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PESQUISA ORIGINAL

Refere-se ao Art. de mesmo nome, 12(2), 63-78, 2002 Rev. Bras. Cresc. Desenv.ORIGINAL
Hum., S. RESEARCH
Paulo, 2003

IMAGENS DA ADOLESCÊNCIA FEMININA NA REVISTA


CAPRICHO

IMAGES OF FEMALE ADOLESCENCE IN THE CAPRICHO


MAGAZINE

Wanessa Gonçalves dos Santos Couto 1


Paulo Rogério Meira Menandro

COUTO, W. G. d. S.; MENANDRO, P. R. M. Imagens da adolescência feminina na Revista


Capricho. Rev. Bras. Cresc. Desenv. Hum., São Paulo, 2003.

Resumo: Adolescentes são alvos privilegiados por produtos da indústria cultural. Muitas das
informações importantes para a sua formação estão disponíveis nos meios de comunicação de massa.
Em muitos países, são publicadas revistas de informação e lazer específicas para o consumo da
adolescente feminina. O presente trabalho identificou, organizou e analisou interesses,
comportamentos e valores retratados em determinadas seções temáticas da revista Capricho de forma
a construir um panorama das imagens com que a adolescência feminina é ali representada e idealizada.
Foram analisadas 123 matérias jornalísticas sobre diversos aspectos das relações da adolescente
com a sociedade, tendo sido feita uma comparação entre aqueles publicados no período 1993/1995
com os publicados no período 1999/2001. A análise dos dados revelou um “modelo ideal” de
adolescente que envolve relações sociais e familiares saudáveis e bem adaptadas. Trata-se da
adolescente que consegue conjugar: a) autonomia e liberdade com o respeito aos limites; b) valores
e convicções com diálogo; c) autovalorização com respeito às diferenças; d) prazeres e lazeres de
várias modalidades com responsabilidade e prevenção da vulgaridade, da violência e das doenças;
e) o viver plenamente as demandas de sua idade sem deixar de fazer planos e preparar-se para a vida
adulta.

Palavras-chave: adolescência; adolescência feminina; meios de comunicação de massa; valores;


identidade.

INTRODUÇÃO ção e a criação de novos bens de consumo, o ple-


no emprego, os benefícios do welfare state e a
Há mais de quatro décadas, a indústria valorização social do tempo livre, vinculada à re-
cultural vem dando especial e crescente atenção dução da jornada de trabalho. Outras mudanças
à juventude e à adolescência. Mudanças atingiram mais diretamente adolescentes e jovens,
desencadeadas no pós-guerra, que se refletem em como: o aumento do período escolar para outros
processo de modernização social desencadeado setores sociais além das classes burguesas (que
na década de 50, colaboraram com a criação de amplia o contingente social abrangido pela noção
uma cultura juvenil. Segundo ABRAMO (1994), de juventude), a extensão da escolaridade obriga-
entre tais mudanças estão: o novo ciclo de desen- tória e o aumento da oferta de empregos para os
volvimento industrial, a diversificação da produ- jovens recém-egressos da escola.

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. WANESSA COUTO:
Rua Padre Antônio Ribeiro Pinto, nº 38 – Bloco C, Aptº 309 Praia do Suá – Vitória – ES – CEP: 29052-290
Telefone: 32357679. Endereço Eletrônico: wanessasantos@terra.com.br
PAULO MENANDRO: Rua Constante Sodré, 869 – Aptº 201 – Praia do Canto – Vitória – ES – CEP: 29055-
420 Telefone: 0xx27 32257165. Endereço Eletrônico: menandro@escelsa.com.br Toda correspondência deve
ser enviada para o endereço de Paulo Menandro.

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O aumento do poder de consumo destes na, devido à sua combinação com


jovens empregados formou um novo segmento outras situações sociais – como a de
de mercado, ocasionando rápida resposta da classe ou estrato social - , e também
indústria, que passou a gerar bens específicos às diferenças culturais, nacionais e
de localidade, bem como às distin-
para tal público, sobretudo bens de diversão.
ções de etnia e de gênero (GROPPO,
São produtos que se tornam marcas juvenis de 2000, p. 15).
novos padrões de comportamentos que reme-
tem à conquista de mais autonomia e liberdade Mesmo partindo da premissa de que a
e à contestação ao mundo adulto diferente do noção de juventude é socialmente variável, é
deles. Neste contexto, conflito geracional e re- possível identificar características comuns aos
beldia passaram a serem considerados como grupos de adolescentes ou jovens de socieda-
aspectos inerentes à condição juvenil des distintas. ABRAMO (1994) apontou três
(ABRAMO, 1994). aspectos básicos que caracterizam a condição
Essa cultura juvenil – voltada para pra- de jovem na maior parte das sociedades (inclu-
zer e divertimento, e com forte ligação com o sive ajudando a entender porque muitas vezes
consumo – propagou-se por cinema, rádio, TV ela pode se manifestar como condição potenci-
e imprensa, proporcionando “experiências cul- almente problemática).
turais simultâneas em diferentes partes do mun- O aspecto da transitoriedade é um de-
do” (MIRA, 2001, p.153) e fez da globalização les, já que o período em discussão representa,
um pressuposto para esse segmento de merca- na maioria das vezes, a passagem de uma con-
do. SODRÉ (1992) atribui à noção de adoles- dição social mais dependente a uma outra mais
cência uma ligação direta com interesses de ampla, a vida social adulta; uma passagem que
mercado, uma vez que a administração atual se subdivide em muitas outras. Tendo em vista
do espaço social tem forte influência dos meios a indefinição dos limites de início e término
de comunicação de massa, que “‘descobriram’ dessa passagem, como também de direitos e
os adolescentes no início dos anos 60 e ‘aco- deveres da condição juvenil, ela é também ca-
lheram’ parte de sua rebelião como espetácu- racterizada por ambigüidade. Mesmo quando
lo” (p. 83). a juventude se torna mais extensa e percebida
Alguns autores localizam na transição como portadora de identidade e cultura pró-
entre os séculos XIX e XX o momento em que prias, ela ainda é vista também como um pe-
grupos juvenis passam a adotar comportamen- ríodo de passagem, transitório e ambíguo, em
tos não usuais, contrários às normas sociais relação à condição de cidadania plena do adul-
vigentes, problematizando o processo de trans-
to, o que constitui uma condição de suspensão
missão das mesmas, fazendo com que a juven-
da vida social.
tude despertasse interesse acadêmico e tivesse
Vale registrar que esses aspectos estão
maior visibilidade (ABRAMO, 1994).
potencialmente presentes na adolescência,
Alguns autores, como discutido por
mas não são exclusivos dela, podendo se
GROPPO (2000), sugerem o uso sociológico
manifestar
no plural do termo juventude, o que melhor se
em alguns estilos de vida adulta. Pode
ajustaria à diversidade de realidades em que
estar em jogo a maior probabilidade de reper-
pode ser vivida tal fase de transição à maturi-
cussão de tais aspectos na adolescência.
dade. Seria possível dizer, então, que a juven-
GROPPO (2000) sugeriu, examinando a
tude, como categoria social é
produção da psicologia sobre adolescência (ou
juventude), que a concepção primordial é a de
uma representação e uma situação
social simbolizada e vivida com mui- um estágio da vida no qual é definida uma iden-
ta diversidade na realidade cotidia- tidade particular.

