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O estágio: Expectativa v.s.

Realidade

Durante as três primeiras semanas de abril eu estive em contato com a escola


onde estagiei. Localizada numa região não muito periférica de Belo Horizonte, essa
escola estadual atende às comunidades a sua volta e também ao bairro Céu Azul, onde
resido. Extremamente solícita, a equipe que administra a escola (desde a diretora, vice-
diretoras, professores à serventes) me recebeu de braços abertos e me fez sentir acolhido
e respeitado.
Durante toda a minha preparação nas aulas para esse momento de contato real
com uma escola regular, eu imaginei todas as situações de estresse possíveis que eu
poderia vivenciar, e de fato muitas aconteceram. Presenciei brigas, bagunça,
desesperança na voz dos professores, caos entre outras tantas coisas que poderiam me
fazer desanimar. Entretanto, estar preparado para o pior me fez experenciar de forma
intensa o lado positivo que não pode ser ignorado.
Por vezes, mesmo que ainda um tanto inseguro, presenciei pequenas vitórias.
Quando eu esperava somente o pior, coisas boas apareceram em destaque e elas me
encheram de alegria. Foi extremamente gratificante, por exemplo, presenciar os
momentos em que os alunos percebiam que de uma forma ou de outra eles iam sair dali
com pelo menos uma coisa à mais no conhecimento. Esses momentos, vejo agora,
superaram qualquer ansiedade que eu tenha sentido.
Como observador e professor, tive contato com 7 turmas do ensino fundamental
II: 6º, 7º e 8º anos. Analisando os artefatos que coletei, os meus registros da observação
e as entrevistas que fiz com os funcionários, cheguei à análise abaixo.

O Livro Didático

O livro didático adotado pela rede estadual e a escola é o Way to English. Esse
foi, em muitas das aulas em que estive presente, o único material do inglês que os
alunos tiveram contato. Minha primeira impressão sobre o livro foi extremamente
positiva. Não bastou olhar muito para ele para perceber pontos fortes: o livro é
consumível, foi pensado para o ensino de língua para brasileiros e, portanto, era bastante
contextualizado na realidade do nosso país.
Numa segunda leitura que fiz sobre ele, entretanto, percebi algumas coisas que
não eram tão positivas assim. O conteúdo dos livros não corresponde muitas vezes ao
nível de proficiência dos alunos. Não que seja uma culpa do livro ou do aluno que não
aprendeu. Eu vejo isso como um problema que é alimentado de ambas as partes. O livro
não atende o aluno por ser difícil e o aluno acaba desistindo. Entretanto, com algum
esforço, ele tem espaço sim dentro da sala de aula.
Exemplo disso é a atividade da página 29 do Way to English 8:
***
Tive a oportunidade de trabalhar com essa página com os alunos do 8º ano e me
pareceu bastante proveitoso. Apesar da resistência deles, que reclamavam que eram
incapazes de ler um texto completamente em inglês, o texto foi lido e entendido com
ajuda da tradução para o português. As atividades relacionadas ao texto eram ótimas,
especialmente quando levamos em consideração o aspecto instrumental da língua. Eu
percebi nessa pequena experiência uma deficiência nos alunos não na língua, mas na
habilidade de fazer uma atividade, de interpretar um texto, de seguir uma linha de
raciocínio dentro da questão. Dessa forma, acredito que o uso do livro é de grande
importância, mesmo que não 100% compreendido pelos alunos. Mas nem sempre ele é
realmente aproveitado.
Como exemplo disso escolhi essa atividade da página 36 do Way to English 7:
***
É um exercício sobre gêneros musicais, com uma dica em português sobre como
fixar novo vocabulário. O que me chama atenção nesse exercício, porém, é o espaço
para outros tipos de gênero musical. É nesse espaço que naturalmente a maioria na sala
onde estagiei encaixaria o funk brasileiro, sendo esse o estilo de música que eles mais
escutam. Contudo, mesmo que o material ofereça esse espaço, isso não quer dizer que o
professor é obrigado a usá-lo. Muitas vezes essas brechas são ignoradas ou passam
desapercebidas e isso afeta na motivação deles.

