmente por meio de são, de 1981 a 1983, em que se expandiu
barreiras não-tarifárias, e a isto se asso- o atraso tecnológico brasileiro em relação
ciaram uma política monetária rígida e aos países industrializados, esperava-se
restrições ao crédito, como desestímulo em 1984 o aprofundamento da queda da
ao investimento privado. atividade. Porém, a economia brasileira
De um modo global, a economia brasi- retomou um novo ciclo de crescimento, a
leira apresentou uma evolução positiva partir da ocupação dos fatores de produ-
em alguns ramos dinâmicos da indústria, ção que se encontravam ociosos, verifi-
do setor financeiro e das comunicações cando-se naquele ano um crescimento da
em 1982, o que evitou uma queda mais ordem de 4,5% do PIB. Esta retomada
acentuada do produto nacional. Para isso das atividades continuou em 1985 com
colaborou, ainda, a política salarial refor- maior intensidade, permitindo o paga-
mulada. que naquele ano contribuiu para mento integral dos juros da dívida exter-
sustentar o nível do consumo agregado, na e a maior taxa de crescimento históri-
alimentado pelo crescimento dos emprés- co do país. Para isto contribuíram a que-
timos financeiros. No entanto, grande da dos preços do petróleo e a diminuição
parte do aumento da demanda interna, das taxas de juros internacionais, que,
em valores nominais, foi diluída pela in- concomitantes à melhoria do nível de
flação explosiva. No ano de 1983, obser- emprego interno, do aumento do déficit
vou-se sucessivas revisões da política sa- público e da remonetização acelerada da
larial, que redundaram em média na per- moeda, permitiram a intensificação do
da do poder de compra do assalariado nível de utilização da capacidade indus-
em cerca de 20%. Ao lado disto, o au- trial e a elevação dos salários reais.
mento da taxa de desemprego levou a A reversão da conjuntura recessiva
uma maior queda da demanda agregada. ocorreu principalmente como conseqüên-
Por outro lado, o nível de poupança in- cia da recuperação das economias ameri-
terna reduziu-se, diminuindo os recursos cana (principal mercado das exportações
para financiamento do setor privado, brasileiras), japonesa e dos países da
mantendo elevadas as taxas de juros. OECD - Organisation for Economic Co-
Com relação à balança comercial. as ex- Operation and Development, com refle-
portações ainda superaram as importa- xos no aumento das exportações brasilei-
ções, que foram consideravelmente redu- ras - facilitado pela maxidesvalorização
zidas no ano, diante da contenção da de- do cruzeiro em fevereiro de 1983 - que
manda pelas indústrias. Os setores mais redundou em um superávit comercial
afetados da indústria foram o de bens de acentuado. Porém, neste período, obser-
capital, com a queda drástica das enco- vou-se a ausência de uma política indus-
mendas e aumento da capacidade ociosa, trial vinculada a uma estratégia de de-
e o da construção civil com a diminuição senvolvimento científico e tecnológico a
do poder aquisitivo da população, por médio e curto prazos, tratando-se os pro-
um lado, e dos investimentos públicos blemas de competitividade internacional
por outro. da indústria através de medidas a curto
No tocante à inflação, sua aceleração prazo, que desfavoreceram o mercado in-
deveu-se em parte aos "choques de ofer- terno. Apenas o setor da indústria de in-
ta" devido às enchentes do sul, secas no formática recebeu apoio a partir da políti-
nordeste, maxidesvalorização e elevação ca de reserva de mercado, o que contri-
corretiva de preços administrados com a buiu para a implantação de empresas pri-
retirada de subsídios diretos. A par disto, vadas nacionais, voltadas para o segmen-
a política monetária permitia a expansão to de mini e microcomputadores, que, no
da moeda no sentido de ajustar a liqui- entanto, mostraram-se pouco competiti-
dez do sistema ao aumento dos preços. vas em nível internacional.
No mercado financeiro várias medidas Entre 1985 e 1987, a política governa-
foram tomadas com o intuito de reduzir mental procurou formular estratégias
o volume de recursos do sistema finan- para o desenvolvimento industrial, que
ceiro, provocando retração na oferta de no entanto não foram devidamente im-
crédito. plementadas. Além do mais, as metas de

