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DIREITO DA ECONOMIA - TURMA A

ANO LETIVO 2023/2024

Casos Direito da Economia

Caso n.º 1

Imagine que, na sequência de uma ação de protesto dos empresários de transporte


rodoviário de mercadorias, o abastecimento de combustíveis é seriamente posto em
causa em todo o território nacional, obrigando ao racionamento da distribuição de
combustíveis e ao encerramento de diversos postos de abastecimento.
O Governo, confrontado com esta situação, determina:

a) A nacionalização, imediata, das empresas de transporte rodoviário envolvidas


no protesto,
b) concedendo aos anteriores proprietários, a título de compensação, títulos de
dívida pública, reembolsáveis a 40 anos;
c) A imposição de limites à iniciativa privada para a atividade de transportes
rodoviários de mercadorias.

Quid Juris?

a)

PAZ FERREIRA acentua que uma nacionalização implica uma transferência efetiva da
propriedade dos meios de produção, por via coativa, para entidades públicas, devido a razões
de política económica e social.

Nos termos da Lei no 62-A/2008, pode ser desencadeada uma nacionalização quando “por
motivos excecionais e especialmente fundamentados, tal se revele necessário para
salvaguardar o interesse público” (art. 1º), não obstante deverem ser observados os
“princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência” (art. 2º, nº2).

Como consequência da nacionalização, as participações sociais consideram-se


automaticamente transmitidas para o Estado, livres de ónus ou encargos (art. 6º, nº1 Lei no
62- A/2008). Doravante, as participações pertencem ao Estado, sendo oponíveis a terceiros
independentemente de registo (art. 6º, nº2 Lei no 62-A/2008).

Subsiste a personalidade jurídica da pessoa coletiva cujas participações sociais foram objeto de
nacionalização, assim como não sofre qualquer alteração a respetiva natureza jurídica (art. 7º
Lei no 62- A/2008), sem prejuízo, porém, da eventual qualificação como empresa participada
ou empresa publica (art. 5º e 6º DL 133/2013).
Seja como for, “mantem-se na titularidade da pessoa coletiva a universalidade de bens,
direitos e obrigações, legais ou contratuais, de que esta seja titular à data da nacionalização,
designadamente os emergentes dos contratos de trabalho em que a pessoa coletiva seja parte,
respeitando-se integralmente os direitos dos trabalhadores (art. 8º, nº1 Lei no 62- A/2008).
Sequencialmente, “a pessoa coletiva continua a exercer todas as funções que lhe estejam
cometidas por força da lei, de contrato ou dos seus estatutos” (art. 8º, nº2 Lei no62-A/2008).

Nada disto impede o ulterior destino do objeto da nacionalização. Tanto pode haver uma
“posterior transferência das participações sociais para sociedade cujo capital seja
integralmente detido, direita ou indiretamente, pelo Estado (art. 6º, nº3 Lei nº 62-A/2008)
como pode haver uma operação de fusão que envolva a pessoa coletiva cujas participações
sociais foram objeto de nacionalização (art. 7º, nº2 Lei nº 62- A/2008).

Estabelece-se o regime de funcionamento dos órgãos sociais que pode implicar a respetiva
dissolução, bem como a designação de (novos) membros por parte do Estado (art. 9º Lei no
62-A/2008). Questão delicada reveste a possibilidade da dissolução não conferir “direito a
qualquer indemnização, não obstante disposição contratual em contrário” (art. 9º, nº5 Lei no
62-A/2008). MENEZES CORDEIRO aponta para a inconstitucionalidade deste preceito mediante
a violação do princípio da igualdade (art. 13º CRP) e do direito de propriedade privada (art. 62º
CRP).

A questão das indemnizações decorrentes de nacionalizações:

 O princípio da indemnização necessária:

A nacionalização envolve sempre indemnização. Por conseguinte, a dificuldade maior em torno


das indemnizações não respeitou tanto ao seu reconhecimento, mas sim à questão de a
indemnização ser, ou não, justa. Ou seja, em caso de nacionalização a primeira questão a
apurar é se é ou não devida indemnização. Sendo a resposta positiva, isso significa que o
ordenamento jurídico acolhe o princípio da indemnização necessária.

Questão subsequente é a de apurar o valor da indemnização, ou seja, se a indemnização deve


ser integral ou apenas parcial. No fundo, trata-se de saber se a indemnização é ou não justa.

 O princípio da correspondente indemnização:

REBELO DE SOUSA entende que “não há́ razão para entender que num Estado do Direito
Democrático as indemnizações devidas por nacionalizações não devam ser justas”.

Todavia, a jurisprudência constitucional considera que o regime da indemnização por


expropriação é diferente do da indemnização por nacionalização, na medida em que, se
quanto à expropriação, a CRP preceitua uma justa indemnização, já quanto à nacionalização,
apenas estabelece que os critérios de fixação de indemnizações seriam determinados pela lei.

