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CCONSELHO. NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO £ TECNOLOGICO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZONIA BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI NOVA SERIE BELEM — PARA — BRASIL OS INDIOS MUNDURUKU E O SERVIGO DE PROTEGAO AOS INDIOS Expedito Arnaud Musou Goold! RESUMO — Abordagem da ago desenvolvida pelo Ser- vigo de Protegio aos Indios entre os indios Mundurukti, no periodo compreendido entre 1941-1964. O trabalho ‘contém os seguintes capitulos: 1) — As frentes de expan- ‘slo; 2) — As miss6es religiosas; 3) — O Servico de Pro- tego aos Indios, Em conclusio, sio apreciados os resul- tados provocados pela referida acd InTRoDucio Os estudos no Brasil sobre politica indigenista, de modo nao acidental, podem ser dados como tendo io nos Ulti- mos anos da década de 1930. O Servicgo de Protecdo aos Indios, comegou a contratar etnélogos ja pela década seguin- te, apés a criagdo de sua Segdo de Estudos (1945). Chegou a formar dentro de alguns anos uma equipe das mais cate- gorizadas, que teve atuacéo destacada tanto na pesquisa pura como aplicada. Essa equipe dissolveuse entre 1955 1960, havendo alguns de seus componentes se afastado por motivo de interesse pessoal e outros devido divergén- clas que tiveram com dirigentes do Orgao, em torno dos pré- prios problemas indigenas Em seguida foram eles atuar (7) — Bolsista do CNPq. (1) — Conforme observa Me ‘ocupam de quais “os of considerav om “ébvias implicagBes de valor”, acham-se “peculiarmente Jelto a ataques por aquoles cujos interesses e sentimentos 980 ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E 0 SEAVIGO DE. na pesquisa pura em outras institui¢des, nao tendo o S.P.1. admitido mais nenhum etndlogo até quando ocorreu sua ex- tincao (1967), @ nao ser durante a curta gestéo de Noel Nu- tels (1963-64) que foi assessorado por Carlos Moreira Ne- to (). De qualquer forma, diversas publicagdes surgidas des- de aquela fase a respeite do assunto, além do que possam representar de importante para o campo do conhecimento etnolégico, podem também ser consideradas, salvo melhor juizo, como fontes valiosas para os érgaos oficiais e missio- harios atuantes entre as populacées tribais Baldus (1972), em seqiiéncia a outros ensaios, aprecia 0s “Métodos e resultados da acao indigenista no Brasil”, através de trés aspectos — “a protegio, a pacificagio e a aculturacao dirigida"; e, por fim, mostra ser “mais do que nunca" necessdria a criacao do “Instituto Indigenista Brasi leiro, preconizado por Rondon", para funcionar como “um centro de Antropologia Aplicada, dedicado a elaboracio de “basic survey" e evolution", no sentido das pesquisas da Unesco na India” Schaden (1965), dedica um capitulo de sua tese “Acul turagaio Indigena" em examinar “algumas conseqiiéncias dos estudos de aculturagao para o planejamento da politica indi- genista. Considera que, “uma das suas falhas capitais tem sido a de se omitir quanto a dimens&o psicold. situagdo de marginalidade”; e procura “extrair do conjunto das andlises algumas conclusées praticas para fundamenta- ao de uma politica menos empirica”. violados pelas suas des ber * (id. : 290). 08 que stv diretamente-na "buroeraia publica” slo comumente Solcladss 8 prestar “informagses ara dretrizes especiias ov posswels «ay _ rom termina pls snes potion” Ci 25) 2) —A FUNAI jé possul einlogos om seu quedro, e vem propor Cionando a sous tanidores cursos de. indigenismo, ministados bor equeles © por prfessores do Departamento do” mnangs da’ Univeridode co Bra po de raba Mago dos ‘seus progr —2- BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 5¢ Ribeiro (1962), em seu principal estudo sobre o tema (A politica indigenista brasileira"), discorre sobre os fun- damentos que serviram de base para a criagdo do S.P.1., ‘em 1910. Faz “um balanco critico dos cinqlenta anos de atividades” do Orgdo, abordando “os problemas da socie- dade brasi 80", como das populagdes jenas envolvidas no processo; apresenta "recomenda- gées para a ago protecionista”; e, em instancia final, salien- ta a importancia educativa do “Museu do Indio”. Oliveira (1972), sob o titulo “A sociologia do Brasi indigena”, vem de reeditar nove ensaios. Os divulgados em 1960-61 “sugerem dificuldades com que a politica indigenis- ta de entao se defrontava e que tudo indica continuam a sub- sistir nos dias de hoje"; e os demais, publicados entre 1965-69, “apontam problemas e abrem perspectivas de uma investigagao, susceptivel de tornar inteligivel o verdadeiro teor do contato interétnico ¢ as responsabiidades subjacen- tes a qualquer politica indigenista. ..” Galvao & Simées (1972), em “Mudanga e sobreviven- cia no Alto Xingu”, focalizam a ocupagéo dos formadores do Xingu (érea cultural do Alto Xingu) por grupos de vérias ori- gens; registram as crises que passaram eles a sofrer (con- flitos, efeitos dissociativos e depopulativos) face aos con- tatos havides com civilizados a despeito do cardter tempo- rério dos mesmos; e indicam os fatores que possi “a sobrevivéncia e mesmo aumento da populagéo xinguana”, verificada apés @ criagao do Parque Nacional do Xingu Santos (1969) critica a ago posta em pratica pelos pos- tos do S.P.1., em Santa Catarina, sobre os indios Xokléng e Kaingang; e sugere “um esquema basico que permita o surgimento de planos especificos nos setores oficiais pelo trato dos problemas indigenas”, tendo em vista “o destino préximo, imediato dos grupos tribais” mencionados. Moreira Neto (1971), em sua tese “A politica indige- nista brasileira durante 0 século XIX", utilizando “vasta do- cumentagéo oficial”, aprecia tal politica “tanto em seus aspec- ARNAUD, £. — OS INDIOS MUNDURUKU E 0 SERVIGO DE tos ideologicos e juridicos formais quanto ao seu cardter de ago pratica e concreta”; ¢ pretende demonstrar “a continui- dade de uma atitude basica em relacéo ao indio, que tem suas origens no periodo colonial, e permanece, sem modificagao essencial, até 0 presente” Frikel (1971), em "Dez anos de aculturagéo Tiriyé- 1960-70", aponta as talhas incorridas por trés missdes (1 ca- t6lica ¢ 2 protestantes) na “aculturagdo” desses indios; faz sugestoes no sentido de tais agéncias melhor orientarem suas atividades, “evitando excessos nas doagdes e/ou nas transagées”, a fim de nao possibilitar, no futuro, 0 surgimen- to de “um tipo de proletariado indigena"; e lembra a neces- idade de ser modificada, ou pelo menos atenuada, a ma- neira de doutrinar {sobretudo dos protestantes), para nao desorientar ¢ desligar os indios do seu passado e das suas tradigoes” © GTFunai/Transamazénica (1971), anteriormente re- ferido, através de um “plano de apoio” para aplicagao entre 0s grupos indigenas situados ao longo da rodovia, apresenta as seguintes recomendagoes: impedir que os contatos entre indios e civilizedos, resultem em choques armados: evitar a desagrega¢éo ¢ 0 desaparecimento dos grupos atingidos, conduzindo-os e orientando-os no proceso de integracdo & sociedade nacional; garantia das reservas tribais; prevengao € tratamento das doengas epidémicas e das j4 endémicas; criagio de uma infra-estrutura sécio-econdmica e médico-sa- itéria, para prestar assisténcia as populagdes indigenas em caréter permanente © préprio autor, focaliza "Os indios da regiéo do Uaga (Ciapoque) a protecao oficial brasileira” (Arnaud, 1969), co- mentando em instdncia final os resultados obtidos em fungao dos planos postos em pratica; apresenta um escorgo da “Acao indigenista no sul do Par (1940-1970)" (id.:1971), mostrando situagées verificadas com os grupos que foram ai pacificados; e no ensaio “Servico de Protegdo aos