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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SLGB
Nº 70061783023 (N° CNJ: 0370865-77.2014.8.21.7000)
2014/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO


ADMINISTRATIVO. PARALISAÇÃO DA OBRA POR
FALTA DE PAGAMENTO. RESCISÃO CONTRATUAL
POR CULPA DA CONTRATADA. MULTA APLICADA.
TERMO INICIAL. DATA DA INADIMPLÊNCIA DA PARTE
AUTORA. DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO PELO
CONTRATANTE DOS SERVIÇOS REALIZADOS E
MATERIAIS ADQUIRIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E
JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE O PAGAMENTO
PARCIAL EFETUADO EM ATRASO.
APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO ADEVISO
PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA
NO MAIS EM REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE
OFÍCIO.

APELAÇÃO CÍVEL PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70061783023 (N° CNJ: 0370865- COMARCA DE LAJEADO


77.2014.8.21.7000)

MUNICIPIO DE MARQUES DE APELANTE/RECORRIDO ADESIVO


SOUZA

VIGAS CONSULTORIA E RECORRENTE ADESIVO/APELADO


ENGENHARIA LTDA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento
ao apelo e dar parcial provimento ao recurso adesivo, confirmando a
sentença no mais em reexame necessário conhecido de ofício.
Custas na forma da lei.

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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes


Senhores DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE) E DES. NEWTON LUÍS
MEDEIROS FABRÍCIO.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2014.

DES. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK,


Relator.

RELATÓRIO
DES. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK (RELATOR)
Trata-se de recursos interpostos por ambas as partes da
sentença que julgou parcialmente procedente a ação proposta por VIGAS
CONSULTORIA E ENGENHARIA LTDA em face do MUNICÍPIO DE
MARQUES DE SOUZA.
Em suas razões recursais, alega o Município que descabe a
condenação ao pagamento da diferença encontrada entre a perícia judicial e
o montante pago a empresa, na medida em que o laudo técnico contabiliza o
material depositado no pátio da empresa, ou seja, ainda não utilizado na
obra. Salienta que a rescisão contratual é plenamente possível nos casos
em que há atraso na realização das obras. Postula o provimento do recurso.
Por sua vez, a recorrente adesiva sustenta que não se aplica
ao caso concreto o inc. XV do art. 78 da Lei 8.666/93 por dois motivos: 1)
visto que executou as duas primeiras etapas da obra e nada recebeu e 2)
por se tratar de contrato de obra e não de concessão de serviço público.
Requer a anulação da multa aplicada e a declaração de ilegalidade da
rescisão contratual. Alternativamente, postulou multa de 8% incidente
somente sobre o saldo remanescente, atualizada desde a data da sua
aplicação (02/05/2011), assim como incidência de juros a contar do
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inadimplemento e, por fim, postula que a correção monetária e os juros


incidam até a data do pagamento parcial, ocorrido em 24/05/2012 e só
depois descontado o valor da multa. Requer o provimento do recurso.
Apresentadas contrarrazões aos recursos às fls. 264-8 e 269-
72.
Subiram os autos a esta Corte para julgamento.
O Ministério Público exarou parecer opinando pelo
desprovimento dos recursos.
É o relatório.

VOTOS
DES. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK (RELATOR)
Conheço dos recursos, porquanto atendidos os requisitos de
admissibilidade recursal.
Ainda, conheço de ofício do reexame necessário, nos termos
do art. 475, inc. I, do CPC.
Analisando os autos, tenho que a decisão prolatada pela douta
magistrada, Dra. Débora Gerhardt de Marque, muito bem apreendeu e
enfrentou os fatos, em sua maior parte, aplicando o melhor direito, razão
pela qual, para evitar tautologia, peço vênia para transcrevê-la e integrá-la
ao meu voto como razão de decidir, exceto em relação às modificações que
lanço abaixo do seu teor:
Trata-se de ação ajuizada pela empresa autora com o
intuito de buscar a declaração de nulidade de multa que lhe
foi imposta pelo Município de Marques de Souza, em
decorrência da paralisação das obras de construção de
uma praça pública, objeto de contrato de prestação de
serviços n. 37/2010. Além disso, visa a condenação da
Municipalidade ao pagamento pelos serviços executados,
no valor de R$ 51.058,21, além de indenização pela
rescisão unilateral do contrato no valor de R$10.517,24,

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referente ao lucro que auferiria com a execução completa


do contrato, acrescido de juros e correção monetária.
É incontroverso que as partes firmaram contrato de
prestação de serviços para execução de obra, a construção
de praça pública, com área total de 2.335,88m²,
compreendendo material e mão-de-obra, nos termos do
instrumento acostado às fls.18-25.
Em sua tese defensiva, o ente demandado arguiu que
a autora paralisou as obras por falta de pagamento, ao que,
diante da negativa em retomar a execução da mesma, o
Município não teve outra alternativa senão a rescisão
contratual e a aplicação das penalidades cabíveis na
espécie. O ente requerido, ainda, alegou que o pagamento
à autora se daria apenas após a liberação dos recursos
pelo Ministério do Turismo, através do agente financeiro da
Caixa Econômica Federal.
A teor do laudo pericial realizado no curso da instrução
do presente feito, restou demonstrado nos autos que os
serviços executados pela empresa autora e constantes na
Planilha Orçamentária do processo licitatório alcançam a
soma de R$ 29.326,31. Além disso, o perito apurou a
importância de R$ 17.428,15 referente a serviços
executados pela demandante, mas que não constavam no
orçamento original, além de materiais que estão
depositados no Posto de Saúde (ao lado da praça) e na
empresa autora (fls.160-166).
Em relação às condições do imóvel, o expert assinalou
que:
A obra está paralisada, com os itens descritos acima
considerados executados e alguns materiais já
entregues e/ou depositados. Destes serviços, alguns
que não receberam o acabamento final e/ou não foram
executados, como pintura sobre o reboco, telhado
sobre a laje, e estão expostos ao tempo, podendo ter
sua vida útil abreviada. No mais, os serviços
verificados e os materiais estocados estão em regular
estado de conservação e podem ser retomados e
utilizados a qualquer tempo. (fl.164)

Outrossim, com base no boletim de medição e na


cópia da nota fiscal de serviços da empresa autora (fls.26 e
27), o expert informou que, originalmente, houve a
aprovação de R$ 28.749,05 pelo ente demandado (fl.166).

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Contudo, até o ajuizamento do presente feito, a


empresa nada havia recebido, o que, aliás, não foi
contestado pelo Município.
Somente em 24 de maio de 2012 – ou seja, quase
dois anos após a medição realizada pelo fiscal do Município
requerido, datada em 16/07/2010 (fl.26), e a emissão da
nota fiscal da fl.27, datada em 16/07/2010 –, é que a
empresa autora recebeu a quantia de R$ 25.687,04 do ente
demandado (fl.148 dos autos).
Com efeito, em 08/10/2010, a demandante informou
ao ente púbico, mediante notificação extrajudicial da fl.28,
que havia suspendido o seguimento da execução da obra,
em 01/09/2010, em face da falta de pagamento.
O ente demandado, por sua vez, promoveu a rescisão
do contrato e impôs à autora o pagamento de multa no
percentual de 8% sobre o valor do ajuste, ou seja, R$
8.288,31.
Com efeito, pode a Administração rescindir
unilateralmente contrato por inadimplência do contratado,
bem como é admissível a imposição de multa. Contudo,
exige-se justa causa e oportunidade de defesa para
rompimento do ajuste, pois a rescisão administrativa não é
discricionária, mas vinculada aos motivos que a norma legal
ou o contrato consignam como ensejadores dessa
excepcional distrato, como pondera Hely Lopes Meirelles, in
Licitação e Contrato Administrativo, Ed. Malheiros, 13.ª
ed., p.254.
No caso dos autos, houve obediência ao princípio do
contraditório e do devido processo administrativo, haja vista
as cópias que instruem o presente feito.
Da mesma forma, a prova constante no feito não deixa
qualquer dúvida de que a empresa autora realizou parte
dos serviços contratados, não havendo o Município
efetuado, de imediato, a contraprestação pelos serviços
efetivamente realizados.
No entanto, de acordo com a doutrina moderna, a
exceptio non adimplenti contractus é aplicável em favor da
contratada, mas em nome do princípio da continuidade, é
aplicável de forma diferenciada: é aplicável a partir de 90
dias. Isso está previsto no artigo 78, inciso XV, da Lei n.
8.666/93:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
[...]
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos
pagamentos devidos pela Administração decorrentes
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de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas


destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de
calamidade pública, grave perturbação da ordem
interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito
de optar pela suspensão do cumprimento de suas
obrigações até que seja normalizada a situação;

De acordo com a doutrina, ainda, a cláusula exceptio


non adimpleti contractus incide após o prazo de noventa
dias de atraso dos pagamentos devidos pela
Administração, não devendo o contratado suportar tal
inadimplemento, quando a execução do contrato ficar
realmente impossibilitada pela ausência de recursos e
quando a suspensão dessa execução não ofender
diretamente o interesse público.
Por ilustrativo, nesse sentido, destaco os julgados que
seguem:
ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO – FORNECIMENTO DE
ALIMENTAÇÃO A PACIENTES, ACOMPANHANTES
E SERVIDORES DE HOSPITAIS PÚBLICOS –
ATRASO NO PAGAMENTO POR MAIS DE 90 DIAS –
EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO – ART.
78, XV, DA LEI 8.666/93 – SUSPENSÃO DA
EXECUÇÃO DO CONTRATO – DESNECESSIDADE
DE PROVIMENTO JUDICIAL – ANÁLISE DE
OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL:
DESCABIMENTO – INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO
CPC – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULA
284/STF – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 126, 131, 165 E
458, II, DO CPC: INEXISTÊNCIA.
(...)
4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais
sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou
não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti
contractus contra a Administração, ante o teor do art.
78, XV, do referido diploma legal. Por isso,
despicienda a análise da questão sob o prisma do
princípio da continuidade do serviço público.
5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os
pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias,
pode o contratado, licitamente, suspender a execução
do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a
tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei
8.666/93 lhe garante tal direito.

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6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa


parte, provido. (REsp 910802 / RJ)

ADMINISTRATIVO -CONTRATO DE PRESTAÇÃO


DE SERVIÇO - FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO
A PACIENTES, ACOMPANHANTES E SERVIDORES
DE HOSPITAIS PÚBLICOS - ATRASO NO
PAGAMENTO POR MAIS DE 90 DIAS -EXCEÇÃO
DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO -ART. 78, XV, DA
LEI 8.666/93 - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DO
CONTRATO -DESNECESSIDADE DE PROVIMENTO
JUDICIAL -ANÁLISE DE OFENSA A DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL: DESCABIMENTO -
INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC -
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE -SÚMULA 284/STF
-VIOLAÇÃO DOS ARTS. 126, 131, 165 E 458, II, DO
CPC: INEXISTÊNCIA.
1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial,
analisar possível ofensa a dispositivo constitucional.
2. Incide a Súmula 284/STF se o recorrente, a pretexto
de violação do art. 535 do CPC, limita-se a fazer
alegações genéricas, sem indicação precisa da
omissão, contradição ou obscuridade do julgado.
Inúmeros precedentes desta Corte.
3. Acórdão suficientemente fundamentado não
contraria os arts. 126, 131, 165 e 458, II, do CPC.
4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais
sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou
não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti
contractus contra a Administração, ante o teor do art.
78, XV, do referido diploma legal. Por isso,
despicienda a análise da questão sob o prisma do
princípio da continuidade do serviço público.
5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os
pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias,
pode o contratado, licitamente, suspender a execução
do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a
tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei
8.666/93 lhe garante tal direito.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa
parte, provido.
(STJ - REsp 910802 RJ 2006/0273327-0 - T2 –
SEGUNDA TURMA. Relator(a): Ministra ELIANA
CALMON Publicação: DJe 06/08/2008)

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Sobre o tema, Fernanda Marinela leciona que:

Sendo assim, durante o prazo de noventa dias, ainda


que a Administração não pague, o contratado deve
continuar prestando o serviço, podendo suspendê-lo,
inclusive de forma automática, se após esse prazo, a
Administração continuar inadimplente. Ressalte-se que
a suspensão autorizada pela lei permite que o
contratado deixe de prestar o serviço, todavia, se ele
desejar a rescisão do contrato, deverá recorrer à via
judicial. Logo, a cláusula da exceptio non adimpleti
contractus não se se aplica de imediato, mas sim, a
partir de 90 (noventa) dias, isto é, de forma
diferenciada1.

No caso em tela, contudo, a autora não observou o


prazo previsto no artigo supracitado para suspensão do
cumprimento de suas obrigações até que fosse
normalizada a situação. Decorrido aproximadamente a
metade do período fixado no dispositivo, a autora já havia
suspendido os trabalhos.
Ainda, em que pese a construção de uma praça –
como é o caso dos autos – não diga respeito à prestação
direta de um serviço público – o que estabeleceria a
possibilidade da contratada invocar perante a
Administração o princípio da exceção do contrato não
cumprido –, não há nos autos prova de que a contratada
tenha, antes do prazo supracitado, ficado impedida de dar
continuidade ao contrato por força da falta de pagamento.
A propósito, leciona Carvalho Filho:

O dispositivo, como se vê, parece considerar que,


antes dos 90 dias, não possa o particular reclamar do
atraso nos pagamentos. Entendemos, entretanto, que,
em situações especiais, se o prejudicado, mesmo
antes desse prazo, ficar impedido de dar continuidade
ao contrato por força da falta de pagamento, tem ele
direito à rescisão do contrato com culpa da
Administração. Fora daí, é admitir-se a ruína do
contratado por falta contratual imputada à outra parte,
o que me parece ser inteiramente iníquo e injurídico2.
1
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011, p.453.
2
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.190.
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Assim, considerando que a empresa autora não


comprovou nos autos que, por força do inadimplemento do
ente demandado, ficou impedida de dar continuidade ao
contrato, não pode arguir que a rescisão do contrato se deu
por culpa da Administração. Desse modo, adequada é a
multa fixada pela municipalidade em desfavor da
demandante.
Além do mais, forte nos princípios que norteiam o
Direito Administrativo, a autora deveria ter cumprido suas
obrigações, até porque não haveria prejuízo a ela, já que a
lei prevê mecanismos indenizatórios, para que não
ocorresse locupletamento. Afinal, por óbvio, também não
poderia a autora financiar a Administração Pública sem o
devido pagamento da obrigação assumida, já que o
contrato teve previsão orçamentária.
Por essa razão, inclusive, também não merece ser
acolhido o pedido de condenação do ente demandado ao
pagamento de indenização pela rescisão unilateral do
contrato, no valor de R$ 10.517,24, referente ao lucro que
auferiria com a execução completa do ajustado, acrescido
de juros e correção monetária.
Não obstante isso, estando parcialmente cumprido o
contrato pela empresa autora, a teor da prova documental e
da pericial constante nos autos, ainda restando pendente
de pagamento parte dos serviços e materiais, é de ser
reconhecido como devido o pagamento correspondente.
É incontroverso nos autos que a empresa autora
recebeu do ente demandado a quantia de R$ 25.687,04,
em 24 de maio de 2012 (fl.148 dos autos). Assim,
considerando o lapso temporal transcorrido entre a
realização da obra e a data do pagamento, é de ser
admitido o pedido de incidência de correção monetária
juros sobre a parcela.
A propósito, o Código Civil, em seu artigo 389,
disciplina que não cumprida a obrigação, responde o
devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
No mesmo sentido, é pacífico no Superior Tribunal de
Justiça que o atraso no pagamento do preço ajustado
constitui ilícito contratual, sendo devida a correção
monetária desde o vencimento da obrigação, quando esta
deveria ter sido cumprida, haja vista o enunciado da súmula

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43: incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a


partir da data do efetivo prejuízo.
Todavia, o contrato, em sua cláusula “7.1”, previa o
pagamento das parcelas segundo o cronograma físico-
financeiro, desde que verificados e certificados pela
fiscalização através da competente medição, ajustados ao
montante da proposta. Já a cláusula “7.5”, esclarece que os
pagamentos seriam efetivados, pela Caixa Econômica
Federal, mediante apresentação da fatura e laudo de
medição emitido pelo Setor de Engenharia do Município,
além dos documentos citados.
Em sendo assim, considerando que o ente
demandado não trouxe aos autos qualquer elemento que
comprovasse a culpa da autora ou de terceiro no repasse
das verbas, é de ser admitida a correção monetária, pelo
IGP-M, a contar de 16 de julho de 2010 – quando da
emissão da fatura.
Os juros de mora, por sua vez, deverão incidir em
percentual equivalente a 1% ao mês, a contar da citação,
por força do artigo 406 do Código Civil, conjugado com o
artigo 161, §1.º, do CTN. Esclareço ser inaplicável ao
presente feito o disposto no artigo 1.º-F, da Lei n. 9494/97,
haja vista a demanda não versar sobre verba
remuneratória, mas de condenação decorrente de
inadimplemento contratual.
ANTE O EXPOSTO, forte no artigo 269, inciso I, do
Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes
os pedidos da presente ação ordinária ajuizada por VIGAS
CONSULTORIA E ENGENHARIA LTDA em desfavor de
MUNICÍPIO DE MARQUES DE SOUZA, ao que:

Como se vê, estava explícito no contrato firmado pelas partes


que a obra seria realizada com base em Contrato de Repasse firmado com a
União, ou seja, os pagamentos dependeriam da liberação dos recursos da
Caixa Econômica Federal, sendo ônus da parte autora acompanhar o
processo liberatório e, se não o fez, e começou a obra antes mesmo de
liberados os recursos, o fez por conta própria, assumindo os riscos
decorrentes, não podendo alegar agora torpeza da administração pública em
sua defesa, inexistindo inaplicabilidade da regra do inc. XV do art. 78 da Lei
8.666/93 ao caso concreto, por tal motivo.
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De outra banda, não se pode falar em inaplicabilidade da dita


norma ao contrato de obra em tela, por ser de curto prazo, já que a
legislação não faz distinção entre contrato de obra e concessão de serviço
público; pelo contrário, a norma mencionada refere expressamente que se
aplica a obras.
Não obstante, a rescisão do contrato ocorreu por força do
descumprimento parcial da empresa contratada que, paralisou a obra,
alegando atraso no pagamento por parte do Município.
Dessa forma, deve haver o pagamento dos serviços
executados, assim como dos materiais já adquiridos que se encontram
depositados no Posto de Saúde e na sede da empresa, devendo ser
entregues na Prefeitura.
Destarte, a rescisão se deu por culpa exclusiva da contratada
e, em tendo ocorrido, primeiro, o atraso na execução do contrato, para, só
depois, ter sido rescindido o instrumento contratual, é a contratada devedora
da multa, conforme expressamente previsto no Contrato.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS Á EXECUÇÃO. MULTA
APLICADA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EM
RAZÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA DA
CONTRATADA. Tendo a contratada dado causa à rescisão
contratual e tendo, antes de rescindido o contrato,... Ver
íntegra da ementa atrasado a execução da obra contratada,
cabível a multa que lhe vem sendo executada, em face da
expressa previsão no instrumento de contrato e na lei
federal que regulamenta a matéria. Lei nº 8.666/93. Apelo
provido. (Apelação Cível Nº 70018482448, Primeira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos
Roberto Lofego Canibal, Julgado em 25/04/2007).

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Ainda, em relação à sanção pecuniária, correta a aplicação


sobre o valor do ajuste, não havendo falar em aplicação sobre o saldo
remanescente.
Todavia, no que diz respeito ao questionamento quanto à data
da multa, assiste parcial razão ao recorrente adesivo, pois a data da sua
incidência não pode retroagir a 16 de julho de 2010, mas não por ter a
sanção sido cominada em 02 de maio de 2011, como pretende o recorrente,
mas sim porque deve retroagir ao dia 1º de setembro de 2010, data do
inadimplemento da empresa autora, conforme notificações extrajudiciais de
fls. 28-9, nas quais a empresa noticia que paralisou a execução da obra na
aludida data.
Nesses termos, a multa deve ser abatida tão somente a partir
do dia 1º de setembro de 2010, impondo-se a retificação do cálculo da
multa.
Com referência aos juros e correção monetária fixados na
sentença sobre os valores não pagos, ou seja, a diferença existente entre o
valor apontado no laudo pericial (R$ 46.754,46) e aquele já recebido pela
demandante (R$ 25.687,04), admitido o desconto do valore relativo à multa,
correta a atualização monetária pelo IGP-M desde 16 de julho de 2010 e
juros de 1% ao mês a contar da citação, como bem fixado na sentença.
Em relação ao apelo contra ausência de fixação de correção
monetária/juros sobre os valores adimplidos após o ajuizamento da ação
(em atraso), assiste razão ao recorrente adesivo, pois o Município de
Marques de Souza realizou o pagamento da quantia de R$ 25.687,04
somente no dia 24 de maio de 2012, ou seja, efetuou o pagamento parcial
com quase dois anos de atraso, sem qualquer incidência de correção
monetária e juros moratórios, razão pela qual não se pode tão somente
subtrair este valor total, uma vez que esse já era bem superior à ocasião do

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pagamento, devendo ser provido o apelo nesse ponto, para assentar que a
correção monetária e juros moratórios sobre o valor do total (R$ 46.754,46)
correm até a data do pagamento parcial (24 de maio de 2012), para então
descontar o valor da multa.
Por fim, dou por prequestionados os dispositivos legais
invocados pelas partes, com a finalidade de evitar eventual oposição de
embargos de declaração tão somente com esse propósito, salientando que
o juiz não está obrigado a se manifestar acerca de todos os artigos de lei
articulados na demanda, bastando que a decisão proferida esteja devida e
coerentemente fundamentada.
Ante o exposto, nego provimento a apelação e dou parcial
provimento ao recurso adesivo, nos termos acima expostos, confirmando a
sentença no mais em reexame necessário conhecido de ofício. Mantidos os
ônus sucumbenciais, na forma fixada na sentença.

DES. NEWTON LUÍS MEDEIROS FABRÍCIO (REVISOR) - De acordo com


o(a) Relator(a).
DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. IRINEU MARIANI - Presidente - Apelação Cível nº 70061783023,


Comarca de Lajeado: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO
APELO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.
SENTENÇA CONFIRMADA NO MAIS EM REEXAME NECESSÁRIO
CONHECIDO DE OFÍCIO."

Julgador(a) de 1º Grau: DEBORA GERHARDT DE MARQUE

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