Exercício Avaliativo

Infelizmente não estive na escola por tempo suficiente para ver uma avaliação
sendo aplicada. Até maio eles não tinha feito nenhuma prova, pois as greves tinham
atrasado o conteúdo e não havia previsão de quando essa avaliação aconteceria.
Contudo eu vi uma atividade que valeu 2 pontos sendo aplicada em uma das salas. Era
uma atividade que o professor chamou de dictation.
***
Após tocar a música Wake me Up, do DJ Avicii, o professor ditou 20 palavras da
música e o trabalho dos alunos era tentar escrevê-las. Após, eles trocavam os cadernos
entre si para corrigir de acordo com o que o professor escrevia no quadro. O que me
chamou atenção nessa atividade foi o fato de que, mesmo o professor tendo mostrado a
letra da música antes da atividade e os alunos tendo a copiado, eles ainda erraram
algumas das palavras. Eu não consegui chegar em como uma atividade como essa
ajudaria os alunos na fixação do vocabulário. Elas faziam sentido na música, mas fora
dela em lista perdiam o contexto.
Uma forma de trabalhar a letra da música que eu encontrei e que pra idade deles
pode funcionar é a seguinte: após escutar a música, discutir sobre ela, entender o
vocabulário, seria a hora de escrever sobre a música. Em português, eles poderiam
recontar o que acontece na música, ou o que entenderam da música ou mesmo se
gostaram ou não dela. Outra forma de engajamento seria deixar aberto para que eles
pesquisassem mais músicas do mesmo artista, escutassem e trouxessem para a próxima
aula, por exemplo.
O uso de música na sala de aula: O uso de música era a principal estratégia do
professor e realmente funcionava. Os alunos gostavam desse tipo de atividade e
prestavam atenção. Mas mais uma vez eu tive essa sensação de que muitas
oportunidades de fazer com que a atividade significasse mais do que só um exercício de
inglês foram perdidas.

Proposta política pedagógica

Uma das coisas mais satisfatórias para mim foi ter lido a Proposta Política
Pedagógica da escola onde eu estagiei. Por vezes a gente passa em frente às escolas,
muitas vezes nossas próprias ex escolas, e não fazemos ideia da história por trás do
prédio e das pessoas que trabalham para mantê-lo. Como a passagem do aluno pela
escola é finita, muitas vezes a gente só vai ter acesso à realidade quando estamos “do
lado de lá”, isto é, quando nos tornamos professor, diretores etc.
Apesar de não ter sido aluno da escola onde estagiei, achei maravilhoso ter
contato com a história dela, com os projetos que nasceram e morreram ali, tudo
documentado na Proposta. Gostei de ver que há uma preocupação com a identidade da
escola, nesse âmbito administrativo, e perfil do aluno, professor, comunidade, tudo é
registrado nesse documento que fica disponível para qualquer pessoa ler (pelo menos eu
acho que é acessível a todos).
Só foi um pouco frustrante ver que na Proposta muitas das coisas lá descritas já
não eram mais verdades, como por exemplo o laboratório de informática. Na Proposta
ele era comemorado, mas na realidade um ou dois computadores estão funcionando e os
alunos quase nunca têm acesso a eles.
A leitura desse texto me trouxe também a análise de estatísticas que ouvimos
falar mas nunca constamos. Em tabelas que comparavam os ensinos médio e
fundamental, que são divididos por turnos, ficou clara que à medida que os alunos
crescem, a evasão aumenta, os problemas multiplicam e isso reflete também no trabalho
dos professores. O índice de faltas dos professores no turno da noite, onde os alunos são
mais velhos e muitas vezes mais “perigosos”, é altíssimo. Mas foi legal ver que, ao lado
de cada problema que eles encontraram na escola, existe um espaço dedicado à solução.
Mesmo que essas estratégias só existam no plano das ideias, ou escritos nesse
documento, foi legal perceber que pelo menos uma pessoa está tentando reverter esse
quadro.

Conclusão

Para ajudar na minha conclusão, coloco a imagem de um quadro de boas-vindas


pregado na porta de umas das salas da escola onde estagiei.
***
Essa frase de Paulo Freire, “me movo como educador, porque, primeiro, me
movo como gente” retrata bem o que eu posso chamar de resultado do meu estágio.
Entender o aluno e saber o contexto no qual ele está inserido é tão importante quanto
saber o conteúdo que vamos tratar numa aula. Mais do que isso, essa capacidade do
professor de encontrar maneiras de educar, mesmo quando não há espaço para mais
nada, é isso que me encanta nessa profissão.
Dessa forma, eu não acredito que o curso de Letras da UFMG nos forme para as
situações reais, e desconheço algum que seja capaz. Esse ato de ser humano dentro da
sala é mágico, quase um dom, mas que é necessário, não tenho dúvidas. Como antes
dito, eu não encontrei respostas para a maioria das minhas perguntas, nem acho que
algum dia vou encontrar. Contudo, não abandonei a minha vontade de ver mudanças e
de idealizar uma solução.

Extra

Carta ao professor

Thank you!
I cannot explain how much you have made me feel comfortable in your class,
and it means a lot. I was nervous, anxious, doubtful, hesitant, and yet your confidence,
the way you held the situation among the adversities, got me where I needed to be: in a
calm place to observe and absorb.
Once you said “I’m sorry” for how loud you voice got, and to how
uncontrollable things would get, but you did not need to apologize. Your job is
wonderful, I admire the amount of bravery you have to be there every day and for that
you should never be sorry. You helped to understand that there is so much pride in what
we do and that is beyond explanations.
For that, I have say sorry for interrupting your work, but also thank you for
being a teacher!

Da Cruz, R. G. APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA. 2006. Trabalho de conclusão e


curso. (Licenciatura em Pedagogia). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Farah Silva, E. L. ABORDAGEM COMUNICATIVA PARA O ENSINO DE


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Dissertação (Pós-graduação em Engenharia de Produção). Universidade Federal de
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ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA: da retórica à efetiva ação pedagógica. Revista
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ARMSTRONG, T. Inteligências Múltiplas na sala de aula. 2ª ed., Trad. Maria Adriana


Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

Eu vejo a escola como um espelho a refletir o que acontece ao redor dela. Se a


sociedade sangra, as paredes da escola estarão manchadas de vermelho. Os
problemas que vemos na educação não surgem somente da organização da
própria e não dependem só dos envolvidos para que uma solução seja
encontrada. Durante todo o meu estágio, eu me preocupei em entender a
seguinte pergunta: quais são esses problemas?
Admito que ainda não tenho resposta, pois eu vejo a situação como um ciclo.
Primeiro tem os fatores histórico: como as escolas foram fundadas, por quem
fomos colonizados e de que forma, a cultura que permeia a relação entre o
brasileiro e a educação e principalmente a política. E em um segundo
momento, temos o resultado atual interferindo no resultado futuro: quem não
recebeu educação suficiente, não é capaz de entender a importância desta para
as futuras gerações. É imprescindível que ser rico é mais importante do que
ser educado, na maioria das opiniões.
Outro fator que me incomoda e que se fez presente durante o meu estágio foi a
presença do governo na precariedade da situação. Vi duas greves se instalarem
por causa de pagamentos não feitos ou por parcelamentos injustos. Vi
professores desacreditados não somente pelo governo, mas também por si
próprios. No jogo político em que nos encontramos, fica realmente difícil
achar uma solução. Em uma conversa com meu supervisor de estágio, que
também era o professor que observei, tive a constatação de que não é nada
interessante o investimento na educação.
Qualquer dinheiro que aplicado em escolas de ensino fundamental ou médio
que não sejam para melhoras físicas e imediatas não surte efeito nos mandatos
dos políticos. Primeiro porque para quem tem uma vida confortável é fácil não
entender o que as piores escolas do nosso estado precisam, além da escassez
de verba e burocracia imensa por trás de tudo isso; segundo porque seus
cargos não são eternos e eles precisam mostrar feitos rápidos para reeleições
ou manutenção de partidos nos gabinetes — ninguém quer esperar 20 anos
para ver o resultado de algo, não quando o partido rival faz campanhas
melhores e mais poderosas.
Nesse cenário, vejo os problemas se acumulando e se repetindo ao longo dos
anos e, apesar de ter abordado nesse texto apenas um aspecto dos problemas,
não encontro resposta simples. Eu sou apenas um num mar de desesperados, e
qualquer que seja o caminho que escolha, não acho que seja fácil fazer muito.
Mas eu não me permiti passar pelo que passei dentro da escola sem sair com
pelo menos ideias. Sim, são apenas ideias, mas não significam que sejam
impossíveis. Eu me deixei sonhar com a escola ideal.

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