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STEINBERG e MORRIS (2001) desta- possibilidades sociais; embora também possa


caram algumas conclusões gerais sobre com- contribuir para reforçar estereótipos e posturas
portamento problemático na adolescência que conservadoras.
emergiram e que têm moldado a pesquisa so- Jornais e revistas têm sido utilizados em
bre o tópico. Referem-se ao reconhecimento da ciências humanas como fonte de material para
necessidade de: a) distinguir entre experimen- estudos e pesquisas, por proporcionarem carac-
tação ocasional e padrões duradouros de com- terizar, ão tão detalhada quanto possível de
portamentos perigosos ou potencialmente cau- ocorrências sobre as quais pouca informação
sadores de problemas; b) distinguir entre existe além daquela contida no registro
problemas que têm suas origens e início duran- jornalístico. Além disso, a imprensa escrita tem
te a adolescência e aqueles que têm raízes em importancia histórica, por anteceder o rádio e
períodos anteriores; c) reconhecer que muitos a televisão, e prática, por ser muito diversifica-
dos problemas vividos por adolescentes têm da e permitir acesso facilitado devido ao baixo
natureza transitória e são resolvidos pelo iní- custo de arquivamento e recuperação.
cio da vida adulta, com poucas repercussões A imprensa feminina teve e tem expres-
de longo prazo. siva participação na construção social do que
Esses mesmos autores (STEINBERG & se entende como ‘ natureza” feminina no âm-
MORRIS, 2001), na revisão que compreende bito da cultura brasileira e do que se espera em
investigações sobre adolescência feitas duran- relação aos comportamentos femininos em vá-
te treze anos, destacaram a tendência de estudo rias esferas da vida social, pelo menos para a
do desenvolvimento adolescente em contexto, mulher de nível sécio económico médio ou su-
isto é, tomando como foco principal não o de- perior, que é a mais visada pelos veículos fe-
senvolvimento e o funcionamento individual, mininos, assim como a mulher jovem, “servin-
mas sim os contextos nos quais esse desenvol- do para estimular o mercado ao exigir eterna
vimento se dá, incluindo família, grupo de pa- renovação” (BUITONI, 1986, p. 78). A pesquisa
res, escola, situações de trabalho, e toda a di- brasileira produziu diversas análises das carac-
versidade de informações sobre esses contextos terísticas e do impacto da imprensa feminina
que circulam na sociedade. Nosso trabalho se em diferentes momentos da história do país
pretende incluso em tal tendência. (BUITONI, 1981 1986, BASSANEZI, 1996;
Enfocar a adolescente feminina respon- PARK, 1999 MARTINS, 2001).
de a interesse especial de pesquisa. GROPPO MINAYO et al. (1999) e MIRANDA-RI-
(2000) ressaltou a existência de vivências dife- BEIRO e MOORE (1997) constataram que meios
renciados da juventude por adolescentes ho- de comunicação como a televisão e as revistas
mens e mulheres, “mesmo quando se trata de estão entre as principais fontes de informação para
indivíduos de uma mesma classe ou estrato so- os jovens, destacando-se o seu caráter impessoal
cial, do mesmo ambiente urbano ou rural, etnia, como favorecedor desta preferência.
etc.” (p. 6). E possível falar em mais acesso No caso das adolescentes a revista tem
dos homens a um maior leque de atividades, ainda mais relevância, pois além de trazer in-
em maior controle físico e psicológico e maior formações para consumo individual sobre re-
volume de interdições sobre a mulher, em vi- lacionamentos e sexualidade, apresenta pres-
gência de uma dupla moral sexual, entre outras crições de comportamentos conectadas com a
diferenças. Isso torna o papel da imprensa fe- atualidade já que deve responder às dúvidas e
minina dirigida às adolescentes proeminente já necessidades reais da adolescente daquela ge-
que pode fornecer informações que estão in- ração. Tais revistas contribuem não só para le-
terditadas por outras vias e ampliar horizontes gitimar, mas também para transformar e recri-
sobre a vida adulta feminina explorando novas ar padrões de comportamentos, interesses e va-