Indios- hormas @ implicagées” (id.:1973), aborda os seguintes as- age BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 ectos: “normas e programas, situagées enfrentadas pelo Org’o no desempenho das atribuicdes, e fatores que pode- iam ter contribuido para a ocorréncia de tais situacoes: © presente trabalho, realizado em fungao do projeto tulado “O indio face a expansao nacional”, pretende apre- a ago empreendida pelo S.P.1. na regido do Tapajés (Para), no perfodo compreendido entre 1941-1964, abrangendo as relacées havidas entre os indios Munduruki, habitantes regionais, missionarios e comerciantes. Para melhor com- ‘eensio dos problemas atuais, 0 corpo do trabalho (O Ser. vico de Protege aos Indios), encontra-se precedido de trés capitulos em que sao abordados, em linhas gerais, as fren tes de expansdo, as missées religiosas e os indios Mundu- ruki, desde a fase histérica até quando 0 mencionado Orgio ou atividades na regiéo. Em sua elaboracdo, além das fontes bibliograficas e documentais referidas, foram utiliza- dos elementos obtidos pelo autor quando no exercicio de fungdo na 2° Inspetoria Regional do S.P.1. (Belém, Par). Assim como por intermédio de varios informantes que mi taram no Tapajés, dentre os quais cumpre destacar o Sr no Faria (funciondrio da FUNAN) pelos seus oportunos es- larecimentos. No momento da revisdo e redagdo final ve- rificou-se a cooperagdo da colega Ana Rita Alves (bolsista lo Conselho Nacional de Pesquisas), que forneceu interes- santes sugestées e preparou 0 sumério em lingua inglesa As indicagées existentes no mapa a respeito da localizagéo das aldeias Munduruki foram colhidas em Murphy & Murphy (1954:41). AS FRENTES DE EXPANSIO As primeiras penetragdes européias na regio do Ta. pajés (sul do Para entre 3-10° de Lat. Sul e 55-59" de Long Oeste), “segundo um autor pouco seguro (Manoel Rodrigues Marafion), teriam sido realizadas por ingleses (Spix & Mar- tius, 1938:162). Também castelhanos procedentes do Alto cages ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKO E © SERVIGO DE. Amazonas, j4 mantinham relagdes com os indios af localiza- dos antes da primeira expedicao empreendida, em 1626, por Pedro Teixeira em companhia de frei Christovam de S80 José (capucho de St° Anténio), para resgatar escravos indigenas (Leite, 1943:357; Baena, 1969:33) (). No decorrer dessa ex- Pedicao, Pedro Teixeira estabeleceu contatos amigéveis com varios grupos indigenas (inclusive em sitio mais tarde deno- minado Alter do Chao) e, em 1639, realizou outra viagem pela regido (Leite, 1943:357; Muniz, 1916:306) Em 1724, 0 rei de Portugal ordenou a0 Governador do Marenho que explorasse o Tapajés, onde sabla-se existir cravo em abundancia, talvez ouro e prata e, como maior ri- queza, “um imenso e numerdvel gentio de boa condicao”, a despeito das dificuldades entéo impostas por uma “bérbara nagao” situada junto as primeiras cabeceiras do rio (Livro Grosso ... 1948: v. 66:213-14). No entanto, um mais amplo reconhecimento da regido foi ser efetuado, 20 anos mais tar- de, por Joo de Souza Azevedo, Leonardo de Oliveira e Pas- coal Arruda, descendo de Mato Grosso pelos rios Sumidouro © Arinos em busca de riquezas minereis('). Em 1785, foi fundada a povoacéo de Aveiro por José Teles de Menezes (Brasil, 1910:8). Em 1797, foram criadas as povoagées de Curie Ixituba e, por ordem do Governo do Pard, ocorreram (3) ~ A respetto da primeira viagem de Pedro Teixeira a0 Tapalés as- sim expressousse Baena (1963 : 33): "1625-1625, 8° Cap, Mor Manoel de Sousa E¢a — Encarregado ao Cap. Pedro Teixeira de resgatar escravos_indigenas bravios para o trabalho. material da Capitania. Parte este Cap. da cidade com um Religioso Capucho, 26 soldados e avuitado numero de Chega a ‘estes tem trato com o8 Indios Tome : endereca-se para nto e um trato menos bronco — adqul 8 © Pacards © poucos escravos, porque os Tapes raras vezes tolerardo o uso de se comutar homens com (4) — A viagem de Jodo de Sousa Azevedo, foi mencionada por Muniz (1916: 306) em 1742, por Spix & Martius (1938 : 162-63) em 1248, aimelda Serra (1797 : 79) em 1745, e Coudreau (1941 : 179) em 1748. As de Leonardo de Oliveira e Pascoal Arruda, con forme Muniz (1996: 305) © Spix Martius (1938 : 16253)’ ocor reram em 1747. re algumas_estol es BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA. 54 exploragées desde 0 Alto Tapajés até o Mato Grosso (Muniz, 1916:309). Em 1812, 0 lugar Itaituba jé era conhecido como centro de exploracio e comércio de especiarias do alto Tapajés }. Pela metade do século, regatées costumavam subi pelos “rlos secundérios” conduzindo “pano, cachaga, qui quilharias e moedas de cobre ("tinicas conhecidas entre esses remotos habitantes"), para trocar por géneros de alimenta- 40 @ outros produtos” (Bates, 1944, v.2:75). No inicio da década de 1870, existiam na “ de Italtuba, 8 casas co- merciais (4 nacionais e & estrangeiras) e mais 7 “no inte- rior"; 08 cursos d’égua eram percorridos por “19 canoas de regat6es © 7 lojas ambulantes que adquiriam guarané dos Maués”; e culabanos desciam anualmente também para com- prar guarand, cuja arroba Ihes era vendida por 608000 e 808000 (Miranda & Tocantins, 1872:8). No alto Tapajés, os regat6es geralmente s6 encontravam entdo para efetuar tran- sagdes comerciais, indios Munduruki e alguns “Maués sel- vagens” que andavam nus ou seminus (Tocantins, 1877:147). Admirou-se 0 citado autor que, a tais indios, fossem entregues (parece incrivel") somas avultadas de mercadorias embora do possuissem “outro capital além de uma machadinha para cortar borracha” (ibid.). Mas, em contraposi¢ao, eram eles mantidos em “uma espécie de escravidéo": s6 podiam nego- far a borracha produzida com o fornecedor; apés a safra eram utilizados como remeiros e em outros servigos; e, caso fa- lecesse um “patréo”, os devedores insolventes eram inclui- dos na partilha dos seus bens (ibid.) () ‘Quando a produgdo de borracha jé alcangava significa. tivo desenvolvimento (1895-96), cerca de 3.000 civilizados (paraenses, maranhenses, cearenses e alguns mato-grossen- (5) — Segundo ainda o citado autor quando perguntavage a um des- se8 Indios quanto ele devia, respondia sempre: "Quem sabe ? 'S6 0 patrao 6 que pode saber”. (ibid.). Em uma conta corren- te fomecida pelo regatéo Manuel Quirino Paes ao cacique Jos- ‘quim Correls’ Plampé, as mercadorias foram debitadas com 0 acréscimo de 400% (ibid. : 149). ARNAUD, E, — OS INDIOS MUNDURUKU E O SERVIGO DE. ses), empenhados na extragéo e comercializagao do produto, encontravam-se disseminados desde Itaituba até o Salto Au- gusto (Coudreau, 1941:42 e ss.)