Com efeito, o TC considera, por um lado, que a “indemnização por expropriação encontra o
seu fundamento no art. 62º, nº2 CRP e que este preceito impõe para o ato expropriativo uma
compensação completa, total ou integral do dano suportado pelo expropriado, devendo o
pagamento da indemnização ser contemporâneo à expropriação, referindo, por outro lado, já
no que concerne à indemnização por nacionalização, que para esta não é exigida um full
compensation, basta apenas uma indemnização razoável ou aceitável, que cumpra as
exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de Direito”,
acrescentando ser “o principio da justiça, que deve reger o dever de indemnizar”.

 O regime das indemnizações à luz da Lei no 62-A/2008:

A Lei no 62-A/2008 reconhece o direito à indemnização, quer aos titulares das participações
sociais nacionalizadas quer aos eventuais titulares de ónus ou encargos constituídos sobre as
mesmas, bem como determina os critérios da indemnização (art. 4º Lei no 62-A/2008).

Assim, o direito à indemnização tem por “referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à
luz da situação patrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato
de nacionalização” (art. 4º, nº1, 2a Parte Lei no62-A/2008).

Além disso, “no cálculo da indemnização a atribuir aos titulares das participações sociais
nacionalizadas, o valor dos respetivos direitos é apurado tendo em conta o efetivo património
liquido”. (art. 4º, nº2 Lei no 62-A/2008). Ou seja, importa aferir o efetivo património líquido (a
diferença entre o ativo e o passivo, à data da entrada em vigor do ato de nacionalização).

Mais problemático se mostra o processo de avaliação. O membro do Governo responsável pela


área das finanças designa, por despacho, pelo menos duas entidades independentes, as quais
devem concluir a avaliação no prazo de 30 dias, mas prorrogável por igual período, desde que
devidamente justificado pelas entidades avaliadoras. É com base nessa avaliação e após
audição previa dos representantes dos anteriores das participações sociais que aquele
membro do Governo fixa, por despacho, no prazo de 15 dias, o valor da indemnização (art. 5º,
nº1 e nº3 Lei no 62-A/2008).

Casos privatizações:
Caso 1:

O Governo decidiu aprovar a reprivatização da empresa pública Siderurgia Nacional,


S. A., mediante um Decreto-Lei no qual se estabelecia a realização de uma primeira
fase de reprivatização por concurso público (40%) – para escolha de um parceiro
estratégico – e uma segunda fase por OPV no mercado de capitais (21%).
O mesmo diploma legal prevê a criação de 100 ações privilegiadas na empresa
Siderurgia Nacional, obrigatoriamente detidas pelo Estado e conferindo-lhe direito
de oposição quanto a quaisquer deliberações societárias contrárias ao interesse
nacional.
Quid iuris?

CRP determina, no art. 293º, os princípios fundamentais que devem ser observados nesta Lei-
quadro, sabendo-se que o efetivo alcance da reserva de competência da AR em matéria das
reprivatizações se deve entender reportada à tutela do núcleo fundamental dos princípios
constitucionais estabelecidos. Estes são:

 A reprivatização realizar-se-á em regra e preferencialmente através de concurso


público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública (art. 293º, nº1, al. a) CRP
conjugado com o art. 6º LQP);
 As receitas obtidas com as reprivatizações serão utilizadas apenas para amortização da
dívida pública e do sector empresarial do Estado, para o serviço da dívida resultante de
nacionalizações ou para novas aplicações de capital no sector produtivo (art. 293o,
no1, al. b) CRP conjugado com o art. 16o LQP);
 - Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de
reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem
titulares (art. 293o, no1, al. c) CRP conjugado com o art. 19o LQP);
 - Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização adquirirão o direito à
subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social (art. 293o,
no1, al. d) CRP conjugado com o art. 12o LQP);
 - Proceder-se-á à avaliação prévia dos meios de produção e outros bens a
reprivatizar, por intermédio de mais de uma entidade independente (art. 293o, no1,
al. e) CRP conjugado com o art. 5o LQP).

O processo de (re)privatização de uma empresa, de harmonia com o art. 4o LQP, inicia-


se com a transformação da natureza jurídica da empresa que deverá assumir uma
forma jurídico- privada – sociedade anónima- no caso de ser uma empresa pública.

A LQP prevê, no seu art. 25o, a sua aplicação à reprivatização da titularidade das
empresas nacionalizadas que não tenham estatuto de empresa pública, procedendo-
se, nesse caso, às necessárias adaptações.

Nas operações de reprivatização de empresas públicas regionais, de harmonia com o


art. 17o, a iniciativa terá de partir do respectivo Governo Regional que deverá emitir
parecer favorável a essa operação. Neste caso, o produto das receitas das
reprivatizações será exclusivamente aplicado na amortização da dívida pública regional
e em novas aplicações de capital no sector produtivo.