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lores relativos à adolescência e, especial- rarmos que Capricho tem importância destaca-
mente, à adolescência feminina. da já que tais adolescentes compõem um mo-
Nosso estudo pretendeu identificar, or- delo ideal aspirado pela maioria das adolescen-
ganizar e analisar interesses, comportamentos tes, inclusive as de classes populares (ver
e valores retratados em matérias jornalísticas ABRAMO, 1994). Trata-se de modelo que pode
publicadas em determinadas seções temáticas ser muito influente como gerador de compor-
da revista Capricho, de forma a construir um tamentos e interesses potencialmente adoráveis,
panorama das imagens com que a adolescên- pois também está presente em outros canais de
cia feminina é ali representada e idealizada. informação.
Pressupõe-se que essas imagens da adolescên- Para ser vendável e atrair mercado de
cia guardem correspondência com as experiên- leitoras e de anunciantes, a revista tem que es-
cias da vida da adolescente brasileira de famí- tar inteirada das necessidades, interesses e com-
lia com renda média e, portanto, com as portamento da adolescente atual. Para isso Ca-
questões, preferências e dificuldades dessa ado- pricho, hoje, conta não só com as cartas das
lescência feminina real e atual. leitoras, mas também com a comunicação e as
pesquisas através de seu site.

MÉTODO
PROCEDIMENTOS ADO TADOS NA
A FONTE DE DADOS COLETA DOS DADOS

A fonte de dados utilizada foi a revista Estabelecemos dois blocos cronológicos


Capricho, há algumas décadas destinada espe- com os quais trabalhamos: 1993 a 1995 (que
cificamente ao público adolescente, mas que, chamamos de Primeiro Periodo); e 1999 a 2001
quando de seu lançamento (Junho de 1952; (que chamamos de Segundo Periodo). Defini-
Editora Abril), era também destinada às mu- mos como alvo de análise uma revista por tri-
lheres adultas. Nesta época, com conteúdo de mestre em cada um desses seis anos, totalizando
fotonovelas, basicamente, ganhou a preferên- 24 edições da revista Capricho.
cia das leitoras, tornando-se a revista feminina Os conteúdos veiculados por Capricho
mais importante e com volume de vendas ja- podem ser classificados, quanto à temática
mais igualado por qualquer publicação femini- predominante em oito conjuntos: 1 ) moda ou
na brasileira (BUITONI, 1986, p. 48). beleza, novos produtos em geral, sempre com
Capricho é a mais conhecida revista bra- informação mesclada à publicidade; 2) maté-
sileira para adolescentes (MIRA,2001). Sua rias biográficas, cada vez mais com artistas;
fórmula editorial em vigor a partir de 1982 3) material publicitário; 4) cartas de leitores
enfatiza moda, beleza e comportamento ado- com opiniões sobre diversos assuntos veicu-
lescente, incluindo sexo, drogas, e relaciona- lados em edições anteriores; 5) testes de co-
mentos interpessoais e intergrupais. nhecimento ou de maturidade sobre diversos
Pelo fato de muitos dos temas aborda- assuntos em um âmbito que, de forma geral,
dos, dos exemplos citados, e das soluções poderia ser designado como circunscrito ao
sugeridas nas matérias deixarem evidente que universo da vulgarização dos processos psi-
a interlocução pressupõe uma leitora de razoá- cológicos; 6) processos sociais ou políticos em
vel poder aquisitivo, assumimos que a revista destaque a partir de algum evento recente, e
está mais direcionada para adolescentes de clas- que têm interesse geral; 7) facetas da diversi-
ses média e alta (embora a revista não assuma dade cultural, com abordagem que enfatiza a
tal interpretação). Isso não impede de conside- relação dos jovens com as diferentes situações

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retratadas; 8) aspectos do cotidiano relativos a portamentos, às enfâses em determinados va-


relacionamento afetivo, amizades, relaciona- lores, às características pessoais ou
mento familiar, vida escolar, sexualidade, saú- comportamentais valorizadas ou desvaloriza-
de e prevenção de doenças, preconceitos, dife- das, as implicações das ações de cada um em
renças entre generos, profissionalização. termos de seu universo pessoal, familiar e so-
Utilizamos o recurso metodológico da cial.
Análise de Conteúdo, como proposto por Tais matérias constituíam uma mesma
BARDIN (1977). A técnica tem importante fun- seção da revista. De 1993 a 1995, tal seção
ção heu^Ii socas ao enriquecer as estratégias intitulava-se Comportamento. Em 1999, pas-
exploratorias, aumentando a propensão à des- sou a c~amar-se Sua Vida. Nos anos 2000 e
coberta. Seguimos os Ires polos cronologicos 2001 a mesma seção ganhou o nome Vida Real.
propostos: 1) pré-análise; 2) exploração do Para selecionar uma edição em cada tri-
material; e 3) tratamento dos resultados, mestre, utilizamos um triplo critério: aquela com
inferencia e interpretação (p. 95). matérias mais ricas em discussões e prescrições
A pré-análise indicou que a investigação de comportamentos, que ao mesmo tempo in-
poderia ser conduzida de forma pertinente e cluísse matérias mais típicas do acervo geral da
com muitos subsídios a partir das maté^lias revista, e que apresentasse ainda uma boa diver-
reunidas nos blocos 6, 7 e 8, mencionados aci- sidade de matérias na seção sob exame.
ma. Essas matérias constituíam os relatos com Para organizar as informações colhidas
mais menções aos interesses das adolescentes, nas matérias, foi confeccionada uma ficha de
às suas preocupações, às prescrições de com- coleta de informações, composta dos seguintes
itens:

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Para a classificação das matérias utiliza- uma delas é objeto de uma preferên-
mos um conjunto de categorias construído a cia. O valor implica, portanto, o rom-
pimento da indiferença do sujeito
partir da exploração do material e das afinida-
diante dos objetos, dos eventos ou
des das palavras-chave descritoras de tais ma- das idéias. A manifestação de prefe-
térias. Tais categorias, que chamamos de Gran- rência por algo ou por alguém é, tal-
des Temas, são: I) Conquista, ficar, namoro, vez, o comportamento mais comum
relações sexuais; II) Conquista, ficar, namoro, da vida cotidiana. Neste sentido, a
relações sexuais (ótica masculina); III) Indivi- palavra valor expressa uma expe-
riência comum a todo ser humano
dualidade, normalidade, autovalorização,
(TAMAYO, 1997:116).
habilidade social; IV) Relações familiares;
V) Profissões; VI) Diferenças de gênero, com- Verificar que tipos de valores são privi-
portamento masculino (geral); VII) Drogas; legiados por um veículo de imprensa dirigido a
VIII) Turma; IX) Religião, crenças; X) Políti- adolescentes é especialmente importante por
ca; XI) Estudo, escola; XII) Violência sexual; este ser um grupo em formação, do ponto de
XIII) Relacionamentos pessoais mediados pela vista social, no qual a adesão a valores ainda
Internet; XIV) Viagens, aventuras; XV) Ídolo; está parcialmente em processo.
XVI) Outros. Para considerar as menções a valores
Em muitas matérias é possível perceber diluídas nos textos utilizamos como ferramen-
ênfase em determinadas formas de comporta- ta, na organização e na análise de nossos da-
mento, tomadas como mais razoáveis, ou mais dos, o modelo de representação de valores de-
prudentes, ou mais aceitáveis, por senvolvido por TAMAYO e SCHWARTZ
corresponderem aos modelos preferidos ou re- (1993). Não nos ocupamos com a discussão te-
comendados por segmentos sociais que se en- órica em torno de valores, mas apenas utiliza-
contram no âmbito de influência e de consumo mos as categorias (Grupos de Valores) de um
da revista. Isso nos levou à estratégia de verifi- modelo já disponível como recurso
car, em cada matéria jornalística analisada, que metodológico complementar.
valores estavam sendo representados e privile- Apresentamos a seguir o Quadro 1 que
giados, quando fosse o caso. mostra os dez Grupos de Valores, sua associa-
TAMAYO (1997) afirmou que: ção com os fatores de ordem superior, os tipos
de interesses a que servem, e um conjunto de
Do ponto de vista da compreensão
exemplos de fenômenos e situações abrangi-
psicológica, o sentido com o qual são
usadas as palavras na linguagem dos em cada caso.
quotidiana é mais importante do que
o sentido técnico das mesmas. A pa-
lavra valor diz respeito à oposição
que o ser humano estabelece entre o RESULTADOS E DISCUSSÃO
principal e o secundário, entre o es-
sencial e o acidental, entre o desejá- INFORMAÇÕES INICIAIS
vel e o indesejável, entre o
significante e o insignificante. Ela Foram analisadas 123 matérias publica-
expressa a ausência de igualdade das em CAPRICHO. As Tabelas 1 e 2 resumem
entre as coisas, os fatos, os fenôme-
as freqüências de matérias que mencionam cada
nos ou as idéias. Desta forma, a pa-
lavra valor aplica-se em todas aque- um dos Grupos de Valores, por Categorias de
las circunstâncias em que uma delas Grandes Temas (para o Primeiro e o Segundo
é julgada superior à outra, em que Período, respectivamente).

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Quadro 1. Demonstrativo dos Grupos de Valores, com os respectivos Fatores de Ordem Superior
e Interesses a que servem.

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Tabela 1. Freqüências das matérias que mencionam cada um dos Grupos de Valores, por Categorias
de Grandes Temas – Primeiro Período: 1993 a 1995.

É possível dizer, inicialmente, que, no parte de uma tendência atual que vem aumen-
Primeiro Período (1º P), representado por 55 tando os temas de relevância social em diver-
matérias, houve 216 menções a Grupos de Va- sos tipos de periódicos ou suplementos juvenis
lores (média de 3,9 Grupos por matéria). No conforme identificado pela Pesquisa Os Jovens
Segundo Período (2º P), representado por 68 na Mídia (ANDI / IAS / UNESCO, 1999).
matérias, houve 264 menções a Grupos de Va- Enquanto a maioria das menções a Gru-
lores (3,9 Grupos por matéria), evidenciando pos de Valores no 1º P se deu nas quatro pri-
surpreendente equivalência. meiras Categorias de Grandes Temas (85,7%);
Com relação às categorias de Grandes no 2º P, apenas 31,4% das menções ocorreram
Temas, destacou-se a fato de que a diversidade nessas Categorias, ou seja, os 68,6% restantes
temática no 2º P aumentou grandemente em das menções a Grupos de Valores
relação ao 1º P (8 Categorias no 1º e 15 no 2º). distribuíramse nas outras 11 Categorias.
Em relação à questão da maior variedade te- Destacou-se ainda uma Categoria com
mática percebida no 2º P, é possível que faça acentuada relevância no 1º P, a Categoria III de

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Tabela 2. Freqüências das matérias que mencionam cada um dos Grupos de Valores, por Categorias
de Grandes Temas – Segundo Período: 1999 a 2001.

* Nesta Categoria foram consideradas 5 matérias, mais partes de 2 matérias da Categoria I.


** Na categoria XVI – Outros, as 6 matérias encontradas são sobre os temas: Festas, Violência, Preconceito, Distúrbios
Alimentares, Meio Ambiente e Culturas.

Grandes Temas – Individualidade / Nor- tos de conformidade e tolerância em várias


malidade / Autovalorização / Habilidade So- situações.
cial (18 matérias no 1º P e 1 no 2º P), na qual Uma característica peculiar nos textos do
houve grande concentração das menções a Gru- 2º P, foi a ênfase em prescrições a partir de con-
pos de Valores (74 menções ou 34,3% de todas sulta a especialistas (foram consultados 22 es-
as menções do 1º P). pecialistas no 1º P e 47 no 2º). Não é imprová-
São matérias que apontam a necessi- vel que essa participação mais efetiva de
dade da adolescente refletir sobre si mesma, especialistas tenha contribuído para a redução
sobre autovalorização, sobre preservação das de textos argumentativos, que forçam a refle-
suas especificidades, sobre manutenção das xão, gerando textos com respostas às questões
suas vontades frente às vontades alheias, mas, mais diretas e baseadas em conhecimentos le-
ao mesmo tempo, enfatizam comportamen- gitimados “cientificamente”.

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GRUPOS DE VALORES MAIS CITADOS Tabela 3. Freqüências e Percentuais de


Menções aos Fatores de Ordem Superior
O Grupo de Valores mais citado em am- Associados aos Grupos de Valores – Primeiro
bos os períodos foi o Grupo denominado Be- Período: 1993 a 1995; e Segundo Período: 1999
nevolência. Verificamos que foi um Grupo de a 2001.
Valores bastante enfatizado no 1º P no contex-
to das relações da adolescente com as pessoas
próximas: familiares, amigos, vizinhos, namo-
rados e “ficantes”. Já no 2º P, as menções à
Benevolência recaem em assuntos relacionados
ao namoro e ao “ficar”. Autodeterminação foi
o segundo Grupo de Valores mais menciona-
do, em ambos os períodos.
Apesar de algumas diferenças de men-
ções a certos Grupos de Valores dentro de Ca-
tegorias de Grandes Temas, como veremos a Tabela 4. Freqüências e Percentuais de
seguir, foi observada grande semelhança nas
Menções aos Interesses a que servem os Grupos
menções aos Grupos de Valores, entre os dois
de Valores – Primeiro Período: 1993 a 1995; e
Períodos, quando considerados os “fatores de
Segundo Período: 1999 a 2001
ordem superior” associados (Autopromoção,
Abertura, Conservação e Autotranscendência)
e os “interesses a que servem” (Individuais,
Coletivos ou Mistos), como pode ser visto nas
Tabelas 3 e 4.
Fica evidente a estabilidade nas caracte-
rísticas dos Grupos de Valores mencionados nas
matérias de Capricho, nos dois períodos anali-
sados.

tegoria com uma interessante diferença


MENÇÕES AOS GRUPOS DE VALORES quanto aos grupos de valores citados. No 1º
POR CATEGORIAS DE GRANDES TEMAS P, houve predominância marcante de men-
ções aos Grupos de Valores Benevolência e
A) CONQUISTA-FICAR-NAMORO-RELA- Hedonismo. Já no 2º P, observou- se o
ÇÕES SEXUAIS - Categoria com a maior surgimento de outro destaque: Tradição, se-
quantidade de matérias (29) e de menções a guido de Benevolência e Hedonismo.
grupos de valores (91) considerando-se os
dois períodos analisados. O número de ma- As menções ao Grupo de Valores Tradi-
térias e o percentual de menções a valores ção explicam-se pela acentuada desvalorização
foi equilibrado nos dois períodos. A dife- de atitudes femininas que revelam excessos de
rença mais expressiva entre os dois perío- liberação sexual e de inversão dos papéis de
dos, foi a de diminuição, no 2º P, das men- gênero mais aceitos em nossa cultura.
ções ao Grupo de Valores Realização.
C) INDIVIDUALIDADE – NORMALIDA-
B) CONQUISTA-FICAR-NAMORO-RELA- DE – AUTOVALORIZAÇÃO – HABILI-
ÇÕES SEXUAIS (Ótica Masculina) – Ca- DADE SOCIAL – Devido à diferença mar-

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cante entre os períodos quanto ao número sucesso são aspectos que envolvem as profis-
de matérias e de menções aos valores, com- sões enfatizadas neste Período. Tais aspectos
parações quantitativas entre eles perdem estão também relacionados ao Grupo de Valo-
sentido. Os Grupos de Valores mais citados res Poder Social, enfatizado apenas neste Pe-
nesta Categoria foram Autodeterminação, ríodo.
Benevolência e Segurança. No 1º P valorizou-se o aproveitamento,
D) RELAÇÕES FAMILIARES - Categoria de pela adolescente, de todas as oportunidades
Grandes Temas pouco abordada (6 matéri- possíveis (Estimulação) visando alcançar seus
as no 1º P e 3 no 2º P). Os Grupos de Valo- objetivos, sem deixar de lado os momentos de
res mais citados, nos dois Períodos, foram lazer e descontração (Hedonismo). Manter a
Tradição e Benevolência. estabilidade pessoal, e ter vida organizada (Se-
gurança), também foram pontos valorizados
Em 1993/1995 verificamos ênfase maior neste Período. Ter responsabilidade, cumprin-
nas conquistas que a adolescente pode realizar do seus deveres e obrigações, também foi des-
junto aos seus familiares (Grupo de Valor Rea- tacado (Conformidade).
lização), envolvendo mais liberdade, privaci-
dade, autodireção e independência (Autodeter- F) DIFERENÇAS DE GÊNERO-COMPOR-
minação) e que se tornam mais fáceis de TAMENTO MASCULINO (GERAL) –
alcançar com uma boa dose de Conformidade, Categoria abordada, como tema central,
de aceitação de condições, e não de revoltas ou apenas no 1º P. Os temas desvalorizados,
discussões. na comparação entre os sexos, incluíram
O Grupo de Valores Tradição, nos dois algumas características femininas como a
Períodos, foi muito mencionado pelo fato da menstruação e o sentimentalismo ou sen-
segurança familiar ser algo valorizado na maio- sibilidade maior da mulher. Foram tam-
ria das matérias sobre a Categoria de Grandes bém desvalorizados: o machismo, o pre-
Temas “Relações Familiares”. No período conceito contra a mulher no trabalho, e a
1999/2001 os Grupos de Valores mais tese do homem ser intelectualmente su-
enfatizados foram Tradição e Benevolência. perior à mulher.

E) PROFISSÕES – Categoria com apenas uma


matéria (bastante abrangente) no 1º P. No
2º P apareceram seis matérias, a maioria tra- CONCLUSÕES POSSÍVEIS
tando de profissões específicas, como mo-
delo, atriz ou cantora. É interessante notar Um trabalho investigativo da natureza do
que são profissões compreendidas por mui- que realizamos não permite falar em conclu-
tos como “mágicas”, pois dependeriam de sões, pelo menos da forma como tal expressão
habilidades pessoais que dispensam treina- é entendida em algumas outras modalidades de
mento específico, além de estarem sujeitas atividade científica. Ainda assim, é possível
a fatores casuais como “ser descoberta”, fazer considerações reunindo as constatações
visão que a revista contesta. mais expressivas sobre as imagens da adoles-
cência feminina na revista e sua relação com a
O Grupo de Valores Realização foi formação de identidade, pessoal e de gênero,
enfatizado nos dois Períodos. No 1º P, relacio- da adolescente.
nou-se mais ao êxito e a “obter o que se pro- Para efetuar estas relações, enfatizamos
põe”. Já no 2º P, foi acrescentado ter ambição e os temas abordados no modelo ideal (perfil) da
obter sucesso, tendo em vista que riqueza e adolescente identificado na revista Capricho por

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entendermos que se relacionam aos fatores avalanche de informações sobre a adolescên-


cruciais que interferem no desenvolvimento das cia (e pré-adolescência), recebia da revista mais
características pessoais que definem a indivi- informações, para fazer com que compreendes-
dualidade, e na formação da identidade. São se toda a série de mudanças que lhe percorrem
eles: a) Família; b) Amigos, Turma; c) Namo- a constituição física, o psiquismo e as relações
rar, Ficar, Relacionar-se sexualmente; d) Esco- com o ambiente social, e que estariam na ori-
la, Profissionalização. gem de um possível - mas não inevitável -
Foi possível constatar algumas mudan- estranhamento. Era visto como necessário que
ças na imagem/perfil da leitora de 1993/1995 esta adolescente entendesse tais mudanças e
para aquela de 1999/2001, apesar do pouco tem- aprendesse a importância de realizar suas pró-
po decorrido. prias escolhas, tomar decisões, agir pelas pró-
No 1º P a grande ênfase na Categoria III prias vontades, crenças e possibilidades (limi-
(Individualidade – Normalidade – Autovalori- tações em relação às pessoas e às condições
zação – Habilidade Social) indica um perfil de materiais e culturais, entre outras). Ao mesmo
adolescente que costuma agir por influência dos tempo, foram enfatizados comportamentos de
outros, se sentindo pressionada, tendo dificul- conformidade e tolerância em várias situações.
dade em estabelecer seus limites, em se afir- A existência de dois pólos de ação em
mar como alguém única, com opiniões, dese- que ora a adolescente deve se preocupar com
jos, preferências e necessidades próprias, o que sua autovalorização e com a realização de suas
equivale à dificuldade de constituir uma iden- vontades, ora deve ser tolerante e conformarse
tidade bem definida. No 2º P parece compare- com as limitações impostas, aproxima-se do que
cer uma leitora que recebe com mais naturali- postula ANYON (1990) sobre desenvolvimen-
dade as transformações pelas quais passa, pois to de gênero. A autora discorda da “visão pre-
não deu um “salto radical” da infância para a valecente de que o desenvolvimento de gênero
adolescência, uma vez que já vem se informan- seja um processo unilateral de imposição, pela
do e vivenciando aspectos da nova fase. As- sociedade, de valores e atitudes internalizados
sim, sentimentos de inadequação ou de anor- pelas meninas” e entende que esse desenvolvi-
malidade deixam de ser tão freqüentes, pois, mento “envolve tanto recepção passiva quanto
presume-se, não há um grande e brusco resposta ativa às contradições sociais”, o que
estranhamento de si mesma. vai gerar “uma série de tentativas no sentido
Acreditamos que isso se deva, em gran- de se assemelharem a – e solucionarem – men-
de parte, ao maior acesso às informações e opor- sagens sociais contraditórias visando o que elas
tunidades possibilitadas não só àqueles que deveriam fazer ou ser” (p. 14).
chamamos de pré-adolescentes, mas também Em relação à Família e às Relações Fa-
às crianças, consumidoras de jogos inteligen- miliares, foi extremamente valorizada uma
tes, video-games e computadores, sobretudo política da boa convivência, em ambos os pe-
quando se fala de classe sócio-econômica com ríodos investigados. No 1º P, valorizou-se
poder de consumo. principalmente a estratégia da adolescente
A própria televisão, meio de comunica- negociar suas conquistas, buscar conversar
ção mais popularizado, veio trazer a diversos com os pais (ensinando e aprendendo), pro-
lares novas abordagens do mundo adolescente, mover debates sobre questões polêmicas (per-
proporcionando mais conversas e debates so- guntando aos pais sobre eventos de sua ju-
bre assuntos pertinentes a esta fase (MIRA, ventude) e ter paciência com o aprendizado
2001). e as mudanças dos pais. Medidas auto-
Talvez por isso a adolescente de Capri- ritárias foram desvalorizadas, tanto as de
cho do 1º P, que ainda não fora coberta por essa iniciativa dos pais, como as da adoles-

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cente, quando tenta impor sua vontade a qual- é “natural”, ela foi construída historicamente e
quer custo. pode influenciar a valorização do namoro em
No 2º P as matérias sobre relações fami- detrimento do “ficar”, já que buscar relações
liares pouco mudaram, mas abordaram a situa- duradouras pode trazer, para a adolescente, be-
ção da adolescente diante de pais separados. nefícios valorizados socialmente.
De novo, enfatizou-se a boa convivência e, no No 1º P frisou-se que a adolescente não
caso da separação, não se culpar, não tomar deve ser excessivamente desconfiada com o
partido nas brigas ou julgar o casamento dos namorado, que ela deve “entender a cabeça
pais. É importante separar a relação com os pais masculina” e que, no “ficar”, coloque limites e
dos papéis desses como cônjuges. controle a ansiedade e o ciúme, não criando
Questões do âmbito de Amizades e Tur- muitas expectativas.
mas foram abordadas em matérias que desta- Em tais prescrições, evidencia-se a ên-
caram a importância de respeitar diferenças, e fase na existência de um universo masculino e
a importância de não transformar relações de um universo feminino, cabendo à mulher en-
amizade e de grupos em situações de depen- tender não só o seu próprio universo de signifi-
dência. O bom humor foi destacado como im- cados, crenças e comportamentos, mas também
portante para a saúde do relacionamento com o do homem, o que sugere um aparente (e su-
os pares. til) poder feminino implícito na possibilidade
A abordagem dos temas relacionados a de entendimento dos dois universos. É possí-
namoro e sexo foi freqüente. Dúvidas sobre vel estarmos diante de viés decorrente do fato
comportamento afetivo-sexual são (ainda) ex- de Capricho ser uma publicação feminina. Ain-
tremamente relevantes, considerando as expec- da assim, a solução editorial não precisaria ser
tativas das adolescentes femininas e a defini- sempre desse tipo.
ção de papéis de gênero. No 2º P as menções a comportamentos
No 1º P destacou-se a possibilidade de de liberação sexual feminina ocorreram com
“viver e ser feliz de várias maneiras”, mesmo freqüência aumentada, sendo destaques como
sem namorado. Ainda assim, namorar foi temas desvalorizados. São exemplos: agir sem
muito princípios ou não ter critérios de escolha para
valorizado. É preciso não ter pressa ou ficar com garotos, ter fama de “fácil”, além de
ansiedade, transar por influência das amigas ou por pres-
ser cautelosa na conquista, e não se pre- são do menino.
cipitar em transar. Não se deve, ainda, iludir Mesmo percebendo a conotação negati-
ou magoar as pessoas nas relações. va de tais comportamentos, a revista não os
Observamos, nos dois Períodos, que o aborda de forma moralista, confirmando estilo
namoro foi privilegiado em relação ao “ficar”. editorial que parece considerar que, se hoje a
ANDRADE e NOVO (2000) afirmam que, da mulher adquiriu um certo nível de independên-
mesma forma que os jovens, alguns adultos (e cia e de iniciativa nas áreas profissional, fami-
pesquisadores) trazem consigo uma gama de liar, social e econômica, pode parecer incoe-
valores que norteiam suas interpretações e aná- rente para a adolescente que, no âmbito sexual
lises sobre o adolescente. “Alguns tendem a ava- e afetivo, ela ainda tenha que esperar pela es-
liar, por exemplo, a ausência de compromisso colha masculina.
do ficar com um esvaziamento do sentimento, Nos dois Períodos, relacionar-se sexual-
aliando, desta forma, sentimento a permanência mente foi valorizado (mais no 2º P), mas no
ou continuidade, herança do amor romântico momento certo, quando se sentir pronta, com
instituído no século XIX” (p. 104). Esta associ- consciência, naturalidade e intimidade, e com
ação entre sentimentos e relações duradouras não alguém que represente interesse genuíno. A pre-