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ARTIGO

apoio à modernização tecnológica e cien- o Plano Cruzado 2 foi decretado em


tífica industrial foram afetadas pela polí- novembro de 1986, com o objetivo de
tica fiscal baseada no aumento da folha conter a demanda com medidas de desa-
real de salários do governo federal em celeração do crescimento e significativa
cerca de 40% no ano, e com o congela- elevação da carga tributária indireta, vi-
mento de preços públicos, o que resultou sando a evitar maior fuga de divisas, con-
na expansão da dívida interna real do se- comitantemente ao reajuste de alguns
tor público. Além disso, em novembro de preços em taxas muito acentuadas e à li-
1985, o governo alterou a sistemática do beração da taxa de juros. No entanto, o
Imposto de Renda para bases correntes, plano não logrou resolver esses proble-
conduzindo a uma queda na sua arreca- mas, resultando em uma explosão de
dação que se faria sentir no início do ano preços, que apontou para a perspectiva
seguinte. Como conseqüência, no princí-
pio de 1986, havia a percepção de que a
inflação, que se estabilizara no patamar
de 220% no ano anterior, tendia a um
crescimento que ameaçava se tornar in-
controlável.
A partir do diagnóstico de que a infla-
ção era mormente causada por compo-
nentes inerciais, foi decretado o Plano
Cruzado em fevereiro de 1986, instituin-
do um novo padrão monetário (o cruza-
do), o congelamento total de preços e ta-
rifas de bens e serviços de preços e fixi-
dez cambial. Foi reestabelecido o valor
real dos salários, concedido um abono sa-
larial de 8% e o seguro-desemprego.
Num primeiro momento, as novas medi-
das provocaram uma forte pressão da de-
manda, devido à redistribuição de renda
ocorrida e o aumento da massa salarial, de um novo patamar inflacionário, supe-
com um boom de consumo e aceleração rior ao do início dos anos 80, e para um
do crescimento do emprego, porém não aumento acentuado do déficit público.
de investimentos, o que agravou as defi- Em 1987, foram definidos novos pro-
ciências da infra-estrutura já existentes. gramas de política industrial que visa-
Porém, o prolongado congelamento dos vam a uma retomada de investimentos
preços e o aquecimento da demanda re- na área de insumos básicos (petroquími-
sultaram em desequilíbrios entre oferta e ca, papel e celulose, fertilizantes e meta-
demanda e na estrutura dos preços relati- lurgia) e da indústria automobilística,
vos, reduzindo o nível de poupança in- que no entanto não tiveram resultados
terna e as reservas cambiais, a par da ex- consideráveis, apenas registrando inves-
cessiva monetização da economia. Ocor- timentos razoáveis nos setores de papel e
reu uma série de gargalos na produção, celulose e petroquímico, em função do
com desabastecimento de produtos resul- mercado externo favorável. Em meados
tando em ágios e filas e incentivando a de 1987, a Comissão de Política Aduanei-
importação de produtos, o que eliminou ra (CPA) elaborou a reforma da tarifa
o ajuste externo. Verificava-se, paralela- aduaneira, propondo a eliminação dos
mente, a acumulação de um atraso da regimes especiais de importação, a incor-
taxa de câmbio e observou-se, no final do poração das diversas taxas na alíquota de
ano, um movimento abrupto de perda de importação (Imposto sobre Operações Fi-
reservas com semi paralisação das expor- nanceiras - IOF, Adicional de Frete para
tações. O saldo comercial decresceu con- Renovação da Marinha Mercante -
sideravelmente, resultando em queda de AFRMM e Taxa de Melhoramento de
reservas cambiais, e o país entrou em Portos - TMP) e a redução generalizada
moratória. das tarifas, com a redução da média e das

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QUATRO DÉCADAS DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

disparidades em torno dessa média. No o Plano Verão, baseado no congelamento,


entanto, antes de sua implementação, a na reforma monetária e na tentativa de
reforma tarifária foi suspensa. desindexação da economia. As taxas de
Em junho de 1987, foi decretado pelo juros foram mantidas altas, o que elevou
governo um novo plano de estabilização consideravelmente a dívida pública inter-
de emergência, conhecido como Plano na, dificultando o controle da expansão
Bresser, em que foi mantido o congela- monetária. As OTNs - Obrigações do Te-
mento de preços, objetivando o controle souro Nacional - foram extintas, substi-
da demanda agregada através da com- tuídas por um novo indexador - Nota do
pressão salarial e do ajuste fiscal. O plano Tesouro Nacional (NTN) - e, logo em se-
visava a diminuir o déficit público por guida, pelos Bônus do Tesouro Nacional
meio da correção prévia dos preços e ta- (BTN). Com relação às contas externas, o
rifas públicas, redução de subsídios e de câmbio foi fixado em US$ 1 por Cr$ 1, o
gastos de capital. Com relação às contas que tornou o dólar barato, resultando na
externas, foi tentado o realinhamento da remessa de capitais ao exterior, sem a en-
taxa de câmbio, com mirridesvaloriza- trada de novos empréstimos. O saldo co-
ções, e foi mantida a moratória, que no mercial caiu e em junho foi instituída
entanto não propiciou acordo com os cre- uma minidesvalorização de 12% com
dores externos ou a normalização do flu- centralização do câmbio, o que culminou
xo de capitais. O crescimento contínuo da em uma nova moratória em setembro.
inflação e o controle das finanças do go- No segundo semestre, foi reintroduzida,
verno limitaram o apoio ao plano. pelo Congresso, a indexação dos salários,
O Plano Maílson, instituído em janeiro e, em dezembro, o país se encontrava
de 1988, baseou-se principalmente na ameaçado por hiperinflação.
busca da redução do déficit fiscal tentan- O Plano Collor I, anunciado em março
do evitar a hiperinflação e possibilitar a de 1990, combinava uma reforma mone-
renegociação da dívida externa, com a tária profunda (que recriava o cruzeiro),
efetivação de um acordo em agosto de prefixação da correção de preços e salá-
1988. As principais medidas de conten- rios, câmbio flutuante, tributação ampla e
ção fiscal foram o corte de 5')'0 dos gastos pesada sobre aplicações financeiras, en-
de custeio e pessoal da administração di- xugamento drástico do dinheiro em cir-
reta e indireta, o congelamento do mon- culação no país, fechamento de empresas
tante do crédito aos estados e municípios, e órgãos públicos e demissão de funcio-
a suspensão de reajustes salariais do fun- nários. Dos recursos mantidos em conta
cionalismo público, paralelamente ao es- corrente e em caderneta de poupança,
tímulo à exoneração e às aposentadorias apenas Cr$ 50 mil puderam ser converti-
voluntárias dos funcionários federais e dos em cruzeiros e sacados, o restante
de autarquias. A criação de Zonas de permaneceu depositado no Banco Cen-
Processamento das Exportações (ZPEs) tral durante 18 meses, com correção mo-
também foi sugerida e discutida, em netária e juros a 6% ao ano. Os depósitos
1988, no sentido de fomentar o desenvol- a prazo, overnight e fundos de curto pra-
vimento de regiões desfavorecidas. No zo também tiveram seus saques limita-
entanto, as medidas previstas foram su- dos. A CACEX - Carteira de Comércio
jeitas a críticas, por parte de especialistas, Exterior - passou a se subordinar direta-
que demonstraram a impropriedade de mente ao Ministério da Economia, que
aplicação nas condições do país no perío- restringiria suas atividades para acompa-
do, e sua ineficiência como instrumento nhar um programa de liberação das im-
de desenvolvimento tecnológico. A prin- portações visando a acabar com controles
cipal crítica se referia à baixa efetividade e restrições e manter apenas um sistema
de atração de capital estrangeiro, face às adequado de tarifas. Foi planejada a ace-
tendências vigentes de movimento dos leração do processo de privatização de
capitais internacionais e ao baixo grau de estatais, e as instituições financeiras te-
encadeamento de atividades, o que não riam de aplicar compulsoriamente parte
favoreceria o desenvolvimento regional. do seu patrimônio em títulos de privati-
No entanto, a inflação tendia a acele- zação criados, a serem posteriormente
rar-se e, em janeiro de 1989, foi instituído trocados por participação nas estatais,

