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O método de resolugées de problemas Riva Roitman (*) A Educagao sempre esteve apoiada no principio de que o conhecimento do pas- sado conduz a percepcao da imagem do futuro. Atualmente, passando 0 mundo por continuas transformagdes, com mudangas ocorrendo em grande veloci- dade ¢ também em grande numero, 0 futuro torna-se incerto e o principio aci- ma nao mais é valido. A Educagao assu- me, entdo, uma posigdo de crucial importancia de como sera a nossa Socie- dade, j4 que a cla cabe também preparar o Homem para um futuro ndo previsivel — o Homem que ira tomar as decisdes do amanha. Isto exige da educagao formal uma definigao em relagdo ao que € mais importante: se apenas a tarefa de reter e compreender a vasta colecgdo de conheci- mentos ji adquiridos, se a busca de cami- nhos para novos conhecimentos ¢ 0 uso destes de maneira criativa. O Educador se vé, assim, forgado a assumir uma posigao diante da seguinte alternativa: 0 educando torna-se- mero espectador, ajustando-se as mudangas a medida em que elas aparegam, ou, ao contrario, prepurar-se-d para tomar parte ativa nessa mudan¢a? De acordo com a escolha, 0 professor desenvolvera o seu trabalho cducativo (*) Mestre em Educagdo; Membro da Equipe Pedagdgica da ABEM com métodos, técnicas ¢ recursos que Ihe permitam atuar segundo os propdsi- tos que deseja. Cabe aqui fazer uma distingo entre método e técnica, expressdes que sao empregadas indistintamente por grande parte dos professores, e que devem ser diferenciadas para que sua atuagio seja mais consciente e eficaz. Método refere-se a um modo bisico de investigagio; esta relacionado com meios para se chegar a um fim determi- nado; ainda mais, método fundamenta-se em principios filosdficos ¢ psicologicos. Como 0 processo ensino-aprendiza- gem visa 0 alcance de um fim envolven- do a relagdo entre professor e aluno, o método didatico pode propiciar 0 encon- tro entre a estrutura psiquica do aluno e a estrutura légica do conteido para que © educando possa aleangar os objetivos desejados. A base psicolégica do método didatico esta relacionada com uma ade- quagao do contetido ao aluno, atenden- do a psicologia da aprendizagem. A base filoséfica do método esta ligada aos obje- tivos, ao que se pretende com a aprendi- zagem do aluno, ou seja, com o fim a ser alcangado. Na escolha do método intervém varios fatores entre os quais a filosofia de edu- cagio do professor, a sua concepgdo em relagdo ao educando, o tipo de formagao académica que recebeu, a sua experién- 15 cia anterior; o nivel de maturidade e o preparo dos alunos: a administragdo da escola ¢ as condigdes sdcio-econdmicas em que esta se insere. O método esta pois, limitado por con- dicdes subjetivas (do professor e do alu- no) © por condigées objetivas (contetido © ambiente), Nao ha resultados de pes- quisa que indiquem 0 “método didatico ideal” para alcangar todos os fins dese- jados. Tecnica, por sua vez, é meio auxiliar, maneira particular de se aplicar 0 méto- do; é um expediente especifico e bem articulado em si mesmo, capaz de resol- ver certas sttuagdes particulares. Um método pode utilizar varias técni- cas, € uma mesma técnica pode ser usada em diferentes métodos. Assim, a simples observagio das técnicas de ensino-apren- dizagem é insuficiente para informar sobre o método que esta sendo emprega- do, sobre 0 que se pretende e sobre a forma como se encara a educagao. As técnicas so apenas maneiras do profes- Sor apresentar 0 contetido ¢ organizar as experiéncias de aprendizagem; ndo sao, em si, boas ou mas, j que so podem ser avaliadas dentro de um contexto que considere © objetivo para o qual procu- ram contribuir, Portanto, usar uma técni- ca por modismo ou gosto pessoal, sem ter em vista os objetivos educacionais, além de inutil pode ser contraprodu- cente. Desse modo e reforcando considera- gdes feitas no inicio deste trabalho, o professor pode se perguntar que métodos didaticos possibilitam um maior auxilio no desenvolvimento de estratégias de pensamento que tornem o aluno capaz de enfrentar o futuro. Entre outros, um método apropriado a educagao do Homem, permanentemente solicitado a resolver problemas no mun- 16 REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAGAO MEDICA do de hoje, & 0 método da resolugao de problemas (problem-solving method). Um modelo de ensino-aprendizagem que procure desenvolver um determina- do processo mental pode ser formulado a partir da descrigdo deste. Dai, a resolu- gio de problemas ser enfocada sob dois prismas como forma de aprendizagem ¢ como método didatico. No primeiro caso, um dos recentes tra- balhos no campo da teoria da aprendiza- gem é o de Robert Gagne. Este psicélo- go prope uma hierarquia de tipos, ou niveis de aprendizagem partindo do mais simples para 0 mais complexo. Para apoiar sua teoria enfatiza os efei- tos ordenados e cumulativos da aprendi- zagem e hierarquiza os tipos de tal modo que cada nivel mais complexo exige como pré-requisito a aquisi¢do do nivel imediatamente abaixo. Gagné considera a resolucao de pro- blemas como a forma mais complexa de aprendizagem. A aquisigdo deste tipo (ni- vel 8) implica na combinagao de princi- pios (nivel 7) j4 aprendidos, formando um principio de orderh superior, que produz a capacidade de resolver o pro- blema. Quando isto acontece, a capaci- dade adquirida passa a fazer parte do repertorio do individuo, ao enfrentar outra vez problemas semelhantes, a solu- gao vira de modo mais facil, A partir de sua idgia de hierarquia de conceitos e principios, ¢ de estruturagao do contet- do, Gagné propde um planejamento especial da seqiiéncia do que deve ser aprendido. Desde os filésofos gregos até os dias de hoje, apareceram varias teorias para explicar o trabalho mental que o indivi- duo realiza. Neste século, estudos sobre © pensamento esto sendo feitos através de experiéncias em laboratério, observa- fo controlada de pessoas que esto resolvendo situagdes problematicas ¢ VOL. Il] NUMERO 2 MAI/AGO 1979 simulagdo de processos mentais em com- putadores. A partir desses resultados experimentais, torna-se possivel propi- ciar modos de acao que visam desen- volver as estratégias de pensamento dese- jadas. Neste trabalho, até o momento, foi a resolugdo de problemas vista como for- ma de aprendizagem, isto é, um dos modos que as pessoas podem utilizar para obter novos conhecimentos, novas formas de agir ¢ novas atitudes. A partir de agora sera tratada como uma das maneiras de possibilitar a aquisigao desse tipo mais complexo de aprendizagem. O método da resolugdo de problemas é © ataque planejado sobre uma dificulda- de com o propdsito de encontrar uma solugdo satisfatoria, Como qualquer outro metodo didatico, este tambem varia segundo o aluno, o professor ¢ os recursos. Pode ser utilizado em todos os graus de escolaridade, ¢ sera mais efetivo se ndo se mantiver dentro de esquemas rigidos, pré-determinados, deixando ao aluno ampla possibilidade de utilizago de qualquer meio que ele julgue necessa- tio para a resolugdo do problema que esta enfrentando. O método da resolugdo de problemas apresenta elementos dedutivos e induti- vos, « ndo hd, em esséncia, diferenga fundamental entre ele ¢ o de uma investi- gacdo cientifica. As etapas do método sao as seguinte: 1. reconhecimento e delimitagao do problema; 2. formulagao de hipoteses; 3. selegdo de uma hipdtese; 4. verificagdo (testagem) da hipétese; 5. conclusio. ‘Apesar de existirem diversos modelos do método de resolugao de problemas, todos insistem em que 0 aluno nao deve iniciar sua resolugao sem compreender em que consiste 0 problema. O processo de resolucao propriamente dito varia de acordo com 0 individuo e a natureza do problema. ‘As fases do método nao precisam ser seguidas rigidamente, pois a solugao nao resulta de uma rotina. Novas observa- gdes decorrem do aperfeigoamento de idéias, e novas avaliagdes podem ser feitas. Sempre que aparece uma situagdo nova, ou quando ha modificagdo na situagdo existente, o Homem se vé diante de um problema. A cada dia as pessoas encontram problemas novos, alguns facilmente solucionaveis, outros muito dificeis e, freqientemente, alguns inso- laveis. © método, em consideragdo, tem como ponto de partida um desafio, que deve ser problema para o aluno ¢ nao para 0 professor. Todo o desenvolvimen- to da resolugdo exige um trabalho ativo por parte do aluno, ja que as ctapas sio realizadas por ele, que possui o conheci- mento anterior sobre o qual ira traba- lhar. O aluno identifica o problema, pro- poe hipéteses, nao no vacuo, mas basea- do em conhecimento do contetido, testa aquela que selecionou; e, finalmente resolve o problema generalizando ou sus- pendendo um pré-julgamento. Assim, niio so a habilidade de investigar, mas tam- bém o conteudo devem ser enfatizados. Este precisa ser adquirido nao apenas como produto acidental do método. Outro ponto a ser abordado é o de ser a resolucdo de problemas um estagio no desenvolvimento da capacidade criado- ra, Comparando-se os passos desse méto- do com os aspectos destacados por Tor- rance (1965) na sua definicao de criativi- dade: “o processo de tornar-se sensivel a problemas, deficiéncias, falhas no conhe- cimento; desarmonias, etc., identificar a dificuldade; procurar solugdes, fazer suposigdes, ou formular hipoteses; testar 7 e retestar essas hipoteses ¢ finalmente, comunicar os resultados”, encontram-se muitos pontos em comum. A percepgo, a identificagéo e a formulagio de um problema podem propiciar excelente oportunidade para o desenvolvimento da criatividade, £ importante ressaltar que um proble- ma percebido pelo professor pode nao ter interesse para os alunos, bem como o que é desafiador para um estudante pode nao ser para outro. Mais ainda, os melhores problemas sio aqueles que os proprios alunos percebem e identificam, No entanto, aguardar que o problema seja trazido pelo educando pode ser frus- trante, tanto para o professor, como para os proprios alunos, se o educando nao apresentar nenhum problema a ser traba- Ihado, o que até invalidaria a aplicabili- dade do método a uma situa¢do de ensi- no-aprendizagem. Isto pode ser contor- nado se o professor induzir e provocar um estado de divida, permitindo que o aluno resolva a situac¢do problematica, individualmente ou em grupo, através de um trabalho que poderd ser ou ndo de carater experimental. O professor pode provocar um estado de tensao psicologi- ca que motive o aluno, através de per- guntas do tipo “por qué?” Outro meio a ser usado & a apresentagido de dados que estejam fora do campo de percepgao do aluno e que o coloquem diante de fatos contrarios aqueles nos quais acreditava. Uma sessdo de encontro pode comecar também pelo relato de uma situagdo, cabendo aos alunos estabelecer 0 proble- ma e sugerir hipdteses que serao testa- das. Uma maneira interessante de iniciar a resolugao de problemas ¢ através de uma demonstracdo que estimule a for- mulagdo de hipoteses. Até mesmo filmes 18 REVISTA BRASILEIRA DE EDUCACAO MEDICA que, em geral, apresentam solucées, podem servir para estabelecer uma difi- culdade que deveré ser resolvida. O importante & que o problema seja signifi: cativo para o aluno © que as respostas nao lhe sejam prontamente entregues ou que sejam simplesmente encontradas pela aplicagao de formulas matemiticas. O método da resolugdo de problemas é de grande valia no ensino em geral ¢ especialmente no ensino médico, onde situagdes inusitadas surgem a cada momento exigindo do estudante uma sé- tie de habilidades inerentes ao reconhe- cimento, identificagdo e resolugio de situagdes-problema No ensino médico, a apresentagao de uma anamnese, a projegdo de um filme e a utilizagao de outros recursos, podem ser usados para que 0 aluno identifique o problema, delimite-o, levante uma série de hipdteses que sero testadas expe: mental ou dedutivamente, e chegue a solugiio. Percorre, assim, as etapas do método da resolugao de problemas. E importantissima a orientagdo do pro- fessor, ndo para dar as respostas ou indi- car a linha de trabalho que o aluno deve- ra seguir, mas para discutir as decisdes que o aluno toma e para verificar se 0 conteido da disciplina esta sendo aprendido. O método da resolugao de problemas nao € superior a outros métodos e nada indica que s6 ele deva ser usado. Contu- do, se 0 objetivo for a aprendizagem de resolugao de problemas e o desenvolvi- mento de atitudes cientificas ele, sem dii- vida, € 0 mais apropriado. Referéncias Bibliograficas GAGNE, Robert M. — Como se realiza a aprendiza- gem. Rio de Janeiro, Livro Técnico. 1971. VOL. It NUMERO 2 MAI/AGO 1979 SAETTLER, Paul — “The problem-solving method: its dimentions and implications for teacher education”. In: Position paper, 3, 1970. TORRANCE, E. Paul — Scientific views of creati- vity and factors afecting its growth, apud Washton. Nathan S. — Teaching science creati- vel — Philadelphia, W. B. Saunders, 1967, p. 218 WASHTON, Nathan S, — Teaching science creative- ly, Philadelphia, W. B. Saunders, 1967. 19,

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