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processo penal*
* Ney Messias e o Ensino do Processo Penal foi o tema abordado pelo prof. Plínio de
Oliveira Corrêa, em 21.06.99, no Ciclo de Conferências sobre a "Influência da Faculdade de
Direito da UFRGS na Política e nas Letras Jurídicas", que a Gestão do Centenário da "Casa
de Thompson Flores e André da Rocha" promoveu no período de 05.04.99 a 19.07.99,
tendo por local o Salão Nobre da Faculdade de Direito.
**Professor adjunto e diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, gestão 2000/04.
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unânime dos especializandos, registrou tão humana e tão cativante, tão rica e
esta dedicatória em edição especial de tão múltipla em profundidade e extensão
obra que publicara: cultural que, se de um lado facilita, de
outro dificulta ao expositor.
Dedicamos este livro à 1 a turma do Essa foi a explicação dada por
Curso de Especialização em Ciências diversos convidados, que agradecendo
Penais da Faculdade de Direito da
ao honroso convite, alegaram a
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, agradecendo a homenagem contida impossibilidade de tratar dos inúmeros
na outorga da Medalha Professor Ney "Neys" em tão curto espaço de tempo.
Messias, cuja honra estamos repartindo Então -e por exclusão -é que esta
com os demais professores do curso. "missão impossível" coube a quem
E a parte que nos toca nesta divisão, apenas teye o privilégio de ter sido seu
desejamos transferir à memória do
discípulo, seu paraninfado, seu amigo
imortal Jurista que dignificou a Cultura,
o Magistério e as Letras Jurídicas - o
pessoal, seu colega de escritório, seu
próprio professor Ney Messias. assistente na cátedra e modesto
continuador de suas brilhantes aulas de
Anteriormente, a turma de 1965 já processo penal.
o escolhera como paraninfo, cuja sole- E mesmo diante das dificuldades
nidade de formatura marcou época pelos apontadas, vamos iniciar dizendo que o
corajosos pronunciamentos em favor do nosso homenageado nasceu a 24 de
Estado de Direito e da Ordem Demo- setembro de 1913, em São João Baptista
crática, incluindo o significado político do Quarahy, neste Estado; viveu em
do lema: Cedam as Armas à Toga. U ruguaiana, Santa Maria e Porto
Agora, passados quase trinta anos Alegre, onde faleceu em 23 de janeiro
do seu falecimento, os nossos de 1970. Foi casado com Dona Ondina
corações continuam a ouvi-lo [. ..], Dornelles Messias, de cuja união
pois espíritos especiais e privilegiados resultou o nascimento de dois filhos:
não passam desapercebidos pela Sérgio Domelles Messias, conceituado
estrada da vida, e seu exemplo e seus médico psicanalista, e Gladys Messias
ensinamentos costumam se perpetuar, de Figueiredo, dedicada professora de
estendendo-se para muito além do Letras; Bacharelou-se em Direito e
horizonte do tempo ... Filosofia por esta Universidade; cursou
E dentre os nomes ilustres que a Escola Superior de Guerra no Rio de
fizeram a história deste templo, onde se Janeiro; foi advogado militante; escritor
ministra o Evangelho do Direito, o de exímio; jornalista atuante e diretor de
Ney Messias é, certamente, o mais fácil jornal; chefe do departamento jurídico
e o mais difícil de se discorrer. Sua do Clube, que mais venceu gre-nais e
personalidade foi tão marcante e tão que mais conquistou campeonatos
retilínea, tão límpida e tão transparente, gaúchos de futebol; membro do
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o único que consagra claramente o prin- Processo Penal. Três anos antes, em 1938,
cípio da provocação jurisdicional e que, foi editado o Código de Justiça Militar,
somente agora, a Constituinte de 1988 revogado, em 1969, pelo vigente Código
instituiu o preceito do artigo 129, inciso I, da de Processo Penal Militar, instituído
nossa lei maior, que sepultou, definiti- pelos três ministros militares, da época,
vamente~, o inquisitorialismo judiciário no que assumiram o poder central face a
sistema processual penal brasileiro. enfermidade do presidente Costa e
Silva, e o fizeram, ainda, com base nos
3. Postulação por um código atos institucionais n. 0 5 e n° 16.
votado pelo poder legislativo Tal situação sempre mereceu as mais
e a crítica ao anteprojeto acirradas críticas do professor Messias,
Tornaghi que defendia uma reforma sistemati-
zada do -nosso atual diploma, mas
Dentre muitas preocupações do através do Poder Legislativo e mediante
mestre com o ensino do Processo o encaminhamento ao Congresso Na-
Penal, cabe destacar o fato de que até cional de um projeto de lei que
então (e continua) não possuíamos um consultasse as aspirações do mundo
Código de Processo Penal que tivesse jurídico e atendesse à evolução
passado pelo Poder Legislativo. científica do Direito Processual.
Todos os diplomas resultaram de ato Por solicitação do sr. João
exclusivo do Poder Executivo. Foi assim Mangabeira, ministro da Justiça, veio,
com o Código de Processo Criminal de então, em 1963, o anteprojeto de código
1832, bem como com as reformas de elaborado pelo professor Hélio Bastos
1841 e de 1871. Com o advento da Tomaghi que, inobstante a autoridade e
Constituição de 1891, se implantou no o renome do seu autor, pecava por
país o princípio da descentralização excesso de conceitos e definições dos
processual, permitindo que os Estados institutos, esquecendo que tal mister
legislassem sobre Direito Processual. deveria ser obra da doutrina e não de
um código, destinado a regular
E o Rio Grande do Sul foi o Estado que
objetivamente as inúmeras e complexas
promulgou o 1o Código Estadual de
situações jurídicas dentro do processo.
Processo Penal, em 1898, seguindo-se, em
Este pecado original - conceitua-
regra, os demais Estados da Federação.
lismo e excesso de definições - logo
Com a Revolução de 1930 adveio a
foi percebido e apontado pela crítica
Constituição de 1934, que restabeleceu o
aguda do nosso professor, cabendo
princípio da unidade processual, concen-
ressaltar, entre tantos outros, os
trando na União, como ocorre até hoje, o
seguintes dispositivos do anteprojeto:
poder de legislar sobre Direito Processual.
Assim, em 1941, foi promulgado -O artigo 43, dava a definição oficial de
pelo Poder Executivo o atual Código de relação processual;
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- O artigo 82, definia o que se deveria projetas originais, que tomou o N. 0 1.655,
entender por pressupostos processuais; sendo abandonado mais uma vez.
- Os artigos 177 a 183 e 196, Em 1994 o Poder Executivo ensaiou
conceituavam fato, ato e negócio outra tentativa, remetendo ao Con-
processual, bem como ato discricionário gresso Nacional um pacote de 17 pro-
e ilegalidade;
jetas, visando a reformas parciais do
-Os artigos 300 e 308, apresentavam atual código que, transcorrido algum
uma noção do que se deveria entender
tempo e com exceção de um deles,
por documento e indícios. E assim por
diante.
também foram relegados por inconsti-
tucionais, naquilo que o próprio Governo
Esta crítica procedente ao alterou da proposta elaborada por uma
anteprojeto Tornaghi generalizou-se, e comissão de juristas.
após 1964 foi definitivamente afastado E assim é que continuamos com o
pelo regime autoritário, sendo substi- vetusto e cada vez mais assistemático
tuído pelo anteprojeto do professor José Código, editado pelo Poder Executivo
Frederico Marques, que, depois de há mais de meio século, sem que fosse
revisado, foi encaminhado primeira- ouvida a postulação do professor Messias,
mente à Câmara dos Deputados e trans- bradando por uma lei processual penal
formado no Projeto de Lei N. 0 633/75. que resultasse do óbvio, isto é, uma
Este projeto, após receber emendas lei votada pelo Poder Legislativo.
e sugestões do mundo jurídico brasileiro, Neste particular, a indevida
foi aprovado por unanimidade na intromissão do Executivo e a inex-
Câmara dos Deputados e, quando já plicável omissão do Legislativo, têm sido
tramitava no Senado Federal sob o n. 0 agravadas pela indiferença da doutrina,
05/78, foi retirado, inexplicavelmente, retratada nesta constatação de
pelo Poder Executivo para estudo, e Camelutti, lembrada, aliás, nas lições do
continua até hoje sendo estudado pelo nosso homenageado:
esquecimento oficial.
Era uma vez três irmãs que tinham
Seguindo a mesma orientação do
em comum, pelo menos, um de seus
Projeto N. 0 633, em 1979 o deputado progenitores: chamavam-se ciência do
Sérgio Murilo, que havia presidido a direito penal, ciência do processo
Comissão Especial que estudou o penal e ciência do processo civil.
preterido projeto, o reapresentou sob N. 0 Ocorreu que a segunda, em
1.268, mas o mesmo foi arquivado na comparação com as outras duas, que
eram mais belas e prósperas, teve uma
legislatura seguinte.
infância e uma adolescência infelizes.
Em 1983, através da Mensagem Com a ciência do direito penal coube-
Presidencial N. o 241, o Governo lhe dividir durante muito tempo a
encaminhou outro projeto de código, mesma habitação; e aquela reteve
conservando as linhas mestras dos dois para si o bom e o melhor. ..
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condições da ação civil, referidas por necessário para que, das parcialidades
Chiovenda, mas adaptadas magistral- da acusação e da defesa, vença aquela
mente por Liebman. que está marcada por um interesse
legítimo. Isto é fazer justiça segundo
Pois bem, neste conflito doutrinário
uma programação oficial, segundo um
sobre a natureza jurídica da ação, o
desejo, uma opção especialissima do
professor Messias, simplificando toda grupo social, revelada na legislação.
essa infindável discussão, publicou, há Um juiz pode ser sábio, mas se ele,
meio século, um estudo intitulado Direito ainda que remotamente, tiver
subjetivo e conceito da ação penal, determinados interesses coincidentes
concluindo que a ação nada mais era com os interesses que estão discutindo,
do que o direito à provocação juris- ele corre o risco da parcialidade.
dicional, isto é, o direito subjetivo à
prestação judicial pela sentença, que, só No gue diz respeito à constituição
recentemente, a evolução científica do dos membros integrantes dos nossos
Direito Processual chegou ao mesmo tribunais, o professor defendia a tese que
entendimento. deveria obedecer à seguinte composição:
Graças à orientação do mestre,
- 1/3 dos juízes, advindo da magistratura,
desenvolvemos estudo complementar
- 1/3, provindo do Ministério Público,
sobre a teoria da ação penal, mais pro-
priamente a respeito de sua qualificação - 1/3, indicado pela Ordem dos Advogados.
distintiva, isto é, as condições para o seu
exercício, divididas, sistematicamente, Tal constituição deveria resultar da
em condições gerais, especiais e formais. escolha exclusiva dos três órgãos
representativos, sem qualquer inter-
5. Constituição dos tribunais ferência política, que lhe retira a
independência e restringe a confiança
A mesma isenção que deve infor- dos jurisdicionados.
mar o objeto interno do processo, na Com esta composição de pesos e
investigação do tema penal, deve orientar contrapesos, certamente, acabaria não
externa e institucionalmente a constitui- só com o polêmico controle da Magis-
ção dos órgãos jurisdicionais, na distri- tratura, mas com os apadrinhamentos
buição da Justiça, sejam eles juízos político-partidários, numa escandalosa
monocráticos, sejam eles juízos colegia- deturpação da filosofia franciscana do
dos, pois, como ensinava o prof. Messias: é dando que se recebe.
Mas, como o juiz não é Deus nem Francisco Brochado da Rocha, que
testemunha (e se o fosse seria ouvido iniciou a revolta vitoriosa de 1930, tendo
como tal) necessita, primeiro e através sido ferido gravemente.
do processo, ouvir testemunhas, ordenar Nem vamos rememorar, em nível
perícias e demais diligências, para estadual, a bravura dos revolucionários
depois, então, decidir com justiça. de 1893 e de 1923, na busca de ideais
Desta forma, o processo atinge o que, a final, foram alcançados,
seu fim, quando o juiz dá início à respectivamente, com os Pactos de
atividade jurisdicional, elaborando a Pelotas e de Pedras Altas.
sentença. É por isso, que somente Mas vamos sublinhar, isto sim,
depois de encerrada a instrução apenas três fatos nacionais e históricos,
processual e feitas as alegações finais que definem a índole libertária desta
pelas partes, que os autos são conclusos brava gente que, quando unida em torno
ao juiz para a sentença, isto é, para que das mesmas idéias, sempre venceu a
a jurisdição atinja o seu ideal com a todos os obstáculos:
sentença justa.
-a Revolução Farroupilha de 1835, que
levou esta Província às últimas
7. Direito de resistência e de
conseqüências, chegando até a
rebeldia proclamação da República do Piratini,
cuja pacificação só ocorreu depois de
Inobstante esta Casa tenha nascido dez anos de luta, com o Tratado do
sob o manto político da filosofia Ponche Verde.
positivista, que pregava submissão à -a Revolução de 1930, que remodelou
ordem legal, os continuadores e os costumes e a fisionomia política
desta Nação;
depositários desta tradição cultural
-o Movimento da Legalidade de 1961,
souberam consolidar a sua indepen-
em respeito à Constituição e à vontade
dência de qualquer outra influência que livre e democrática do eleitorado
não fosse o livre compromisso com a brasileiro.
Ciência do Direito, fazendo jus ao nome
com o qual batizaram esta Instituição Pois bem, esse direito de resistência
de "Faculdade Livre de Direito". e de rebeldia - pregado por Santo
E não poderia ser de outra forma, Tomás na Summa Teológica, no século
pois o povo gaúcho é o mais politizado XIII; difundido por John Locke, no
deste país, e por isso mesmo não século XVII; proclamado pela
suporta conviver com leis iníquas e Declaração dos Direitos do Homem e
muito menos com governos despóticos. do Cidadão em 1789 (art. II); valorizado
Para tanto, não vamos recordar pela melhor doutrina contemporânea;
atitudes pessoais, embora heróicas, aceito pelas constituições modernas,
como a do consagrado professor como a alemã (art.20) e a portuguesa
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