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Aula - 1 - Patricia Vanzolini - 17 - 08 - 2020 - Complementar
Aula - 1 - Patricia Vanzolini - 17 - 08 - 2020 - Complementar
1. Que perguntas você faria a Karina na sua primeira entrevista com ela e
que lhe parecer pertinentes para o desenho da sua estratégia?
2. Que teses de defesa você acha viáveis de explorar nesse caso?
3. Que provas você poderia requerer ao delegado ou colher diretamente
para embasar as suas teses jurídicas?
O CASO RAFAEL Z.
/
Superior Tribunal de Justiça – e existem poucos – que destacaram a teoria
da imputação objetiva. Quiçá, depois, alguém fique estimulado a comentar
(criticando ou elogiando) estes simples comentários.
(a.1) Para precisar se o risco foi criado é necessário saber como uma pessoa
prudente a quem se relatam os fatos responderia à questão: a conduta
praticada gerou a possibilidade de considerável lesão ao objeto de ação?
Portanto, no contexto apresentado, qual seria a resposta de pessoa uma
prudente que saiba que o engenheiro naval determinou que um
mergulhador realizasse diligência de vistoria em navio encalhado em área
contaminada com produto químico altamente tóxico? Por meio de uma
perspectiva ex ante, resultado da aplicação da fórmula da prognóse
póstuma objetiva, alcança-se uma resposta no sentido de que a
possibilidade de lesão era real. Portanto, a criação de risco por parte do
agente (ora paciente) existiu.
(a.2.2) Ademais, não se pode olvidar que a atividade de mergulho, por si só,
comporta riscos permitidos. Não foi outra a decisão do relator: “[...] à luz
da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da
criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não
ocorrente, na hipótese. [...] não há como asseverar, de forma efetiva, que o
engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já
existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites
para os quais tal risco seria juridicamente tolerado. É sabido que o dano
jurídico ocorrido dentro dos limites do risco permitido exclui a imputação
objetiva, tornando o fato atípico [...]”. Com efeito, ainda que o risco tenha
sido criado, sendo este permitido, não se pode falar em desvalor da ação e,
por conseguinte, torna-se desnecessária a análise do desvalor do resultado.
/
(3.2) Recurso especial n. 822.517-DF, rel. Min. Gilson Dipp, DJ
29/06/2007.
/
(3.2.3) Decisão do recurso especial. Destacou o relator que as alegações
apresentadas pela defesa sobre o laudo não conclusivo da perícia e do
pequeno excesso de velocidade refoge ao âmbito do Tribunal Superior, na
medida em que seria necessário o reexame das provas, o que está vetado
por entendimento sumulado. Ademais, confirmou o afastamento da
aplicação do que a doutrina denomina de risco permitido.
(a.1) Para precisar se o risco foi criado é necessário saber como uma pessoa
prudente a quem se relatam os fatos responderia a seguinte questão: a
conduta gerou a possibilidade de considerável lesão ao objeto de ação?
Assim, no contexto apresentado, qual seria a resposta de uma pessoa
prudente que saiba que a vítima estava em veículo conduzido por um
agente que havia previamente ingerido bebida alcoólica e depois conduzido
em velocidade acima da permitida para a via de trânsito? Por meio de uma
perspectiva ex ante, resultado da aplicação da fórmula da prognóse
póstuma objetiva, alcança-se uma resposta no sentido de que a
possibilidade de lesão era real. Portanto, a criação de risco por parte do
agente existiu.
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(a.3.3) A ciência penal precisa da jurisprudência, contudo esta parece não
precisar daquela. Mas vou insistir no meu propósito: um diálogo. E para
isso nada melhor do que continuar a análise do recurso especial.
Subsidiariamente a defesa do motorista argumentou que a lesão ao bem
jurídico decorreu porque a respectiva titular para tanto contribuiu ao não
usar o cinto de segurança e, assim, implicitamente quebrou a confiança que
deve reger as relações interpessoais e, por esse motivo, a responsabilidade
penal deve ser afastada, pois o risco não seria proibido. Na sentença de
primeiro grau foi afastada a culpa exclusiva da vítima porque tal
circunstância não foi comprovada. Ademais, afirmou o juiz “[...] reconheço
que o réu agiu com culpa de não se ater ao cuidado objetivo de fiscalizar o
uso de cinto de segurança pela passageira/vítima”. Em segundo grau a
decisão foi integralmente aceita. Logo, a mesma conclusão. Depreende-se,
pelo menos a meu ver, que as instâncias ordinárias entenderam que o
condutor é garantidor do passageiro. Sendo isso verdadeiro, apenas será
possível falar em confiança negativa e o risco seria proibido. O dever de
agir, pelo Código Penal (art. 13, § 2.º, a), incumbe a quem tenha por lei
obrigação de proteção. Lei, em sentido estrito, ou seja, decorrente de um
processo legislativo. No caso, é o Código de Trânsito Brasileiro que, em
quatro preceitos aborda o tema “cinto de segurança” e em nenhum salienta
que o condutor deve fiscalizar se o passageiro o está usando. A meu ver,
portanto, poder-se-ia sim argumentar que a confiança foi quebrada pela
vítima. No recurso especial a defesa insistiu neste propósito, mas relator
salientou que, como se trata de matéria de prova, o seu reexame está
vedado (Súmula n. 7).
(b.2) Mas resta saber se o que ocorreu concretamente era o que a norma
jurídica de trânsito visava impedir em abstrato. No caso, a norma proibitiva
– dirigir sob o efeito de álcool ou em excesso de velocidade – visava evitar
que o bem jurídico – vida alheia, daquele que está na via de trânsito ou de
quem está ao lado do condutor – fosse afetado. Logo, numa comparação
entre o “que ex post ocorreu e o que ex ante justificava a proibição” (Greco)
há total harmonia e, assim, pode-se dizer que o risco foi realizado no
resultado. Também o segundo requisito do desvalor do resultado estaria
configurado.
(c) Resta, portanto, apenas uma última análise, qual seja, saber se o
resultado concreto está dentro do alcance do tipo penal e, neste âmbito, não
se pode esquecer que a tutela típica encontra barreira na
autoresponsabilidade da vítima, até porque uma das conquistas da teoria
da imputação objetiva foi a redescoberta do ofendido para fins de tipicidade
penal.
(c.1) A conduta da vítima já seria decisiva se o fato dela não usar o cinto de
segurança, por si só, fosse suficiente para comprovar a sua morte, mas, por
evidente, como ressaltou o Ministro, isso diz respeito à prova e não pode
ser novamente analisado. E se não se pode analisar a falta de cinto de
segurança porque haveria reexame de prova, penso que, da mesma forma
que interpretou o relator, isto é, valendo-se da prova apenas para
fundamentar o porquê de não se aplicar a imputação objetiva, é possível
analisar a conduta da vítima no sentido de ter aceito ou pedido uma carona
ao agente para alcançar uma resposta se esta teoria passaria a ter alguma
importância para aferição da responsabilidade penal do agente.
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(c.2) O presente julgado relata um caso de heterocolocação em risco
consentido no qual a vítima “não ocupava a posição central na atividade
perigosa” (Greco). Não é possível excluir a responsabilidade do agente por
eventual consentimento da vítima porque o direito de disposição da vida é
absoluto só por parte de seu titular e, na hipótese, o fato decorreu de
conduta de pessoa estranha a essa titularidade. Assim, devem ser
analisados os requisitos da heterocolocação para saber se ainda é possível
falar em responsabilidade do agente.
/
(b.2) Entretanto, e somente para insistir no objetivo deste ensaio que,
recordo a todos, é aproximar a ciência da jurisprudência, e não havendo
dados suficientes apenas com a leitura deste acórdão para determinar uma
responsabilidade por omissão uma vez considerando a posição de
garantidor do paciente, considero automaticamente que há nexo de
causalidade entre a conduta do agente e o resultado, ou seja, passo a
entender que foi o agente quem jogou a vítima dentro da piscina e provocou
a sua morte. Necessário precisar, assim, o outro requisito do desvalor do
resultado, isto é, a materialização do risco proibido. Questiono: o que
ocorreu concretamente era o que a norma técnica visava impedir em
abstrato? O alvará era exigência necessária para fins de realização da festa,
mas não objetivava evitar que uma pessoa fosse arremessada na piscina e
desse ato viesse a falecer. Logo, entendo que não haveria congruência entre
o que ex post ocorreu e o que ex ante procurava proteger a norma técnica e,
assim, também o segundo requisito do desvalor do resultado não estaria
preenchido.
(c) Neste aspecto recordo que a tutela típica encontra limite na auto-
responsabilidade da vítima e, no presente caso, o relator fez questão de
abordar a autocolocação da vítima em risco nos seguintes termos: “[...] por
outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da
ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma
autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente
o nexo causal [...]”. E poder-se-ia realmente falar em autocolocação em
risco? Por evidente que sim, mas apenas com relação aos desdobramentos
normais do consumo de drogas que, como qualquer pessoa sabe, não é
morrer afogado numa piscina se arremessado por seus colegas, pouco
importando se a piscina “dava pé ou não”. Portanto, uma vez mais
contrariando o ilustre relator, não vejo como essa autocolocação em risco
possa ganhar o destaque atribuído.
/
(d) Pelo exposto concluo: o trancamento da ação penal é correto por um
fundamento processual e outro penal: o primeiro diz respeito à
generalidade da peça exordial que impede o exercício da ampla defesa e do
contraditório pelo agente; o segundo se refere à ausência de nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado, nos termos pelos quais o Código
Penal brasileiro aborda o assunto. Todavia, também recorreu o relator aos
postulados da teoria da imputação objetiva e resumiu seu pensamento nos
seguintes termos: “[...] ainda que se admita a existência da relação de
causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da
teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação
pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na
hipótese, uma vez que é inviável exigir de uma comissão de formatura
rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes
da festa [...]” que, penso eu, não foram corretamente analisados, por tudo
que anteriormente foi exposto.
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Cabe a quem estiver envolvido no julgamento decidir entre aplicá-la ou
não. Caso se decida por aplicar, que decida pela orientação de uma doutrina
penal qualificada.
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Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 46.525 - MT (2005/0127885-1)
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 2 de 13
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 46.525 - MT (2005/0127885-1)
RELATÓRIO
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 4 de 13
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 46.525 - MT (2005/0127885-1)
EMENTA
VOTO
Há indícios nos autos que revelam que a vítima foi jogada dentro da
piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes,
ocasionando seu óbito.
Sabe-se também que os acusados disponibilizaram para os participantes
da festa grande quantidade de bebidas alcoólicas, sem o menor controle, assim
como substâncias ilícitas, entorpecentes e psicotrópicas, agindo com
imprudência e negligência.
Outrossim, também não se preocuparam em obter alvará de autorização,
necessário nos casos de realização de eventos de grande magnitude, visto que
estavam presentes na festa cerca de 700 pessoas.
O crime em comento deve ser enquadrado como crime de homicídio na
modalidade culposa, onde todos os representantes da comissão de realização
de eventos deram causa ao resultado por imprudência e negligência (art. 18,
II, CP).
Inicialmente, penso que a afirmação contida na denúncia de que "a vítima foi
jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes,
ocasionando seu óbito", não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código de
Processo Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal, "A denúncia ou queixa conterá
a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário,
o rol das testemunhas".
Ainda que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização
das condutas, quando se trata de delitos de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial
para uma acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a
conduta tida por delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 6 de 13
Superior Tribunal de Justiça
apontado na peça acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina.
Nesse sentido são os seguintes precedentes deste Superior Tribunal:
Por outro lado, nos termos do art. 13 do Código Penal, "o resultado, de que
depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa", entendendo-se esta
como a "ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido".
Desse modo, uma vez identificado o resultado, no caso, a morte da vítima, que
constitui elemento indispensável à formulação típica do homicídio culposo, é imprescindível
relacioná-lo com a ação realizada pelo agente, mediante um vínculo causal, cuja ausência
acarreta a impossibilidade de imputação.
Na hipótese dos autos, não restou demonstrada a presença do nexo de
causalidade na acusação feita pelo Ministério Público, no sentido de que os denunciados são
responsáveis pelo homicídio culposo ocorrido, por não terem sido diligentes, deixando
supostamente de obedecer às normas de segurança necessárias para a realização da festa.
A ausência do nexo causal se confirma na assertiva constante da própria
denúncia, ao dizer que, "considerando-se a profundidade, altura e o biotipo da vítima, a perícia
concluiu também que a piscina não apresentava riscos para uma pessoa em condições normais
independentemente de saber ou não nadar, assim como as condições apresentadas pela vítima
baseadas na dosagem alcoólica não impediriam a mesma de reagir para evitar o afogamento,
concluindo que a mesma afogou-se em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas" (fls.
65/66).
Portanto, infere-se da narração da peça inicial acusatória que houve
consentimento do ofendido na ingestão de substâncias psicotrópicas. Em casos tais, ocorre a
exclusão da responsabilidade, pois se trata de autocolocação em risco, consoante afirma
abalizada doutrina (D'ÁVILA, Fábio Roberto. Crime Culposo e a Teoria da Imputação
Objetiva . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 71).
Desse modo, o fato de a vítima ter vindo a óbito em razão da ingestão de
substâncias psicotrópicas não tem relação direta com a conduta dos acusados, o que afasta a
possibilidade de aplicação da teoria da imputação objetiva.
É oportuno ressaltar as palavras do 2º voto vogal integrante do acórdão (fl. 440):
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 8 de 13
Superior Tribunal de Justiça
Segundo leciona Damásio de Jesus, "A imputação objetiva requer uma relação
direta entre a conduta e o resultado, e que a afetação jurídica se encontre em posição de
homogeneidade com o comportamento primitivo, inexistindo quando aquele (evento) vem a ser
causado, em fase posterior, pelo próprio sujeito passivo, terceiro ou força da natureza (resultado
tardio)" (O risco de tomar uma sopa. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, nº
16, out-nov/2002, p. 11).
No mesmo sentido:
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 1 0 de 13
Superior Tribunal de Justiça
seriam de afirmar-se diante de uma aparência suspeita (pois se trata de um critério vago, passível
de aleatórias interpretações), mas só diante de uma reconhecível inclinação para o fato. (ROXIN,
Claus. Teoria da Imputação Objetiva . In Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano nº 9,
abril-junho de 2002, Ed. Revista dos Tribunais, pp. 11-31, p. 14)
Desse modo, no caso concreto, não poderia a Comissão de Formatura prever o
comportamento da vítima, que, conforme consta da própria denúncia, somente veio a afogar-se
acidentalmente em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se de forma
contrária ao direito, inexistindo indicação na denúncia de que aparentemente isso pudesse ser
antevisto.
De outro ângulo, vale destacar a doutrina do já citado professor Claus Roxin, o
qual sustenta que só é imputável aquele resultado que pode ser finalmente previsto e dirigido pela
vontade. Logo, os resultados que não forem previsíveis ou dirigíveis pela vontade não são típicos.
"Equipara-se a possibilidade de domínio através da vontade humana (finalidade objetiva) à
criação de um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico. Esse aspecto é
independente e anterior à aferição do dolo ou da culpa". (Apud PRADO, Luiz Regis. Teoria da
Imputação Objetiva do Resultado: Uma Abordagem Crítica . Revista dos Tribunais, ano 91,
vol. 798, abril de 2002, pp. 447/448).
Assim, à luz da citada doutrina, antes e independentemente de se aferir a culpa
dos denunciados, constata-se a inexistência de previsibilidade do resultado, o que acarreta a
atipicidade da conduta e o conseqüente trancamento da ação penal.
A matéria já foi tratada por esta Corte em caso semelhante, assim ementado:
Pelo exposto, concedo a ordem impetrada para trancar a ação penal em relação
a todos os denunciados, com base no art. 580 do Código de Processo Penal, em razão da inépcia
da denúncia, por fazer acusação sem um mínimo de individualização das condutas dos acusados,
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bem como em razão da atipicidade da conduta narrada, pela ausência de previsibilidade, de nexo
de causalidade e de criação pelos pacientes de um risco não permitido.
É como voto.
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Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Relator
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ÁUREA MARIA ETELVINA N. LUSTOSA PIERRE
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : DALILA DE OLIVEIRA MATOS
IMPETRADO : PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO MATO GROSSO
PACIENTE : MARCELO ANDRÉ DE MATOS
ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art.121 a 154) - Crimes contra a vida - Homicídio ( art. 121 ) -
Culposo
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, com extensão aos co-réus, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Documento: 614749 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 10/04/2006 Página 1 3 de 13
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
23 de abril de 2019
2ª Câmara Criminal
ACÓRDÃO
V O T O
O Sr. Des. Ruy Celso Barbosa Florence. (Relator)
Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público
Estadual contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2.ª Vara Criminal da
Comarca de Campo Grande (f. 300 – 306), que absolveu Sandro Gomes Cáceres do
crime tipificado no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, nos termos do art.
386, III, do Código de Processo Penal.
Requer, em síntese, a condenação de Sandro Gomes Cáceres nas
penas do art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (f. 313 – 323).
Contrarrazões pelo não provimento (f. 325 – 332).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento
do recurso ministerial (f. 342 – 347).
Narra a denúncia que:
"(...) No dia 20 de outubro de 2013, por volta das 14h40min, na
Avenida Sólon Padilha (BR 262 – prolongamento da Avenida Duque de
Caxias), após o pontilhão, entre 50m e 200m antes da lombada eletrônica,
nesta Capital, o denunciado SANDRO, agindo com imprudência ao
trafegar em velocidade superior à máxima permitida para a via, praticou
homicídio culposo conduzindo o veículo Renault/Kangoo, cor branca,
placas HTQ-3654, tendo como vítima NICO MENDES DA COSTA, que
conduzia uma bicicleta Monark, barraforte, cor vermelha.
Apurou-se que o denunciado SANDRO, até então funcionário da
empresa "Feijão com Arroz", conduzia o veículo da empresa para fazer
uma entrega, bem como a vítima fatal retornava para o almoço, quando
esta, ao tentar cruzar a referida via, sofreu a colisão com o denunciado
SANDRO, batendo com a cabeça no para-brisa e sendo arremessada por
cima do veículo Renault/Kangoo, vindo a falecer. (...)"
O juízo de primeiro grau absolveu o apelado por atipicidade da
conduta pelos seguintes argumentos:
"(...) O nexo fático é indiscutível, porquanto o óbito da vítima Nico
Mendes da Costa deu-se em decorrência de acidente de trânsito
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
envolvendo o veículo conduzido pelo acusado; não se tem, contudo, o nexo
normativo, uma vez que o resultado jurídico não decorreu do risco
incrementado pelo acusado, mas sim da autocolocação em perigo pelo
ofendido.
Vejamos. A Avenida Duque de Caxias é uma das principais desta
Capital, com tráfego intenso durante todo o dia, em especial em sua parte
final, em que se inicia a Rodovia BR 262, tal qual a hipótese dos autos.
A vítima e o réu seguiam em direção a Indubrasil.
Em circunstâncias como estas, a travessia da via pública pelo
ciclista deve ser feita com todas as cautelas possíveis.
É inconteste que a vítima Nico não se valeu dos cuidados que lhe
eram exigidos e atravessou inadequadamente a faixa de rolamento em que
transitava o acusado - fora do local específico para tanto e seu observar o
procedimento adequado.
Compulsando os autos, constata-se que a vítima Nico Mendes da
Costa cruzou a via que conta com 03 (três) faixas de rolamento, início de
rodovia, aparentando que desejava realizar o retorno (fl. 37).
Ocorre que, ao trafegar em local com veículos automotores, embora
o ciclista conte com preferência, deve se comportar de mesmo modo que
os demais ou realizar a travessia em local adequado ao pedestre.
Desta forma, se pretendia realizar o retorno, por estar na faixa da
direita, deveria ter antecipadamente sinalizado que ingressaria à
esquerda e, em movimento, sentido Indubrasil, transposto as 03 (três)
faixas como um carro o faz; não pode cruzar a via perpendicularmente.
Ao contrário, poderia ter seguido até o redutor de velocidade e,
então, cruzado a via na perpendicular.
O condutor de bicicleta deverá sempre comportar-se como se
pedestre o fosse; acaso não queira, impõe-se que observe o procedimento
estabelecido para os veículos maiores.
A velocidade em que trafegava o réu é irrelevante, haja vista que o
acidente não teria acontecido, acaso a vítima realizasse a travessia da via
de maneira adequada.
Permitir eventual responsabilização penal do réu Sandro Gomes
Cáceres, desconsiderando-se completamente a imprudência da vítima,
implicaria em violação ao princípio da confiança, que conta com especial
aplicação no âmbito dos crimes de trânsito.
(...)
No mesmo sentido, com relação ao estado de conservação dos
pneus dianteiros, é inconteste que o acusado Sandro Gomes Cáceres era
empregado de Osmar Alves Coco no estabelecimento "Feijão com Arroz",
e conduzia o veículo "da empresa", não sendo responsabilidade sua, mas
sim de Osmar, realizar as devidas manutenções.
Logo, demonstrada a culpa exclusiva da vítima Nico Mendes da
Costa e a negligência apenas de Osmar Alves Coco, impõe-se a
absolvição do acusado Sandro Gomes Cáceres pela prática do crime
tipificado no art. 302, caput, da Lei n. 9.503/97. (...)"
O recurso deve ser improvido.
É que, não restou devidamente comprovado que o réu descurou do
dever objetivo de cuidado e teria criado risco não permitido, sendo certo que de acordo
com a Teoria da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente
quando decorrer da prática de um risco permitido.
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Já tive a oportunidade de refletir sobre o tema da exclusão da
tipicidade em casos desse jaez e compartilho com os Pares as minhas conclusões,
lançadas na obra “Teoria da Imputação Objetiva: sua aplicação aos delitos omissivos no
direito penal brasileiro”:
“4.3.1.3. Incremento ou falta de aumento do risco permitido.
Não haverá igualmente imputação quando o agir estiver dentro de
uma situação em que se verifique um risco permitido, entendido como
aqueles perigos decorrentes de condutas toleradas, social e juridicamente,
tanto em razão da importância que têm para a sociedade quanto de sua
costumeira aceitação por todos, por serem inerentes à vida moderna.
(...)
Claus Roxin menciona os riscos permitidos resultantes do trânsito
(...).Sendo sempre importante assinalar que a exclusão da imputação só se
dará nos casos em que advierem resultados danosos dessas práticas, se
tiverem sido observadas as regras a elas inerentes ou, ocorrendo o
desrespeito a alguma dessas normas, não seja este fato relevante para o
resultado.
Exemplo sempre lembrado é o do condutor de veículo que,
obedecendo rigorosamente às regras de trânsito, vem a causar a morte de
alguém por atropelamento. Como o dirigir veículo envolve um risco
permitido, e o condutor, cumprindo as normas de trânsito, não aumentou
esse risco, não há imputação objetiva, tratando-se de situação atípica.
(...)
4.3.1.8. Autocolocação em risco
Outra hipótese em que pode ocorrer a exclusão da imputação dá-se
quando o perigo é provocado pela vítima e proveniente de sua vontade,
mesmo conhecendo o risco existente em sua ação.
A razão da exclusão da imputação, nos casos em que a vítima se
autocoloca em situação de perigo, assim como se dá quando ela consente
com a agressão ao bem jurídico de que é titular, reside na linha político-
criminal assumida pela teoria da imputação objetiva, focada em uma
visão do Direito Penal que deve agir como ultima ratio, analisando os
tipos penais de acordo com sua finalidade dentro do contexto social em
que atuam.
Por isso, em regra, a vítima, com capacidade de discernimento,
conhecendo o perigo da posição em que se autocoloca, age diante do
direito por risco próprio, ainda que a sua decisão tenha, por exemplo,
origem em instigação de terceiro.
(...)
O grande número de casos possíveis de autocolocação da vítima em
situação de risco ou perigo, aliado ao fato de se tratar de um critério de
origem político-criminal, impede a construção de regras gerais que
possam servir indiscriminadamente a todas as situações.
Claus Roxin comenta algumas decisões do Tribunal Superior
Federal alemão sobre hipóteses de autocolocação em perigo pela vítima.
Um caso refere-se a uma aposta de corrida de motocicletas entre A e B,
em que ambos estavam embriagados, mas completamente imputáveis. Em
virtude de erro cometido por ele mesmo, B falece em razão de acidente . O
Tribunal condenou A por entender ter ele "causado de modo contrário ao
dever um resultado previsível e evitável". Quanto a essa decisão, Claus
Roxin entende que, como B ainda se encontrava plenamente imputável, e
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
por isso vislumbrava por completo o resultado, este não poderia ser
imputado a A, por não se compreender no âmbito de alcance do tipo.
(...)
Como já salientado, as possibilidades práticas são muitas e o
importante é o alcance dessa construção doutrinária, que leva em
consideração o homem e seu direito à autodeterminação, como parte
integrante de sua dignidade." (SP. Pillares, p. 132. Ed. 2010, p. 123-124,
129-130).
Nesse sentido, a jurisprudência já decidiu:
APELAÇÃO CRIME. HOMÍCÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE
VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE VIOLAÇÃO DO
DEVER OBJETIVO DE CUIDADO. INEXISTÊNCIA DE CULPA NO
AGIR DO RÉU. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. AUTOCOLOCAÇÃO DA
VÍTIMA EM PERIGO. ABSOLVIÇÃO. Motorista de caminhão que
atropelou a vítima em cima da calçada, supostamente agindo de forma
imprudente. A prova dos autos aponta que a vítima autocolocou-se em
situação de perigo, pois passou por trás do caminhão, ignorando o fato de
que o condutor deste já avançava por sobre a calçada, realizando
manobra plenamente sinalizada. Concorreu a vítima, pois, para o
acidente, quebrando o princípio da confiança, segundo o qual todo aquele
que atende adequadamente ao cuidado exigido pode confiar que os demais
coparticipantes da mesma atividade também operem cuidadosamente.
Nesse caso, exclui-se a responsabilidade do agente quanto a fatos que
ultrapassem o seu dever de agir com cuidado. Não há, nos autos, elemento
capaz de provar que a conduta do réu foi imprudente, uma vez que o
mesmo disse ter observado os dois espelhos ao iniciar a manobra e
constatado que não havia transeuntes passando no momento em que
ingressou no passeio, além de ter ligado o pisca-alerta e sinalizado
sonoramente. Assim, somadas as circunstâncias do fato, em face da
conduta da vítima, decisiva para o evento, e não demonstrada violação a
dever objetivo de cuidado pelo réu, impositiva a sua absolvição.
RECURSO PROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº
70064658578, Primeira... Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em 15/07/2015).
Compulsando-se o autos, percebe-se que o recorrido estava
conduzindo o veículo normalmente pela via, quando a vítima, andando em sua bicicleta
do lado direito da rodovia, abruptamente atravessou transversalmente a via, sem tomar
as devidas cautelas para tanto, veja-se:
O recorrido disse que estava conduzindo o veículo do lado esquerdo
da via e quando chegou na curva, deparou-se com a vítima atravessando a via, momento
em que iniciou a frenagem, mas não conseguiu evitar a colisão. Afirmou que viu a
vítima logo após a curva e não antes (p. 281).
A testemunha Renato Raimundo Teixeira de Souza disse que
atendeu a ocorrência e que não houve imprudência por parte do recorrido e sim uma
fatalidade. Afirmou, ainda, que o recorrido lhe disse que a vítima atravessou a via de
forma repentina. Declarou que o recorrido poderia estar conduzindo o veículo acima da
velocidade permitida, como também poderia estar no limite da velocidade, tendo em
vista que os pneus dianteiros estavam gastos, de sorte que mesmo se estivesse
conduzindo na velocidade da via, o veículo não iria parar. Disse que de onde o recorrido
estava, não tinha como ele ver a vítima atravessando a via porque ali é o início de uma
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
curva, sendo pego de surpresa e que naquele local é difícil a visualização, inclusive já
atendeu várias ocorrências ali, pois muitas pessoas atravessam a via de forma
descuidada. Que não sabe dizer se a vitima prestou atenção ou não ao atravessar a pista
(p. 281).
Ora, o art. 34 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que "o
condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la
sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com
ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade".
No caso dos autos, percebe-se que a vítima autocolocou-se em risco,
pois cruzou a via sem certificar-se de que poderia fazê-la com segurança, de sorte que, a
velocidade em que o recorrido trafegava é irrelevante,tendo em vista que o acidente não
teria acontecido, acaso a vítima realizasse a travessia da via de maneira adequada.
Ademais, ainda que o recorrido estivesse conduzindo o veículo com
velocidade superior a permitida pela via, não há provas se foi esse fato que deu causa ao
acidente ou a forma imprudente de travessia da vítima, razão pela qual a absolvição
deve ser mantida.
Ante o exposto, contra o parecer, encaminho voto no sentido de
negar provimento ao recurso ministerial.
D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
aq
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
ACÓRDÃO
1
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
RELATOR.
VOTO
2
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
É, no essencial, o relatório.
3
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Decido.
4
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
5
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Acrescente-se, por fim, que também foi ouvido o policial militar Marcos
Antônio Messias dos Santos, que não presenciou o acidente, não sabendo
precisar detalhes de sua dinâmica.
6
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
7
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
geral. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 258).
Assim, vê-se que o risco foi integralmente criado pela vítima, não se
tendo comprovado qualquer criação de risco não permitido, ou mesmo
incremento de risco pré-existente ou causado por terceiro, por parte do
apelante.
8
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Segundo tal princípio, apesar de saber que outras pessoas cometem erros,
aquele que se comporta adequadamente pode confiar que os demais
também o façam, desde que não existam motivos para acreditar no contrário.
(...) A consequência da aplicação do princípio é a impossibilidade de
responsabilizar aquele que atua conforme o cuidado objetivamente exigido.
(...)
9
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
10
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
É como voto.
11
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2014.0000196309
ACÓRDÃO
FRANCISCO BRUNO
RELATOR DESIGNADO
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
digno magistrado não haver prova segura de que a conduta não causou
“puede quesea probable que las cosas sucediesen de outro modo, pero no
Cancio Meliá, Madri: Editorial Civitas, S.A., 1.ª ed., 1996, pág. 193).
FRANCISCO BRUNO
Relator designado