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Aua Roga Araijo { i i MANUAL DE DEMOGRAFIA PARA ESTUDANTES DE MEDICINA BLE LLL Centro de Estudos { Departamento de Saide de Populacao (C)!P) da Comunidade Faculdade dz Letras Faculdade de Medicina Projecto MOZ/98/108_ Univers’ dade Eduardo Mondlane 2005, a biyitanzauu Cui Car Titulo: MANUAL DE DEMOGRAFIA PARA ESTUDANTES DE MEDICINA Autor: Anna Rosa Lopes de Araijo Revisdo Linguistica: Almiro Lobo Editor: Faculdade de Letras - Centro de Estudos de Populagao Faculdade de Medicina - Departamento de Saiide da Comunidade Projecto MOZ/98/PO8 Universidade Eduardo Mondlane Composicéo € impressdo: Imprensa Universitéria Tiragem: 500 exemplares Registo: 1979/RLINLD/2001 ) Maputo, Mogambique, 2001 ~~, A viyitaizauy cull Gal “\ I. Tu. Iv. ~ SUMARIO INTRODUCAO 1.1. Definicao de Demogiafia 12. Dinamica populacional como proceso hist6rico-social Demografia estética versus demografia dinamica Os estudos populacionais . Importancia do estudo da demografia na medicina 1.6. O médico como produtor e utente da informagio 1.7. Exercicios de consolidagao 1.8. Bibliografia FONTE DE DADOS DEMOGRAFICOS 2.1. O censo demogrifico 2.2. O registo civil ow sistema de est: 2.3. Erros em censos ¢ registos civis 2.4. O registo continuo 2.5. Levantamentos especiais ou inquéritos 2.6. Fontes ndo-convencionais 2.7. Exercicios de consolidacio 2.8. Bibliografia sticas vitais ESTADO DA POPULACAO 3.1. Distribuicao por sexo e idade 3.2. Distribuicao geografica 3.3. Distribuicao por caracteristicas sociais, econémicas e culturais 3.4. As mudancas na composicao da populacio e as suas \gBes nos cuidados de satide 3.5. Exercicios de consolidagio 3.6. Bibliografia NATALIDADE E FECUNDIDADE 4.1, Introdugio Indicadores de fecundidade 4.3, Reprodugao 4.4, Determinantes da fecundidade 4.5. Tendéncias 4.6. Exercicios de consolidagio 4.7. Bibliografia 10 17 19 24 27 29 53 59 67 69 7S 78 79 81 83 100 106 Vi 113 114 ws 15 122 130 133 140 144 145 viyitaiZzauv courCar sit 36t CAPITULO I NTRODUGAO 1.1. DEFINICAO DE DEMOGRAFIA ‘A palavra demografia vem do Grego demos — populagéo ¢ graphein — estudo. . 5 No ano de 1959 foi publicado, em sua primeira edigao, um livro, hoje classico no campo da demografia, cujo objecto cra 0 de jdentificar a Demografia como uma disciplina cientifica € efectivar © balango dos conhecimentos por ela acumulados até entao. Esse livro, editado por dois conhecidos demégrafos norte-americanos, apresentava como capitulo introdutério uma _definicao da” demografia bem como uma sintese dos seus principais dados ¢ métodos. Nao foi por acaso que essa publicacao se deu naquele momento, junto com outras mais ou menos semelhantes. Tratava-se de um tipo de abordagem que marcou época na evolugao da demografia. Na verdade, os trabalhos da década de 1950 representaram, por assim dizer, um divisor de 4guas com a tradigao anterior. Eles tiveram origem, de um lado, no acimulo de dados de estatisticas vitais relativas 3s modernas sociedades urbano-industriais e, de outro, reflectiram, por enfoques diferentes, uma crescente preocupacdo com as relagées entre populacdo e sociedade, tanto nos paises desenvolvidos como nos subdesenvolvidos. A demografia nessa década passou a interessar-se pela sistematizacao cientifica do crescimento populacional nos paises nao industrializados, cresci- mento esse que se foi acentuando consideravelmente depois da Tl Guerra Mundial. neon) essa década ue ovorreu © maior florescimento do enfoque entre populacdo pera estabelecendo-se um estroito vineulo eae a ica e polit as control tas. Para fem e ‘se necessdrio acoplar a produgio cientifica as nee idades viyhanzagocor Var de politicas populacionais voltadas para o Controle do cresci populacional, encarado como obsticulo ao desenvolvi rae a s dlvimento econé- A fim de poder exccutar os varios program demografico, seja sob a forma de clinic: iWae familiar”, seja por meio de capacitagio de especiali paises industrializados, era preciso obter i dessas actividades. Nesse sentido, “corpo de conhecimento empiric as de controle “plancamento nos diversos a legitimagao cientifica entendendo ciéncia como um istematico” Hause: he p ser ¢ Duncan procuram revestir a demografia de uma cardcter neutro e objectivo, ee eee aoe politicas adequadas. tamanho, da distrib cao desses autores, Demografia é 0 estudo do ass aa a distribuigao territorial e da composicao da populagao, 's mudancas e dos componentes dessas mudangas; estes tiltimos podem ser identificados como natalidade, mortalidade, movimentos territoriais (migragdo) e mobilidade social (mudancas de status). Para eles a composi¢ao populacional envolve nao apenas as chama- das varidveis demograficas — como a idade, 0 sexo € 0 estado civil -, mas também varidveis que se aproximam da ideia de “qualidade “ de vida como satide, capacidade mental ¢ nivel de qualificagao. Por sua vez, 0 termo “mobilidade social” é entendido_como mudanga. dos individuos da condicao de solteiros a casados, bem como mudangas através da natalidade, da mortalidade eda migracio. Este tiltimo aspecto merece uma consideracao a parte, uma vez que utiliza um conceito de mobilidade social adstrito aos elementos internos da demografia. Ora, a fungao dos trés elementos da dinamica populacional cotejados com a “estitica” populacional (idade € sexo) esgotam as possibilidades Iégicas da reprodugio da populagio Teferida a um determinado espaco (em geral_nagio, estado, municipio, 4s vezes regiao, continente, como no caso da populagi africana). Quando se procura uma explicagao para reprodusio dt populacao, no entanto, esses elementos representam fendmen . bastante diversos, como poderd ser avaliado em varios capitulos — manual. Além disso, a nocao de “social” implicita parece excessive uma vez que a definigao opera a nivel quantitativo, resultamte aparente do fenémeno, endo de uma concepsio do que sea oso que engloba os processos significa ivos ¢ hierarquizados de i ituagio concreta. ae diz respeito ao termo “movimentos territoriais”, utilizado em 8 viyitaiZzauv contf{car de “migracdes”, uma vez que este vfitimo aplica-se a movimentos de ou para unidudes geogrificas arbitrariamente definidas ¢ nao & totalidade dos deslocamentos populacionais, Por outro lado, & interessante observar que, na tentativa de legitimar 0 conhecimento demogrifico como disciplina cientifica auténoma, os referidos autores propdem uma definicio Iégica, operacional ¢ abstracta. Légica, como foi dito anteriormente, na medida em que se propde uma inter-rclagdo interna entre componentes que tém em comum apenas 0 facto de resultarem numa populacdo quantitativamente determinada , em relagao a um espago fisico determinado; operacional porque guarda estreita telagéo com as fontes de dados e as possibilidades por eles fornecidas, de quantificaco das variayeis indicadas na definicio; abstracta, uma vez que se apresenta uma relacao quantificdvel entre populacdo ¢ drea geografica, sem consideracio pelas especificidades hist6ricas das populagdes em questio. Ao mesmo tempo, conectada estreitamente com o interesse em processos de intervencdo e controle, a legitimacio da demografia implica, também, uma tentativa de explicagio da dinamica populacional que nao € possivel através da andlise dos vinculos entre as varidveis que a compéem. Assim, os préprios autores sao levados a incorporar dimensOes “externas” as vartveis demogréficas, para dar conta da andlise dos chamados “determinantes ¢ consequéncias das tendéncias populacionais”. Isto € feito através da separagao proposta entre Andlise demografica e Estudos populacionais, que hoje ja faz parte do vocabulério corrente entre os estudiosos de populacao. A andlise demografica restringe-se, segundo os autores, 20 estudo dos componentes da variagio e mudanca populacional; a “explicagio” esgota-se, neste caso, ao nivel das inter-relacdes internas com as varidveis demogrdficas, mencionadas na definigao. Os estudos de populago, por sua vez, referem-se no apenas as variéveis demograficas, mas também as relagdes entre mudangas na Populagéo e€ outras varidveis — sociais, econdmicas, politicas, biolégicas, genéticas, geograficas etc., ou seja, sio responsdveis Pelo estudo das relacdes existentes entre a populacao e os aspectos que a rodeiam (que se estudam em outras Areas cientificas). . Os estudos populacionais compreendem um proceso. mais complexo onde os fenémenos demograficos ocorrem dentro de um determinado contexto. Isto significa que existe uma relucdo bastante estreita entre a populagdo ¢ as variéveis econdmicas, socials, viyitalZauy Cuill Car épicas, biol6gicas, hist6ricas, etc., em duas vertentes 1 Ne estuda a eae ere tre a dindmica populacional © oul Are estu i s varidveis. oe aaron ‘Terenciagho, 0 cardcter contraditério como jective de Tegitimagio da demografia: ao mesmo tempo em atende clevar a demografia ao status de disciplina cientifica enon cance aplicativo € restrito ¢, ii seu al auténoma, verifica-se que 0 i J 0 € restr portanto, deve ser ampliado com a incluséo de variaveis tais que tornem ténues e movedigos os limites formais entre essas e outras disciplinas que tém por objecto de estudo as populagées humanas. ; O que é, entao, uma populagéo? De acordo com o glossario demogrifico (Ana Pires de Carvalho, 2000) Populagéo é um conjunto de individuos estavelmente constituido, ligados por vincu- los de reproducdo e identificado por caracteristicas territoriais, politicas, juridicas, étnicas ou religiosas. Neste conceito, a populacdo nao é um grupo de pessoas ocasionais ou temporérias, tais como um exército. Deve existir uma continuidade no tempo que s6 € assegurada pela reprodugao, embora as suas caracteristicas possam evoluir com o tempo. politicas, geogréficas, 1.2, DINAMICA POPULACIONAL COMO PROCESSO HISTORICO-SOCIAL Para fins analiticos, pode-se considerar que a sociedade ~ abrangen- do neste contexto tanto as estruturas econémicas ¢ sociais, como os sistemas normativos e axiolégicos e, ainda, 0 contetido cultural, ideol6gico e representativo — persiste ou dura no tempo. A fim de continuar, a sociedade precisa de repor e recriar as condicdes que garantam a sua persisténcia. Na medida em que se considera a sociedade como persistindo, repetindo-se a si mesma, a nogd0 fundamental de tempo, no qual transcorre a sua duracdo, é de natureza ciclica, Em outros termos, em circunstancias consideradas metodicamente estéticas, somente um tempo externo ao durar da sociedade € marcado por critérios astronémicos e anula-se, dmbolicamente, nas tepetic6es rituais que, de modo simulténeo, indices one Aaa astronémico ¢ reafirmam a identidade Quando ocorrem mudangas i 0 lo 0 18 na sociedade, que acarretam modificagdes internas, pode-se dizer que 0 tempo constitui a medida 10 viyitanzauy cuit Car do auténtico movimento interno. Por isso, as datas do tempo hist6rico sio representadas por momentos nos quais ocorreram transformagées significativas na sociedade ¢ alteragdes na sua capacidade de reproduzir 0 status quo anterior. Na medida em que a histéria humana progride por meio de reais transformagées (de maior ou menor alcance), pode-se considerar que as sociedades transcorrem num tempo interno histérico inerente 4 duragéo da vida social. A populacio envolve uma nogio bastante diversificada de tempo, pois inclui uma dimensio bioldgica que leva os individuos integrantes a uma carreira temporal que se inicia no nascimento, passa por fases distintas de transformagio bio-psiquicas e termina com a morte. Nao importa, na verdade, que caiba a sociedade marcar, com seus ritos de passagem, fases parcialmente arbitrarias de um transcurso temporal constitufdo por mudangas efectivas na hist6ria dos individuos que compdem a populagio. Nao importa, igualmente, que os factores sociais sejam essenciais na determinacao do possivel tempo de sobrevivéncia das pessoas que formam a populagao. Dentro desta perspectiva, parece especialmente significativo considerar que: 1. a populacao é€ integrada por individuos fisicamente distintos, em esséncia classificaveis segundo categorias de idade e Sexo; 2. qualquer que seja o ritmo do seu dinamismo, mantém-se a populagao por um processo de substituico de individuos, sob forma de sucessao de geragées, desde 0 nascimento até a morte; ela mantém-se, portanto, pela reprodugio bioldgica, a qual gera os novos contingentes que vao integrar as sucessivas geragdes; 3. levando em consideragdo o anteriormente exposto, 0 tipo de realidade representado pela populacdo apresenta-se como diferente da forma de realidade constitufda pelos varios elementos que integram a sociedade. - 4 populacdo vive um tempo, interno ao perfodo vital dos seus integrantes, 0 qual apresenta uma trajectéria, certa ¢ linear, desde 0 nascimento até & morte. Se 4 andlise do processo hist6rico concreto € indispensdvel para a Compreenséo da dindmica demogrdfica da populagao, no caso do soe viyitaizauy cull Car ererminagoes. gUrais podem ser apontadas: a biolégica ¢ temporal da populagio, peculiaridades do modo capitalista de produgio ena radicalmente diverso de outros modos de produgio, je 0 formam Fadi” explicitar o especifico feitio temporal da populagaio © suas nece Arias relagdes com as sociedades; Posterior- mente, far-se-4 uma interpretagio das relag6es proprias especificas entre a dinamica da populagao ¢ 0 conjunto de mudancas sociais das pelo capitalismo industrial e pela revolugdo burguesa. tia natureza da populagéo humana, constituida por individuos que passim por um processo bioldgico, parece condi- cionar formas peculiares de relacionamento entre a organizacao social e a dinamica demogrdfica. Em outros tempos, a natureza biolégica da trajectéria vital dos individuos que integram a populacéo parece fundamentar um status de realidade distinto do que se atribui as formas de organizagao da sociedade. Reflectindo esta diferenca, os tipos de tempo que sao inerentes & sociedade ¢ | populaco parecem radicalmente diversos e a duragao das duas formas de tealidade humana acarreta maneiras especificas dos seus relacionamentos miituos. Entre os estudos modernos, particularmente Iticida é a andlise da fecundidade numa aldeia, da {ndia, realizada por Mandani (Mahmood Mandani, The myth of population control. Family, Cast and Class in an Indian. Village. Nova lorque, Monthly Review Press, 1972). Nela nao se trata apenas de apontar uma situacdo soci conerets, Sempre specifica mas suas determinagdes, mas coerente, de tendéncias divergentes da dane dene ae gentes da dinamica demografica. populacdo de Mange de Mandani mostra por que considerdvels ‘anupur, uma aldeia do Punjab, apesar dos i ecursos empregados para o controle da natalidade continuou @ manter altas taxas de fecundidade. D : t que, por raz6es historicas ligadas a situacto des enne yt ato de classes ¢ 0 dominio inglés, os campornn ne ee muitos flhos pata sobreviver. AS varias forme We ony ee estavam sujeitos tornavam recurso awe oo] © ploragdo a que + necessidade econdmica objectiva, bem como ent ene Um Planning indtil © sem sentido pratico, Natueiees oe Family .culturais_mostram-se coerentes enquanto mio. forem os valores situagSes vitais, io forem alteradas as ismo algumas dl capi a n 1 a propria nature uma ligad outra associada a qu Procurar-se-a, I! determina A prop 12 viyitaizauy cull Car Na realidade, a populagio “socialmente necessdria” constitui, com as peculiaridades de sua dimensao biolégica e temporal, uma condigao para a continuidade de qualquer forma conereta de organizacao social, condigio esta cujas caracteristicas podem ser contraditérias com as efectivas possibilidades de manutengdo e continuidade do sistema social. A de esclarecer, ainda ao nivel analitico, as maneiras pelas quais a sociedade Consegue preservar as condicdes da sua persisténcia, convém distinguir aspectos que permitam salientar a maneira especffica como a populacio constitui um tipo especial de pré-condigéo de continuidade ou factor contraditério que leva necessariamente a alteracdes na organizacao da sociedade ou na dinamica da prépria populacdo. Naturalmente, qualquer interpretagao ‘das inter-relagdes sociais — incluindo os aspectos sociais, econémicos, populacionais ¢ culturais — supde 0 exame de uma situagio histérica concreta, pois a importancia relativa dos factores em jogo e 0 seu préprio alcance no conjunto da sociedade variaram consideravelmente no decorrer do processo histérico. Entretanto, numa primeira abordagem abstracta, as fungdes peculiaridades apresentadas, face a continuidade ou transformacio da sociedade, podem ser comparadas com outros aspectos essericiais das sociedades humanas. Nesse sentido, trés aspectos podem ser distinguidos: a) uma primeira pré-condigao para que a sociedade continue refere-se 4 reprodugao das condigées de trabalho, isto é, das formas pelas quais se realiza, através do trabalho, a transformagao da natureza em bens de uso. (Ao seu nivel mais fundamental, a dimensao econémica coloca igualmente © problema do relacionamento da natureza e da sociedade, devido as necessidades biolégicas de sobrevivéncia do individuo); b) a sociedade também mantém e procura perpetuar no tempo todos os outros aspectos — normativos, institucionais e valorativos — que constituem modos de auto-prescrvacao & que, objectivamente, reforcam ainda a continuidade das maneiras de produgdo econémica bem como influeneiam os factores dinamicos da populagio; deve-se ter em mente Vt status de realidade dessa dimensio da vida Mert Caracteriza-se por construgdes da sociedade object# 13 \ : viyitaizauy vuln Car so histérico e que sao entendidas rectificadas ¢ a edoras para 0 comportamento humano. Realmente, sro apenas os significados, simbolos e valores, mas as normas € os padrdes, as instituigdes e toda a organizagio social constituem criagéo humana que se desliga da fonte criadora e se transforma em algo externo e objectivo; c) finalmente, devem considerar-se as fungdes que o contin- gente populacional exerce— levando ainda em conta a sua dinamica - como necessérias para que se mantenha a continuidade das formas de vida em sociedade. A fora de trabalho precisa de ser Teposta porque envelhece e, em caso extremo, porque morre e sai da populagao. Por outro lado, os individuos que nascem devem passar por um processo de Socializacdo, que implica necessariamente a passagem de uma duragao temporal de natureza biolégica e a intemalizacéo de complexos papéis sociais moldados pelos factores econdmicos ¢ Sociais que determinam a divisdo social do trabalho. Para conseguir a reproducao do sistema social estabelecido, os novos contingentes populacionais devem ser induzidos a aprender e, conformar e aceitar os status ¢ papéis seleccio1 de dominacao. As sociedades de certo modo, a se nados pela estrutura que se estruturam com fundamento num sistema de castas tendem a equacionar o problema da continuidade da diviséo social do trabalho directamente através do processo “produtivo humano, eneaminhando e pré-seleceionando, para determinadas tarefas econémicas ¢ sociais, contingentes populacio- temporal da populacdo, ela influencia tuigdes, através da sucesso das geragées que nelas Ocupam posigdes & encargos. Ao conceito de geracéo somam-se, ainda, 0 tempo da sociedade (0 periodo histérico, incluindo eventos, cultura, etc. no e d "ragio do seu tempo. Na realidade, esta situagdo estética no se verifica, As condigées que permitem a 14 viyltazauy cum Car continuacio da sociedade apenas se repdem parcialmente, quando nao ocorrem contradic6es que transformam radicalmente a estrutura da vida social. De maneira andloga a distingo entre os aspectos da sociedade aprescntados como responsdveis pela sua continuagao, parece conveniente distinguir, conforme os objectivos da presente andlise, pontos de contradigao entre a estrutura da sociedade ¢ as condigées de sua continuidade. Inicialmente, convém salientar que o funcionamento do sistema econémico pode acarretar a sua prdpria inviabilidade. A légica do seu desenvolvimento pode exigir condigdes que o sistema se mostra incapaz de produzir.. Se as andlises referentes as contradigoes econémicas geradas pelo desenvolvimento das forgas produtivas em varios modos de producao sao fragmentérias e parciais nas obras de Marx e Engels, 0 estudo pormenorizado do capitalismo e das contradigdes inerentes a este modelo econémico realizadas pelo marxismo constituem a mais cabal demonstragio da dialéctica interna ao proprio sistema econémico. Por outro lado, convém lembrar que toda a estrutura social ser4 seguramente afectada pela crise interna do sistema econémico. Em certos casos, aspectos da realidade natural, como as transformagées ecolégicas, podem consti- tuir, igualmente, factores ex6genos, mas que afectam directamente a economia ¢ as crises dos sistemas econémicos. Os aspectos nao econémicos da vida social — quer os consti- tufdos por instituigdes ¢ normas, quer as representagoes subjectivas — apresentam uma relativa autonomia no seu processo de desenvol- vimento. Contradicées podem surgir em relagao as pré-condigdes de viabilidade que esta dimensao social garante ao sistema econdémico, tanto em ralagdo as condigées de natureza estritamente econdémica, como a respeito das pré-condigdes para o funcionamento e continuidade de outros aspectos da vida social. O que interessa particularmente a esta andlise 6 que a populagao adequada constitui pré-condigféo necess4ria a continuagao da Sociedade. As maneiras pelas quais os aspectos econémicos e sociais afectam os factores dindmicos da populacdo determinam a dimensao € a estrutura do contingente populacional, cuja configuragao pode ser contradit6ria com as necessidades dos sistemas econémico ¢ social. Em outros termos, com 0 passar do tempo, mesmo mantidos 08 determinantes do dinamismo demogrifico, o contingente populaci ae Pode mostrar-se insatisfatdrio ou em process? “ icdo face aos sistemas econdémico e social. we viyltaizauy cull Val Por outro lado, 0S determinantes econémicos iS oo ; podem modificar a sua influéncia em relagio aos factores dinamicos relativos & populagao, altcrando, com o tempo, © contingente popu- lacional ¢ a composigao. Novamente, contradigo s podem surgir pondo em risco as possibilidades de continuagao da sociedade. Nas circunstancias de continuagdo entre o contingent populacional ¢ as possibilidades de continuagao da sociedade surgem as chamadas “Politicas Populacionais” que visam influenciar os factores dinamicos da populaco, estabelecendo objectives populacionais considerados compativeis com a continuagao da sociedade. A importincia da existéncia de contingente populacional adequado revela-se, de modo manifesto ¢ directo, em relacdo 4 mio-de-obra trabalhadora, fonte de criagao de valor econémico para a sociedade. Igualmente, em casos extremos, como ocorre em grupos indigenas brasileiros, a exiguidade da populacdo impede que a sociedade tribal cumpra as normas previstas pelo sistema de parentesco e efective, no nivel de organizagio social ¢ de representacdo simbélica, as formas de sociabilidade indispensaveis manutencio da sua estrutura social (ver neste sentido: Protasio Frikel ¢ Roberto Cortez, Elementos demogrdficos do alto Paru de Oeste. Belém, Museu Paraense Emilio Goeldi, 1972). Novamente neste exemplo, pode-se falar em sub-populacao relativa, embora no contexto econémico e demografico seja extremamente diverso do que ocorreu com 0s paises do capitalismo origindrio. No que se refere aos indigenas do Brasil, o conhecido factor dinamico capaz de alterar a sua populacéo foi a alta taxa de mortalidade, em consequéncia do genocidio determinado pela continua ocupagao do territério nacional através das frentes de expansio econdmica desde a col6nia até aos nossos dias. De qualquer modo, como a realidade populacional, que pode ser imediatamente contradit6ria com a sociedade se refere propriamente populacio ¢ nao aos seus factores dindmicos, convém considerar ees ee een a relagio ao tamanho a fecundidade, a mortalidade ¢ a migragio, fativee dns configuram a estrutura da popula ee dindmicos que preender as relagdes entre a feociedads © a ote n relagies lade © a populacao, deve-se considerar, simultaneamente, os factores dindmicos da demogratia, bem como suas inter-relagoes, elementos responsiiveis pela constituigao ¢ caracteristicas do contingente populacional. 16 viyltaiZauy Cul d Car 1.3. DEMOGRAFIA ESTATICA VERSUS DEMOGRAFIA DINAMICA Para além das definig6es citadas acima ¢ dos pormenores teéricos descritos, existe a diferenciagio da demografia de acordo com a referéncia temporal, dando origem A demografia estatica e dindmica. A Demografia estatica ou o estado da populagao 6 respons4- vel pelo cstudo de grupos populacionais, compostos por individuos, num determinado momento e referindo-se a unidades espaciais bem delimitadas. Esta equivale a uma fotografia que retrata 0 estado da populagéo no momento da sua execugdo. Através dela podemos conhecer toda a descrigéo da populacio, o seu nimero, a sua distribuigao de acordo com certas caracteristicas como 0 tamanho da populagdo, sexo, idade, localizagéo geografica, raga, estado civil, grau de escolaridade e outras caracteristicas s6cio-econdémicas. Estas varidveis mudam de acordo com os objectivos do que se pretende conhecer, mas normalmente sempre se incluem as trés primeiras (sexo, idade e distribuigao geogrdfica). Outras varidveis, como por exemplo o grau de escolaridade, sé se devem incluir a partir da altura em que esta caracteristica se diferencia entre os individuos. Existem outras varidveis importantes para 0 estudo estitico da populacio que devem ser inclufdas sempre de acordo com o ‘objective do estudo. Estas varidveis denominam-se varidveis de estoque (referem-se as caracteristicas estdticas da populacio em qualquer momento especifico). Elas obtém-se através de censos populacionais ou surveys. Podem ser citados alguns exemplos: gtupo étnico, religiao, lingua, participagao na actividade econémica, rendimento mensal e/ou diario, ocupagéo, lugar de nascimento, disponibilidade de servigos de satide, mulheres por condigio de maternidade, caracteristicas do domicilio (material de construgdo, tede de saneamento bisico e abastecimento de gua), entre outras. A Demografia dindmica € responsivel pelo estudo de todos os fenémenos biolégicos ou sociais pelos quais passam os individuos de uma populacZo num dado perfodo de tempo e em unidades ¢spaciais bem delimitadas. E idéntica a um filme que reporta todos S acontecimentos ligados a um determinado agrupamento Populacional num determinado perfodo de tempo. Preocupa-Se, Principalmente, em estudar os nascimentos, os dbitos, os casamentos © 08 movimentos migratorios. A descrigio destes fenémenos 17 An viyitaizauy cull Val realiza-se para as diferentes categorias que se consideram no estudo a a ulagao. “ fa peas eens varidveis de fluxo (focalizam os eventos que transformam as caracteristicas descritas como de estoque). Blas obtém-se frequentemente através de um registo continuo de eventos ou mais raramente através de um levantamento de passagens repetidas (multi round survey). Tabela 1.1. Visao esquemitica de varidveis de estoque e de fluxo Estoque da populacdo Fluxo (dindmica) da populagdo Tamanho da populacio Natalidade Mortalidade ‘Composicao da populagao Mobilidade social Distribuigdo espacial Migragio Estudo transversal Estudo longitudinal Censo ou survey Estatisticas continuas E evidente que os dois tipos de estudo esto intrinsecamente ligados, visto que o estado da populacio num dado momento depende de todos os fenémenos demograficos a que a populacao esteve sujeita, assim como estes fenémenos vao depender do estado da populagio num momento determinado. Um exemplo frequentemente utilizado € a estrutura da populagio por sexo e idade. Esta € resultado da fecundidade, mortalidade ¢ movimentos migratérios do passado, ¢ a futura dinamica da mesma populagdo (fecundidade, mortalidade e ; migragio) vaj depender da estrutura etéria ¢ por sexo no presente. Ora vejamos, se houver altas taxas de fecundidade teremos uma Populagao extremamente jovem que, mais tarde, vai dar origem a altas taxas de fecundidade, mas se nessa populacdo existir um alto grau de migtacao masculina, por algum motivo, entéo essa fecundidade tenderd a baixar consideravelmente. Da mesma maneira, a identificacio de cada tipo de estatistica com uma ou outra fonte de dados nao & tigida. Muito pode ser aprendido sobre a fecundidade de uma Ppopulacao (estatistica de fluxo) no passado pela inspecodo cuidadosa de uma pirdmide etéria encontrada num censo (estatistica de estoque). Também existem il 18 viyilalZauy CULIT Car técnicas (chamadas indirectas) que permitem estimar a mortalidade, fecundidade ou migragao a partir de dados censitérios, Na demografia existe ainda o conceito de “acontecimento demografico” que pode ser “renovavel” — 0 acontecimento que pode ocorrer mais de uma vez, como, por cxemplo, o nascimento, o casamento, 0 divércio e as migragdes — e “nao renovavel” — o acontecimento que s6 pode ocorrer uma vez, como, por exemplo, a morte. 14, OS ESTUDOS POPULACIONAIS Nao € suficiente a medig&o quantitativa das caracieristicas ov dos processos din’micos da populacio. E necessério que sejam enquadrados dentro de um contexto social, cultural e econémico pera se compreender por que eles ocorrem e qual a sua influéncia na dinamica s6cio-econémica ¢ cultural dessa populacao. Todos os fenémenos humanos so impossiveis de fraccionar. Por isso, néo se pode considerar nunca a demografia como uma discipline auténoma, auto-suficiente. Sendo assim, recorre-se constantemente a outras disciplinas de ciéncias saciais (saciologia, antropologia, geografia, histéria, ete.) e de ciéncias econémicas, biolégicas e médicas (F. Genduan, 1993). Surgem, assim, os Estudes de Papulagdo que se diferenciam da demografia, pois ciam os fenémenos demograficos com outros fenémenos de origem social, cultural, econémica, médica, etc. ‘Alguns exemplos de estudos populacionais que se podem dar sfo: a) Demografia e Sociologia - inclui todos os fenémenos demogrdficos dentro de um contexto social que os poderé explicar ¢ que pader4 ser por eles explicado, ou seja, existe uma reciprocidade natural. Esta rea estuda a influéncia de fenémenos demograficos nos fenémenos sociais e, por sua vez, a influéncia destes na dinamica demogrdfica. Por exemplo: o tipo de familia tem mudado, tanto no seu tamanho como na sua estrutura, de familias grandes: e extensas, predominantes nas zonas rurais, para familias pequenas e nucleares, mais comuns nas 4reas urbanas. Apesar de nao ser 0 caso de Magambique, outro exemplo ae se pode dar 6 0 envelhecimento da populagéo nos pals 19 VIyIlalZauv vuln Car eas consequéncias sociais que este processo terceiro exemplo sao as diferengas de mortalidade por sexo, nas idades jovens, que se devem a diferentes tipos de vida (0s rapazes tém taxas de mortalidade por violéncia mais elevadas que as raparigas). . b) Demografia ¢ Economia — estuda as inter-relagoes exis- tentes entre a populagao ¢ os fendmenos econémicos. A nivel macro-econdmico, estuda as inter-relagGes entre as tendén- cias demogrificas ¢ 0 crescimento econdémico, pois para se dizer que existe crescimento econdmico é necessdrio que as condigdes de vida da populagao melhorem. Outros estudos nesta Area sao os de procura & oferta de mao-de-obra € niveis de rendimento (estudos de mercado de bens e servigos). Por exemplo: em que circunstancias 0 aumento do rendimento familiar diminui a taxa de natalidade. c) Demografia e Antropologia — inclui os fenémenos de- mograficos num contexto cultural, centrando a sua anilise na familia e na comunidade, permitindo encontrar as causas de comportamentos particulares que influenciam as varidveis demogréficas. Por exemplo: a aceitagio dos cuidados de satide, a nupcialidade e os matriménios, usos e costumes que definem o lugar das mulheres e criangas na sociedade, usos € costumes alimentares, rituais de iniciagio da vida adulta & sexual, etc. Por exemplo: haverd factores culturais es- pecificos em determinadas sociedades que incentivem altas taxas de fecundidade. 4) Demografia Hist6rica - como 0 proprio nome diz, estuda 0 trajecto das populagées no passado com base em arquivos ee teorias explicativas. Na maioria dos casos Ser ere objectivo principal nao era @ anilise _cstatstica, © registo religioso (paroquial: s, Obitos ¢ matriménios) e/ou registo econémico (recolha de impostos ¢ tréfico de escravos) e/ iti entre outros. Serve também para, a partir d efou politica, que possam explicar fenémenos denn P ir dele, criar teorias graficos que acontecem no presente ou que i si 5 Possam vi (“prever” acontecimentos futuros), * scontecer no. futuro e) As Teori: ) rias Demogréficas - surgem através da demografia hist6rica € preocuy pam-se em esti os histriea ¢ estudar e compr s demograficos, a sua explicagao e a ean ‘volugle desenvolvidos acarreta. Um 20 viyitaizauy vuln Car ao longo do tempo dentro de um contexto hist6rico, econémico, cultural e social. Tem como um dos principais objectivos explicar por que acontecem ¢ prevé as suas consequénci f) Demografia e Geografia - até aos anos 50, esta rea da demografia era conhecida como geografia da populagao. Desta data em diante, este conceito expandiu-se e surgiram varias areas de estudo dentro do contexto da geografia e Populagao como distribuigdo espacial da populagao, mobilidade da populagio, a relagao entre a populagiio e os Tecursos, a diversidade étnica, social, econémica e cultural das populagées, entre outras. g) Demografia e Ecologia — este € um tema bastante recente e surgiu como consequéncia dos problemas que comecam a existir no universo devido a falta de controle do meio ambiente pelo homem. Ele € responsével pelo estudo da inter-relacdo das pessoas, grupos de individuos e populacdo com o meio ambiente, ou seja, estuda o efeito de agrupamentos populacionais no meio ambiente. Desde tempos longinquos que o homem vem acumulando lixo que nao € biodegradavel e que com o desenvolvimento industrial se produz em quantidade cada vez maior, tornando-se impossivel a sua absorcio pela natureza em tempo suficientemente curto para que nao se alterem as cadeias bioldgicas. Os desperdicios industriais contaminam a Agua, o solo e o ar e o seu volume depende muito do tamanho Populacional ¢ dos padrées de consumo. Surgiu, assim, 0 conceito de “desenvolvimento sustentivel” que significa desenvolvimento com a satisfagio das necessidades da Populacéo presente sem, no entanto, comprometer a Possibilidade de as geragdes futuras conseguirem satisfazer as suas prprias necessidades, ou seja, desenvolver sem destruir o meio ambiente. Um d los objectivos principais da demografia e ecologia € 0 est g tudo de factores ambientais especificos que afectam a mortalidade da populagao. Por exemplo, quando a radioactividade ambiental aumenta, hd um aumento da probabilidade do aparecimento do cancro. h) Demografia € Genética ~ a Senética das populagées estuda as _condigdes de transmissio do patriménio genético, as Tepetigoes dos diferentes alelos (a forma de um gene 21 viyitaizauv cou Car pos (que tém sé um conjunto de dos haloti ms es 9) presentes mum certo locus, a sua evolu jvas geragdes, as lig ices que provavel- mente existiram enire as diferentes distribuigoes de alclos, a seio de uma mesma populagao, quer em populagées quer no seio de v Gigerentes (N. Feingold, 1986), i) Demografia ¢ Satide — 2 demografia faz parte do sector da satide publica. Sem cla é impossivel fazer um planeamento légico dos programas de satide. B necessirio 0 conhecimento da frequéncia das doengas numa populacao, o tamanho da populagéo ¢ as suas caracteristicas demograficas basicas, Estes dados ajudam-nos a estimar a demanda da populagio pelos servigos de satide em termos de pessoal médico, paramédico, material como a demanda de camas para servigos especializados (por doenga ou por sexo ¢ idade), assim como para estudos clinicos terapéuticos ¢ preventivos. A demografia dé-nos a conhecer também os grupos-alvo de determinadas doengas quer seja por idade, zona de residéncia, ocupagio, grupo etério, entre outros. Isto desenvolver programas especificos para estes grupos populacionais. Por exemplo: as doencas da infancia, as doengas ccupacionais (mineiros, trabalhadores com produtos de amianto, etc.). Estes conhecimentos ajudam-nos a desenvolver campanhas de sensibilizac4o sobre os cuidados de satide que se utilizam como verdadeiros elementos de comunicacdo para que sejam compreendidos pelos grupos de populacéo a que se destinam (grupos com maior indice de doenga que se pretende atingir). articular) OU material genétic através de suces -cesstrio distinguir 2 demografia da epidemiotogia. Esta estuda as doengas e os determinantes da sua prevaléncia no homem, compreendends assim duas éreas: 0 estudo das doengas ~ jemiologia descritiva - ¢ a procura dos determinantes da distr uigao encontrados ~ epidemiologia analitica. __A epidemiologia descritiva preocupa-se com a descrigio da distribuigao do estado de saide da populagdo, considerando o seu perfil demogréfico. Pode-se considerar que é a demografia no campo da saiide ¢ da doenga. . A epidemiologia analitica é a interpretagio e andlise da epidemiologia descritiva, deper 7 i doengas em estudo. Spendendo dos factores causais das viyltazauy vom Car 15. IMPORTANCIA DO ESTUDO DA DEMOGRAFIA NA MEDICINA A disciplina de demografia € importante para o futuro médico para que este possa desempenhar adequadamente as suas fungées uma vez que este trabalharé directamente com a populagao. Sendo assim, ele necessita de conhecer as caracterfsticas da mesma para poder explicar ¢ compreender os fenémenos que nela acontecem, para através disso se propor a melhorar a satide da Populagao evitando dbitos prematuros, gravidez na adolescéncia, mortalidade materna, enire outros fenédmenos evitaveis através de acgdes de medicina preventiva, satide piiblica e epidemiologia. O conhecimento demogréfico pelo pessoal de satide é uma “arma” importante para o melhor desempenho das suas fungées, assim como é um factor importante para a mudanga social porque 0 pessoal da satide 6, entre os profissionais, 0 que goza de melhor accitagéo € prestigio entre a populacdo e o que esté em contacto quase permanente com a mesma, Assim, além da sua participagéo directa na satide com tratamentos ¢ acgdes médicas, 0 pessoal de saiide pode influir no comportamento dos individuos e, consequente- mente, na dinamica demografica (fecundidade, mortalidade mobilidade espacial da populacao). Todo este conhecimento serve para que 0 médico, além da sua capacidade de tratar, tenha capacidade de evitar uma determinada doenca. Por outro lado, a cooperacéo no seio dos médicos na Pesquisa de satide € fundamental, nao s6 para provar a efectividade de determinados medicamentos, mas também para fomecer os dados Recessérios para a investigagéo cientifica com a elaboragao Cuidadosa das suas histérias clinicas e registo hospitalares e de Obitos. Eles poderéo, com os seus conhecimentos demogrificos, ‘egistar os aspectos clinicos e sociais que determinam os niveis de fecundidade € mortalidade e as caracteristicas dos movimentos Migratérios, Este impacto, do pessoal de satide sobre a dinamica demo- Sréfica, € maior nas sociedades que se encontram no injcio da “ansicéo demografica — passagem de um regime demogrifico “récterizado por uma elevada taxa de fecundidade ¢ uma forte Homilidade, para um regime demogrifico caracterizado por ba axa taxa de fecundidade e uma reduzida taxa de mortalidade Porque as possibilidades de mudanca so maiores, mas ‘am 23 viyitalZauy Cuill Car porque hé possibi idade de incidir sobre a propria cultura — mudar de uma posigio fatalista ou determinista sobre a vida e a morte para uma posigaio de poder participar ou ss no préprio destino, Desta maneira, as pessoas mais que “pacientes’ ‘Passam a ser impacientes activos”, ou seja, tomam medidas para cuidar da sua prépria satide e actuar sobre a sua dindmica demogrdfica (fecundidade, mortalidade e migracio). O MEDICO COMO PRODUTOR E UTENTE DA INFORMACAO DEMOGRAFICA As principais fontes de onde provém a informacio demogréifica sio: - 0 censo da populagao ~ que estuda a distribuigdo da populagao por caracteristicas espectficas; - 0 registo de nascimentos — que estuda a fecundidade; - 0 registo de dbitos — que estuda a mortalidade; - os inquéritos especializados; - OS registos médicos. 1.6.1. O Médico como produtor da informacio Os inquéritos especializados sobre satide devem sempre contar com a colaboragao © participago de pessoal médico na definicao de conceitos ¢ elaboracao do questiondrio. E importante também a sua Participacao obrigatéria na elaboragao do registo de Obito, assim como nos registos médicos, histérias clinicas e registos hospitalares. E importante que os médicos, principalmente os que trabalham em unidades sanitarias periféricas, e que estao sempre “cheios de trabalho”, estejam bem cientes da necessidade da sua colaboragao na recolha de dados, com a elaboragio correcta das hist6rias clinicas, estatisticas hospitalares e certifica dados bem recolhidos e confidvei quotidiana dos médicos se poder ava epidemiologia. E claro que para esta recolha de dado: médicos necessitam da colaboragio administrativo, familiares e/ou acompa: proprio doente (se este est capaz). Isto dos de Sbito, para que sejam Pois s6 com a colaboragéo ingar drasticamente na érea da S Ser precisa ¢ fidvel, os do pessoal paramédico, nhantes e até mesmo do Porque todos os inquéritos 24 viyitaizauy cull Car tém uma parte com questées demogrificas ¢ sociais que podem nao necessitar da presenga de um médico; por outro lado, 0 questionario sobre os aspectos médicos propriamente ditos deve ser sempre executado por um médico. Alguns aspectos a ter em conta para que se claborem bons registos 1. a recolha de dados deve ser sempre considerada uma tarefa importante para que se reurta informagao que posteriormente Possa ser codificada ¢ processada estatisticamente; 0 formato deve deixar espago suficiente para perguntas que sejam de resposta aberta, pois quando 0 espaco é pequeno a tendéncia é nao dar a resposta completa para ocupar somente 0 espaco a ela destinado; a ordem das perguntas deve ser logica, sempre em diante ¢ de uma forma natural, agrupando as questdes em capitulos, sem Ser necessério o retrocesso para elaborar a pergunta seguinte. A entrevista ndo deve ter .contradigoes, repeticdes e incoeréncias; 86 se deve recolher informagdo que posteriormente seré utilizada; 5. a linguagem deve ser eficiente e, sempre que possivel, as Tespostas devem ser codificadas, pois é mais facil a sua analise estatistica posterior; 6.0 material utilizado (papel, etc.) deve ser de facil armazenamento, assim como de facil conservacio; 7. 05 desenhos dos formatos, assim como o questionério para a recolha da informacio, devem ser discutidos ¢ utilizados por instituigdes de satide similares com o fim de se poder, posteriormente, fazer andlises comparativas. - O Médico como utente da informagio Toda a informacao recolhida através das for ntes descritas no ponto anterior, sobre doencas, caracteristicas sécio-econémicas da Populacio ¢ sua relaco com as doengas sio utilizadas de diversas maneiras de acordo com a area de A informacao pode ser utiliz: a) Planificagao ~ seré utiliza ja para os seguint da pelo médico planifea Hele Sempre necessaria para levar a cabo os programas de si viyitaizauv cour Car piblica. muito importante onde os recursos so escassos para que possam ser utilizados da melhor maneira possivel. b) Gestio — é importante conhecer a frequéncia de determinadas doengas © seus grupos-alvo para que OS programas se concentrem nestes grupos e para que a distribuigao dos recursos humanos e materiais seja feita da maneira mais eficiente possivel. ¢) Investigagio.— a epidemiologia bascia-se fundamentalmente e quase exclusivamente na observacao de factos que acontecem, j4 que em medicina nao é possivel implementar 0 método da experimentacdo, pois se trata de vidas humanas e para tal era necessdrio que o doente tomasse conhecimento ¢ autorizasse’ a experiéncia. Apés a observacio, 0 médico epidemiologista procede ao registo estatistico, a andlise dos dados ¢ & interpretacdo dos resultados. Estes tiltimos podem ser utilizados pelos médicos que se dedicam aos pacientes para se actualizarem sobre a ctiologia e o tratamento das doengas baseado em novas descobertas. 26 viyitaizauy cuin Car 1,7. EXERCICIOS DE CONSOLIDACAO 1. Dé exemplos de demografia estitica (2), dindmica (2) ¢ estudos que tenham as duas componentes interligadas (2). Dé exemplos de 4 estudos que relacionem demografia ¢ satide ¢ explique a sua inter-relacao. | Comente a afirmacio: “A demografia é uma disciplina indis- pensivel para que o futuro médico possa desempenhar, sem restrigdes, as suas funcdes”. _ Dé exemplo do médico como utente (4) e como produtor (4) da informagao. 27 viyltallZddU Cu: Car 1.8. BIBLIOGRAFIA ‘ sdrio Demogrdfico Maputo, Universidade RVALHO, A. P., Glos. a Populacio (CEP), Eduardo Mondlane, Centro’ de Estudos de 2000. " BENJAMIM, B., Health and Vital Statistics, London, & Uniwin LTD, 1968. CLARKE, J. (Ed), Geography and Population, Approaches and ‘Applications Oxford, Pergamon Presses, 1984. Diciondrio Demografico, TUSSP, versién en Espandl, segunda edicio a cargo de Guillermo A. Maccié, Lieja, Bélgica, CELADE, 1985. GENDREAU, F., La Population de l'Afrique. Manuel de Demographie, Paris, Karthala e CEPED, 1993. HAUSER, P. M. e DUCAN, O.D., El Estudio de la Poblacién; Vol. © 1, Santiago do Chile, CELADE, 1975. HAKKERT, R., Apontamentos da disciplina de demografia, Luanda, Faculdade de Economia, Universidade Agostinho Neto, mimeo (versao preliminar), 1992. MCKCOWN, T., “Medicine and World Population”in Public - Health and Population Change, pp. 25-40. MORIYAMA, I. “Mortality Effects of Physical and Chemical Contamination of the Environment” in PRESTON, Samuel H. + E4.), Biological and Social Aspects of Mortality and the Length of Life, Liége, Belgium, Ordina Editions, 1980. 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Por outro lado, 0 dado demografico tem aplicagdes praticas importantes para fins de planeamento (projeccao de nameros de criangas em idade escolar ou trabalhadores em idade de aposentadoria), de diagnéstico (niveis de mortalidade infantil, materna, por causas, etc.), de avaliagéo ‘de programas e. estudos sécio-econémicos em geral (desemprego, pobreza, moradia, etc.). Porém, o papel central da observagao e da descrigdo nao é a iinica particularidade que caracteriza 0 uso de dados na demografia. A propria natureza da observacio distingue a demografia de muitas outras ciéncias empiricas. Em contraste com as ciéncias naturais, que se baseiam no método experimental, a demografia compartilha com as demais ciéncias sociais a limitagao de que os fenémenos que Constituem © seu objecto de estudo normalmente nao podem ser induzidos pelo pesquisador. Com raras excepgées, 0 demégrafo Precisa de basear as ‘suas inferéncias na observacio sistemitica de acontecimentos que ocorrem fora da sua sala de trabalho ¢€ independentemente da sua vontade. Entretanto, 0 dado demografico também costuma ser distinto do to antropolégico ou do sociol6gico. Tendo em vista que a nee ou sociolégico raramente tém a oportunidad ° demogea a a universo ao qual as suas teorias se . neon dados sobre requentemente possui maior li erdade. ae om le entrevist oS aspectos relevantes do seu objecto de ost ‘ativamente 's Ou levantamentos, ligados a amostras rela 29 viyitaizauy cull Val pequenas. O uso de levantamentos amostrais na demografia é relativamente recente ¢ 0 Scu USO SC vé limitado pelo facto de que alguns dos _principais fendmenos demograficos sé podem ser estudados com base em grandes ntimeros de observagées. Via de regra, 0 demégrafo pode basear-se em observagoes referentes a todo 0 universo estudado, mas, a0 mesmo tempo, possui pouco controle sobre a natureza da informagao colocada a sua disposigao. Ao se tratar de dados obtidos a partir de todo 0 universo, normalmente esta informagao € colectada por 6rgaos administrativos, com finalidades que, no minimo, vao além do seu interesse puramente cientifico. Tirar o melhor proveito de um conjunto de dados empiricos, cuja colecta, em grande medida, foge ao seu controle, é uma tarefa que o demégrafo compartilha principalniente com o historiador ¢, em menor medida, com o economista e 0 macro-sociélogo. A informacgdo que se produz para realizar os estudos de demografia e satide provém de diferentes fontes. A mais geral € 0 censo da populacdo que proporciona a estrutura da populagéo (variéveis de estoque e de -fluxo), e permite determinar as necessidades basicas dos servigos de satide. Por outro lado, estao os registos de factos vitais (varidveis de fluxo), que permitem conhecer a fecundidade — para estimar os servigos de maternidade— assim como os dbitos para estimar os niveis de morbimortalidade — para determinar as necessidades dos diversos servigos de especia- lidade. ‘Em paises onde os registos de eventos vitais nao sao de boa qualidade, a alternativa é a utilizagdo do censo (através de técnicas indirectas) para a obtengao de taxas de mortalidade, fecundidade ¢ migracao. Por.vezes, a tnica maneira de obter dados confidveis sobre a migracao, mesmo com registo de eventos vitais completos, € através de quesitos censitirios da migragio passada. Por outro lado, Os registos de eventos vitais sao utilizados para obter informagio sobre ° tamanho e/ou a composi¢ao de uma populagio quando nao existem Pesquisas suficientemente recentes para fornecer directa- mente esta informagao, Existem ainda os inquéritos, alguns dos quais para suprir a falta de um censo de populagio © proporcionar informacio geral, ¢ oS inquéritos epidemiolégicos, .desenhados para estudos especificos sobre satide. Existem, também, os registos administrativos de instituigdes de seguranca social © de hospitais que podem set utilizados para investigacao epidemioldgica, 30 viyitaiZzauv curt Car 2.1. O CENSO DEMOGRAFICO 2.1.1. Definigio Um censo € 0 processo total de colecta, processamento, avaliagao, andlise e divulgacao de dados demografico, econémico, ¢ sociais referentes todas s pessoas dentro de um pais, ou de uma parte bem definida de um pais, num momento especifico. Scgundo 0 glossirio demogrifico (Ana Pires de Carvalho, 2000), 0 censo é uma operagao de contagem que permite conhecer o volume e as caracteristicas da populagao num dado momento. 2.1.2. Critérios a observar num censo De acordo com as Nagées Unidas, um levantamento da populagdo intes critérios para ser deve satisfazer, no minimo, os segui considerado um censo: 1. Respaldo geral - onde se deve explicar ¢ especificar a importancia, os fins, 0 orgamento, a parte administrativa, as garantias legais quanto ao sigilo da informagéo ¢ as demais obrigagdes da entidade executora. Ao contrério do que acontece em outros tipos de levantamento, que nao podem obrigar 0 entrevistador a cooperar, 0 nao fornecimento de informacdo & autoridade censitéria normalmente est sujeito a sangoes legais. . 2. Periodicidade defini Outros intervalos nao sa normalmente € agregada em anos, de modo que interval dificultam a comparacéo en! Américas, 0 Gnico pais que realiza os seus censos de cinco em cinco anos, desde 1951, € 0 Canadé. Outros paises que, em principio, mantém censos quinquenais (embora com algumas interrupg6es) incluem Australia, Irlanda, Japao ¢ Nova Zelandia, No Terceiro Mundo, apenas @ Turquia ¢ algumas Repiblicas insulares do Oceano Pacifico organizam censos em cada cinco anos. Outros paises tem conseguido manter uma rotina de censos decenais nas diltimas décadas, sendo que a tradigdo mais longa neste sentido ¢ a da India, ‘da — de preferéncia de cinco ou dez anos. ‘0 aconselhaveis, pois a populacdo faixas etdrias de cinco ou dez los. no miiltiplos de cinco tre censos sucessivos. Nas 31 viyitaZauy Cuil! Car

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