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ocupação com gravidez e com AIDS (e outras muito mais reduzidas com outros Grupos de
DSTs) foi constante, com a camisinha sendo Valores, tais como Poder Social, Estimulação
destacada como prevenção eficaz. e Tradição.
As matérias de Capricho apresentam Um amplo panorama das características
abordagem bastante condizente com os oito da adolescente modelo incluiria:
pontos básicos para o conteúdo sexual respon- NO ÂMBITO DE SUA INDIVIDUA-
sável nos meios de comunicação, relaciona- LIDADE: 1) Agir pelas próprias opiniões, de-
dos por STRASBURGER (1999). Tais pon- sejos, necessidades, mas considerando as
tos são: 1) Reconhecer o sexo como uma parte possibilidades e as conveniências, ou seja,
saudável e natural da vida; 2) Encorajar as dis- considerando limitações; 2) Ter o próprio es-
cussões sobre sexo entre pais e filhos; 3) Dis- paço, conquistado através de boas relações,
cutir ou mostrar as conseqüências do sexo sem deixando claras suas discordâncias, mas sem
proteção; 4) Mostrar que nem todos os rela- se tornar rebelde, explosiva ou não adapta-
cionamentos resultam em sexo; 5) Indicar que da; 3) Ser simpática, cordial e diplomática;
o uso de contraceptivos é essencial; 6) Evitar 4) Cultivar o direito de ser diferente, mas
ligar a violência com o sexo; 7) Exibir o estu- aceitar as diferenças entre as pessoas; 5) Re-
pro como um crime de violência, não de pai- fletir sobre as crises para descobrir, apren-
xão; 8) Reconhecer e respeitar a capacidade der e crescer sem culpar os outros por elas;
para dizer “não”. 6) Gostar de si mesma e se valorizar, para
Os temas associados à questão da viver e ser feliz de várias maneiras; 7) Ser
Profissionalização e da Escola apontaram a divertida, ter bom humor; 8) Ser independen-
necessidade da adolescente aproveitar as opor- te e responsável.
tunidades que têm, quase sempre relacionadas NO ÂMBITO DE SUAS RELAÇÕES
às condições sócio-econômicas das classes FAMILIARES: 9) Manter boas relações fami-
média e alta, porém, conciliando sempre os es- liares apoiadas em diálogo, ensinando e apren-
tudos com lazer e diversão. dendo, negociando conquistas.
No 1º P enfatizou-se a busca de objeti- NO ÂMBITO DAS AMIZADES: 10)
vos e foi lançada uma edição especial sobre Cultivar amizades com base em afinidades
Profissões em setembro de 1995. A adolescen- reais, sem passar por cima de seus valores e de
te deve ser paciente e não pular etapas, o que suas convicções.
pode indicar mais ansiedade percebida nas ado- NO ÂMBITO DO NAMORO E DO
lescentes neste Período. No 2º P as matérias RELACIONAMENTO SEXUAL: 11) Agir
abordaram profissões específicas, ligadas à com liberdade, pautando-se num equilíbrio
fama, em paralelo à noção de cultura juvenil entre ousadia e discrição; 12) Valorizar-se,
voltada ao prazer e ao entretenimento. fugir de toda vulgaridade, e ser conseqüen-
Os dados permitem esboçar uma síntese te; 13) Saber controlar expectativas, ansie-
das características do “modelo ideal” de ado- dades e ciúmes; 14) Evitar agir de forma a
lescente feminina que a revista apresenta e que, aumentar a chance de produzir mágoas, dis-
supostamente, não deve estar longe do que as cussões e brigas; 15) Agir a partir de razões
próprias adolescentes gostariam de ser. Esse e reflexões próprias, e não por influência ou
“modelo ideal” não seria idêntico nos dois pe- pressão de outros; 16) Relacionar-se sexual-
ríodos, mas também não seria fundamentalmen- mente (inclusive na primeira vez) com cons-
te distinto. Tal modelo é compatível com a ên- ciência de estar com parceiro com quem tem
fase em determinados Grupos de Valores, como afinidades, o que proporciona naturalidade e
Benevolência, Autodeterminação e Segurança. intimidade; 17) Conhecer e exercer cuidados
É compatível, também, com as preocupações de prevenção.

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NO ÂMBITO DA ESCOLA PROFIS- O processo investigado é de mútua in-


SIONALIZAÇÃO: 18) Não ficar esperando que fluência. O material publicado pretende estar
as coisas aconteçam sem sua interferência e em sintonia com a realidade das adolescen-
colaboração; 19) Conhecer vários aspectos da tes. A realidade das adolescentes sofre trans-
realidade para poder formular objetivos; 20) formações relacionadas com diversos fatores
Aproveitar as oportunidades que se apresentem, (inclusive a partir do processamento das in-
sem a preocupação de queimar etapas e garan- formações disponibilizadas pelos meios de co-
tindo tempo para lazer e descontração. municação). Tais transformações realimentam
STRASBURGER (1999) destacou que todo o processo de reflexão, de re-elaboração
os adolescentes, em um período curto de tem- cultural, e de produção e difusão de novas in-
po, precisam dominar um complexo conjunto formações.
de tarefas: 1) estabelecer um senso de identi- Lembramos que foram analisadas ma-
dade; 2) estabelecer sua independência em re- térias da seção em que a revista é menos li-
lação aos pais; 3) aprender a estabelecer rela- mitada, não sendo possível avalizar como in-
cionamentos com os próprios companheiros e teressante tudo que a revista publica. Ainda
com o sexo oposto; 4) terminar a escolarização assim, acreditamos que é possível dizer, pelo
formal; 5) começar a avaliar o próprio lugar na que constatamos nos dados, que a adolescên-
sociedade moderna e formular planos para uma cia feminina é vivida, mais recentemente,
carreira ou emprego. Exatamente dessas de- com menos dificuldades e imposições, e com
mandas é que fala uma publicação como a que mais diversidade, criatividade e perspectivas
analisamos. do que já foi vivida não faz muito tempo.
É razoável pretender que as adolescen- Estaria se desenhando um quadro com mu-
tes que lêem as matérias de Capricho contam lheres cada vez menos “talhadas” para a sub-
com um meio a mais para ampliarem seus co- missão. Seriam mulheres preparadas para li-
nhecimentos, meio esse que supera as dificul- dar com o controle pleno de suas próprias
dades de gerarem motivação suficiente para vidas e para exercer a cidadania com todas
conseguir atrair e garantir a atenção que alguns as exigências que isso envolve. É um cami-
outros meios enfrentam. Em outras palavras, a nho ainda em construção, mas que parece
revista é buscada pela própria adolescente, sem apontar para um padrão mais saudável de re-
necessidade de procedimentos que gerem mo- lações de gênero e de redução de algumas
tivação, como muitas vezes a escola precisa modalidades de discriminações na vida so-
fazer (nem sempre com sucesso). cial brasileira.

Abstract: Adolescents are privileged targets for cultural industry products. Much of the
important information for their development is available in the mass media. In many countries,
magazines containing information and recreational activities specific for teenage women
consumption are published. This work identified, organized and analyzed concerns, behaviors
and values portrayed in some thematic sections of the Capricho magazine in order to construct
an overview of the images by means of which female adolescence is represented and idealized.
One hundred and twenty-three (123) news pieces dealing with aspects of the adolescent relation
to society were analyzed, comparing those published during the 1993-1995 period with those
published during the 1999-2001 period. Data analysis revealed an “ideal model” of adolescent
that manages to balance: a) autonomy and freedom and, on the other hand, respect to limits;
b) values and views with dialogue; c) self-valorization with differences; d) various modes of
pleasure and leisure with responsibility, prevention from vulgarity, violence and diseases; d)
the full living of the demands of adolescence without negligence of planning and preparing
for adult life.

Key-words: adolescence; female adolescence; mass media; values; identity.

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