A LQP exige ainda, de acordo com o seu art. 5o, que as empresas a reprivatizar sejam
avaliadas previamente por entidades independentes, escolhidos após concurso público
realizado para o efeito.

No entanto, a avaliação efectuada pela entidade independente não vincula o Governo


quanto ao preço de venda a praticar, podendo questionar-se se a opção tomada
garante a defesa do interesse patrimonial público.

O processo de privatização encontra-se condicionado pelos princípios gerais elencados


no art. 293o CRP.

Sem prejuízo da vinculação da administração pública, constitucionalmente


determinada pelo art. 266o, no2 CRP, a um conjunto de princípios fundamentais, a
LQP reitera que as privatizações devem reger-se pelos princípios da transparência, do
rigor e da isenção (art. 20o, no1 LQP).

Em cumprimento do art. 293o, no1, al. a) CRP, a LQP estabelece, no art. 6o, no2, as
modalidades de privatização:

 - Concurso público (art. 7o LQP);


 - Oferta na bolsa de valores;
 - Subscrição pública
O art. 6o, no3 LQP contempla ainda 2 modalidades excecionais:

o - Concurso limitado a candidatos especialmente qualificados (art. 6o, no3, al.


a) LQP);
o - Venda direta (art. 8o LQP).

Em ordem de convocar qualquer uma destas últimas modalidades, deve


verificar-se uma das condições previstas no no3, do art. 6o LQP:

 - Interesse nacional;
 - Estratégia definida para o sector o exijam;
 - Situação económico-financeira da empresa o recomende.

Após a escolha da modalidade de venda, determinada no decreto-lei que regula cada


processo de privatização, de harmonia com o art. 6o, no1 LQP, a reprivatização da
titularidade do capital social será efectuada através:

o - da alienação de acções (al. a));


o - pelo aumento do capital social da empresa (al. b));
o - por ambas as formas.

Tradicionalmente, o método mais utilizado nas privatizações tem sido o da


dispersão de acções e a ulterior cotação em bolsa envolvendo 2 componentes:

o - Oferta pública de venda destinada a investidores de retalho;


o - Colocação de acções junto de investidores institucionais através do método
de

bookbuilding.

O bookbuilding designa o processo de registo e anotação de intenções de


compra, na sequência de apresentações da empresa ou de encaminhamento
de investidores institucionais por pate de bancos de investimento. O conjunto
das intenções de compra reunidas constitui o livro (book).

Com base na informação constante desse livro, o Estado, após negociação com
os bancos líderes do sindicato de colocação, determina o preço e procede à
distribuição de acções aos diferentes investidores. Se o preço que pretender
obter não tiver tradução do livro, o Estado pode ser obrigado a reduzir o
preço, a dimensão reservada a bookbuilding ou até a adiar a operação.

Pode também suceder que, na mesma operação, seja exercida a chamada


greenshoe, que designa a opção de compra de uma quantidade adicional de
acções que é conferida pelo
Caso 2:

A empresa Porto Mar, E.P.E. dedica-se à exploração de portos marítimos.


Por considerar que tal atividade será prosseguida de forma mais eficiente por uma
entidade privada, o Governo pretende proceder à respetiva privatização.
Neste contexto, e à luz do regime aplicável, colocam-se as seguintes questões:
(i) É possível ao Governo alienar a totalidade do capital social desta empresa?
(ii) O facto de se tratar de uma entidade pública empresarial tem implicação no
âmbito do processo de privatização?
(iii) Em que situações poderia o Governo recorrer a uma venda direta?
(iv) Que utilização pode ser feita das receitas obtidas?

Importa ainda assinalar que compete ao Governo, casuisticamente, determinar a percentagem


de acções a alienar em cada fase do processo de privatizações. Tudo depender, afinal, da
opção do legislador. As condições finais e concretas da operação de reprivatização a realizar
serão aprovadas por Resolução do Conselho de Ministros, nos termos do art. 14o LQP.

O princípio da manutenção, no processo de reprivatização da empresa, de todos os direitos e


obrigações de que os trabalhadores forem titulares, previsto no art. 293o, no1, al. c) CRP, foi
reiterado no art. 19o LQP.

A CRP exige ainda, no seu art. 293o, no1 al. d) CRP, que os trabalhadores das empresas objecto
de reprivatização adquiram o direito à subscrição preferencial de uma percentagem do
respectivo capital social. Este direito é densificado no art. 12o LQP. Suscita-se aqui o problema
de qualificar a percentagem de capital social a reservar aos trabalhadores, bem como as
condições especiais a que subscrição deva atender. A Lei no 84/88 impunha uma percentagem
mínima de 20%, mas a LQP nada refere a este propósito.

1. O art. 6o, no3 LQP contempla ainda 2 modalidades excecionais:


o - Concurso limitado a candidatos especialmente qualificados (art. 6o, no3, al.
a) LQP);
o - Venda direta (art. 8o LQP).

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