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quando ocorressem leilões de privatiza- por ano, em janeiro e julho, para todas as
ção. A tributação indicava um aumento categorias profissionais), a conversão
do IPI de vários produtos, taxação mais pela média real dos últimos doze meses,
pesada sobre o lucro do setor agrícola e a o fim do BTN e do BTNF (visando a de-
instituição do Imposto sobre Operações sindexar a economia), o fim do ooernight
Financeiras (IOF) sobre aplicações como e a criação de um fundo de títulos fede-
ouro, ações, títulos em geral e caderneta rais e estaduais, a criação da Taxa Refe-
de poupança. Seriam extintos os benefí- rencial de Juros (TR), a aplicação de uma
cios fiscais de redução de Imposto de tablita para contratos anteriores ao plano,
Renda das pessoas jurídicas e os incenti- o aprofundamento do aperto monetário e
vos à exportação. fiscal e finalmente um tarifaço para atua-
O congelamento dos preços públicos lização das tarifas e preços públicos (tari-
agravou a situação das estatais e a recu-
peração das tarifas acabou pressionando
a inflação. Por sua vez, a necessidade de
socorrer o caixa dos bancos impediu um
controle eficiente da moeda. O bloqueio
da dívida pública possibilitou a adminis-
tração do orçamento federal, porém os
cortes dos gastos foram limitados e, a
partir do início de 1991, observaram-se
dificuldades no controle das contas pú-
blicas, devido à recessão, à continuação
da alta da inflação e à perspectiva da pos-
terior devolução do dinheiro bloqueado.
A política industrial, delineada no início
do novo governo, não tomou o fôlego ne-
cessário. O anunciado pacote de medi-
das, sob o nome de Programa de Apoio à
Capacitação Tecnológica da Indústria,
previa um crescimento nos investimentos
em pesquisa tecnológica, que passariam fas portuárias, nafta, gás de cozinha, ga-
de 0,5% do PIB, em 1990, para 1,3% até solina, álcool e energia elétrica). No en-
1994, embora ainda se situando aquém tanto, a inflação volta a crescer rapida-
dos parâmetros dos países desenvolvidos mente já a partir de abril, situando-se no
(em torno de 2,5')';,). A nova e tímida polí- final da gestão presidencial em um pata-
tica industrial recorreu ao fim dos subsí- mar de 23% ao mês. Neste período, a eco-
dios governamentais e a uma política de nomia apresentava uma situação de
liberalização das importações para esti- aprofundamento da recessão econômica,
mular a capacidade real de moderniza- aumento do desemprego, queda dos salá-
ção industrial brasileira e atender os obje- rios e da massa salarial. Por outro lado, a
tivos de elevação da competitividade e recessão interna levou as empresas ao
da produtividade. No entanto, a restrição mercado externo e inibiu as importações,
da atividade econômica, subproduto das o que resultou em saldos superavitários
medidas de ajustes fiscal e monetário, a na balança comercial e no aumento de re-
carência de recursos e o clima de incerte- servas cambiais. Por outro lado, as eleva-
zas quanto à condução da política econô- das taxas de juros do mercado interno,
mica pelo governo bloquearam o avanço consideravelmente superiores às interna-
de investimentos consideráveis por parte cionais, favoreceram um movimento de
de empresas privadas e estatais. entrada de capitais especulativos no país.
O Plano Collor Il, em janeiro de 1991, A contrapartida foi a necessidade de
objetivava refrear a corrida da inflação. emissão de cruzeiros, que provocou ex-
As medidas previam o congelamento de pansão dos meios de pagamento e pres-
preços e salários, a unificação das datas- sões nas áreas fiscal e monetária.
base de reajustes salariais (os salários Na gestão presidencial seguinte, a bus-
passariam a ser corrigidos duas vezes ca da organização da economia priorizou

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QUATRO DÉCADAS DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO NO BRASIL

o ajuste do setor público, que se objetivou ajustamentos necessários à resolução dos


através do denominado Plano FHC1 - conseqüentes conflitos comuns entre os
Fernando Henrique Cardoso. A proposta agentes econômicos de várias classes, de
do plano envolvia o corte de despesas da interesses diversos, quer se situem como
União (em um montante de US$ 6 bilhões trabalhadores, produtores, consumidores
em 1993), o ajustamento das contas dos ou governo.
estados e municípios, o equilíbrio dos
bancos oficiais estaduais e a aceleração do
programa de privatizações. Dificuldades
políticas impediram a consecução satisfa- Ao analisar-se as quatro décadas de
tória das medidas previstas e, em dezem- planejamento no Brasil, é necessário
bro de 1993, foi apresentado um Progra- acrescentar-se alguns aspectos relevantes.
ma de Estabilização Econômica, que pas- Em primeiro lugar, o planejamento do
sou a ser conhecido como FHC2, a ser im- país esteve sempre condicionado às con-
plementado em três tempos. A primeira dições políticas subjacentes, que no decor-
fase, de ajuste das contas do governo, foi rer do período apresentaram forte instabi-
viabilizada a partir da aprovação pelo lidade, convivendo com situações conjun-
Congresso Nacional, da emenda constitu- turais que conduziram a uma intensa par-
cional de revisão que criou o Fundo So- ticipação estatal, tanto na esfera da coor-
cial de Emergência, que garantiria os re- denação geral quanto na da produção. As
cursos para este ajuste, advindos de im- discussões presentes na atualidade, sobre
postos e contribuições, sendo a elimina- a predominância do liberalismo econômi-
ção do déficit orçamentário complemen- co ou da forte intervenção estatal, reve-
tada através de outras medidas como lam um período de relevantes transfor-
vendas de ações e de participações acio- mações quanto à noção do grau de inter-
nárias depositadas no FND - Fundo Na- venção apropriado às condições do país.
cional de Desenvolvimento =, esforço adi- Por outro lado, o planejamento gover-
cional de arrecadação e redução nas dota- namental deve ser entendido como um
ções orçamentárias para outros custeios e processo contínuo, que envolve desde a
capital dos poderes Legislativo e Judiciá- elaboração de um plano, até sua imple-
rio. A segunda fase se refere à criação de mentação, controle e ajustamentos. Nesse
um padrão estável de valor, denominado sentido, a consecução dos objetivos formu-
Unidade Real de Valor (URV), para servir lados está diretamente relacionada à verifi-
como moeda confiável para denominação cação, não apenas da consistência global
de contratos e obrigações, bem como para do plano, mas também da capacidade de
referenciar preços e salários. O objetivo execução efetiva das políticas públicas pre-
da introdução da URV seria romper a vistas, sem desvios consideráveis dos obje-
inércia inflacionária, cortando o vínculo tivos iniciais. O que se observou, na maior
com a inflação passada e reduzindo as in- parte dos planos postos em prática, foi a
certezas e expectativas negativas quanto à incapacidade da continuação do processo
inflação futura, uma vez que este indexa- em toda a sua trajetória, dadas as dificul-
dor refletiria a inflação presente. A tercei- dades técnicas como falta de qualificação
ra fase do programa se relaciona à trans- dos recursos humanos, insuficiência de in-
formação desse novo padrão de valor em fra-estrutura e mesmo de controle efetivo,
uma nova moeda nacional de poder aqui- que sobrepujaram a insuficiência de recur-
sitivo estável: o real. Esta transformação sos financeiros ou a instabilidade política
deverá assegurar à moeda nacional a ca- crônica. Particularmente os planos postos
pacidade de servir como meio de paga- em prática a partir da década de 80, dadas
mento e substituir, como reserva de valor, as condições econômicas conjunturais do
as variadas formas de moeda remunerada país, tiveram a característica de se dedica-
existentes. rem especificamente à estabilização da
No momento da redação deste traba- economia e, portanto, por natureza, se
lho, a nação encontra-se envolvida na im- apresentarem como parciais e com a preo-
plementação da segunda fase do progra- cupação prioritária de curto prazo, sem a
ma, relacionada à substituição da utiliza- globalidade e abrangência de um plano de
ção de cruzeiros reais pela URV e nos desenvolvimento.

Artigo recebido pela Redação da RAE em abril/94, avaliado e aprovado para publicação em maio/94. 61

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