(‘J. No inicio da década de 1910 (fase do apogeu). essa populagéo havia aumentado para 7400 individuos, dentre os quais 1500 habitavam na sede municipal (50 eram comerciantes estrangeiros), onde o ni mero baixava para 900 de maio a dezembro devido os des- locamentos provocados pela safta da borracha (Brasil 1913:73-77). Encontravam-se ai funcionando 20 casas co- merciais, sendo “2 pharmacias, 3 agougues vendendo carne diariamente, 1 alfaiataria, 1 estabelecimento mecanico, 1 car- pintaria, 1 funilaria, etc”. E em 1912, comegou a circular no municipio, 0 semanério intitulado “O Tapajonia”, fundado por Raymundo Pereira Brasil (ibid.: 73-84) Na mencionada fase existiam no municipio 171 posses de terras registradas com 316400 ha (43 com 141700 ha per- tenciam a R. Pereira Brasil e a sua firma comercial conten- do cerca de 152700 seringueiras e com 3100 pessoas habi- tando em seu interior (ibid:5-39). As exportagdes de bor- racha subiram de 263000 quilos em 1893 para mais de 700000 kg anuais entre 1908 e 1912 (ibid.: 73-77)(°). Neste ultimo (6) — A produgdo de borracha do Municipio de ttaituba no periodo de. 1893" a. 1912, consoante os dados registrados por Brasil (1913: 73-77) foi a seguinte: 1893 — 253971 kg; 1904 — 372540 kg: 1895 — 428963 kg; 1896 — 447137 kg: 1897 — 454690 kg; 1898 — 451341 kgi 1809 — 538429 kg: 1900 — 515142 kg: 1901 — 85165 kg: 1902 — 578003 kg: 1903 — 665492 kg; 1904 — 692210 kg; 1905 — 672223 kg; 1906 — (869453 kg; 1907 — 666112 kg: 1908 — 733500 kg: 1909 — 738000 kg: 1910 — 745000 kg; 1911 — 712000 kg: 1912 — 712000 kg (em nimeros redondos as 4 dltimas parcelas); total 11602881 kg. A produgdo total calculada ao prego medio de 38500 © quilo, eleangou a importancia de 40.610,083$000 (contos de réis) (ibid). (7) = Raymundo Pereira Brasil, “Maranhense, nascido na década de 1870, jovem velo para a Provincia do Paré, fixou-se final no municipio de Italtubs, tornouse proprietério de muitos seri gals... enricou. Intendente municipal de boas obras; em Be: lém, firma comercial © exponéncia ‘social; alta visso. adminis: trativa... fol seringalista na Amazor Senso sobre a ‘de economia da borracha na sua época de opuléncia e imprevi- dencia”.-. (Borges, 1968). BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 Seer ano entre diversos outros géneros de alimentagao foram im- portados aproximadamente 50000 quilos de feijéio, 30000 kg de café, 80000 de acticar, 10000 de milho, bem como, 20000 alqueires de farinha, que, antes do surto da borracha, era género de exportacdo (ibid.) A navegagao entre Belém do Paré e o porto de S. Luis do Tapajés, era ento efetuada por dois navios gaiolas per- tencentes @ companhia inglesa Amazon River e a firma J. P. respectivamente; no trecho encachoeirado do Tapajés, situado entre S. Luis e Pimental. 0 transporte na fase do estio ocorria através de uma estrada pertencente a J. P. em soguida, verificava-se por meio de canoas impe- idas a remo, as quais, consumiam em média 40 dias de su. bida e 20 de baixada, até os ultimos barracées; e das mar- gens dos rios para os seringais do centro eram empregadas tropas de burros (Ibid. :69) Os elementos nordestinos atraidos para trabalhar na borracha comegavam a ser explorados desde 0 desembarque em Belém. Eram levados a “logistas pouco escrupulosos” para adquirir artigos desnecessérios por precos exorbitan- tes e, em conseqiéncia, antes de comegarem a produzir jé estavam grandemente endividados (ibid.: 53-62). Durante @ Viagem eram esses homens geralmente “negociados" en- tre os varios patrdes, que costumavam chegar nos dominios Com © pessoal todo trocado (ibid.). Nos seringais impera- va um regime de terror, principalmente entre os anos de 1909-12, quando 6 cuiabano Paulo Corréa atuava em Itaituba como delegado de policia, coletor estadual e comerciante (Chuvas, 1939). Segundo varios testemunhos, os seringuci- Fos que ndo satisfaziam seus interesses e de outros patroes, eram submetidos a0 castigo do tronco (uma reminiscén da escravatura), agoitados até desfalecerem e também as- Sassinados a tiros (ibid.). No lugar denominado Praia do Sossego (acima da Barra do S. Manoel), dezenas de indios foram trucidados por determinacao do citado delegado, sendo €m seguida divididos seus filhos e mulheres. E no Igarapé ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU F © SERVIGO DE. Maloca (Mato Grosso) uma aldeia de indios Apiaké foi des- truida por uma expedicao punitiva também por ele enviada id). Além de nordestinos, paraenses e cuiabanos, trabalha- vam entéo na extracdo da borracha negros mocambeiros estabelecidos em um seringal denominado S. José (ou Mo- cambo), no alto S. Manoel {ibid.). Também venezuelanos, peruanos @ equatorienos penetraram no Tapajés sobretudo para extrair 0 caucho (borracha de inferior qualidade): 0 rio das Almas e 0 Matrinxdo foram explorados pelo equatoriano Joao Boenafio, com a participagao de indios peruanos “Coca- mas", bem como, pelo venezuelano Carlos B. Murillo e pelo peruano Eulogio Mori, a despeito dos constantes ataques efetuados por indios hostis (ibid.). Da Barra de S. Manoel para cima, todos os barracées eram dos da firma J. S Barreto, que Ihes vendia a crédito de 50 a 100 contos de réis; e eles, por sua vez, também vendiam por igual modo da por volta de 1914, quando as plantagdes asidticas passa- ram a produzir em grande escala, os seringais do Tapajés foram sendo abandonados de igual modo como em toda a regio amazénica. Em 1924, logo apés um ataque de indios © rio Bararati comegou a ser evacuado. Em 1932 (conside- rado 0 ano mais critico) mais de 100 familias abandonaram 0 rio S. Manoel apenas 21 extratores restavam ento no rio Juruema dos 600 que ai trabalhavam; e os rios Matrinxéo, Anipuri e Agua Preta ficaram quase completamente desabi- tados (ibid.) A despeito do que acontecia, a firma José, Antunes & Cia. (sucessora de J. S. Barreto que passara a integréla como sécio), fundada por volta de 1920, ia gradativamente aumentando seu poderio econémico na regiéo. Quando a borracha voltou a alcangar novamente precos compensadores. em 1942.43 (época da 2.* guerra mundial), possuia essa firma es BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 numerosas terras e benfeitorias expropriadas de antigos pos- seiros para ressarcimento de dividas; ou adquiridas a baixos pregos, como no caso dos seringais comprados por 40 contos de réis da Cia. Industrial do Brasil (66600 ha), que antes os havia arrematado em hasta piblica da massa falida Cia. Pa- raense de Plantagdes de Borracha '). Também era proprie- taria do navio Rio Tapajés, 0 nico que fazia a linha entre Be- m do Pard e 0 porto de S. Luis do Tapajés; da rodovia S Luis-Pimental, com 22 km de extensdo (antiga estrada de J P. Brasil), trafegada apenas por veiculos de sua propriedade; dos depésitos situados ao longo do Tapajés, a partir de S. Luis; e das embarcagées motorizadas que navegavam para 6s altos rios. Em suma, controlava quase que por completo a produgéo extrativa regional De acordo com 0 censo realizado em setembro de 1940, © Municipio de Itaituba possuia uma populacdo de apenas 8084 individuos (4804 homens ¢ 4280 mulheres) para uma su- perficie de 169355 km? (Recenseamento, 1952: V-51), apre- sentando assim um crescimento insignificante em relacéo 20 otal de 7400 estimado no inicio do século. AS MISSES RELIGIOSAS A agéo missionaria no Tapajés foi iniciada pelos jesui- tas, tendo sido 0 padre Anténio Vieira o primeiro a visitar a Fegido, em 1659 (Leite, 1943:357). Em 1722, fundaram os jesuitas a misséo de $. José de Maitapus, a qual, em 1730, Possuia 490 indios aldeados; em 1723, a de N. S. da Concei- s40 com 1069 indios, em 1730; a de Iburari com 235 indios, em 1730; em 1737, a de St* Inécio; e a Aldeia Nova de Cuma- Fu (Tupinambaranas) com 166 indios (Muniz, 1916:308; Leite, (8) — Os dados acima foram colhidos da cortiddo fornocida por Fel bo Rodrigues Gomes — (tabelido de Itaituba), em 19/02/19: ‘2 requerimento verbal de Jodo vrada em 02/02/1935, Alfonso de Olivel ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVIGO bE. 1943:262-63) (*). Todavia, face & cassagéo do poder tempo- ral dos religiosos e concessao de liberdade aos indios, detor- minadas pelas leis de 6 e 7 de junho de 1755 (legislagao pom- balina), essas missdes foram extintas assim como intmeras outras. Em 1757, as missdes de “Berari e do Arapiuns” pas- ‘saram a ser denominadas vilas Alter do Ch4o e Franca; e em 1758, as de Sts Ini e S. José, foram transformadas nas vilas de Boim e Pinhal (Muniz, 1916:308-09) No inicio do século XIX, apés o restabelecimento do Poder temporal dos religiosos, em um ponto situado a 7 dias de viagem acima de Santarém, foi fundada a aldeia de Santa ‘Cruz (1805), onde ficaram “reduzidos” pela primeira vez, in- dios Munduruki (Spix & Martius, 1938:431); em 1848, frei Egydio de Garezzio restaurou as aldeias de Ixituba e fundou @ “Maloca Nova” (Brasil, 1910:8); © em 1849, ainda existiam 1149 indios distribuidos entre as aldeias de Santa Cruz (507-262 homens e 245 mulheres) e Cori (229-151 h. ¢ 148 m. ). Porém, elementos estranhos, freqiientemente penetravam nessas eldeias para plantar a desmoralizacao, seduzir e le- zar os indios”, os quais comumente praticavam “excessos de embriaguez” (Coelho, 1849:81-82); e vérios indios estavam agregados a particulares, que no reconheclam a competéncia dos missiondrios e tinham com eles (os indios) “sempre aber- tas contas leoninas” ....(ibid.). A despeito das epidemias sofridas, 0 numero de indios aldeados em Sts Cruz e Cori, aumentou de 1316 para 1503, entre 1850 @ 1852 (Cunha, 1852:82-83); porém, em 1855, em. bora incluindo a Maloca Nova, esse total havia baixado para 1488 (Barros, 1855: mapa 26). Em 1872, foi criada a misséo de Bacabal que, entre 1874 © 1876, reunia de 500 para 800 in- dios na quase totalidade Munduruka (Azevedo, 1874:48; Be. nevides, 1876:41). Entretanto, contra o dirigente da mencio- nada missao (frei Pelino de Castro Valva), negociantes e la- (9) Qs autores acima referidos nfo mencionaram as datas em que foram criadas as missbes Iburari o Aldela Nova de Cumaru ¢ 0 numero de Indios existentes na de Sta, Antonio. —2— BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, £4 vradores de Itaituba, em 1874, dirigiram uma representacao acusando-o de “monopolizar o trabalho dos indios mansos” e de ndo “fazer catechese entre as hordas selvagens das al- deias centraes” (Tocantins, 1877:134-35), Também nao mos- trava ele empenho em obter auxiliares e acumulava as fun- goes de diretor, almoxarife e mestre escola; isolava a missao do contato com os regionais, principalmente se eram rega- toes; e controlava todas a producéo dos indios, que vendia na “praca do Para”, sem remeter a competente prestagao de contas ao Presidente da Provincia (ibid.). Em contraposi- 40, dirigiu frei Pelino um oficio & mencionada autoridade, acusando os regatdes de terem penetrado na aldeia e come- tido “excessos de ladroeira e devassidao”, embriagando os indios com cachaga, tirandolhes tudo 0 que puderam e Ie vantando “prostituigao publica de dia e de noite no porto e nas casas” (ibid.). Segundo Coudreau (1941:49), “os 600 silvicolas reunidos por frei de Castro Valva, jé ados, & que tinham trabalhado ou trabalhavam para patrées", est vam reduzidos a 50 quando esse religioso deixou a misao (") Por sua vez, os relatérios governamentais da década de 1880, registraram a existéncia de trés diretorias parciais de indios no baixo e alto Tapajés, porém nenhuma misao religiosa (Ma- racaju, 1883:69; Abreu, 1889:48) A catequese catélica no Tapajés fol restabelecida, em 1911, pelos frades franciscanos da Prelazia de Santarém, atra- vés de uma misao instalada no rio Cururu em um sitio exis- lente entre 0 campo e a mata, hoje conhecido como “Missao Velha”. Alguns anos mals tarde o estabelecimento foi transferido para o local Terra Preta, distante cerca de 200 km da confluéncia do Cururu com 0 Tapajés. onde 0 Governo do Para the concedeu duas dreas de terras (10 x 10 km e 10 x 4 km), pelo decreto 3522 de 19/04/1919, destinadas ao } — 0 autor da traducéo brasileira dessa obra (Arthur de Miranda Bastos), contestou a informac3o acima e, por sua vez, afirmou —B— ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E 0 SERVICO DE Patrimonio dos Institutos Masculinos e Femininos e sede da Misséo" (BRASIL. Ser ... Indios, 1940-67). A principio pouco progresso fizeram os frades no que Fespeita @ atragéo dos Munduruki: efetuavam pregagdes nas aldeias, recrutavam criangas para a escola, mas os contatos eram esporédicos (Murphy, 1960:45). Mas por volta de 1920, quando ocorreu uma ligeira alta no prego da borracha, a Misséo Franciscana passou a controlar um né- mero mais elevado desses ndios na qualidade de entrepos- to comercial (ibid.:46). Em 1941, continuava ela mantendo coméreio com os Munduruki, cujos produtos adquiria em troca de mercadorias e, em seguida, negociava-os com a fir- ma José, Antunes & Cia. (Brasil. Serv... Indios, 1940-67 ("), Todavia, quando foi interpelada a respeito pela 2." Inspetoria Regional do S.P.1., declarou a Miss&o que néo mantinha “comércio com os indios” nem servia de intermedidria na venda de seus produtos. Mas era “obrigada por caridade de ceder aos indios dos campos” algumas das mercadorias que Possuia para consumo proprio em troca de seus produtos, cotando estes “pelo valor comercial” e cedendo as mercado- rias “pelo custo” (ibid.} Nessa época jé possula a Missao prédios para residén- cia dos frades, freiras e indios internados, bem como, escola, capela, oficina e uma pequena usina hidrelétrica (Chuvas, 1941). Também possuia uma fazendola de gado vacum, plantagdes de algodao, cacau, café, mandioca, banana, etc. (Mesquita, 1941). Todos os rel de alema com excegio de uma freira cearense que ministra- va 208 indios 0 ensino da lingua portuguesa (ibid) (41) — Entro os anos de 1998 e 1941, conforme dados fornecidos pela Recebedoria de fiendas do Estado, @ borracha marca “Miss30" exportada por intermédio de José, Antunes & Cia., foi a se- guinte + 1938 — 1913 kg; 1939 — 297 kg: 1940 — 2729 kg © 1941 — 4156 kg. (Brasil. Serv... Indios, 1940-67). BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 Os ixpros MuNDURUKO Quando foram identificados pela primeira vez, em mea- dos do século XVIII, os Mundurukd dominavam um vasto ter- ritério mais tarde conhecido pela denominag&o de Munduru- cania, itado ao norte pelo Amazonas, ao sul pelo Juruena, 2 leste pelo Tapajés e a oeste pelo Madeira (Aires de Casal 1943:233) ("). Considerados como os indios mais guerre ros da regio, ganharam fama sobretudo como “cagadores de cabeca", um dos principais objetives das expedigbes que empreendiam (Murphy, 1960:8) (""). Em 1733, uma expedicao portuguesa de resgate tentou entrar em contato com os Munduruki estabelecidos em um rio desde entéo conhecido como “Rio das Tropas”, mas foi recebida hostilmente (Miranda & Tocantins, 187: 18-19). Tendo os portugueses batido em retirada por falta de muni- a0, langaram-se os indios em seu encalco e, na Passagem, iam destruindo as aldeias que encontravam (ibid.)("). Che- garam a sitiar os portugueses em Santarém, porém acaba- 2) — Também habitavam na Mundurucénia “os Maués, os Jumas, Pamas, os Parintins, os Muras, os Andirés" (Alres de’ Co: 1943 : 285). Em outras éreas do Tapajés existem mals os se guintes grupos. indigenas : “Uarupas, Apaumariés, Marixités, icus, Morivés, Moquirds, Jacareusrés, Anjua. fenecuriés, Periquitos, Necuriés, Surinanas, Mo: etc.” (Miranda & Tocantine, 1873: 18) «J eram chamados pelos outros indios “Paiquicé tovcabega)” (Aires de Casal, 1943: 237). Assim que um les abetia um inimigo, com uma lamina curta de bembu ta ihavathe os mUdsculos do pescogo e as vértebras com tonta idade que a cabeca era separada rapidamente do corpo. Em_soguida (retirados os miolos, musculos, olhos e lingua), era © crénio colacado em uma estaca e chamuscado sobre foguel- ras, lavado. diag seguidos com agua “depois de molhado em azeite de urueu", sendo por fim posto a0.sol para secar, De- pols de ficer endurecido era 0 cranio enchido com al ‘com um capacete de penas. Assim’ preparado 0 troféu fomave-se insepardvel omato do vencedor (Spix & Martlus, 1938: 410) (14) — Miranda & Tocantins (1872: 19) tiveram contato com uma india aparentando “uns 120 anos", que habiteva em Alter do. Chao, uendo 0s Mundurukd passaram “cortandn @ cabeca de todos ies ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKO E © SERVIGO DE. .. ram por estabelecer paz com os mesmos, retornando em se- guida &s malocas (ibid.). Entre 1780 e 1784, atacaram San- tarém © Gurupa, bem como os Mura e seus vizinhos Parin- tintin ("Cawahiwa") no Madeira (Horton, 1948:273); e, na década seguinte, atravessaram 0 Xingu e 0 Tocantins ¢ foram espalhando “guerra e devastacdo” até a fronteira do Mara- nhao onde acabaram derrotados pelos Apinajé (Spix & Martius, 1938:431), Em 1795, apés terem sido atingidos por uma ex- pedicéo de represdlia, enviada pelo Governador da Provincia dg Paré (Caetano Miranda Montenegro), tornaram-se amigos dos colonizadores e, como seus mercenérios, continuaram hostilizando outros grupos indigenas (Serra, 1797:5). Face & eficiéncia com que passaram a desempenhar essa atividade, na representagdo dirigida ao “Concelho da Provincia do Para” em 1831 sugeriu Baena (1968:273), a substituicso de militares por indios Munduruku nas expedicoes missionérias que fos- sem enviadas para “abalar os animos dos selvagens e induzi- los a abandonarem os matos” . Em 1819, os Munduruk continuavam mantendo supre- macia entre seus aliados (os mals poderosos eram os Mawé) € perseguindo, entre vérios outros, os grupos “Juma, Paren. tintins © Araras com téo inexordvel furor”, que os dois pri- meiros, por serem mais fracos, estavam em vias de serem exterminados (Spix & Martius, 1938:409) ("). No entento, jé realizavam comérolo com os brancos, estando varias de suas aldeias dirigidas por missiondrios (ibid.:131). Na freguezia mais meridional do Tapajés, a quase totalidade dos paroquia- la por Munduruki, que permutavam cacau, cravo, farinha e salsaparrilha, por tecidos de algodao, cacha ca, ferramentas e “pérolas falsas” (ibid.:131). Pela metade possuiam eles vastas plantacdes de mandioca e ss, dando pulos répidos*. Quando o niga", 08 homens pass ‘suas flechas rapidamente, munlciados pelos — 16 BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 5¢ ae ~r ser © ALDEIAS MUNOURUKU 00 RIO cURURU 1 ALDEIAS MUNOURUKG ons saVANAS 1 ALDEIAS MUNOURLIKG OAS. SAVANAS ‘ABANDONADAS NO DECURSO ia Localizagéo das sldeias Munduruki (Des. G. Leite) —17— ARNAUD, E. — 08 INDIOS MUNDURUKO E 0 SEAVIGO DE vendiam aos regatdes de “3.000 a 5.000 cestos de farinha de 60 Ibs.", entre agosto e dezembro (Bates, 1944:125)" Adqui- riam “panos de algodao, machadinhas, cutelarias, quinquilha- rias, cachaga”, por intermédio dos “chefes menores”. para pagamento por meio de géneros trés ou quatro meses depois bid.). Em 1851, efetuaram uma incurséo contra os “Pa- rauat6”, mas jé haviam abandonado "muitas de suas praticas mais barbaras sem terem se corrompido pelo contato intimo com os brancos das classes inferiores e mestigos"; @ suas condigées de fartura contrastavam com “a pobreza e preguica da gente semi ida de Alter do Chao” (ibid: 120-131). Dez anos mais tarde, embora tivessem a caca como principals ocupagées, nao desprezavam a lavoura como os Maweé; per- mutavam mercadorias por borracha, salsa, éleo de copaiba, guarané, cravo, breu, castanha, algodéo © cumaru (Brusque, 1862:19). Porém, tais transagdes, poderiam Ihes ser “mais consideraveis e vantajosas”, se os regatdes no aplicassem contra eles seus “costumados atos de violéncia” (ibid. Pala década de 1870, as povoagées “Ixituba, Cury, Santa Cruz’, etc.. situadas no balxo Tapajés, eram formadas em grande parte por Munduruki; no trecho encachoeirado do rio, encontravam-se distribuidos entre as aldeias “Boburé, Mon- tanha, Maloquinha, Ponta Grossa, Rato, Curugé, Bacab: Vista, Jacareacanga, Iry, etc."; mas a maloria ainda habitava “na grande taba das Campinas" (Miranda & Tocantins, 1872:14). Em suas longas incursdes costumavam entéo atingir as margens do Xingu onde mantinham relagdes de amizade com os Jurdna (ibid. : 19) Antes de findar 0 século XIX, embora explorando se- ringais por conta propria, ainda faziam incursdes para rou- bar criangas © conquistar cabegas. Conhecidos por “ven- derem seu valor” aqueles que melhor pagassem, foram con- tratados para uma ago de represélia contra os indios do rio Machado (“talvez os Ypurianas"): mas dos 40 homens e 40 mulheres que compunham a expedigao 86 retornaram 4, pois os demais foram dizimados por doencas (Coudreau, 1941 : 63-66-88) ae BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 5+ Entre 1912 e 1916, quando ja haviam cessado suas in- cursées, 0s localizados na érea campestre deslocavam.se para o Cururu somente na estagdo da seca a fim de extrair borracha transacionar com os regates (Murphy, 1960:45). A partir de 1920, época em que a missao passou a atuar co- mercialmente, comecaram a fixar-se &s margens do citado rio, porém, com mais intensidade apés 1930, ano em que foram deslocando-se para os rios Cadiriri, Cabitutu e das Tropas id. 46). Quando se perguntava a um Munduruké porque ha- via abandonado as campinas para habitar as margens do Curu- ru, em regra costumava apresentar as seguintes razdes: no ‘ru encontrava-se bastante peixe na estacao das chuvas, jwanto nos campos podia-se passar diversos dias cagando sem sucesso; no Cururu 0 trabalho podia ser realizado mais facilmente, pois néo havia necessidade de longas caminhadas de retorno para o trabalho nas lavouras, apés a safra da bor- racha; e no Cururu as mercadorias chegavam mais abundan- temente com pregos mais acessiveis © a borracha era me- thor paga (ibid.: 160). Os Mundurukt situados no Cururu passaram a menos- prezar 0s campineiros, chamando-os “preguigosos, sujos, povo que cheira a fumaga”, etc., mas na realidade continus- ram respeitando-os por preservarem a antiga cultura, temen- do.os como “poderosos feiticeiros” julgando-os ainda capazes de provocar uma guerra — crenga errénea “mas indicativa da falta de comunicagéo entre os dois grupos” (Murphy & Murphy, 1954: 42). Os disseminados pelo Tapa- 168, face a0 pouco contato com os demais, foram desinteres- sando-se pela conservagao da cultura tradicional ¢ passa- ram gradativamente a integrar-se entre a populagéo brasi- leira (ibid.:43). Tornaram-se comuns os casamentos entre brasileiros e indias, assim como em sentido contrério, mas ‘com menos freqiéncia, por ser esta considerada uma forma “repreensivel” (ibid.). Entre 08 Munduruki da regiéio tapa- Jonica e os “remanescentes aculturados do Madeira”, dei xou de existir qualquer comunicagao (ibid.: 1) —19— ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVICO DE. Gem 18000 mesmo até 40000 indios” vivendo as margens do Tapajés e nos campos (Spix & Martius, 1938:409). Em 1850, Bates (1944:124) considerou que essa populagéo deveria atingir @ 20000, reunindo somente no Tapajés cerca de 2000 guerreiros. Dez anos mais tarde Brusque (1862:19) regis- trou a existéncia de 9907 individuos, habitando 7135 em “19 maloces centraes", 1739 em “10 malocas a beira do rio, 853 em 3 aldeias abaixo da villa de Itaituba”. Em seguida “To- cantins (diretor de indios no Tapajés)" mencionou 18910 dividuos distribuidos em 21 malocas, baseado em “informa- goes de Joaquim Caetano Corréa” (Coudreau, 1941:171-73); todavia, 0 proprio Coudreau falou em apenas 1389 indios, habitando 800 no Cururu em 7 malocas (ibid.: 72-77). No inicio do presente século, Brasil (1910:104) citou 2880 (mais homens que mulheres”) em sua maioria situados no Cururu. Em 1931, nas aldeias encontradas na sua “principal rea de concentragéo" poderiam existir entre 1200 ¢ 1409. © em 1937 ainda menos (Strémer, 1932-37, apud Horton, 1948:272). _E por volta de 1940, informantes do S.P.1. men- cionaram por sua vez nimeros semelhantes aos registrados na informacao anterior (Brasil. Serv... Indios, 1940-67). Pela década de 1810, 0s Mundurukdi situados no Tape- i6s jé produziam aprecidveis quantidades de farinha para co- mercializacéo (Spix & Hartius, 1938:431). Tradiclonalmente apenas confeccionavam beijus, tendo os campineiros inicia- do a fabricaco da farinha em fase relativamente recente, ou seja, hd cerca de 80 anos (Frikel, 1959:16). Moderna. mente, foram se dedicando menos ao cultivo da mandioca nia medida em que se interessavam pela extracdo da borra- cha. Também espécies conhecidas como “milho, jerimum, etc.” passaram a0 mesmo tempo a plantar em pequena quantidade; e outras adquiridas através da Misso — “arroz, fava, varias outras hortaligas” — cujo plantio iniciado pelas freiras, adotaram em “escala reduzidissima” (ibid.:24). Os antigos Mundurukd faziam coletivamente um grande rocado oo BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLO‘ para a comunidade, ao mesmo tempo que cada familia cos- tumava abrir um outro para plantio de espécies de uso su- plementar na alimentaco: “bananas, pimenta, etc."; mas nos dias atuais, cada homem ou familia passou a ter uma roca distinta com direitos exclusivos, embora derrubada e plantada com a ajuda de parentes © de outros individuos (ibid.). Na explorago da borracha o direito de um ho- mem sobre determinada estrada reconhece-se durante o tempo em que ele permanecer af trabalhando; e, por motivo de seu falecimento, pode o filho ou o genro ocupé-la ou pas- séla adiante (Murphy & Murphy, 1954:143). Os Munduruk falam uma lingua aparentada com 0 Tupi, aparecendo como principal o dialeto falado no Cururu, mas a lingua portuguesa é conhecida por quase todos os in- dies localizados no Tapajés (Crofts, 1967:43-90). Sua orga- nizeglo social é baseada em clas exogamicos distribuidos entre as metades Vermelha e Branca, possuindo cada uma 16 e 22 unidades, respectivamente (Murphy, 1960:72). Nos tempos antigos esses cls poderiam ser unidades localiza- das com linhagem e residéncia pelo lado paterno, porém, pe- los meados do século passado, a patrilocalidade transformou- se em matrilocalidade “possivelmente devido a certas mudan- gas nas relacdes de produgdo...” (ibid.: 79-80). Tradicio- nalmente cads aldeia constituia uma unidade politica auto- noma, com habitagdes dispostas em circulo, tendo uma “ca- sa dos homens” situada no lado leste da mesma; entretanto, nas aldeias do Cururu deixou de existir a “casa dos homens passando as habitagdes a serem dispostas como a dos bra- 1s da regiao (ibid. : 47-126). Em decorréncia do traba- Iho essencialmente individualizado da borracha, a familia elementar foi ganhande gradativamente maior importéncia que a extensa, a0 mesmo tempo que os clés comecaram a perder seus aspectos corporatives com o desaparecimento do nticleo residencial 143-51). No Tapajés onde pas- a viver em casas isoladas (geralmente uma ou duas ias), tornaram-se ainda menores as condi¢des para con- ie ___ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKO E © SERVIGO DE. servar 0 antigo sistema social ¢ transmissao aos jovens da cultura da tribo (ibid.: 10-11), A ideologia e 0 folclore Munduruki sofreram varias influéncias ocasionadas pelos contatos externos. Uma de ‘suas lendas — a da lebre e da tartaruga — 6 de origem afi cana; @ a “lenda germénica de Hansel e Gretel é apenas es- cassamente velada na histéria de duas filhas de aranha que foram abandonadas na floresta do pai". Em uma versio sobre a crucificagdo e a ressurreicao, seu herdi cultural (Kerusakaibd), que 6 identificado como Cristo, apés realizar muitos milagres foi morto com flechas por suspeitarem que ele fosse feiticeiro; e tendo Karusakalbé ficado zangado com 98 Munduruk, apés ressuscitar desceu do Tepajés e dirigiu- se para a Alemanha e América do Norte, “conhecidas dos Mundurukti por serem as terras natais dos missionarios e dos autores deste trabalho” (id.: 1954:21) ‘0 SERVICO DE PROTEgAO Aos iNDIOS © primeira regulamento do Servigo de Prote¢ao aos Indios (decs. 8.072 de 20/06/1910 e 9.214 de 15/12/1911) determinou a prestago da assisténcia aos indios do Brasil “aldeados, reunidos em tribos, em estado némade e em pro- miscuidade com civilizados". Entre seus varios dispositi vos encontram-se aqueles que prescrevem a garantia dos Xerrit6rios tribais ¢ 0 que neles existir; @ a fiscalizagéo do tratamento prestado aos indios nos aldeamentos, coldnias ¢ estabelecimentos particulares, velando seus contratos de trabalho, assim como a prestagio de servicos por meio de coagao O decreto 5.484 de 27/06/1928 que regulou “a situagéo dos indios situados no territério nacional”, emancipou-os totalmente da “tutela orfanolégica”, colocando os nao in ramente adaptados sob a tutela do Estado; classificou-os em 4 categorias ("1° indios nomades, 2.° indios arranchados ou aldeados; 3.° indios pert. a povoacées indig.; indios pert, a 2 BOLETIM D0 MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 centros agric. ou que viv. promisc. ¢/civilizados"), facul- tando aos classificados nas trés primeiras o direito de dis- por como quiser dos préprios haveres e de designar suces- sor em qualquer fungdo (arts. 1, 2, 3, 6) (Bra As. Indig. 1947: 131-32). A gestéo dos bens indigenas (até ‘a passagem de seus possuidores para centros agricolas ou incorporagao “A sociedade civilizada"), o decreto prescreveu ‘como atribuigo dos inspetores do S.P.1., nas respectivas circunscriges, mas com a obrigacao de apresentarem eles as contas para julgamento & autoridade judiciéria competen- te; e "os saldos em dinheiro ou remanescentes de qualquer espécie”, facultou a esses funcionarios sua aplicagao ou a ituigéo de um fundo patrimonial, em beneficio da co- munidade indigena ov do individuo a quem pertencessem os bens (art. 37) (ibid.: 139). Cada indio ficou capacitado ad- inistrar 08 prdprios bens a partir da passagem para centro agricola ou incorporagéo & sociedade civilizada (art. 38) } E no caso de um grupo passar para centro agricola ou ser incorporado a sociedade civilizada, foi determinada a entrega dos bens comuns ao chefe, continuan- do sob a gestdo do inspetor competente, a quota correspon- dente a parte do grupo mantido “em povoagéo indigena ou posto do Servico” fart. 39) (ibid.) 0 decreto 736 de 6/06/1936 autorizou os servidores do S.P.1. @ examinar as escrituragdes referentes aos contratos de trabalho e transacdes indigenas; prescreveu que nenhum indio poderia ser retido ou preso, nem privado de seus bens por motivo de dividas; proibiu que os funcionérios do SP). @ particulares se tornassem parceiros dos bens ou das ter- ras indigenas (art. 2); e nas zonas de fronteira e nos ser- toes despoliciados, 0 exercicio de fungées educativas e de carater nacional junto aos indios tornou privativo de bras ros natos (art, 44) (ibid.: 149-69). Também determinou o decreto que, as Inspetorias Regionals, providenciassem no sentido de os indios gozarem nos Postos do produto integral do seu trabalho e aplicagao de “tudo o mais” em beneficio aos ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E O SERVICO DE, deles (art. 16): e recomendou que, a atividade Util de cada posto ou populagao indigena, fosse organizada e dirigida, vi- sando a produgio pelo menos do bastante para a propria ma- nutengao (art. 46) (ibid. : 156-69) Através dos decretos 10.642 de 16/04/1942 e 17.684 de 26/01/1945) 0 S.P.1. foi autorizado a promover, em cola- boragdo com os érgéos préprios, a exploragao das riquezas naturals e demais fontes do patrimdnio indigena, para “as- segurar, quando oportuno, a emancipacéo econémica das tribos". O julgamento da gestao do patriménio indigena, que passara da esfera judicial para a competéncia do Minis- tério da Guerra (dec. 24.700 de 12/07/1934), pelo decreto acima foi atribuido diretamente ao préprio diretor do Orgao (ibid. : 195-96) As Inspetorias Regionais foram expedidas instruces relacionadas a0 desenvolvimento das comunidades indige- nas, inclusive com efetuagdo de comércio “sempre que pos- sivel por intermédio de cooperativas"; e também no sentido de serem fiscalizadas as missdes religiosas que assistiam grupos indigenas — situa¢ao das terras, patriménio indigena sob a responsabilidade das mesmas, relagdes econdmicas, etc. (Brasil, Serv. Indios, 1940-67) Ocorre que, na aplicacdo desses como de outros dis- positivos regulamentares, 0 S.P.1. quase sempre encontrou obstdculos € apresentou deficiéncias. Tanto na defesa das Areas tribals, punigao de crimes contra indios, verificacao de seus vinculos com es missées religiosas, empresas co- merciais ou particulares, como na prépria atuacdo entre os grupos indigenas por intermédio de suas Inspetorias, Aju- dancias e Postos. Conseqientemente, assim como no pas- sado 0s grupos j4 em contato com civilizados ou que foram atraidos, continuaram sendo pressionados em seus territé- Flos, depopulados por epidemias e choques armados, per- dendo a autonomia e as caracteristicas tradicionais, sem serem conduzidos a uma integragdo harménica no seio da — 24 BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 sociedade nacional. Com respeito & economia interna, as rendas obtidas pelos Postos costumavam ser canalizadas para as Inspetorias Regionais, e destas para a Diretoria Ge- ral, onde eram contabilizadas em nome do S.P.1. (Oliveira, 1972:136). Sua redistribuigao obedecia a critérios diversos: poderiam retornar parcialmente aos Postos produtores, se- licados em outras unidades ou utilizadas para “finan- ciar servigos administrativos ou técnicos nos Postos, nas Inspetorias Regionais ou na Diretoria” (ibid.). Por outro lado, essas empresas tinham *um cardter sui generis, pois nelas os indios n&o tinham status nem de pequenos acionis- tas (considerando-se que deles sao a terra e os recursos naturais) nem de assalariados” (ibid.: 137). E sendo geral mente 9s ercarregados dos Postos recrutados na propria so- ciedade local, tornava-se “mais fécil a transferéncia para as reservas indigenas dos padrdes de relacionamento humano inerentes 20 proceso produtivo regional” (ibid.). Embora ocorresse em vérios setores do Orgdo, a constituicao de fundos patrimoniais em nome das comunidades indigenas ou dos individuos, pode-se dizer que (salvo melhor observacéo), em regra, eram ignorados os dispositivos legais que deter- minavam a entrega desses fundos aos seus possuidores le- gitimos (individuo ou coletividade representada pelo chefe), No momento da passagem para “centro agricola” ou incorpo- racdo a “so A 22 [nopetoria Regional do S.P.1 no Pard, entretanto, pelo menos a partir de 1941 até meados da década de 1950, procurou vivamente defender os interesses indigenas, de acordo com as prescrigdes regulamentares, havendo por tal motivo entrado em atritos com missionarios, autoridades es- taduais seringalistas, etc. De qualquer modo, obteve a le- galizagao de seis reservas de terras e uma concessio defi nitiva entre os anos de 1943.45 (administragao José Maria da Gama Malcher); conseguiu provavelmente pela primeira vez no aludido Estado levar a julgamento e obter a conde- nagéo de assassinos de indios; e promoveu a cassacao de — 25 — ARNAUD, E, — OS INDIOS MUNDURUKO E © SERVICO DE. mandatos de alguns missiondrios por tratamento inconve- niente ministrado a indios (Brasil. Serv... Indios, 1940-67). ‘Sua agao econémica, envolvendo os Postos © as comu- nidades indigenas que jurisdicionava, processava de modo relativamente auténomo em rela¢ao & Diretoria Geral, nao adotando basicamente, aquelas modalidades anterlormente referidas postas em prética entre outras unidades do Servi- 0. Por exemplo, as lavouras produzidas pelos Postos des- tinavam-se aos servigos de atragao (quando fosse 0 caso), eram atribuidas aos grupos jd assistidos ou consumidas no Préprio Posto, 86 ocasionalmente os excedentes eram ne- gociados. A criacéo de bovinos, estabelecida de modo mitado em algumas dessas unidades, objetivava a formagao de patriménio ou a melhoria da subsisténcia indigena. As madeiras existentes nas reservas nunca foram ext Pera fins lucrativos, mas apenas para atender as proprias necessidades locais, Apenas uma dessas reservas (Mae Maria-Tocantins), durante certo tempo foi arrendada a parti culares para exploragéo do castanhal af existente (cada con- trato pelo prazo de um ano); entretanto, mais para impedir que a drea fosse grilada, face sua néo ocupagéo pelos pro- Prietérios (Indios Gavides), os quais durante largos anos Permaneceram arredios, habitando em outros pontos da re- Os Postos que apareciam nas estatisticas oficiais como Produtores, na realidade, atuavam como intermedidrics nas transagoes dos indios que jurisdicionavam. Em vista dit 80, a 2." Inspetoria Regional nao encaminhava & Direto nem utilizava as rendas apuradas nessas transagdes; pro- cessava sua reversdo em mercadorias (principalmente) ou em dinheiro para os préprios produtores, sem solicitar Permissao @ instancia superior; e limitavase a enviar os balancetes correspondentes acompanhados dos comprovan- tes. Quando se tornaram insuficientes as verbas oficlals, m torno de tais operagées alguns desses Postos passaram @ obter lucros; no entanto, estes eram sempre canalizados — 26 — BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 para os mesmos, em benfeitorias ou para atender suas ma- nutengdes. A partir do momento em que a Diretoria come- cou a ter em seus setores dirigentes burocratas do Ministé- rio (ainda em fins da década de 1940), embora fossem levan- tadas objegdes contra a maneira pela qual procedia a 2. ispetoria Regional, os critérios acima continuaram sendo aplicados sem solugéo de continuidade. Acontece que, a partir de 1956, quando 0 Orgdo passou a ter como diretores elementos estranhos & antiga tradieao, as exigéncias para recolhimento das receites apuradas através dos Postos da mencionada Inspetoria, qualquer que fosse sua natureza, tor- naram-se mais decididas. Nao foram aceitos os argumen- tos apresentados pelos gestores, mostrando que os liquidos de tais receitas ndc pertenciam ao S.P.1. mas aos indios produtores; ¢ que os lucros por acaso obtidos nas operagées tornavam-se necessérios aos Postos que os jurisdicionavam para continuidade do proceso. Tendo sido esses gestores, em conseqiiéncia, afastados dos setores em que operavam aqueles critérios foram por fim alterados. Mas 0s novos administradores além de no trabalharem de molde a me- Ihorar as condigées dos indios e dos Postos, néo chegaram a satisfazer os outros propésitos da Diretoria A 22 Inspetoria Regional do S.P.1. comegou a atuar no Tapajés através de uma Ajudancia, em fins de 1940, com © objetivo de proporcionar aos indins Mundurukii (e também aos Kayabi e remanescentes Apiaké) melhores condigées de existéncia, que as até entéo desfrutadas entre leigos e re- igiosos. Utilizou como base para a formulaco de seus Programas, as normas regulamentares consignadas no inicio do presente capitulc. A direcdo da Ajudancia foi contiada um funciondrio recém admitido (Joao Baptista Chuvas), mas antigo conhecedor da regiéo onde havia atuado ininter- ruptamente no periodo compreendido entre 1918 © 1933 (") (16) — Jodo Baptista Chuvas — Maranhense de origem, assim como imeros outros oonterréneos, emigrou para o Tapajés atraido pelo fastigio da borracha, mas af chegou quando J se 8 fase de decadéncla. Atuou como fiscal de coleto: ee ogee ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E 0 SERVICO DE. Como vimos anteriormente, os indios Mundurukd hé muitos anos que no hostilizavam outros indios, tinham relagées pa- cificas com os civilizados ¢. de modo geral, estavam integra- dos no sistema econdmico regional que tinka a borracha como principal género de exportacdo. Os que habitavam no Cururu, encontravam-se sob a influéncia da Missao Francis- Gana que mantinha jurisdigéo sobre duas dreas de terras tuadas no territério indigena; e os situados ao longo do rio Tapajds © regiao campestre, viviam sujeitos comercialmente a firma monopolista José, Antunes & Cia. e a regatdes ou agregados @ particulares. Alids, conforme salientou aque- Ie funciondrio em seu primeiro relatério, 08 que mantinham relagdes com os patrées “viviam escravisados, devendo uma conta impagével e ganhando em relagio ao seu trabalho um ordenado to miserdvel que nao chegava para pagar as mi- gathas compradas"; @8 que se achavam em companhia de civilizados néo passavam de servicais; os dirigidos pela Missao “viviam também escravisados, tolhidos de seus reitos de liberdade @ sujeitos além de tudo a0 costume colo- ial estrangeiro ..." (Chuvas, 1941) Em primeiro lugar o dirigente do setor, instalou um Posto no rio Teles Pires (formador do Tapajés), em fevereiro de 1941, a fim de apaziguar os animos de um grupo Kayabi, © qual, em represélia pelos “esbulhos, violéncia e roubos de suas mulheres” estava praticando pilhagens e mortes entre 08 seringueiros regionais (ibid.). Assim que consegt hormalizar a situacao, alguns meses apés, entregou a dire- 0 dos trabalhos ao préprio encarregado do Posto. Em se- fluvial, gerorte de tarracée e seringaliste. Em seguida trans feriu se para o Rio de Janeiro onde exerceu varias outras. cist dades ligadas, a0 comérclo. Ingressou no $.P.I. em meados de 1940 quando 0 Orgio estava sendo reorganizado novamente sob a jurisdigéo do Ministério da Agricultura, havendose cre denciado para servir no Tapajés através de um extenso {6rio (cerca de 80 paginas datllografadas em espaco. hum) apresentou a respelto da regio (Chuvas, 1939). Foi um dos elementos mals combetidos do $.P.1. na ultima fase de sua existéncia (194067), sobretudo pela feigdo acentuadamente per- Sonatistica que imprimiu aos servigos sob sua diracao —2— BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA. 5¢ ida, dirigiv-se para o rio Cururu (afluente do Tapajés) a de estabelecer outro Posto para jurisdicionar os indios jundurukt. Sua instalagao verificou-se, em janeiro de 1942, a aldeia Apompé situada & margem esquerda do menciona. «lo rio, distante cerca de 4 horas de viagem em motor abaixo Missio e 6 horas acima da confluéncia com 0 Tapajés id. 1942). Ai habitavam 41 indios Munduruki, distribui- dos em 7 habitagdes, chefiados pelo de nome Paulo, sobrinho do falecido chefe Pedro Apompé (ibid.) Desde logo, passou 0 novo Posto a constituir o principal campo de trabalho do $.P.1. no Tapajée, tendo sido no prd- prio local também estabelecida a sede da Ajudancia. Come- .cionando com uma lotacéo composta de 1 encarregado, iar do sertdo ¢ 8 trabalhadores indigenas da prépria al- dela Apompé. Em seu ambito comegaram a ser construidas casas para a administragao, usina, almoxarifado, escola, en- fermaria © residéncia dos funcionérios. A 2.* Inspetoria Re- ional adquiriu para o mesmo, um barco-motor com capacidade para 9 toneladas (lancha Mundurukii), dois motores de popa © pequenas embarcagdes, a fim de torné-lo 0 menos depen: dente possivel nos transportes da firma José, Antunes & Cia. Enviou-the também varios laminadores de borracha objet vando a introducgao na nova técnica de manipulacdo do pro- duto, em cardter experimental, entre os seringueiros indios Como base para inicio das transagbes comerciais com ©s indios e constituicéo do patriménio tribal, recebeu 0 Posto a conta da Verba “Aw s aos Indios” um suprimento de mercadorias na importdncia de 45:000000 (contos de reis). De acordo com as instrugées que foram expedidas pela 2." Inspetoria Regional, as transagdes entre o Posto & ‘9s indios foram inicialmente estabelecidas do seguinte modo venda das mercadorias com um acréscimo de apenas 10% ara compensar as perdas eventuais; e compra da borracha © de outros géneros indigenas segundo as cotacdes vigoran- tes na praca de Belém do Pard, deduzidas as despesas con- signadas nas respectivas contas de venda (fretes, impostos, — 29 — ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKO E 0 SERVICO DE eS ec etc.], Através das verbas orgamentérias atribuidas a 2° Inspetoria Regional comegaram a ser custeados os combus- tiveis © fretes das mercadorias embarcadas de Belém, sem incidirem seus valores sobre 0 movimento da produgao in. digena Entrementes, © chefe da citada Inspetoria requereu ao Govern do Pard as reservas de terras anteriormente men- cionadas, destinando-se duas delas para os indios Munduruka (envolvendo a area onde se achava a Misséo), e indios Kaya- bi do rio Teles Pires, respectivamente. A Diretoria do S.P. Por sua vez, face 8s constantes violagdes que entdo se veri- ficavam nas areas indigenas da Amazénia, provocadas pel interesse internacional que ocorria sobre a borracha, sol tou e obteve do Conselho Nacional de Protecdo aos Indios, a aprovagéo das seguintes medidas: requerer a0 Govérno Federal a sangéo de um decreto ressalvando as terras hal tadas pelos indios, nos contratos e concessées referentes & extrago de borracha; aplicaggo de verbas do Servigo na ex- ploragéo de matérias:primas existentes nessas dreas; e con- ceder autorizagdo as Inspetorias Regionais para solicitarem empréstimos a0 Banco de Crédito da Borracha S.A. destina- dos ao desenvolvimento da producéo dos indios jé fami zados com a extracdo do género (Brasil. Serv... Indios, 1940-47) As reservas para os Kayabi e Mundurukd foram conse- guidas através dos decretos 251 © 305 de 9 © 25 de marco de 1945, respectivamente, Todavia, no ambito federal o 8.P.1, no conseguiu a sangéo de nenhum decreto para me- Ihor garantir as éreas indigenas contra as concessdes es- taduais destinadas a exploragéo da borracha. Por outro lado, as diligéncias feitas pela 2." Inspetoria Regional junto a0 Banco de Crédito da Borracha S.A. para obtengao de fi- Ranciamentos, precisamente para o PIA Munduruki, néo alcangaram 0 éxito desejado. Isto porque, segundo decla- rou 0 Banco, seu estatuto nao possibilitava operagées de tal natureza com érgaos piblicos, mas somente com firmas ca- — 30 — OLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 dastradas como seringalistas, ou sejam, as que eram prop tarias de seringais ou as que os tinham obtidos por arren- damento nas areas devolutas do Estado("). Assim sendo, 0 PIA Munduruki' e outros em condigdes semelhantes néo tiveram possibilidades de ampliar de imediato seu movimen- to comercial, em vista das limitagdes impostas pelas verbas do S.P.1 No rio Cururu, conseguiu 0 chefe da Ajudancia, com ple: no &xito, impedir a entrada de regatoes para transacionar com os indios. Em seguida, estabeleceu contatos com os Mun- rukd situados em varios pontos do Tapajés e nas aldeias “Paramarati, Dendiome, Cadi grande nimero de indios ainda viviam nus, dia e noite, em condiges precarissimas, apesar do aparente estado de ci zagao que apresentavam..." (Chuvas, 1942). A excursao marcou 0 comeco das relacées entre esses indios e 0 Posto, © qual, no entanto, no conseguiu exercer um controle com. pleto sobre a producao de borracha dos mesmos, nem fisca- lizar com eficiéncia suas transacées com a firma José, An- tunes & Cia. e regatdes, devido a extenséo do territério em que se achavam disseminados Os primeiros contatos do chefe da Ajudancia com os missionérios franciscanos foram marcadamente _hostis. 7) — