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LUZ

8 MARÇO 2024
REVISTA
DO NASCER
DO SOL

ÓSCARES
ORIGEM,
RECORDES E
CONTROVÉRSIAS:
A CERIMÓNIA
MAIS DOURADA
DA SÉTIMA ARTE

RAQUEL
TILLO
Uma atriz versátil:
BRUNO GONÇALVES

“Sou feliz a trabalhar!”


SUMÁRIO
8 MAR

NAS REDES
Georgina Rodríguez
e Cristiano Ronaldo ‘desfilam’
na Semana da Moda de Paris

OBITUÁRIO ENTREVISTA
Iris Apfel, o ícone da moda Raquel Tillo,
carregado de amor próprio uma atriz versátil
despediu-se aos 102 anos

12 14

MOTOCICLISMO RETRATOS CONTADOS


O Mundial de MotoGP vai Simone de Oliveira,
arrancar e passa por Portimão uma mulher incomum
ainda neste mês de março

26 46

2 LUZ | 8 MARÇO 2024


NotíciasFlix

Passaram 113 anos


– Laura Ramires
EDITORIAL

Beatriz Ângelo fez o voto que ficou para a


história em maio de 1911. Hoje seria muito
provavelmente uma influencer influente.

C
arolina Beatriz Ângelo seria possivelmente
uma influencer de sucesso nas redes sociais
nos dias de hoje. Podíamos imaginar
até um podcast em nome próprio,
já que apenas as datas do seu nascimento
e da sua morte (1878-1911) são prova de que não
pertenceu ao século XXI.
Mulher à frente do seu tempo, presumimos que o
nome que escolheria para o seu perfil seria apenas
Beatriz Ângelo, como assim era tratada pelos seus mais
próximos. Já no LikedIn apresentar-se-ia como a pri-
meira médica cirurgiã (1902) e a primeira mulher a vo-
tar em Portugal. Passaram-se 113 anos desde a sua vo-
tação histórica, então para a Assembleia Nacional
Constituinte e só resta continuar a supor como hoje
contaria para os seus ouvintes do Spotify a reação dos
homens à inédita presença feminina.
Certamente que a fotografia daquele 28 de maio de
ÓSCARES 1911, ao lado de Ana Castro Osório (filha do juiz que
Histórias e premiados deu razão a Beatriz Ângelo, depois de a médica ter
dado entrada no tribunal na luta pelo direito ao voto, já
da cerimónia mais que se enquadrava nos parâmetros exigidos pela lei, in-
dourada da sétima arte vocando o estatuto de chefe de família depois da mor-
te do seu marido), também renderia uma quantidade
assinalável de likes, numa publicação com a devida
localização identificada: freguesia de Arroios.
Atualmente tem o nome diretamente associado
20 ao Hospital Beatriz Ângelo, mas é de notar o trabalho
cirúrgico na luta pelos direitos das mulheres.
Dia 8 de março, o Google alerta para a comemoração
E TAMBÉM ESTA SEMANA do Dia Internacional da Mulher. E, a juntar a isso, num
fim de semana de eleições legislativas, Beatriz Ângelo
4 Viver para Contar O fim de um mistério com 116 anos torna-se um nome obrigatório a recordar. Se talvez ti-
30 Crónica Viagem por Jeddah e Diriyah, vesse tido Twitter, hoje não precisaria de muitos cara-
na Arábia Saudita teres para lembrar o dever de votar.
36 Destino Improvável Saint John, uma das capitais
mais genuínas das Caraíbas
42 Agenda Luís Represas regressa aos Coliseus
para apresentar o seu novo álbum, ‘Miragem’

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O fim de um mistério com 116 anos
– José António Saraiva
VIVER
PARA
CONTAR

O processo do regicídio foi aberto imediatamente após


o crime, mas deparou-se com sucessivos entraves.
Dos republicanos e dos monárquicos. A própria rainha
D. Amélia – imagine-se! – terá feito pressões para que não
se investigasse muito. O estranho é que ninguém até hoje
tenha conseguido decifrar o enigma.

H
á 116 anos, no passa- do José de Alpoim – que tinha fugido para Espanha an-
do dia 1 de feverei- tes do atentado –, não se mostrou surpreendido quando
ro, foram mortos a lhe deram a notícia da morte do Rei. Ele estava, portan-
tiro no Terreiro do to, dentro do segredo.
Paço o Rei D. Car- Ora, sabendo-se tudo isto, ninguém durante 116 anos
los e o filho D. Luís conseguiu identificar quem mandou matar o Rei D.
Filipe. Carlos – que seria necessariamente alguém muito pró-
Li praticamente ximo daqueles dois, no caso de não ser um deles.
tudo que de rele- Como explicar este silêncio?
vante se escreveu O processo do regicídio foi aberto imediatamente
sobre o assunto, e após a tragédia, mas começou logo a deparar-se com
surpreende-me sucessivos entraves. Entraves dos republicanos, que
que o enigma so- não queriam que se remexesse muito no assunto. Mas
bre o mandante do crime tenha persistido até hoje. entraves, também, dos monárquicos. E porquê? Por-
De facto, sabia-se quase tudo. Sabia-se que as armas que o Partido Republicano estava em estado de grande
usadas – uma carabina Winchester último modelo, de efervescência, e os monárquicos receavam que a even-
alta precisão, e uma pistola Browning – eram caríssi- tual prisão de pessoas importantes ligadas àquele par-
mas, não estando à altura das fracas bolsas dos regici- tido precipitasse uma revolução republicana.
das. E bastava isto para mostrar que havia outras pes- A própria rainha D. Amélia – imagine-se! – terá feito
soas por trás do atentado. pressões para que não se investigasse muito. E a razão
Mas sabia-se mais. era a mesma: perdera o marido, perdera o filho mais
Sabia-se que a espingarda e a pistola tinham sido velho, e tinha agora pavor de perder o único filho que
compradas num armeiro do Rossio, encomendadas por lhe restava, D. Manuel. E, para isso, o melhor era dei-
um monárquico dissidente – um tal visconde da Ribeira xar os republicanos em paz e não escarafunchar mais
Brava. no caso.
E sabia-se que outro monárquico dissidente, chama- Neste ambiente, o último chefe do Governo da Mo-

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O objetivo do regicídio
não seria apenas matar
D. Carlos mas toda a
família real

tante – visto que, se fosse uma figura de segunda linha,


não haveria tanto empenho em escondê-la. E deveria
ser um republicano – pois, caso fosse um monárquico,
depois do 5 de Outubro o seu nome seria divulgado
sem problemas.
Juntando as peças, as hipóteses não eram muitas.
Mas ninguém ousou dar o passo decisivo de as investi-
gar a fundo e apontar um suspeito. Tal como um juiz
que prefere libertar 100 culpados a condenar um ino-
cente, também os académicos que estudaram o assun-
to terão preferido não apontar um nome a correrem o
risco de errar.
É certo não haver uma prova cabal que ligue direta-
mente o suspeito ao crime. Mas há inúmeros indícios
que apontam inequivocamente numa direção. E,
quando se investigam os passos e as ações desse sus-
narquia, Teixeira de Sousa, mandou suspender as in- peito nos sete meses que antecederam o regicídio, tor-
vestigações – alegando não haver provas do envolvi- na-se claro que foi ele quem deu a ordem para matar D.
mento de mais pessoas no crime, além dos próprios re- Carlos.
gicidas mortos no local. Ora, como vimos, era óbvia a E não só este mas, provavelmente, toda a família
existência de outras pessoas por detrás deles. real, com exceção de D. Amélia. Por que razão digo
Entretanto, veio a revolução de 5 de Outubro de isto? Porque o príncipe herdeiro também foi morto e o
1910. O processo foi parar ao Ministério da Justiça, irmão, D. Manuel, foi ferido. E a morte de D. Luís Filipe
onde desapareceu misteriosamente. E uma cópia que não foi acidental, não se deveu a uma bala perdida: foi
D. Manuel II terá levado consigo para o exílio será um tiro cirúrgico dirigido à cabeça, disparado pela
roubada de sua casa. E assim se pôs uma pedra sobre mesma carabina que alvejou o pai. Houve, portanto, a
o assunto. intenção clara de o matar. E D. Manuel diz que só não
Mas, sendo relativamente compreensível que o pro- morreu porque na altura em que ouviu um disparo ro-
cesso tenha sido abafado na época, como se percebe dou instintivamente o corpo.
que o mistério não fosse mais tarde deslindado? Se o Rei e os dois filhos tivessem morrido, liquida-
As pistas eram muitas. vam-se os Braganças – e abria-se uma crise dinástica
O mandante do regicídio teria de ser, primeiro, uma que facilitaria uma revolução republicana. Mas, mes-
figura com ligações políticas a Alpoim e Ribeira Brava. mo com a sobrevivência do infante, a revolução vito-
Depois, seria com certeza uma personalidade impor- riosa virá a acontecer dois anos e sete meses depois.

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NAS REDES SALVADOR SOBRAL Recentemente, Salvador Sobral,
‘SENTI QUE ESTAVA 34 anos, apareceu como convi-
dado no podcast do humorista
A TRANSFORMAR-ME Pedro Teixeira da Mota e sur-
NUMA MULHER’ preendeu todos ao fazer uma re-
velação que até então era desco-
nhecida pelo público. «Eu sou
intersexual porque não produzo
a hormona que faz o meu géne-
ro. O meu corpo não produz tes-
tosterona», disse, explicando
que recebe doses de «testostero-
na a cada quatro meses». «Um
dia senti que estava a transfor-
mar-me numa mulher. Estava
com dores nas mamas, a minha
cara começou a ficar mais re-
donda e não tinha pelos em ne-
nhum lado». Segundo a ILGA, as
pessoas intersexuais «nascem
com características sexuais que
não se enquadram nas noções
binárias tradicionais de corpo
masculino ou feminino».

Georgina Rodríguez
Desfila em Paris
com CR7 em destaque
na passerelle PAPA FRANCISCO Seara, presidente da Mesa da
E RUI COSTA Assembleia Geral do SLB, Car-
No início da semana passada, Georgina Rodríguez foi a Pa- los Moia, presidente da Funda-
ris com os seus filhos, aparentemente para uma visita à
120.º ANIVERSÁRIO ção Benfica, entre outros mem-
Disneyland com Cristiano Jr., de 13 anos, Eva e Mateo, de DO BENFICA bros. O Patriarca de Lisboa,
seis, Alana, também de seis, e Bella Esmeralda, quase com TAMBÉM PASSOU Dom Rui Valério, e o Cónego
dois anos. No entanto, surpreendentemente, o objetivo PELO VATICANO Paulo Franco também estive-
real da influenciadora e empresária era participar na Se- ram presentes. Rui Costa agra-
mana da Moda de Paris, onde causou um grande impacto. Como parte das celebrações deceu ao Papa Francisco por
Georgina Rodríguez desfilou com um vestido especial, ins- oficiais dos 120 anos do Sport receber a delegação do Benfica
pirado e autografado por Cristiano Ronaldo, como parte Lisboa e Benfica, uma delega- neste ano especial de comemo-
da coleção Georgina x Vetements outono/inverno ção do clube, liderada pelo Pre- ração e ofereceu ainda uma ca-
2024/25, que combina a moda e o desporto. Nas costas sidente Rui Costa, teve uma au- misola das ‘águias’ ao Santo Pa-
havia uma mensagem especial de CR7 para o “amor da sua diência privada com o Papa dre. O Papa Francisco, por sua
vida”. O momento foi calorosamente aplaudido e rapida- Francisco no Vaticano. A dele- vez, demonstrou um grande
mente se espalhou pelas redes sociais, tornando-se viral. gação incluía Sandra Silva, es- afeto por Portugal, pelos portu-
posa de Rui Costa, Fernando gueses e por Fátima.

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CRISTINA FERREIRA
O PRESENTE POUCO
ORIGINAL OFERECIDO
PELO NAMORADO
João Monteiro, de 30 anos, re-
velou através do Instagram
que um dos presentes que deu
a Cristina Ferreira, de 46, no
Dia dos Namorados foi uma
pequena corrente com uma
medalha que representa o PRINCESA DIANA retratada na imagem e revelou
amor entre ambos. A medalha IRMÃO PARTILHA uma curiosidade: a sua mãe
é uma reprodução de uma foto costumava chamá-lo “Buzz”
do casal nas Maldivas, com um
FOTOGRAFIA devido à sua energia semelhan-
coração lilás, símbolo do ro- INÉDITA DA te à de uma abelha feliz e ocu-
mance. No entanto, surge uma ‘PRINCESA DO POVO’ pada. Ambas as mulheres na fo-
polémica, pois João já tinha to já faleceram: Lady Di a 31 de
dado uma medalha semelhan- gumas pessoas a acusar o te- Charles Spencer usou as redes agosto de 1997, num acidente
te à sua ex-namorada, Beatriz nista de falta de originalidade sociais para partilhar uma foto de carro, e Frances Shand Kydd
Cezanne, utilizando uma foto e outros a defender que este especial ao lado da sua mãe e a 3 de junho de 2004, após
dos dois juntos. Tal gerou críti- apenas seguiu uma fórmula irmã, a princesa Diana. Na le- uma batalha contra um cancro
cas nas redes sociais, com al- que funcionou antes. genda, comentou a felicidade no cérebro.

RIHANNA
ATUA NA
LUXUOSA FESTA
DE MULTIMILIONÁRIO
INDIANO
O regresso de Rihanna à música
tem sido aguardado com grande
expectativa, já que o seu último
álbum, Anti, foi lançado em
2016. A artista fez uma pausa si-
gnificativa, mas recentemente
voltou a apresentar-se num even-
to especial: a pré-festa do casa-
mento de Anant Ambani, filho de
Mukesh Ambani, o homem mais
rico da Ásia, com uma fortuna
avaliada em cerca de 103 mil mi-
lhões de euros pela Forbes.
Rihanna apresentou um total de
19 músicas durante o evento na
Índia, incluindo sucessos como
We Found Love, Work, Dia-
monds, Rude Boy e Bitch Better
Have My Money. Embora tenha
recebido uma quantia substan-
cial pelo espetáculo (os meios de
comunicação internacionais fa-
lam em cerca de 6 milhões de eu-
ros), algumas críticas surgiram
nas redes sociais, descrevendo a
sua performance como «fraca».

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NAS REDES MEMES

8 LUZ | 8 MARÇO 2024


Filhos criados, pais estafados
Inês Teotónio Pereira
NÓS
E ELES

Quando os nossos filhos já têm idade para ter juízo é quando


nos dão cabo do juízo. Na fase em que são crianças apanhamos

A
brinquedos, quando crescem passamos a apanhar bonés.

minha mãe sempre me aceitam encarregados de educação. Cheios de sabedo-


disse que os filhos dão ria decidem mudar de curso, pararem um ano “para
mais trabalho quando pensarem” na vida, “trabalhar”. E nós, angustiados, fi-
são crescidos do que camos a assistir. Apreensivos e acorrentados pela sabe-
quando são crianças. doria dos velhos que nos ensinou que o trabalho pode
No meio de fraldas, comprometer o estudo e que um ano parado pode com-
noites mal dormidas e prometer tudo. Mas é a vida. É deixá-los voar, dizem.
viroses, foi difícil acre- Tudo muito certo, mas aquilo que nos cansa e tira o
ditar neste vaticínio. sono é que não confiamos nas asas deles e muito menos
Nada podia ser mais nas carreiras de voo. Eles até podiam voar e nós até fica-
cansativo do que pas- ríamos sossegados se soubéssemos em que direção vão,
sar os dias a correr onde planeiam aterrar, se conhecêssemos todos os ele-
atrás de crianças e ainda dormir aos bocados, pensava eu. Mas mentos do bando com quem voam e se as asas estão em
a minha tinha razão. É verdade que os filhos, quando são condições para suportar a viagem. Mas como ninguém
crianças, estafam-nos fisicamente. Transportar carrinhos, ar- nos informa, damos voltas na cama sem conseguir dor-
rumar brinquedos, dar banhos e sermos recorrentemente mir enquanto os meninos se divertem em bando.
chamados para limpar rabos quando finalmente nos senta- Os filhos dão mais trabalho quando crescem porque
mos, dá cabo das costas de qualquer um. Lembro-me com os problemas da vida passam a ser só deles. E nós que
comoção dos dias em que larguei as fraldas ou que o nos tramemos e só somos chamados em situações de
meu filho mais novo prendeu o cinto de segurança sozi- emergência. Tipo bombeiros. Nós, pais, estamos for-
nho pela primeira vez. Foram dias de libertação. Mas matados para resolver os problemas dos nossos filhos.
quando eles crescem é pior. Somos mesmo muito bons nisso, temos experiência,
Quando os nossos filhos já têm idade para ter juízo, know-how e, mais do que tudo, nascemos como pais
dão-nos conta do juízo: o cansaço é outro mas é muito para isso mesmo. Temos um chip que nos diz exata-
pior. É um cansaço que nos chega da preocupação. mente como gerir as vidas deles – que sabemos gerir
Como diz a minha mãe, quando eles crescem «só pode- melhor do que a nossa. O nosso chip começa a dar erro
mos ficar a assistir», de mãos atadas. E tudo começa quando aquilo que programamos não é concretizado,
quando eles começam a fazer escolhas sozinhos. Esco- executado. Temos a certeza absoluta quais as opções
lhem os cursos – sempre os errados – e deixamos de sa- mais acertadas, as companhias recomendáveis e as so-
ber as datas dos testes, dos exames, as notas. Ficamos luções para todas as barreiras que a vida lhes põe à
às voltas na cama sem saber o que se passa para lá dos frente. Mas eles não perguntam, os incautos. Esse chip
muros das faculdades, se as cadeiras atrasadas não lhes faz um barulho ensurdecedor que não nos deixa dor-
vão atrasar a carreira. Mas não podemos fazer nada mir. Filhos criados, trabalhos dobrados, diz o ditado. E
porque os meninos são maiores e nas faculdades não se pais estafados, digo eu.

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VOLTA AO MUNDO

China/ Segunda
figura do Estado
votada ao silêncio
Pequim, 5 de março. Sete
‘hospedeiras’ vestidas a rigor
ensaiam uma pequena
coreografia em frente ao
Grande Salão do Povo, que
delimita a Praça de Tiananmen
a ocidente. A sessão da passada
segunda-feira trouxe uma
novidade: nos próximos anos
não se realizará a habitual
conferência de imprensa do
primeiro-ministro com os
jornalistas no encerramento do
Congresso Nacional do Povo, «a
menos que haja circunstâncias
especiais», anunciaram as
autoridades chinesas. Muitos
WANG ZHAO/AFP

veem esta mudança como um


reforço da autoridade
do Presidente Xi Jinping.

França/
Cartaz olímpico
O cartaz oficial dos Jogos
Olímpicos Paris 2024 foi
apresentado com toda a pompa
e circunstância no Museu
d’Orsay, uma antiga estação
de comboios reconvertida.
O desenho, que tanto lembra
os puzzles de Mordillo como
as pinturas de Seurat, mostra
alguns dos ícones da cidade-
-luz: a cúpula dos Inválidos,
o Grand Palais, o Sena e, claro,
a Torre Eiffel. O autor do cartaz
chama-se Ugo Gattoni,
DIMITAR DILKOFF/AFP

mas é francês.

10 LUZ | 8 MARÇO 2024


Afeganistão/
A estrada
de Fayzabad
Situada a mais de 1250 metros
de altitude, a cidade de
Fayzabad foi outrora um
importante foco da guerrilha
contra os invasores soviéticos.
Hoje, esta cidade do nordeste
do país (cujo nome significa
‘morada da generosidade,
bênção e caridade divina’) vive
pacatamente ao ritmo dos
talibãs. Que podem impor
burcas e costumes medievos,
mas não podem alterar a beleza
agreste da paisagem,
OMER ABRAR/AFP

polvilhada nesta época do ano


por uma fina camada de neve.

Gaza/
Cemitério de latas
de conserva
Enquanto o exército israelita
prossegue a sua ofensiva, os
deslocados de Gaza vão
sobrevivendo como podem.
Numa cozinha ao ar livre,
aquece-se o almoço em ‘fogões’
a lenha improvisados:
conservas provenientes
da ajuda humanitária. Quanto
às centenas e centenas latas
vazias, vão-se acumulando por
ali, à espera que melhores dias
permitam retomar a recolha do
lixo. Já diz o ditado, «em tempo
de guerra não se limpam
armas».
MOHAMMED ABED/AFP

8 MARÇO 2024 | LUZ 11


Perfil Os óculos grandes
e de aros pretos,
bem como os colares
com pérolas grandes
e as cores berrantes
eram a sua imagem
de marca. Iris Apfel,
ícone de moda,
morreu aos 102 anos
e deixa um legado
e aprendizagens: não
devemos ter medo
de ousar e de sermos
nós próprios.

12 LUZ | 8 MARÇO 2024


Iris Apfel
Um ícone da moda
carregado de amor próprio

TEXTO Daniela Soares Ferreira

D
izia que não era bonita, mas antigos. A empresa foi vendida em 1992, mas a panhas publicitárias, como MAC Cosmetics
pelo menos tinha estilo. O que excentricidade de Apfel nunca desapareceu. e Kate Spade. Além disso, a empresária lançou
considerava muito melhor. Nunca tiveram filhos. Dedicavam o tempo a uma linha de óculos com a Zenni Eyewear e
Iris Apfel, conhecida como trabalhar, a viajar, ou a decorar o apartamento são mais de 100 as peças assinadas por si.
um ícone da moda em Nova que tinham na Park Avenue. Diz-se que era uma Ao completar 98 anos, contou a sua história
Iorque morreu aos 102 anos, mistura entre o exagero e o bom gosto. através do livro Iris Apfel: Accidental Icon. Além
deixando para trás uma vida excêntrica, car- Empresária e designer de interiores, nun- disso, conta com quatro livros publicados.
regada de cor e amor próprio. ca se considerou bonita, mas também não Em 2021 ganhou o prémio Andrée Putman
A sua imagem de marca eram os grandes considerava que isso fosse o mais importan- Lifetime Achievement Award, que celebra e
óculos de aros pretos, os colares de contas te. «Não sou bonita e nunca serei bonita, mas reconhece a visão singular da carreira de Apfel.
grandes e os lábios sempre pintados, bem isso não importa (…) tenho algo muito me- Uma vez foi questionada sobre que conse-
como as cores berrantes que vestia e conquis- lhor, tenho estilo», chegou a dizer. lhos de moda poderia dar e Apfel foi muito cla-
tou o mundo com a sua confiança, estabele- Durante a sua vida foi fazendo vários tra- ra: «Cada um deveria encontrar o seu próprio
cendo o seu próprio estilo que nunca passa- balhos para grandes nomes, como a Casa caminho. Eu sou ótima na individualidade.
va despercebido. Não ligava ao que os outros Branca nos mandatos de nove presidentes, Não gosto de tendências. Se aprendermos a
diziam, o importante foi sempre – e a sua prin- como Richard Nixon, John Kennedy e Ronald ser quem somos, como sonos e com o que po-
cipal prioridade – sentir-se bem. E feliz. Reagan. Entre os clientes famosos, destaque demos lidar, conseguimos saber o que fazer».
A paixão pela moda vinha de família. O avô ainda para Estée Lauder e Greta Garbo. Tinha 102 anos, mas nunca quis reformar-
de Apfel foi alfaiate na Rússia, o seu pai, Sa- A sua fama eclodiu em 2005, quando o Cos- -se. Ou pelo menos, deixar de criar. «Acho
muel Barrel, fornecia espelhos para decora- tume Institute do Metropolitan Museum of que reformar-se, seja em que idade for, é um
dores sofisticados e a sua mãe, Sadye, tinha Art, em Nova Iorque, apresentou um progra- destino pior que a morte. Só porque apare-
uma loja de moda. Moravam na zona rural de ma sobre si chamado Rara Avis, palavra em ce um número não significa que as pessoas
Astoria, no bairro de Queens, em Nova Ior- latim para ‘pássaro raro’. O museu descreveu tenham que parar», disse ao Today.
que, onde Iris nasceu. o seu estilo como «espirituoso e exuberan- Chegou tarde às redes sociais, mas era um
Licenciada em História da Arte pela Uni- temente idiossincrático». Foi das primeiras sucesso. Tinha mais de três milhões de segui-
versidade de Nova York e também pela Uni- mulheres a usar calças nos anos 40. Mesmo dores no Instagram e, no TikTok, onde jun-
versidade de Wisconsin, Apfel chegou a que- antes de existirem modelos femininos. tou 215 mil seguidores, falava de moda e pro-
rer trabalhar em jornalismo com o objetivo Mas mesmo depois de se afastar um pouco movia colaborações.
de se tornar uma grande editora. E assim fez: do mundo da moda, a moda veio ter consigo. Recentemente tinha celebrado o seu aniver-
começou por se tornar uma office girl no jor- Em 2018, a Mattel criou uma Barbie Iris Apfel sário com os seguidores. Nascida a 29 de agos-
nal WWD, que, na altura, era considerado um e fez questão de vesti-la com o seu tradicional to de 1921, Iris Apfel tinha completado 102 anos
dos maiores veículos fashion. terno verde da Gucci. e meio a 29 de fevereiro. «Em meios aniversá-
Casou-se em 1948 com Carl Apfel – que mor- Tinha 97 quando assinou um contrato de rios, tenho apenas 26 anos. Hoje tenho 102
reu em 2015 aos 100 anos –, apenas cinco me- modelo com a agência IMG Models e foi a mu- anos e meio. Feliz dia bissexto», escreveu.
ses após o primeiro encontro. Fundaram a Old lher mais velha do mundo a fazer uma capa Não chegará a celebrar os 103 mas o legado
World Weavers, uma empresa que era especia- de revista de moda. que deixa no mundo na moda continuará a
lizada no fabrico de roupa a partir de retalhos Esteve também presente em várias cam- ser celebrado.

8 MARÇO 2024 | LUZ 13


Entrevista Sempre a consideraram «fora». Em pequena era «louca» e «histérica». Tornou-se uma mulher
descontraída, leve e de sorriso fácil. Não gosta de impor nada aos outros, mas luta aguerridamente por
várias causas. Raquel Tillo saiu de Portugal aos 15 anos para descobrir quem era, voltou há três anos
e, apesar de se ter apaixonado por Nova Iorque e se sentir ainda uma estrangeira no seu próprio país,
não equaciona voltar a ir para fora. Agora, prepara-se para subir ao palco com o elenco do musical
Motherhood, que se estreia pela primeira vez no Teatro Villaret, em Lisboa, a 14 de março.

RAQUEL
TILLO Porque ser ator é uma constante procura… Acho que trazemos sempre
um bocadinho de nós para as personagens, mas isso é que faz um bom
ator. Não acredito muito naquela ideia de ires a um casting e não ficares
com o papel porque foste “mau”. Acredito que cada papel é para uma
pessoa porque essa pessoa traz alguma coisa de dentro dela para o papel.

“É uma mais Parece ser uma pessoa bastante descontraída, de sorriso fácil, com
humor. É mesmo assim? De que forma se vê? Eu acho que sou mui-

valia estar em
to descontraída. Não sou muito tensa, nem muito agressiva. Levo a
vida calmamente, mas também tenho um lado mais sério que gosto
de guardar. Sendo que, às vezes, o mostro. Não tenho medo de par-

muitas frentes
tilhar, mas gosto de guardar algumas coisas mais para mim. Um lado
mais intenso. Para fora gosto de ser isto… E fazer com que as pessoas
se sintam confortáveis!

diferentes da arte” Ao contrário de muita gente que quis ser mil coisas em criança, a Ra-
quel sempre quis ser artista. De onde veio essa paixão? Eu não faço
ideia, mas a primeira memória que tenho de querer ser atriz foi com 7
anos. Fui ver uma peça de teatro em Londres (foi a primeira vez que os
TEXTO Sara Porto | FOTOGRAFIA Bruno Gonçalves meus pais me levaram lá). Era um musical e eu fiquei fascinada. No fi-

É
nal do espetáculo perguntei se podia ir para o palco! (risos) Claro que
me responderam que não. Lembro-me de os ter chateado o caminho
atriz, cantora, comediante. Recentemente aprendeu todo para o hotel. É a minha primeira memória relacionada com o mun-
a dançar… Existe alguma área que mais a apaixone? Na do do espetáculo, mas a minha mãe diz que desde muito pequena que
realidade sempre foi a área da representação que me in- sempre fiz os meus teatrinhos. Eu dizia que queria ser enfermeira, por
teressou. Conhecer personagens novas, ser essas per- exemplo, mas sempre a fingir. Por isso a minha mãe dizia-me: «Então
sonagens, saber o que é que essas personagens sentem se calhar queres ser atriz, já que tudo o que queres ser é a fingir».
em vários momentos diferentes…
Tinha um baú cheio de roupas e obrigava tanto os seus irmãos a par-
Mas sente que fazer tanta coisa diferente a dispersa? Ou, por outro ticiparem nos seus teatros, como a família a ver… Quer dizer que
lado, torna-a uma artista mais completa? Eu espero que me torne isto sempre foi bem recebido pela sua família… Sim! A minha famí-
uma artista mais completa! Aquele pensamento de: «Tu só podes fa- lia é académica, são pessoas que fizeram um trajeto muito “normal”:
zer uma coisa», não é verdade! Acho que principalmente nós, ato- liceu, licenciatura, etc. Eu sou a mais nova e não quis nada disso. Tal-
res, que gostamos de ser pessoas diferentes – é isso que fazemos, co- vez houvesse medo, já que todos antes de mim viveram com essas
nhecemos seres humanos que fingimos ser e que ao mesmo tempo “regras”. Um padrão… Mas o medo nunca foi das artes, nada disso! Era
habitam dentro de nós –, não devemos ter pudor de experimentar apenas fora do padrão e a preocupação vinha da possibilidade de eu
várias coisas diferentes. Quantas mais coisas nós experimentarmos ficar sem trabalho. Por isso, queriam que tivesse uma licenciatura
mais experiências temos para colocar nas nossas personagens, no caso as coisas não corressem bem. Acho que é normal para as pes-
nosso trabalho, na representação. É uma mais valia estar em muitas soas que não estão habituadas. De repente entrar num mundo de in-
frentes diferentes. certezas. Mas sempre me apoiaram neste percurso!

14 LUZ | 8 MARÇO 2024


8 MARÇO 2024 | LUZ 15
Entrevista /Raquel Tillo

Nasceu no Porto. Como foi a infância na invicta? Nasci numa zona


de betos que é o que a minha família é! (risos) Andei num colégio inglês “Sempre me senti
diferente. No entanto,
e sempre fui um bocadinho “fora”, sendo que eu não me considero
nada “fora”. Mas sempre me senti diferente. No entanto, estranha-
mente, sempre foi muito bem aceite, tanto pelos meus amigos, como
pelas pessoas de fora! «A Raquel é parvinha, engraçada, tonta, faz
umas coisinhas que não entendemos bem». Mas eu sempre me sen- estranhamente,
sempre foi muito
ti bem. Eu amo o Porto, mas sempre senti que queria ir além disso.
Queria ir a outros sítios. O Porto para mim é casa, mas não é “eu”.

E quem é que era essa criança? Não era hiperativa, mas era muito ativa.
Os meus irmãos dizem que eu berrava imenso, queria sempre fazer coisas, bem aceite, tanto
pelos meus amigos,
mordia-os. Era louca e histérica. Acho que essa menina ainda vive em mim!
(risos) Se eu pudesse também mordia as pessoas hoje em dia! (risos)

Foi a Raquel que pediu aos pais para ir para Inglaterra para um co-
légio interno estudar Teatro Musical. Tinha apenas 15 anos. De onde como pelas pessoas
de fora! (...) Eu amo
veio essa coragem? Na escola nós tínhamos teatro e eu tinha uma
professora que conhecia esse colégio. Havia as aulas “normais” (que
era o que a minha mãe tinha em consideração) e aulas de teatro de
tarde. Comecei a ver vídeos na internet e tinha um amigo muito pró-
ximo que queria ser músico e também queria ir para esta escola. Ele o Porto, mas sempre
senti que queria ir
falou com a mãe dele que lhe disse que podia fazer a audição. Pensei:
«Se a mãe dele diz que sim, tenho de ir falar com ela, para ela falar
com a minha»; aqueles arranjos que fazes quando és criança. (risos)
E foi isso… Também queria fazer a audição e consegui.

O que é que mais recorda dessa altura? Como era a rotina no colégio?
a outros sítios”
Complexa! (risos) Muitas pessoas acham que quando as pessoas vão para

16 LUZ | 8 MARÇO 2024


um colégio interno é porque se portaram mal. Não tem nada a ver! Foi chamem o teu nome, se calhar às 15 horas veem-te. É muito desgastan-
intenso sim, mas não da forma que as pessoas acham. Para uma pessoa te. E fazes castings todos os dias…
de 15 anos que viveu no Porto, numa zona super calma, de repente ir
para Inglaterra sozinha, para um colégio interno em que acorda às 6 da Alguma história mais marcante? Lembro-me de uma rapariga que eu
manhã e se deita às 22 horas e durante todo o tempo que está acordada não conhecia de lado nenhum que estava na mesma sala de casting que
está sempre a ser estimulada, é intenso… Muito, muito intenso. Depois, eu… Perguntou-me o que é que eu ia cantar. Fui à casa de banho e quan-
sentes um nível de responsabilidade que nunca sentiste e que aparece do voltei ela tinha rasgado a minha música porque ia cantar a mesma.
muito rápido. De um dia para o outro tens de fazer a lavandaria, tens de Lembro-me de pensar: «Esta rapariga é tola da cabeça. Como é que ela
tratar de tudo! Ficas independente. Isso para mim foi um grande impac- não pensa que eu sei que foi ela?». É um mundo muito competitivo e
to. Hoje em dia acredito que seja diferente, mas há 10 ou 15 anos, os pro- não é a nossa realidade. São 1000 pessoas para um casting, quando aqui
fessores tinham menos tato, principalmente na Inglaterra. Houve momen- são 40. Hoje em dia faço dois castings por mês aqui. Nessa altura, che-
tos em que senti que tinham essa falta de tato, mas lidei bem com isso. guei a fazer três castings por dia. Passas o tempo a ouvir «não». Até ou-
Agora perguntas-me: «Mandavas um filho teu para lá?». Não sei… Foi vires um «sim», ouviste 70 «nãos». Tens de ganhar alguma leveza.
uma mudança de realidade muito grande, fiz lá os meus melhores ami-
gos, aprendi muito. Acho que fez mesmo a pessoa que eu sou hoje! Isso levou-a a lugares de muita frustração? Definitivamente! Pensei
muitas vezes em desistir, pensei muitas vezes que não queria viver
O facto de ter muitos irmãos também deve ter ajudado na adaptação assim, que isto era muito difícil… Mas acho que isso é muito normal,
a um quarto partilhado, por exemplo… Éramos três. O nosso quarto na porque o ser humano não gosta de rejeição e levar com ela tantas ve-
realidade não era assim tão pequeno, mas para quatro pessoas era. Nós zes não é fácil. O «não» acabou por se tornar mais leve. Hoje em dia
de noite íamos dormir, eu esticava o pé e tocava na mão da minha cole- eu levo um «não» muito mais facilmente. Estou mesmo ok com isso!
ga. Era assim que dizíamos «boa noite». (risos) Eu estava habituada à
partilha e também sou uma pessoa que sempre tive pouco pudor. Se for Isto tudo significa que Portugal sempre foi pequenino para os seus so-
preciso despir-me aqui neste jardim, eu faço. Acho que isso me ajudou. nhos? Quis viver o sonho americano? Nunca foi uma questão… Aliás,
hoje em dia moro cá e não equaciono sair. A não ser que fosse para um
Era uma turma com 50 pessoas. Conseguiu encontrar o seu lugar? trabalho temporário. Eu senti que tive de ir para fora para ter coragem
Acho que não, acho que não sabia onde é que era o meu lugar. Só des- de ser eu mesma. Vivia num meio fechado e pequeno. O Porto não é
cobri isso mais tarde… Acho que isso também foi bom para mim, por- Lisboa… Lá as pessoas conhecem-se, têm rotinas. É mesmo muito mais
que me deu oportunidade de fazer muitas coisas antes de saber aqui- pequeno. Eu acho que muita gente não precisa disto, mas eu precisei.
lo que gostava mesmo. Fui muito feliz naquela escola, mas não sabia
exatamente aquilo que estava a fazer.

Mas na altura, acreditava que tudo era possível… E conseguiu estu-


dar depois na Oxford School of Drama e Arts Educational Tring Park
School. Muita gente sonha com isso… Candidatei-me para a facul-
dade depois de terminar a escola. E fui fazer um foundation year (um
ano antes de ires para a faculdade). Um curso de um ano e depois de-
cides se queres ficar, se queres mudar de curso. Eu não me sentia pre-
parada para ir para o conservatório e estava numa altura da minha
vida em que não sabia mesmo se tinha de ir tirar um curso. Ainda ti-
nha isso dentro de mim… As exigências, as normas, os padrões. De-
cidi fazer esse ano, fizemos quatro castings para entrar. Em Oxford
também ainda estava a tentar perceber quem é que eu era. Foi mui-
to o continuar o que eu estava a fazer.

Seguiu-se os EUA, onde também estudou e onde, mais tarde, trabalhou


e viveu. O mundo da Broadway é assustador? Acho que os castings têm
definitivamente uma diferença grande. Aqui em Portugal na maior par-
te deles tu és chamada, tens uma hora ou fazes uma selftape. Lá, antes de
fazeres parte da união dos atores, quando sais da escola, deves ganhar cur-
rículo para ganhares pontos (aquilo é gerido por um sistema de pontos).
Os castings são muito agressivos. Tens uma lista, um papel que alguém
coloca numa porta. Tens que colocar lá o teu nome… Só que eles só veem
os primeiros 250. Então, as pessoas vão muito cedo para colocar o nome.
Acabávamos a escola, eram 4h30 da manhã e já estávamos dentro do
metro para ir pôr o nosso nome no casting. Quando lá chegávamos já es-
tavam 80 pessoas na lista. Depois, vives a uma hora de onde é o casting,
foste de metro, é de madrugada, mas o casting é às 10 horas, mais vale
ficares lá a fazer tempo. Nós íamos para dentro do McDonald’s fazer ca-
belos e maquilhagem. De manhã, vais para estúdio e tens de esperar que

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Entrevista /Raquel Tillo
“Pensei muitas
vezes em desistir
Embora não seja tímida, tenho uma timidez de querer ser aceite. Este [da representação],
pensei muitas vezes
lado de não querer que as pessoas fiquem zangadas, não querer chatear,
impor. Sentia que por ter isso, que não conseguia ser eu mesma no meu
meio. Mesmo que não fosse julgada, eu ia sentir que estava a ser julgada.
«Eu quero ir ali, experimentar tudo e depois voltar e dizer: ‘Esta sou
eu!’». Precisava do estranho, do desconhecido e do grande. que não queria viver
O que é que a cidade de Nova Iorque lhe deu? O que mais a apaixo-
nou lá fora? A rapidez, por exemplo. Hoje em dia os meus amigos ain- assim, que isto
da dizem que eu ando muito rápido! Ando sempre 10 metros à fren-
te de toda a gente, porque tenho isso dentro de mim! (risos) Ou ultra- era muito difícil…
Mas acho que isso
passo as pessoas… Depois penso: «Que horror! Porque é que estás a
fazer isto? Para!». É por ter vivido lá tantos anos e por lá existir esta
“etiqueta”. Tu lá tens a cena de: «How a New Yorker walks». Eles an-
dam de uma certa maneira na rua! Nova Iorque é uma cidade com
muita gente, mas muito solitária. Conheces muita gente, mas para fa- é muito normal,
porque o ser humano
zeres amigos é mais difícil. O início foi bastante solitário. Tive de co-
nhecer as pessoas e criar uma comunidade. Dentro disso, os 10 anos
que lá vivi foram cheios de felicidades, novidades. Gosto de cidades
que se estejam sempre a mexer, que tenham muita gente diferente.
Ninguém é de Nova Iorque e isso é muito interessante. Abriu-me mui-
tos horizontes, fez-me conhecer muitas culturas novas. Acho que é isso
não gosta de rejeição”
que trago, uma aprendizagem de todas as pessoas que conheci.
Foi babysitter dos filhos do Ethan Hawke e da Uma Thurman. Pode
E quais foram os maiores choques culturais? Os EUA têm alguns choques contar-nos como foi entrar no universo desses dois artistas reno-
culturais que não são assim incríveis. (tom de comédia) Há armas em mados? Foi natural e muito simples! Eu tomava conta dos filhos e, na
todo o lado, por exemplo. Isso sempre me assustou. Saber que as pes- maior parte das vezes, eles não estavam lá. Na realidade, a minha vida
soas as têm. Isso choca-me muito. Mas assim um choque ao nível bási- lá era vida de mãe. Ia buscar os putos à escola, íamos comer um snack,
co, que não é em todos os EUA, é mais específico de Nova Iorque… As íamos à biblioteca… A oportunidade surgiu mesmo à toa. Uma ami-
pessoas não têm máquinas de lavar roupa em casa. Por isso, quando que- ga minha que também era atriz disse-me que fazia esse trabalho e que
res lavar a tua roupa, tens de andar com um saco, ir para uma lavanda- era bom para se conciliar com audições… Tínhamos a manhã livre…
ria e ficar duas horas à espera. Isso para mim foi um choque. Depois, a ma- Comecei a fazer uns trabalhos de babysitting onde arranjava e, a dada
neira de ser. Embora nós sejamos um povo muito aberto, falamos com altura, uma das senhoras para as quais eu trabalhava disse-me: «Não
as pessoas e somos simpáticos, eles lá são mesmo muito intensos muito queres fazer um de segunda a sexta? Ainda por cima é um casal de
rapidamente. Estão no nível 10 de simpatia e mal viram costas, acabou. atores, vão compreender a tua necessidade de fazer castings». Man-
Foi esta interação que tiveste. A senhora do café trata-te como se fosses dou-me para lá e eu não sabia quem eram! (risos) Fiquei com o tra-
a melhor amiga dela. Isso confundiu-me no princípio. Pensava: «Ah! Fiz balho e nunca aconteceram coisas fora do normal. Claro que tinham
uma amiga!». Mas não… É só uma coisa cultural. Mas habituei-me. muitos amigos famosos e às vezes dei por mim no mesmo espaço que
o Jimmy Kimmel. (risos) Mas eles tinham uma vida muito calma até!
Sente-se estrangeira no seu próprio país? Já voltei há dois anos e
meio, mas sim. Na realidade, eu sempre me senti um pouco estrangei- Regressou a Portugal para integrar o elenco da Avenida Q. O objeti-
ra em Portugal, porque o meu pai não é português, não é católico e vo era ficar por cá? Ou imaginava-se com uma carreira internacional?
então sempre houve um lado diferente em mim. Sempre falou com Embora eu tenha muitos sonhos, eu deixo as coisas irem acontecen-
sotaque, havia sempre esse lado. Às vezes ainda me sinto um bocadi- do. Deixo que as coisas fluam. Quando vim para cá não imaginei que
nho estrangeira. Primeiro porque vivi desde os 15 anos noutro lugar, ia ficar, admito isso. Achei que ia ficar os seis meses da Avenida Q e
então faço alguns erros ortográficos e conjugo mal alguns verbos! (ri- que me ia embora. Foi o que eu fiz, na realidade. Voltei para lá e ao vol-
sos) Digo coisas que as pessoas me pedem para repetir e eu percebo tar percebi que queria regressar para Portugal. Estava feliz aqui.
que disse alguma coisa mal, mas não sei dizer de outra forma! (risos)
Além disso, a coisa que me fazia sentir mais estrangeira no início era O mundo do espetáculo e, em particular da comédia, é mais exigen-
não saber quem eram as pessoas. Acho que estou melhor nisso, ago- te para as mulheres? Sente que as mulheres continuam a ter de pro-
ra percebo quem é quem, mas ainda há algumas pessoas que me são var mais? Eu acredito que sim. Acho que os últimos anos têm sido
estranhas. Ainda agora estive a fazer uma peça e um dos atores sem- muito bons em termos de comédia para as mulheres. Há cada vez
pre que dizia o nome de alguém dizia: «Sabes quem é Raquel?». mais mulheres a fazerem-no bem e as pessoas reconhecem isso. No

18 LUZ | 8 MARÇO 2024


entanto, estamos mais habituados a ouvir homens a dizerem asneiras, Acredito que esteja a viver um momento bonito da sua carreira, com
seja em casa, jantares de amigos... É mais socialmente aceite. Os úl- vários projetos a acontecerem. O que é que o ‘Dança com as Estrelas’
timos anos têm desconstruído isso, isso é ótimo. E o público tem gos- lhe ensinou? Eu já tinha tido aulas de dança, mas não isto! (risos) Eu amei
tado. Ver de repente mulheres a falarem de coisas que normalmen- esta experiência! Desde pequena que vejo o formato inglês... Sempre
te não falam! Acho que nós devemos sempre entrar nas coisas a pen- adorei ver dança, nunca fui incrível, por isso, sentia-me desconfortá-
sar que o público é inteligente. E as pessoas identificam-se. Acho que vel, mas tinha o sonho de fazer o programa. Para mim foi quase a Ra-
é isso que muitas das mulheres que eu adoro na comédia fazem, um quel pequenina a ver um sonho tornar-se realidade. Tinha medo de
trabalho de empatia. A Mariana Cabral, por exemplo, brinca com ela sair na primeira gala, estava cheia de medo e quanto mais tempo fi-
mesma e coloca o público do lado dela. A Inês Aires Pereira com as per- quei mais queria ficar. Nunca foi de uma forma competitiva, a experiên-
sonagens que vivem dentro dela… O criar empatia… cia estava a ser maravilhosa, tão linda. Fui mesmo muito feliz!

A Raquel também faz parte disso… Eu não me sinto parte de nada, Vai integrar o elenco do musical ‘Motherhood’. O que é que nos pode
mas gosto muito de ver! (risos) dizer sobre o espetáculo? Acho que temos uma equipa incrível! Eu
adoro o Ricardo Neves-Neves e trabalhei com ele há pouco tempo.
É uma voz ativa na luta pelos direitos LGBTQIA+. É imperativo quebrar Sempre que acontece, sinto que me estou a divertir imenso. Tem um
tabus e falarmos cada vez mais abertamente sobre orientação sexual, imaginário como ninguém. Ele nasceu especial. E vou trabalhar com
sexualidade, género? Sente que Portugal ainda é conservador nesse atrizes que eu amo. Sinto-me uma bebé ao lado delas. Acho que po-
sentido? Vejo um grande crescimento. Além disso, vejo as pessoas mui- dem esperar um musical muito divertido, leve e com muita parvoíce
to abertas a falarem sobre isso, em todo o lado. Há uma aceitação mui- pelo meio. Mães e não mães podem identificar-se. São quatro mulhe-
to maior. Temos sempre mais para aprender e descobrir. Acho mesmo res, uma delas não é mãe. Vão ver o que acontece quando amigas fe-
que qualquer tipo de questão de direitos, vem com uma questão de em- cham a porta e bebem uns copos de vinho. É quase olhar pela fecha-
patia. Pensarmos no outro, naquilo que ele sente. Quando nós nos colo- dura. Uma loucura.
camos nesse lugar, é impossível não sentir empatia. Somos todos pes-
soas, temos todos lutas! Acho que as pessoas o fazem cada vez mais, co- Tem algum projeto de sonho? O que é que se segue? Não penso mui-
locar-se nos sapatos dos outros. Acho que, muitas vezes, nós falamos to no que desejo a seguir. Penso naquilo que desejo em geral. Eu sou
destes temas com uma carga tão negativa, quando poderíamos falar de- feliz a trabalhar, gosto de estar ocupada, fazer coisas. É um privilégio
les com uma carga mais leve. Isso aproxima mais as pessoas que se calhar gostarmos do que fazemos. Gostava de continuar o que tenho feito.
não se sentem tão próximas ou à vontade com o tema. Estas questões Fazer teatro, televisão, cinema e não ter pudor de fazer o comercial
LGBT não são negativas, são as pessoas a serem elas mesmas e a serem e o não comercial. Acho que, às vezes, há esse pudor. Não o quero ter.
felizes. Isso é uma coisa boa. Vamos falar das coisas com leveza! Tudo me traz coisas diferentes, me enriquece de alguma maneira.

8 MARÇO 2024 | LUZ 19


Cultura

Óscares

OS PRÉMIOS
MAIS
CONHECIDOS
DA SÉTIMA
ARTE
20 LUZ | 8 MARÇO 2024
São considerados os prémios mais importantes da sétima arte.
Existem desde 1929 e muita coisa tem mudado desde então.
Mas qual a sua origem? De que forma foi escolhido o seu
nome? Quais os artistas e filmes mais galardoados até hoje?
Há quem os tenha recusado? Conheça também os destaques
da cerimónia deste ano que se realiza no dia 10 de março.

Sara Porto

O
TEXTO

cinema pode ter um significado de 1927, surgiu de uma ideia de um dos che-
e importância diferente para fes da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) – em-
toda a gente. No entanto, há presa norte-americana de produção, distri-
uma premissa inegável: este faz- buição de filmes e programas televisivos –,
-nos viajar, sair de nós, viver a Louis B. Mayer.
vida dos outros, conhecer novos lugares, no- Segundo os meios de comunicação inter-
vas histórias, experienciar novas sensações, nacionais, no princípio, a associação servia
repensar ideologias. Se algumas vezes nos faz para «cuidar da imagem dos estúdios de ci-
sentir medo, outras faz-nos sonhar, chorar de nema de Hollywood» e «resolver problemas
alegria, sentir tristeza, raiva, desconforto ou dos trabalhadores». Teve como primeiro pre-
rir às gargalhadas. sidente Douglas Fairbanks, considerado um
Todos os anos os aficionados de cinema es- dos principais atores norte-americanos do
peram por este momento. O ano é passado a começo do século XX. No entanto, as coisas
ver tudo aquilo que de melhor se fez no uni- acabaram por mudar e os seus fundadores
verso cinematográfico para, neste dia, se co- chegaram à conclusão que era necessário
nhecerem os vencedores. Falamos da ceri- criar uma cerimónia onde fossem premiados
mónia dos Óscares que, este ano, se realiza os melhores filmes produzidos a cada ano.
no dia 10 de março em Los Angeles, nos EUA. Na primeira cerimónia organizada pela as-
Esta é já a 96º edição da entrega destes pré- sociação, realizada a 16 de maio de 1929, fo-
mios. Mas como surgiram? Quem os inven- ram premiados os melhores filmes de 1927 e
tou? Quais os melhores momentos e curiosi- 1928. O evento contou apenas com a presen-
dades? Quem escolhe os vencedores? O que ça de 270 pessoas (nessa altura já se sabiam
é preciso para uma longa metragem poder quem eram os vencedores e as pessoas tive-
ser considerada para nomeação? Quais os ram de pagar 5 dólares para assistir). E diz-se A PRIMEIRA CERIMÓNIA
maiores galardoados até hoje? E quais os no- que esta só durou 10 minutos. Além disso,
meados para este ano? destinou-se a premiar apenas 12 categorias CONTOU COM 270 PESSOAS
(algumas já extintas): Filme, Ator, Atriz, Rea-
A ORIGEM lizador de Drama, Realizador de Comédia, E CADA UMA TEVE DE PAGAR
Este é o prémio que todo o artista sonha rece- Argumento Original, Argumento Adaptado,
ber e também o mais antigo de Hollywood. Quadros, Qualidade de Produção, Direção CINCO DÓLARES PARA ESTAR
Criado em 1927, teve a sua primeira cerimó- Artística, Fotografia e Efeitos de Engenharia.
nia em 1929, em Los Angeles (como ainda De acordo com a Infopédia, só em 1936 foi PRESENTE. ATUALMENTE OS
acontece atualmente). Tal como acima refe- criada a categoria que se destina a premiar o
rido, o seu objetivo é premiar as melhores Melhor Ator e Atriz Secundários. Com o pas-
ÓSCARES SÃO EXIBIDOS NOS
produções cinematográficas de cada ano. Na sar do tempo, o evento tornou-se multimilio- MAIS DIVERSOS PAÍSES E
altura em que surgiu, o cinema americano nário e é exibido nas mais diversas partes do
atravessava um processo de expansão. À épo- mundo, dando a oportunidade de todos as- TORNARAM-SE UM EVENTO
ca, grandes nomes do ramo resolveram jun- sistirem.
tar-se e criar uma organização que fosse res- MULTIMILIONÁRIO AGUARDADO
ponsável pela imagem de Hollywood, onde OS JURADOS E O PRÉMIO
os filmes eram produzidos. Foi assim que nas- Mas quem é que decide os vencedores? De POR MILHÕES DE PESSOAS
ceu a Academy of Motion Picture Arts and acordo com o Digital Spy, plataforma de en-
Science (AMPAS). Fundada no dia 11 de maio tretenimento especializada em cinema, tan-

8 MARÇO 2024 | LUZ 21


Cultura /Óscares

1 2

to os filmes selecionados para concorrer,


como a escolha dos vencedores do Óscar são
determinados pelos membros da Academia
(membros da AMPAS). Mas se na primeira ce-
rimónia essas escolhas foram realizadas por
26 membros, atualmente, acredita-se que es-
tes sejam cerca de 9500. Recorde-se ainda
que apenas duas categorias são abertas ao
voto de todos os membros: Melhor Filme e
Melhor Filme Estrangeiro. Já que, em todas
as outras, é necessário «conhecimento técni-
co para avaliação».
A Academia queria que os prémios simbo-
lizassem toda a grandeza do evento. Foi o che- 3 4

fe dos artistas do estúdio MGM, Cedric


Gibbons, que criou o conceito. Porém, a ori-
gem do nome é desconhecida. A própria Aca-
demia diz não ter certeza de quem foi o au-
tor do nome e existem três versões para o seu
surgimento: a mais conhecida diz que logo
depois do escultor George Stanley – que exe-
cutou a estatueta a partir do desenho origi-
nal de Cedric Gibbons –, entregar as primei-
ras versões do troféu, a bibliotecária da Aca-
demia – e futura diretora executiva do
sindicato –, Margaret Herrick, disse que a es-
tátua parecida o seu tio Óscar (da noite para
o dia, Óscar virou o tio mais famoso do mun- 1 Katharine Hepburn recebeu ao todo quatro estatuetas 2 Meryl Streep
do); a segunda teoria, parecida à primeira, teve 21 nomeações 3 Walter Brennan é considerado o melhor ator secun-
diz que foi a atriz Bette Davis quem lhe colo- dário da história dos Óscares 4 Day-Lewis faz o pleno de três prémios na
cou o nome ao comparar a estátua com o seu categoria principal (Melhor Ator)
marido, o músico Harmon Oscar Nelson; a
terceira possibilidade apresentada pela pró-
pria Academia diz que o nome Óscar pode
ter surgido de um comentário de um jorna-
lista. Aliás, em tempos, foi o próprio Sidney
Skolsky que garantiu ser o autor do nome. A
Academia acabaria por batizar oficialmente
prémios. Porém, só Day-Lewis faz o pleno na
categoria principal – todos os outros (Streep ‘BEN-HUR’ , ‘TITANIC’
a estatueta com o nome Óscar em 1939. incluída) ganharam o prémio como Secun-
dários em pelo menos uma ocasião (Brennan E A TERCEIRA TRILOGIA
MAIORES VENCEDORES E RECUSAS ganhou nas três ocasiões, tornando-se assim
E quais os artistas mais premiados até aos dias o melhor ator secundário da história dos Ós- DE ‘O SENHOR DOS
de hoje? Segundo a GQ, Katharine Hepburn cares).
é «a rainha dos Óscares». A atriz americana, Relativamente aos filmes que ganharam ANÉIS’ SÃO OS FILMES
que teve uma carreira de mais de 60 anos, re- mais Óscares, lidera a lista tanto o clássico
cebeu ao todo quatro estatuetas, todas elas
de Melhor Atriz Principal. No entanto, Meryl
Ben-Hur, realizado em 1959 por William
Wyler, como Titanic, realizado em 1997, de
COM MAIS ÓSCARES ATÉ
Streep supera-a em nomeações: enquanto
Katherine tem 12, Streep tem 21, mas rece-
James Cameron. Depois deles, vem a tercei-
ra parte da trilogia O Senhor dos Anéis, de
HOJE – GANHARAM
beu o prémio apenas três vezes. Também Peter Jackson, que estreou em 2003. Os três
Jack Nicholson, Daniel Day-Lewis, Ingrid filmes ganharam 11 prémios. Com dez esta- 11 PRÉMIOS CADA
Bergman e Walter Brennan receberam três tuetas segue-se a versão de 1961 de West Si-

22 LUZ | 8 MARÇO 2024


de Story – Amor sem Barreiras, de Robert Marlon Brando
Wise e Jerome Robbins. venceu o prémio de
Mas quem pensa que estes são prémios ir- Melhor Ator com
recusáveis, engana-se. Em toda a história dos O Padrinho, em 1972.
Óscares já houve três pessoas que os recusa- No entanto, recusou o
ram. Em 1935, o argumentista Dudley Nichols prémio e não
fê-lo por causa de um desacordo entre a Aca- compareceu na
demia e o Writer’s Gild (WGA). Segundo a cerimónia
Globo, este recebeu o prémio pelo argumen-
to de The Informer, mas como Hollywood vi-
via uma crise entre o sindicato dos argumen-
tistas e os grandes estúdios e Nichols foi um
dos fundadores do WGA, este argumentou
que receber o prémio seria «virar as costas
aos parceiros do sindicato» e «ignorar as in-
justiças que a classe sofria». Em 1938, viria
a aceitar receber o prémio. Sacheen
Já em 1971, pelo incrível trabalho no filme Littlefeather
Patton, o ator George C. Scott venceu o pré- substituiu o ator
mio de Melhor Ator. Este já havia enviado no seu discurso,
uma carta à Academia a pedir que o seu nome expondo os motivos
fosse retirado da lista de nomeados, mas tal que levaram o artista
pedido foi ignorado. Na altura, à imprensa, a recusar o prémio:
escreve o jornal brasileiro, o artista chamou estava em protesto
a premiação de «desfile bárbaro e corrupto contra o tratamento
de duas horas». Acabou mesmo assim por dado pela indústria
ganhar. Foi o produtor do filme que recebeu cinematográfica aos
a estátua em seu nome. No dia seguinte, de- nativos americanos
volveu o prémio a pedido do mesmo.
Apesar de se seguir a estes dois, o caso de
Marlon Brando, que venceu o prémio de Me-
lhor Ator com O Padrinho, de 1972 e que se
fez representar pela ativista Sacheen Little-
feather que leu um discurso que exponha
todos os motivos do premiado para a recu-
sa, é o mais popular. O ator estava em pro-
testo contra o tratamento dado pela indús- do de humor em todos os momentos. É o meações, incluindo a de Melhor Filme, Me-
tria cinematográfica aos nativos america- nosso método de sobrevivência», respon- lhor Realizador, Melhor Ator, Melhor Ator Se-
nos. De acordo com a biografia do ator, The deu em 2022. cundário ou Melhor Atriz Secundária. Já Po-
Contender: The Story of Marlon Brando, Além destes, o realizador Roman Polanski bres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, tem 11
escrita por William J. Mann, toda a gente sa- também não recebeu o seu Óscar de Melhor nomeações, o Assassinos da Lua das Flores,
bia que o ator não iria aparecer no evento e Realizador em 2003, pelo filme O Pianista. de Martin Scorsese, tem 10, e Barbie, de Gre-
que enviaria uma «pessoa misteriosa» no No entanto, as razões foram bem diferen- ta Gerwig, soma 8.
seu lugar. Sacheen Littlefeather foi retira- tes. O cineasta não pode entrar nos Estados Além disso, nesta cerimónia participarão
da de palco e há quem acredite que esta aca- Unidos, sob pena de ser preso (foi condena- vários artistas portugueses: Um Caroço de
bou por ser colocada numa lista negra ofi- do pela violação de Samantha Geimer, que Abacate de Ary Zara, está nomeado na cate-
ciosa de Hollywood, já que nunca nunca che- era menor à altura do crime). A Academia goria de Melhor Curta-Metragem, havendo
gou a ter uma carreira cinematográfica. acabou por receber o Óscar em nome do também destaque para o produtor Joaquim
Demorou 50 anos até a Academia lhe pedir realizador. dos Santos, responsável por Spider Man In-
desculpa. «Em relação ao pedido de des- to de Spider Verse e a fadista Carminho, que
culpas da Academia, nós índios somos um ÓSCARES 2024 tem uma música em Pobres Criaturas, filme
povo muito paciente – só se passaram 50 Este ano o grande destaque vai para Oppe- que conta com nomeação a Melhor Banda So-
anos! Precisamos de manter o nosso senti- nheimer, de Christopher Nolan, com 13 no- nora Original.

8 MARÇO 2024 | LUZ 23


Um americano em Moscovo
– José Cabrita Saraiva
BIBLIOTECA
PESSOAL

Em plena Guerra Fria, enquanto um pianista russo atuava

N
em Nova Iorque, um americano atuava no Conservatório
de Moscovo. O público estava de má catadura e apupou-o.

a passada semana partilhei ninov’». Naturalmente, a vitória do americano constituía um


aqui alguns episódios nar- embaraço, e o líder soviético, Nikita Kruschev, teve de dar o seu
rados por Stuart Isacoff no aval à atribuição do prémio.
livro de 2011 A Natural His- Para mostrarem a excelência da sua escola, em 1960 os russos
tory of the Piano. Esta se- enviaram por sua vez um ‘embaixador’ numa tournée pela Amé-
mana não resisto a contar- rica, o próprio Richter (embora este gostasse era de tocar em pe-
-vos mais alguns. quenas salas para camponeses analfabetos na Sibéria).
Se Art Tatum conseguia be- Mais ao menos ao mesmo tempo que Richter tocava Beetho-
ber uma cerveja sem parar ven em Nova Iorque, Byron Janis, nascido na Pensilvânia em
de tocar, como se tivesse 1928, atuava no Conservatório de Moscovo.
três mãos, Josef Hofmann, O público mostrava-se de má catadura. Estava bem fresco na me-
nascido perto de Cracóvia mória o incidente com um avião de espionagem americano U-2
em 1876, foi declarado por Sergei Rachmaninov «o maior pianis- abatido em solo soviético. Tal como hoje os detratores de Ronaldo
ta vivo» desde que estivesse «sóbrio e em forma». gritam por Messi, os russos gritaram por Cliburn. Mas Janis não se
Aos sete anos este músico polaco naturalizado americano já ti- deixou perturbar. E, à medida que o concerto avançava, ele ia sen-
nha uma técnica assombrosa que deixava os profissionais como tindo a hostilidade dissipar-se. Quando terminou, havia pessoas na
Rubinstein, o fundador do Conservatório de S. Petersburgo, em- plateia a chorar. «Quando entrei naquele palco eu era literalmen-
basbacados. E aos onze estreava-se onde muitos profissionais te o inimigo. Agora viam-me apenas como um ser humano, como
sonham atuar – na Metropolitan Opera, em Nova Iorque. eles, que podia falar ao seu profundo espírito musical».
Facto curioso, mesmo em adulto Hofmann tinha mãos peque- Li esta descrição e lembrei-me, imaginem, do final do Rocky
nas, e usava um instrumento feito por medida. Ele próprio deu IV. Com os olhos amassados, a escorrer sangue e suor pela face,
as instruções para o construir: além de pianista Hofmann era Rocky discursa diante de um pavilhão repleto: «Vim para aqui
também inventor. Atribui-se-lhe a autoria do limpa-pára-brisas, esta noite e não sabia o que esperar. Achava que as pessoas me
aparentemente inspirado nos movimentos do metrónomo. odiavam. Durante este combate vi muitas mudanças. […] Se eu
Hofmann acabou mesmo por tornar-se alcoólico, e no final os posso mudar e se vocês podem mudar, toda a gente pode mu-
seus concertos já eram penosos de assistir para quem o tinha vis- dar». Estas palavras desencadeiam uma ovação ruidosa. No ca-
to no auge das suas faculdades. Morreu em 1957 de pneumonia. marote presidencial, vemos alguém muito parecido com Gorba-
No ano seguinte, 1958, realizava-se em Moscovo a primeira chov a aplaudir de pé.
edição do concurso Tchaikovsky. Estava-se em plena Guerra Ocorre-me que tal como Rambo (também interpretado por
Fria entre as duas superpotências nucleares. E, por uma enorme Stallone) se inspirou em Rimbaud, talvez a cena final de Rocky
coincidência, foi logo um jovem natural do Luisiana, Van Cli- se inspire no concerto de Byron Janis em Moscovo. A hostilida-
burn, que se destacou com a sua interpretação de Tchaikovsky. de, o desempenho formidável do americano, as lágrimas e a ova-
Sviatoslav Richter, um verdadeiro monstro do piano – e um ção de pé são em tudo semelhantes. E até o gesto do sósia de
juiz exigentíssimo – proclamou-o «um génio», recorda Isacoff. Gorbachov faz lembrar o aval de Kruschov. Ou se calhar, como
«Emil Gilels avançou em lágrimas e beijou-o. O compositor diria um amigo que acha que tenho uma imaginação demasiado
Aram Khachaturain disse que ele era ‘melhor do que Rachma- fértil, estou apenas ‘a surfar na maionese’…

24 LUZ | 8 MARÇO 2024


8 MARÇO 2024 | LUZ 25
MotoGP

O Mundial está de volta com 11 equipas


e 22 pilotos preparados para dar espetáculo
nas pistas de todo o mundo. A Ducati
colocou a fasquia bastante alta ao vencer
17 corridas consecutivas, um recorde
absoluto, o ano passado. Agora, todos
querem quebrar essa hegemonia.

Campeões
do mundo
marcam
o ritmo

O
TEXTO João Sena

Campeonato do Mundo de
motociclismo começa hoje no
Qatar e termina em novem-
bro, em Espanha. Durante
nove meses os pilotos de Mo-
toGP (1000 cc), Moto2 (765
cc) e Moto3 (250 cc) vão disputar 21 Grandes
Prémios – igual número de corridas Sprint (ao
sábado) –, e passam por 17 países. É uma tem-
porada especial, onde se celebram os 75 anos
de Grandes Prémios: é a competição mais an-
tiga do desporto motorizado, a Fórmula 1 co-
meçou um ano mais tarde. A primeira corrida
realizou-se na Ilha de Man, localizada no mar
da Irlanda, em 1949. Leslie Graham (AJS) ven-
ceu a categoria de 500 cc e foi também o pri-

26 LUZ | 8 MARÇO 2024


MIGUEL OLIVEIRA MUDOU DE EQUIPA,
VAI TER UMA MOTO NOVA E PODE LUTAR
meiro campeão do mundo de motociclismo. PELOS PRIMEIROS LUGARES NO GRANDE
Desde então realizaram-se 1015 Grandes Pré-
mios, num total de 3371 corridas que consa-
PRÉMIO DE PORTUGAL, QUE SE REALIZA
graram 126 pilotos nas diferentes categorias. EM PORTIMÃO, NO FINAL DO MÊS
Para a história ficam grandes campeões como
Giacomo Agostini (15 títulos mundiais), Va-
lentino Rossi (9 títulos), Mick Doohan (5 títu-
los) e outros fora de série, alguns ainda no ati-
vo, caso de Marc Márquez (8 títulos). Entre os
construtores, a Honda venceu 821 corridas
(313 na categoria rainha), seguida pela Yama-
ha com 520 triunfos, Aprilia com 297 e MV
Agusta com 275 vitórias.
Sem alterações no plano técnico, as prin-
cipais novidades foram as movimentações
no paddock, com destaque para a transferên-
cia de Marc Marquez da Honda para a Gresi-
ni, equipa satélite da Ducati. Outra novidade
foi a chegada da Trackhouse Racing, com Mi-
guel Oliveira e Raúl Fernández. A equipa é
bem conhecida dos americanos pela presen-
ça na NASCAR e agora aventura-se no Mo-
toGP com o apoio oficial da Aprilia. Não foi
divulgado o valor para participar na segun-
da modalidade com maior audiência do des-
porto motorizado, logo atrás da Fórmula 1,
mas sabe-se que foi inferior aos 40 milhões
de dólares pagos para garantir um lugar nas
corridas americanas.
A Trackhouse foi fundada em 2021 pelo ex-
-piloto norte-americano Justin Marks e teve
pilotos como Kimi Räikkönen, campeão do
mundo de Fórmula 1 em 2007 com a Ferrari.
Chega ao Mundial com grandes aspirações e
com uma visão tipicamente americana, onde
o desporto, o entretenimento e a componen-
te comercial estão fortemente ligados. «Acre-
dito que é um dos campeonatos mais valio-
sos quando analisamos o preço versus o al-
cance, a exposição e o envolvimento global
com os fãs. O valor é tão alto que foi muito
fácil tomar a decisão e tentar fazer de tudo
para entrar na grelha de partida. Os pilotos
são estrelas e há 50 milhões de seguidores
nas redes sociais e 430 milhões de telespec-
tadores em todo o mundo, com uma assis-
tência média de 127.000 pessoas num fim
de semana. Olhamos para todos estes dados
e métricas e a decisão foi óbvia», explicou
Justin Marks, que adiantou ainda: «estamos
comprometidos a trazer algo de novo e emo-
cionante ao campeonato». As motos da equi-
pa têm as cores da bandeira dos EUA numa
homenagem ao antigo piloto americano Ni-
cky Hayden.
10 MAR 24 MAR 14 ABR 28 ABR 12 MAI 26 MAI 02 JUN 16 JUN 30 JUN 07 JUL
QATAR PORTUGAL AMÉRICAS ESPANHA FRANÇA CATALUNHA ITÁLIA CAZAQUISTÃO PAÍSES BAIXOS ALEMANHA
MotoGP /Campeonato do Mundo
CIRCUITO INTERN. INTERN. DO ALGARVE CIRC. DAS AMÉRICAS,
DE LOSAIL (DOHA)
CIRCUITO JEREZ
(PORTIMÃO)
DE LA FRONTERA AUSTIN
CIRC. LE MANS CIRCUITO BARCELONA- AUTÓDROMO MUGELLO AUTÓDROMO INTERN. CIRCUITO TT ASSEN
-CATALUNHA SOKOL
CIRCUITO
SACHSENRING

5
10 MAR 24 MAR 14 ABR 28 ABR4 12 MAI 26 MAI 7 02 JUN 16 JUN 30 JUN 07 JUL
2 3 6 8 9 10
1
QATAR PORTUGAL AMÉRICAS ESPANHA FRANÇA CATALUNHA ITÁLIA CAZAQUISTÃO PAÍSES BAIXOS ALEMANHA
CIRCUITO INTERN. INTERN. DO ALGARVE CIRC. DAS AMÉRICAS, CIRCUITO JEREZ CIRC. LE MANS CIRCUITO BARCELONA- AUTÓDROMO MUGELLO AUTÓDROMO INTERN. CIRCUITO TT ASSEN CIRCUITO
DE LOSAIL (DOHA) (PORTIMÃO) AUSTIN DE LA FRONTERA -CATALUNHA SOKOL SACHSENRING

5
3 4 7
1 2 6 8 9 10

A adaptação Miguel Oliveira à nova equi-


pa foi fácil. «É um grande prazer fazer par-
te da família Trackhouse. A moto tem um
design muito competitivo, um pacote téc-
nico muito apelativo e as novas cores tra-
zem boas sensações. Mal posso esperar
para começar a nova temporada, onde es-
pero obter bons resultados. Temos uma vi-
são de longo prazo e vamos trabalhar o fu-
turo a partir desta época. Quero ganhar ex-
periência e poder estar com os pilotos da
frente», salientou. Já a experiência com a
nova Aprilia RS-GP24, idêntica às motos ofi-
ciais, ficou aquém do desejado. A principal
diferença para a moto que tripulou em 2023
está no package aerodinâmico completa-
mente diferente, sobressaindo o vistoso di-
fusor traseiro. O piloto começou por fazer Temporada
o 21.º tempo, depois experimentou várias Miguel Oliveira
afinações de chassi e diferentes configura- (esq.) quer
ções aerodinâmicas e terminou os testes com ganhar corridas.
a 12.ª melhor volta. «A posição não me deixa O bicampeão
entusiasmado, mas demos um passo em fren- mundial
te», admitiu. Francesco
Bagnaia
A DUCATI vai defender

E OS OUTROS o título

As equipas de fábrica trabalharam intensa-


mente com base num regulamento técnico
que dominam na perfeição, e o resultado

EQUIPAS Ducati LENOVO


DESMOSEDICI GP24
Aprilia RACING Trackhouse RACING PRIMA PRAMAC Racing GRESINI Racing Petarmina VR46

#1
Aprilia RS-GP24 Aprilia RS-GP24/23 DESMOSEDICI GP24 DESMOSEDICI GP23 DESMOSEDICI GP23

#12 #41 #88 #25 #21 #89 #93 #73 #49 #72
EQUIPAS Ducati LENOVO
DESMOSEDICI GP24
Aprilia RACING Trackhouse RACING PRIMA PRAMAC Racing GRESINI Racing Petarmina VR46

#1
Aprilia RS-GP24 Aprilia RS-GP24/23 DESMOSEDICI GP24 DESMOSEDICI GP23 DESMOSEDICI GP23

#12 #41 #88 #25 #21 #89 #93 #73 #49 #72
ESP MAVERICK ESP ALEIX ESP MIGUEL ESP RAÚL ITA FRANCO ESP JORGE ESP MARC ESP ÁLEX ITA FABIO DI ITA MARCO ITA FRANCESCO
VINÃLES ESPARGARÓ OLIVEIRA FERNÁNDEZ MORBIDELLI MARTÍN MÁRQUEZ MÁRQUEZ GIANNIANT. BEZZECCHI BAGNAIA
Moto3 Moto 2 125CC 125CC Moto 2
Moto2 Moto2 2X MotoGP
6X MotoGP

ESP MAVERICK ESP ALEIX ESP MIGUEL ESP RAÚL ITA FRANCO ESP JORGE ESP MARC ESP ÁLEX ITA FABIO DI ITA MARCO ITA FRANCESCO
VINÃLES ESPARGARÓ OLIVEIRA FERNÁNDEZ MORBIDELLI MARTÍN MÁRQUEZ MÁRQUEZ GIANNIANT. BEZZECCHI BAGNAIA
Moto3 Moto 2 125CC 125CC Moto 2
Moto2 Moto2 2X MotoGP
6X MotoGP

28 LUZ | 8 MARÇO 2024


04 AGO 18 AGO 01 SET. 08 SET 22 SET 29 SET 06 OUT 20 OUT 22 MAR 1 NOV 15 NOV - FINAL
GRÃ-BRETANHA ÁUSTRIA ARAGÓN SAN MARINO ÍNDIA INDONÉSIA JAPÃO AUSTRÁLIA TAILÂNDIA MALÁSIA COMUNIDADE
CIRCUITO SILVESTONE RED BULL RING CIRC. MOTORLAND CIR. MISANO WORLD CIRCUITO INTERN. CIRCUITO CIRC. TWIN RING CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO VALENCIANA
SPIELBERG ARAGON MARCO SIMONCELLI DE BUDDH DE PERTAMINA MOTEGI PHILIP ISLAND INTERN. BURI RAM INTERN. SEPANG CIRC. COMUNIDADE
VALENCIANA-
- RICARDO TORMO
15 20
11 04 AGO 16 18OUT 19
18 AGO 01 SET. 08 SET
14
22 SET 29 SET 06 OUT
17 20 22 MAR 1 NOV 2115 NOV - FINAL
GRÃ-BRETANHA 12 ÁUSTRIA 13
ARAGÓN SAN MARINO ÍNDIA INDONÉSIA JAPÃO AUSTRÁLIA TAILÂNDIA MALÁSIA COMUNIDADE
CIRCUITO SILVESTONE RED BULL RING CIRC. MOTORLAND CIR. MISANO WORLD CIRCUITO INTERN. CIRCUITO CIRC. TWIN RING CIRCUITO CIRCUITO CIRCUITO VALENCIANA
SPIELBERG ARAGON MARCO SIMONCELLI DE BUDDH DE PERTAMINA MOTEGI PHILIP ISLAND INTERN. BURI RAM INTERN. SEPANG CIRC. COMUNIDADE
VALENCIANA-
- RICARDO TORMO
15 20
11 16 18 19
14 17 21
12 13

são motos verdadeiramente espetaculares,


com soluções aerodinâmicas ousadas, e com CALENDÁRIO REGULAMENTO ASAS
características que impressionam: 270 cv e
uma velocidade máxima superior a 360 O 75.º Campeonato do O regulamento técnico Os testes de pré-época deram
km/h. Brad Binder é o piloto mais rápido da Mundo de motociclismo deverá mudar em 2027 indicações precisas sobre o
história do MotoGP ao atingir 366,1 km/h vai ter 21 Grandes com os construtores e a potencial das motos de 2024.
(KTM) no circuito de Mugello, em Itália, o Prémios e idêntico Dorna Sports (promotor A imaginação dos especialistas
ano passado. Os tempos realizados nos tes- número de provas do MotoGP) a trabalha- em aerodinâmica não tem
tes de preparação da nova temporada mos- Sprint, realizadas ao rem para encontrar um limites e surgiram soluções
tram que as motos estão mais rápidas e o an- sábado. Os pilotos vão equilíbrio entre perfor- curiosas e ousadas com
damento vai ser ainda mais diabólico este disputar 42 corridas na mances e segurança. destaque para as novas asas
ano, esperemos que os pilotos sejam mais temporada mais longa Existe a intenção de redu- dianteira e traseira da Ducati,
responsáveis do que em 2023, onde algu- de sempre, que passa zir a cilindrada dos atuais o spolier traseiro plano na
mas manobras arriscadas, quase suicidas, por 17 países. A 1.000 cc para 850 cc, Yamaha e KTM e da “cauda de
levaram vários pilotos ao hospital, Miguel Argentina desistiu da deverão ser impostos dinossauro” na Honda. Vamos
Oliveira foi, aliás, dos mais prejudicados. prova devido a dificulda- limites mais restritivos à aguardar pela primeira corrida
Por aquilo que se viu na pré-época, as mar- des financeiras, mas o utilização de asas e outro para confirmar se estas
cas europeias continuam a dominar. Duca- Cazaquistão confirmou a tipo de apêndices e o soluções vão ser usadas em
ti, Aprilia e KTM foram claramente mais rá- organização do Grande ajuste em altura das corrida.
pidas do que as japonesas Honda Yamaha Prémio no novo circuito motos em andamento
em todas as sessões. Os pilotos da Ducati es- de Sokol desenhado por deverá ser eliminado,
magaram os rivais no circuito de Lusail, onde Hermann Tilke, com mantendo-se o holeshot
se realiza a primeira prova. O bicampeão do 4.495 km e 12 curvas. apenas no momento da
mundo, Francesco Bagnaia, foi mais rápido O Grande Prémio de partida.
do que a pole position para a corrida do ano Portugal, em Portimão,
passado e o seu colega Enea Bastianini fez é a primeira prova na
o segundo tempo. Jorge Martin, vice-cam- Europa e realiza-se entre
peão de 2023, e Marc Márquez com as Duca- 22 e 24 de março.
ti privadas e os pilotos da Aprilia, Maverick
Viñales e Aleix Espargaró, estão igualmen-
te entre os favoritos.

LCR HONDA REPSOL HONDA RED BULL GAS GAS RED BULL KTM FACTORY MONSTER ENERGY
Honda RC213V Honda RC213V KTM RC16 KTM RC16 YAMAHA YZR-M1

#23 #5 #30 #10 #36 #31 #37 #33 #43 #20 #42

LCR HONDA REPSOL HONDA RED BULL GAS GAS RED BULL KTM FACTORY MONSTER ENERGY
Honda RC213V Honda RC213V KTM RC16 KTM RC16 YAMAHA YZR-M1

#23 #5 #30 #10 #36 #31 #37 #33 #43 #20 #42
ITA ENEA ITA JOHANN JAP TAKAAKI ITA LUCA ESP JOAN ESP PEDRO ESP AUGUSTO ITA BRAD AUS JACK ESP FABIO ESP ÁLEX
BASTIANINI ZARCO NAKAGAMI MARINI MIR ACOSTA FERNÁNDEZ BINDER MILLER QUARTARARO RINS
2x Moto 2 MotoGP Moto 2 Moto 2 125 CC Moto GP
125cc Moto 3

ITA ENEA ITA JOHANN JAP TAKAAKI ITA LUCA ESP JOAN ESP PEDRO ESP AUGUSTO ITA BRAD AUS JACK ESP FABIO ESP ÁLEX
BASTIANINI ZARCO NAKAGAMI MARINI MIR ACOSTA FERNÁNDEZ BINDER MILLER QUARTARARO RINS
2x Moto 2 MotoGP Moto 2 Moto 2 125 CC Moto GP
125cc Moto 3

8 MARÇO 2024 | LUZ 29


Crónica

MAFOMA
SE CALHAR
O CARA-FEIA
NÃO ERA ASSIM
TÃO FEIO
QUANTO ISSO
Desventuras da viagem de um jornalista de Riade
até ser barrado nos portões de Meca e desviado
para Jeddah cuja origem se perde na poeira do
Tempo, tendo por fundo a vida extraordinária
daquele que se chamou Abū al-Qāsim Muhammad
ibn Abd Allāh ibn Abd al-Muttalib ibn Hāshim...

30 LUZ | 8 MARÇO 2024


Afonso de Melo, em Jeddah

J
TEXTO

EDDAH – Pensei em fazer-me passar por muçul-


mano, mas convenhamos que, só por não ter to-
cado numa gota de álcool nos últimos dez dias,
os guardiões da cidade de Meca não se iriam dei-
xar engazopar. Fico ao longe, junto aos dois blo-
cos de betão cruzados como se fossem cimitarras, e não
vou para além de um vislumbre da cidade proibida a todos
os que não professam a religião islâmica. Makkah al-Mukar-
ramah, chamam-lhe os sauditas. Meca, a Honrada. O local
mais sagrado do islão. De onde lhe vem o nome, ninguém
sabe ao certo: Makkah terá sido o primeiro nome dado ao
vale onde se situa. De Riade até aqui são cerca de 870 qui-
lómetros de uma paisagem monótona, quase lunar. De-
pois, porque nada há a fazer, mesmo que jure a pés juntos
saber recitar de cor o «lā ‘ilaha ‘illāl-lāh an Muhammadur
rasūlu llāhi», o Shahadah, o primeiro dos cinco pilares do tendeu daqui, do Golfo Pérsico, até à Península Ibérica.
islamismo, que pode ser traduzido como «Não há outro Se o nome Mohammad significa louvável; Abd Allãh signi-
deus além de Allah e Muhammad é o mensageiro de Allah», fica servo de Deus. O maomé que adotámos vem do fran-
não sigo em frente pela auto-estrada larga que conduz a cesismo Moamêt, que vem, por sua vez, do turco Menmet.
uma das mais misteriosas cidades do mundo. Sigo, portan- Há que dizer que o pobre Maomé viu o seu nome maltra-
to, ligeiramente para nordeste, a caminho do Mar Verme- tado por tudo o que foi borra-botas que teve conhecimen-
lho, e para a calorosa receção de Jeddah, muito provavel- to da sua existência, e não é preciso fazer esforços de bes-
mente a mais bela de todas as cidades da Arábia Saudita e, tunto para calcular os milhões e milhões de indivíduos
certamente, a mais ocidentalizada. Segunda urbe do país que o citaram. Na África negra, por exemplo, passou a ser
com mais de três milhões e setecentos mil habitantes, com Mamadou; na África do norte, entre os berberes, preferi-
as suas encantadoras varandas de madeira coloridas, por- ram a designação de Mohand. Já quanto a nós, não tive-
to através do qual muitos muçulmanos chegam a Meca para mos o mínimo respeito e atingimos a raia do insulto.
cumprir o Haj, peregrinação à cidade sagrada que todo o
bom religioso deve fazer pelo menos uma vez na vida, visi- A CARA FEIA...
tando o lugar onde se encontra a Pedra Preta, que teria sido Consultar a forma como os portugueses se referiram a
dada a Abraão pelo anjo Gabriel. O Haj deve durar seis dias Maomé ao longo da história atira-nos para um nunca mais
e tem lugar no último mês do calendário muçulmano. As acabar de alcunhas e de trapalhices. Ora veja-se: Mafo-
orações feitas neste período devem ser uma para cada dia ma, Mafamede, Mafomede, Mafomade, Mahamed, Ma-
de peregrinação e os peregrinos devem dar sete voltas ao homa, Mahomet, Mahometes ou Mahometo. Mas Mafame-
redor da Caaba. Depois rumam vão para a Minah, ponto de ou Mafoma tornaram-se as mais populares, sobretudo
alto da cerimónia: a reza no monte Arafat, local onde Mao- a partir do momento em que lançámos para o éter a fra-
mé teria feito seu último sermão. se inesquecível: «Disse dele o que Mafoma não diria do
Sentado num banco do jardim Al-Andalus, à beira da Al toucinho». Sabemos todos que os muçulmanos têm uma
Kurnayash Road e do monumento oferecido à cidade pelo aversão bastante razoável em relação a tudo quanto é
pintor e escultor catalão Joan Miró, recebo uma brisa com
cheiro a salsugem e disperso-me na leitura sobre a vida de
Maomé, como o portugalizámos Mohammad, um homem
que tinha como nome completo Abū al-Qāsim Muhammad MOHAMMAD, O ÚLTIMO DOS PROFETAS, SEGUNDO O ISLÃO,
ibn Abd Allāh ibn Abd al-Muttalib ibn Hāshim, nascido
precisamente em Meca, a 25 de Abril de 571 e falecido a 8 FOI APORTUGUESADO COMO MAOMÉ, VINDO DA EXPRESSÃO
de Junho de 632 em Medina. Para os muçulmanos, Mao-
mé era um fulano completo: não se limitou a ser o profe- FRANCESA MOAMÊT QUE, POR SUA VEZ, A FOI BUSCAR
ta dos profetas (os outros foram Jesus, Moisés, Davi, Ja-
có, Isaac, Ismael e Abraão), mas foi um líder militar capaz
AO TURCO, MENMET. MAFOMA FOI, DECIDIDAMENTE,
de unificar um número de tribos árabes que se lançaram UM NOME INSULTUOSO IMPOSTO POR NÓS
na conquista do mundo e criaram um califado que se es-

8 MARÇO 2024 | LUZ 31


Crónica
MAFOMA
/IMAGENS
carne de porco e os motivos não são simplesmente reli-
giosos, embora não vá entrar aqui por esses ínvios cami-
nhos porque, para tal, precisava de bem mais das pági-
nas de que disponho. Mas Mafoma tinha todo o direito de
comer o que bem entendesse e até de viver só de tâmaras
se estivesse para aí virado.
Ao consultar o significado da palavra Mafoma nos di-
cionários que temos por aí à disposição vamos encontrar
a muito pouco agradável designação de Cara-Feia. Ora
bem, a religião islâmica não é de todo dada à iconologia,
de tal forma que não existe nenhuma representação da
figura humana de Allah e sim apenas um símbolo escrito
do seu nome. O mesmo sucede com os restantes profe-
tas, sendo que o Maomé imagético surge em publicações
da responsabilidade de outras religiões. Na maioria des-
sas representações nada nos conduz para a afirmação de 1
que Mafoma, a despeito do nome, fosse um tipo horroro-
so, ou algum deformado como o Homem Elefante, esse
desgraçado cidadão britânico chamado Joseph Carey LUGARES PROIBIDOS
Merrick (5 de Agosto de 1862 – 11 de Abril de 1890) que,
por ter vindo ao mundo com uma horrenda deformação Não é por acaso que lhe chamam Meca,
genética, suscitou não apenas o interesse popular mas a Honrada. A cidade mais importante
igualmente o interesse da comunidade científica. Con- da religião islâmica cujo acesso está vedado
clui-se, assim, que Mafoma é fruto de uma pequenez men-
tal de quem o quis diminuir perante os leitores das suas
aos não muçulmanos que ficam, quanto
façanhas ou dos seus atos religiosos e bélicos. Calculo que muito, a ver-lhe os contornos à distância
Maomé tenha encolhido os ombros perante a desconsi-
deração, se alguma vez veio a saber dela. Para os seus se-
guidores, que são monoteístas, era, bem pelo contrário, 4

o mais perfeito dos seres humanos, a ponto de só ele po-


der passar aos crentes as palavras de Allah.
A 80 km de onde me encontro, nessa cidade onde os
portões estão fechados para gente como eu, Abū al-Qāsim
Muhammad ibn Abd Allāh ibn Abd al-Muttalib ibn Hā-
shim nasceu para ser pastor e foi-o durante a meninice e
a juventude. Já quase com 40 anos, num dos retiros es-
pirituais que costumava fazer nas cavernas do Monte Hi-
ra, surgiu-lhe o anjo Gabriel (uma espécie de carteiro di-
vino) ordenando-lhe que recitasse os versos enviados e se
tornasse o último profeta que Deus haveria de enviar aos
homens. Cristo já fora crucificado e morto há 577 anos.
E Mafoma não falou pela voz de Allah não na tentativa de
rejeitar o judaísmo e o cristianismo, as duas religiões mo-
noteístas conhecidas pelos árabes, mas sim declarar ti-
nha a ordem dada por Deus de restaurar os ensinamen-
tos originais destas religiões. Foi perseguido, fugiu para
Medina numa migração conhecida como a Hégira (a tra-
dução é literal), e aí fundou a primeira comunidade mu-
çulmana. O homem que os portugueses acusavam de ser
feio como o Demo, era admirado pelas mulheres e, embo-
ra a lei islâmica só permita a um homem tomar quatro es-
posas, Maomé chegou a ter quinze. Imaginem o que se-
ria se Mafoma fosse algum Omar Sharif...

32 LUZ | 8 MARÇO 2024


2

1. Praça Centro da maior mesquita


do mundo e a Caaba em cuja
direção rezam os muçulmanos

2. Portões A partir deste local


não passa quem não professar
a religião islâmica

3. Torre O edifício gigante erguido


em honra de Allah e no qual Maomé
proferiu muitas das suas preces

4. Religião É em redor da Caaba


que os peregrinos fazem a sua
viagem religiosa

8 MARÇO 2024 | LUZ 33


Crónica/Diriyah

Monocromática A cidade, construída à base de barro, toma a cor dos seus arredores

Cuidada Património da Humanidade, Diriyah é uma cidade cuidada com todo o carinho

Recuperados Alguns dos edifícios do local foram recuperados, permitindo uma noção melhor de como eram no seu tempo áureo

34 LUZ | 8 MARÇO 2024


➼ Quem sai de Riade e caminha para noroeste encontra um lugar fascinante, perdido
entre dunas, e que é Património Histórico da Humanidade – chama-se Diriyah e é a cidade
que deu ao mundo a família real da Arábia Saudita.

Como uma luz


que brilha no deserto
—Afonso de Melo, em Diriyah Maomé esteve aqui, mas, vendo bem , onde é que Ma-
OS VELHOS EDIFÍCIOS,
foma não esteve?, se descontarmos um talho que venda

D
carne de porco. Em Julho de 627, junto com um batalhão ALGUNS
IRIYAH – Estranhamente chuvisca. Said, composto por trinta homens e comandados por
que vai ao volante e fala um inglês horren- Muhammad ibn Maslamah al-Ansāri (O Rei dos Soldados RECONSTRUÍDOS,
do, mais incompreensível do que o de qual- de Allah), tomaram todos os centros habitacionais e de-
quer scouser, ou mais concretamente aqui- puseram o seu chefe Thumamah Bin Uthal al-Hanafi. CONFUNDEM-SE
lo que, do fundo da sua suprema vaidade Durante os anos que se seguiram, o local não teve paz.
nunca escondida, os britânicos gostam de apelidar de Golpes e contragolpes assolaram a região e foi já no sé- COM AS DUNAS
pidgin English, uma versão corriqueira da língua infeta- culo XVIII que um homem chamado Muhammad bin
da – «if I may express myself in these words» – por pala- Su ūd Āl Muqrin, mais prosaicamente conhecido por Ibn
DE AREIA DE PÓ
vras locais ou de pronúncia arrevesada, diz que já não Saud, assumiu o cargo de emir de Diriyah e, em Feverei-
caía água do céu há mais de três meses e, na verdade, não ro de 1727, criou a Casa de Saud e com ela o primeiro Es-
FINO E AVERMELHADO
se pode chamar a estes salpicos verdadeira chuva. Saí- tado Saudita. Os nomes árabes são de provocar cãibras QUE A BRISA ENTRANHA
mos de Riade e das suas avenidas largas de quatro ou cin- na língua, bem sei, mas com vossa licença, trago aqui ou-
co faixas para cada lado que nos impedem de gozar o pra- tro à colação, Muhammad ibn Abd al-Wahhāb ibn Su- NA NOSSA ROUPA
zer de uns passeios a pé, e caminhamos para norte, to- laymān al-Tamīmī, um teólogo, estudioso e professor do
mando primeiro a estrada 522, que nos transporta para islamismo sunita – assim só ao correr da pena, os sunitas
os arrabaldes da capital saudita e, finalmente, uma zona creem que Maomé foi o últimos dos profetas e os xiitas
mais desértica logo após Tuwaiq Palace, onde se concen- acreditam que esse foi Ali, genro de Maomé, marido de
tram as embaixadas, e várias toneladas de areia fina como Fátima, que acabou assassinado, uma minoria que englo-
pó de tom alaranjado até chegarmos a At-Turaif, outra ba apenas 10% dos muçulmanos – que não pode deixar
das pérolas da Arábia Saudita, também ela Património de ser mencionado porque é aí que nascem as raízes da
da Humanidade, a primeira capital da dinastia saudita, confusão entre o Estado político e o religioso, engloba-
fundada no século XV, e que fica paredes meias com o dos num só. São diversas as construções arquitetónicas
destino que aqui me trouxe, Diriyah. que Dariyah tem para oferecer a quem a visita, desde o
As casas misturam-se com as dunas e os tons vão-se al- palácio Salwa, primeira habitação dos Saud, ao palácio
terando conforme o movimento do sol resolve brincar Sa’d bin Sa ūd, muitos anos utilizado como estábulo dos
com as sombras. Foi aqui o berço da família real que ain- famosos cavalos árabes, da casa dos banhos de At-Turaif
da hoje governa o país. Começou por ser um emirado com à mesquita de Imām Muhammad bin Sa ūd.
o mesmo nome, englobando algumas povoações próxi- Por entre a poeira que a brisa levanta neste plaino aban-
mas como foram os casos de Uyayna, Jubayla, e Al-Amma- donado espalham-se as lendas da coragem e do sangue.
riyyah. Estamos num vale. O vale de Wadi Hanifa que se Os planos de recuperação e de reconstrução de vários
estende daqui até Riade. Todas as construções são de edifícios concentram-se nos escritórios modernos da
areia ou terracota o que dá a sensação de estarmos pre- aglomeração de salas que não dispensam o ar-condicio-
sos no centro de uma cor. Claro que, para além das ruí- nado. Historiadores, arqueólogos e arquitetos dedicam-
nas, muitas delas recuperadas, existe um centro habita- -se febrilmente ao seu trabalho. Talvez estejamos a pisar
cional pequeno mas modernos pronto a satisfazer as ne- o mais histórico de todos os pedaços de solo da Arábia
cessidades dos habitantes e dos visitantes. Fica no alto Saudita, se entendermos Meca mais como um significa-
de uma colina, rodeada de palmeiras sem cor e de algu- do do que uma peça íntima do Passado. Mas não exijam
mas fazendas devidamente separadas umas das outras. aos sauditas que diminuam o seu lugar sagrado.

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Destino Improvável

SAINT JOHN’S
ANTÍGUA E
BARBUDA
Barbuda

ANTÍGUA
E BARBUDA
MAR DAS
CARAÍBAS

2 Antígua

1 – Antígua
2 – Saint John’s

Como Ir:
VIAGEM PARA ANTÍGUA, COM A
BRITISH AIRWAYS, VIA LONDRES

A CIDADE CARIBENHA
DE SÃO JOÃO
Situada numa enseada oposta àquela em que o Almirante Nelson
fundou as suas estratégicas Nelson Dockyards, Saint John
tornou-se a maior povoação de Antígua e um porto de cruzeiros
concorrido. Os visitantes que a exploram além do artificial
Heritage Quay, descobrem uma das capitais mais genuínas das
Caraíbas.
TEXTO Marco C. Pereira | FOTOGRAFIA M.C.Pereira e Sara Wong

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NA IMAGEM,
NAVIOS DE CRUZEIRO
ANCORADOS AO LARGO
DE SAINT JOHN’S,
A CAPITAL
DE ANTÍGUA E BARBUDA

mento, estão dois enormes navios cruzeiro.


O acesso a estes molhes que concederiam vis-
tas privilegiadas é controlado, restringido aos
passageiros e tripulação. Agravado face ao
que tínhamos constatado na capital de Saint
Kitts, a operação dos navios-cruzeiros ocu-
pava os espaços mais valiosos da frente de
Saint John’s. À imagem do que acontecia em
Basseterre, tinha-lhe sido imposto um domí-
nio artificial e comercial adequado a acolher
e reter os passageiros em modo de consumo.
O Heritage Quay Complex e o vizinho His-
toric Redcliffe Quay ocupam uma boa parte

Q
da baía em que se aninhou a cidade, as suas es-
uinze minutos. Quinze breves rarmos o carro recém-alugado para fazermos truturas construídas de novo ou demasiado
minutos a bordo de um Boeing compras num mini-mercado mal-amanha- recuperadas, polidas e garridas. Contrastam
777, representaram um recorde do, percebemos que o dono do rent-a-car nos com o centro da capital circundante, feito de
do nosso voo mais curto no tinha deixado o carro ligado, mas levado a edifícios antigos com dois ou três andares,
maior avião. Dificilmente será chave com ele. quase sempre erguidos acima de arcadas que
batido. A rota principal era Saint Kitts – Darmos com a vivenda resulta noutro fil- permitem uma melhor ventilação dos lares
Gatwick, Londres. Fazia escala em Saint me. Cumpridas voltas e mais voltas, por fim, e a circulação dos pedestres a salvo da chuva.
John’s, Antígua, para recolher mais passagei- instalamo-nos, conseguimos alguma paz e o Numa ilha exposta a frequentes bátegas,
ros destinados a Inglaterra. Breve como era, descanso necessário à exploração de Antígua. ventos húmidos e salinos, a tempestades tro-
o voo força o Boeing 777 a manter-se a uma O dia seguinte traz a necessidade de um car- picais e furacões, as suas pinturas desgastam-
altitude baixa que permitisse a aterragem no tão SIM local, uma razão incontornável para -se rápido. Esse desgaste sublinha a antigui-
aeroporto internacional V.C.Bird. Ainda nos irmos até Saint John’s. A empresa de teleco- dade e densidade colonial do lugar.
estávamos a ajustar aos assentos quando municações fica a pouca distância da beira- Como sempre acontece com os cruzeiros,
anunciam o desembarque. Somos os únicos -mar. Curiosos quanto ao que reservava a o Heritage Quay Complex marcava uma área
passageiros a sair em Antígua, já de noite. A marginal, decidimos começar por aí. Ao per- protegida do desconhecido afro-caribenho
casa em que nos vamos alojar fica no leste da corrermos a Promenade do porto, ficamos que um amedrontamento étnico comunal
ilha, o lado oposto ao da capital. Chegarmos na iminência de uns poucos catamarãs e bar- levava os passageiros a recear. Os que dei-
lá depressa se prova uma epopeia com o cú- cos de pequena dimensão. Mais distantes, um xavam os cruzeiros, faziam-no integrados
mulo do caricato no momento em que, ao pa- de cada lado de um dos longos molhes de ci- em excursões organizadas às monumentais

8 MARÇO 2024 | LUZ 37


Destino Improvável /Saint John’s, Antígua e Barbuda 1

mentos de jardins-escola. Na dianteira, os


educadores exibem cartazes que identificam
e promovem os infantários. Na sua peugada,
as crianças empunham bandeirolas plásticas
da excêntrica bandeira de Antígua e Barbuda,
criada por Sir Reginald Samuel, um profes-
sor do arquipélago que triunfou num concur-
so seletivo disputado por mais de 600 com-
petidores.
Analisamo-la com a devida curiosidade.
Um sol sobre uma secção negra simboliza o
raiar de uma nova era enraizada na ancestra-
lidade africana da população, a sua energia
representada pelo vermelho envolvente. O
azul e o branco abaixo do sol, expressões do
mar e dos areais coralíferos com que os anti-
guanos foram presenteados.

A
bandeira tem-se preservado con-
sensual, o nome do território,
Docas de Nelson, mandadas erguer pelo fa- ANTÍGUA E A “IRMÔ nem por isso. Aquando da passa-
moso almirante. Ou ao viveiro da “Stingray gem de Cristóvão Colombo, pela
Antigua”, mantido para cobrar um convívio BARBUDA PRESERVAM ilha, na sua viagem de 1493, o descobridor
intimista com dezenas de raias do Atlânti- tê-la-á batizado em honra de uma das igre-
co ao largo. UM LEGADO BRITÂNICO jas de Sevilha que mais venerava, a de San-
E, no entanto, Saint John’s revela-se uma ta Maria de Antígua. Por essa altura, há mui-
das urbes mais atarefadas e genuínas das An- PROLÍFICO. EM SAINT to que os indígenas Caribes tratavam a ilha
tilhas, incomparavelmente mais segura que por Wadadli. Também em função de uma
muitas das cidades dos Estados Unidos, de JOHN’S, AQUI E ALI, certa postura anti-colonial, é esse o nome
onde provém quase todos os cruzeiros. usado por boa parte dos habitantes des-
Fartos da zona portuária, inauguramos um DAMOS COM AS TÍPICAS cendentes dos escravos lá desterrados de
périplo espontâneo pela longa Thames Street. África, ao serviço da produção local de
A essa hora, estudantes num sortido de uni- CABINES TELEFÓNICAS cana-de-açúcar. Como é usual nestas Pe-
formes cruzavam-se, apressados, indiferen- quenas Antilhas e Caraíbas, o termo no-
tes às montras de rua por que passavam dia
VERMELHAS
após dia. Era o caso da Johan Mansoor – Top 2 3

Fashion Store – saturada de vestidos leves e


coloridos pendurados de uma grelha, ou ajus-
tados às formas de manequins destoantes
(porque brancos), que coabitam estabeleci-
mentos concorrentes.

C
harcos negros, legados por pés-
-d’água recentes refletem-nos. Ge-
ram obras de arte visuais que nos de-
leitam. Num beco próximo, um par
de adolescentes tornados barbeiros ao ar li-
vre, tinham instalado pouco mais que dois
bancos e dois espelhos. Lucravam da reno-
vação capilar acelerada dos antiguanos. Con- 1. Uma moradora a cantar 2. Barbearia sem teto
tinuamos a deambular. De volta ao cerne da 3. Casario do Heritage Quay Complex 4. Uma
grelha urbana, surpreende-nos uma parada cabine britânica na bala de Dickinson 5. A cate-
infantil, prolongada por sucessivos agrupa- dral anglicana de Saint John

38 LUZ | 8 MARÇO 2024


4 5

meia ainda a mais popular das marcas de ralhas comedidas e uma bateria de canhões se cruzam, interagem e negoceiam sob o ca-
cerveja nacionais. apontada ao Mar das Caraíbas iminente. O lor tropical, amiúde, abrasador.
Mas, regressemos à bandeira que encontrá- acesso ao restante espaço está vedado por Uma senhora canta um qualquer tema tra-
vamos vezes sem conta. As gentes do arqui- uma série de casas de banho contentores, dicional que trata o passado esclavagista da-
pélago adaptaram-na, em 1967, quando con- destinadas a um evento a ter lugar nessa noi- quelas paragens. Do lado oposto da estrada,
quistaram o seu autogoverno, catorze anos te. Ao constatarmos que por ali somos os úni- uma estátua com visual de museu de cera ho-
antes da independência do Reino Unido. Se cos, esgueiramo-nos entre dois deles e esprei- menageia V.C. Bird: Vere Cornwall Bird Snr.,
bem que Antígua e a “irmã” Barbuda ainda se tamos o que se destacava em redor: uma vis- figura idolatrada pelo seu papel na emanci-
mantêm no âmbito da Commonwealth. Têm ta invertida para The Cove e, mais distante, pação financeira e política dos jovens países
em Carlos III, o seu longínquo monarca. o cimo do casario secular da capital. Perce- caribenhos, o primeiro-ministro inaugural,
Como seria de esperar, ambas preservam bemo-lo culminado pela catedral de Saint considerado pai da nação de Antígua e Bar-
um legado britânico prolífico. Em Saint John, o templo anglicano que abençoa a urbe buda.
John’s, aqui e ali, damos com as típicas cabi- homónima, ainda que as suas anteriores ver- Com o dia a chegar ao término, lembramo-
nes telefónicas vermelhas. Vemo-las no His- sões tenham sido seriamente danificadas por -nos do velho plano de explorarmos uma ilha
toric Redcliffe Quay. E também, entre coquei- sismos poderosos de 1683 e 1745, ao que não que, por motivos vulcânicos inusitados, con-
ros, na beira-mar idílica do Siboney Beach será alheio o facto de assentar sobre um reci- siderávamos ainda mais prioritária que a pró-
Club. A baía de Dickinson adiante, fica umas fe de coral fossilizado, no ponto mais eleva- pria Antígua.
três ou quatro enseadas a norte daquela que do da cidade. Percorremos a Long Street. Estacionamos

R
acolhe os cruzeiros, algumas menos da pe- o mais próximo possível do pontão de Bryson.
nínsula e da praia de Fort James, que os bri- egressamos do Fort James. Mete- Compramos os bilhetes do ferry que lá nos
tânicos ali ergueram, de maneira a protege- mo-nos na zona comercial autênti- levaria. Dois dias depois, bem cedo, zarparía-
rem a sua invejada capital das potências co- ca e azafamada da cidade, o merca- mos para Montserrate. Toda uma outra “es-
loniais, dos corsários e piratas inimigos. do ao ar livre de frutas e vegetais, tória” que por colapso mecânico desse mes-
Quando, por fim, a achamos, a fortificação todo um mundo de bancas e lojas de muito mo ferry, terminou com o regresso de avio-
pouco mais nos revela que parte das suas mu- mais que esses víveres. Onde as gentes da ilha neta a Saint John’s e a Antígua.

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Receitas PRATO/
do Chef BACALHAU
À BRÁS

CHEF
JOSÉ LIMA
RESTAURANTE
TÁBUA DA RIA
(PRAIA DA BARRA)

INGREDIENTES PREPARAÇÃO INGREDIENTES

BACALHAU DESFIADO 1 Descascar e cortar as batatas CAMARÃO LIMPO


BATATA AGREA em “palha”, lavar bem MOLHO DE TOMATE
OVOS e colocar em água com gelo ALHO PICADO
SALSA por 10m CEBOLA PICADA
SAL 2 Secar muito bem as batatas e REQUEIJÃO
PIMENTA fritar até ficarem secas; LEITE DE COCO
AZEITE retirar e colocar sal fino e FARINHA DE TRIGO
LOURO dividir em duas porções ALHO FRANCÊS
ALHO 3 Numa frigideira colocar a SALSA
cebola cortada em meias- OVO COZIDO
-luas, alho picado, azeite e SAL
louro; deixar refogar até a PIMENTA
cebola ficar translúcida NOS MOSCADA
4 Juntar o bacalhau e deixar QUEIJO PARMESÃO
cozinhar; adicionar a RALADO
primeira porção de batata e
mexer
5 Bater 2 ovos e 1 gema e juntar,
@tabua_da_ria quando estiver quase pronto
@tabuadariaoficial retirar do lume e adicionar a
segunda porção de batata
palha. Finalizar com salsa
picada

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PRATO/ PRATO/
QUICHE DE CAMARÃO BACALHAU
E REQUEIJÃO PARA OS CONFRADES

PREPARAÇÃO INGREDIENTES PREPARAÇÃO

Recheio LOMBO DE BACALHAU 1 Cortar o pão e torrar


1 Refogar o molho de tomate AZEITE 2 Fazer um refogado com
com alho, cebola, alho ALHO cebola e alho, adicionar as
francês e camarão OVAS DE BACALHAU ovas e deixar cozinhar muito
2 Acrescentar o leite de coco, o PÃO ALENTEJANO bem. Juntar o pão
requeijão e dois ovos OVOS demolhado e mexer bem;
3 Colocar um pouco de farinha CEBOLA temperar com sal e pimenta e
para engrossar se necessário COUVE PORTUGUESA finalizar com coentros
4 Temperar com o sal, pimenta GRÃO-DE-BICO 3 Cozinhar o bacalhau a 100º
e noz-moscada PRESUNTO em azeite por 12m com alho e
5 Misturar tudo com o ovo louro
cozido picado 4 Cortar as couves em juliana e
saltear em azeite e alho
Montagem 5 Saltear o grão e temperar
Revestir uma forma de fundo alho e coentros
removível com a massa 6 Fazer 1 ovo escalfado
Colocar o recheio de camarão 7 Colocar no prato as couves
Polvilhar com o queijo ralado e com a açorda, o bacalhau, o
a salsinha grão e o ovo. Finalizar com
Levar ao forno a 180º por 30m presunto seco

8 MARÇO 2024 | LUZ 41


Agenda
8 a 14 março
SEXTA, 8 SÁBADO, 9
CONCERTO
SARA CORREIA
Um espetáculo da fadista Sara
Correia, no qual o protagonista
é Liberdade, o seu terceiro
disco.

COLISEU DOS RECREIOS, LISBOA


21H30
OUTRAS DATAS:
10 (17H30) E 11 DE MARÇO
(21H30)
A PARTIR DE € 15

MAGIA interativa criada a pensar numa


CONCERTO DANÇA MÁRIO DANIEL APRESENTA intensa interação com o
NANCY VIEIRA DIANA NIEPCE MINUTOS MÁGICOS público.
Espetáculo de estreia ao vivo - O OUTRO LADO DA DANÇA - O ESPETÁCULO
em Lisboa do álbum Gente. A coreógrafa e intérprete Diana O consagrado mágico Mário ALTICE FORUM,
Considerada como uma das Niepce traz para o palco as Daniel está de regresso aos BRAGA
principais herdeiras de Cesária vozes dos invisíveis da história palcos com Minutos Mágicos - 21H30
Évora, Nancy Vieira vem da dança. Um espetáculo que o espetáculo, uma proposta A PARTIR DE € 16,50
apontar novos caminhos com conta com artistas como Artur
este seu novo trabalho. Zmijewski, Bill Shanon e Claire
Cunningham.
TEATRO MUNICIPAL SÃO LUIZ, DOMINGO, 10
LISBOA CULTURGEST, LISBOA
20H00 OUTRA DATA: 9 DE MARÇO MUSICAL
A PARTIR DE € 12 21H00 ALICE NO PAÍS
€ 14 DAS MARAVILHAS
Uma peça divertida para
miúdos e graúdos em que a
curiosidade de uma criança e a
experiência da sua avó ensinam
aos espectadores mais jovens
lições sobre amizade,
convivência e trabalho em
equipa.

CONSERVATÓRIO DE MÚSICA MUSICAL


DE COIMBRA DAMA E O VAGABUNDO
16H00 Um clássico da literatura
€ 14 infanto-juvenil com nova
produção baseada no conto de
Ward Green.

EUROPARQUE,
SANTA MARIA DA FEIRA
16H00
A PARTIR DE € 11

42 LUZ | 8 MARÇO 2024


SEGUNDA, 11 TERÇA, 12 QUARTA, 13 QUINTA, 14
CONCERTO EXPOSIÇÃO CONCERTO CONCERTO
JOYCE DIDONATO LISBOA FRÁGIL RUI FERNANDES LUÍS REPRESAS
A meia-soprano Joyce Lisboa Frágil, primeira QUARTETO Luís Represas está de regresso
DiDonato apresenta em retrospectiva de Luís Pavão, - VIOLA AMARANTINA aos Coliseus para apresentar o
concerto Songplay, um projeto apresenta 150 fotografias Rui Fernandes foi desafiado seu novo álbum de estúdio
inspirado no compositor tiradas entre 1971 e 2000 e a praticar a viola amarantina. Miragem. Depois do Porto, o
barroco Francesco Cavalli e no divididas por nove temas que Explorou timbres, técnicas concerto segue no dia seguinte
cantor de jazz Chet Faker, em documentam e inventariam e acordes, construindo no Coliseu dos Recreios, em
que procura criar pontes entre uma Lisboa em transformação, uma variedade de momentos Lisboa.
ópera, jazz e tango. evidenciando a faceta musicais, que aumentaram ao
arquivista do fotógrafo. convidar o trio de músicos: COLISEU PORTO AGEAS, PORTO
FUNDAÇÃO GULBENKIAN, LISBOA Uma exposição com curadoria Pedro Neves (piano), 21H30
20H00 de Laura Covarsí. Miguel Ângelo (contrabaixo) A PARTIR DE € 40
A PARTIR DE € 32 e Ricardo Coelho
MUSEU DE LISBOA (percussionista).
- PALÁCIO PIMENTA
ATÉ 31 DE MARÇO TEATRO MUNICIPAL
TERÇA A DOMINGO, 10H00 DE BRAGANÇA
- 18H00 21H00
€ 3 (GRATUITO AO DOMINGO) €6

EXPOSIÇÃO
MANCHAS E PULSAÇÕES
DO NOSSO BAIRRO
Uma exposição que apresenta
mais de 30 obras de pintura em
aguarela, de Filipa Pereira,
acompanhada de textos
escritos por Judite Dória. A CONCERTO
contar a história do bairro de RITA VIAN
Campo de Ourique, a exposição Sensorial dá nome à primeira
também pretende ser uma viagem em álbum na qual Rita
celebração da pintura. Vian explora dimensões como
composição, escrita, produção
CINEMA EUROPA, LISBOA e imagem.
DE 7 DE MARÇO A 6 DE ABRIL
SEGUNDA A SEXTA, 10H00 - 19H00 PALÁCIO BALDAYA, LISBOA
SÁBADO, 10H00 - 17H30 21H30
GRATUITO € 15

8 MARÇO 2024 | LUZ 43


Shopping 90€

Escolhas da semana

25€

SÉZANE
Lenço ‘Gaston’: Jardim
azul-marinho – algodão Indi & Cold
orgânico Colete regular justo

30€ 90€ 155€

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de bloco e em pele.
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100€

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Vestido midi de decote camurça toup de lona de algodão com
direiro. Ref: 8779/167 Ref: 23/5376 motivo arabesco-floral

44 LUZ | 8 MARÇO 2024


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Blusa de mulher acetinada

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e decote em lágrima comprida com armação retangular

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Cardigã em croché. SOUTHERN COTTON ‘Amado’: Quimono
Multicolor Blusa de manga curta reversível

8 MARÇO 2024 | LUZ 45


Uma Mulher Incomum
retratoscontados.pt
info@retratoscontados.pt

– Retratos contados
@retratoscontados
@retratoscontados

NÉLSON ALICE
MATEUS VIEIRA

Querida avó, Querido neto,

H E
oje celebramos o Dia Internacional da Mulher. fetivamente, podíamos falar de imensas Mulheres do
Uma data que assinala, entre outras causas, a meu país, titulo da obra da minha prima Maria Lamas
igualdade de direitos civis entre homens e mulhe- publicada em fascículos e que traçou o retrato minu-
res. Há quem continue a questionar a pertinência cioso da condição da mulher em Portugal nos anos
desta efeméride. Um tema que foi referido poucas 1940.
vezes na campanha eleitoral que hoje (finalmente) termina. A Também podíamos falar de Maria Teresa Horta, Maria Isabel
verdade é que, até outubro de 2019, (há cinco anos, portanto) o Barreno e Maria Velho da Costa – as três (Marias) autoras das
Código Civil português dizia que, depois de um divórcio, os ho- Novas Cartas Portuguesas, o livro que provocou grande rebuliço
mens precisavam de esperar 180 dias para voltar a casar, en- na vida cultural e política de Portugal.
quanto as mulheres necessitavam de 300 dias, imagina. E este é Também podíamos falar de Florbela Espanca e Amália Rodri-
apenas um exemplo de machismo estrutural no nosso país. Mui- gues. Ou, se quiséssemos retroceder uns séculos na história, po-
tos ainda pensam que o lugar da mulher é em casa a tomar conta díamos falar de D. Maria I ou da neta D. Maria II. Desde a monar-
dos filhos e a cuidar do lar. Muitos homens não aceitam ser lide- quia nunca mais tivemos um país governado por mulheres. No
rados por mulheres. Não percebo a desigualdade salarial exis- entanto ainda existe esperança!
tente entre outras situações. Quanto à nossa amiga Simone de Oliveira deixou o “pombal”
Hoje podíamos recordar aqui grandes mulheres que foram fun- onde vivia na freguesia da Misericórdia e agora reside na Casa do
damentais para o “empoderamento feminino”. A tua prima Ma- Artista.
ria Lamas, Odete Santos, Natália Correia, Beatriz Ângelo, Maria Como sabes, não hesitou em aceitar o convite de Ary dos Santos
de Lurdes Pintasilgo, ou até Brites de Almeida, a Padeira de Alju- para cantar A Desfolhada. Foi uma escandaleira uma mulher a
barrota ou a Maria da Fonte. cantar «Quem faz um filho, fá-lo por gosto», num Portugal a
Mas hoje, em particular, gostaria de referir a nossa amiga Simone preto e branco.
de Oliveira, como uma Mulher Inesquecível! Tem sido uma mulher com um percurso de vida incrível, uma
Foi feminista quando a maior parte das mulheres vivia depen- espécie de montanha russa, com altos e baixo, que deixou mar-
dente da vontade do pai ou do marido. Fumava, usava calças e cas e cicatrizes e muitas histórias por contar.
frequentava a noite, enquanto as outras mulheres estavam de Foi-nos diagnosticado um cancro da mama, praticamente ao
avental na cozinha ou de joelhos nas igrejas. Abandonou o mari- mesmo tempo. Mas também nisso fomos um exemplo de resis-
do que a maltratava e denunciou-o enquanto outras apanhavam tência, e de esperança para tantas outras mulheres.
e ficavam caladas. «Nasci embalada no canto crescido/ Da gente miúda/ Cresci
Já te disse que uma das minhas canções preferidas da Simone é aquecida pelo sol de inverno/ Que o vento não muda/ Cantei
Auto-Retrato, com letra e música do nosso amigo António Sala? desfolhadas, cantei sete letras/ Tangos ribeirinhos/ Cantei os
Um “Retrato Cantado” de uma Mulher Incomum, que ousou poetas, gritei os poemas/ Que são meus caminhos»
percorrer o caminho mais difícil. Amada por muitos homens e «Mudei o cantar e a forma de amar/ Aqui onde estou/ Virei os
mulheres e mal-amada por outros tantos, mas a quem ninguém destinos, mudei os meus hinos/ Mas sei onde vou!»
fica indiferente! Só o António Sala podia ter escrito algo tão bonito para Uma Mu-
Vamos visitá-la em breve? lher Incomum de seu nome Simone de Oliveira.
Bjs Bjs

46 LUZ | 8 MARÇO 2024

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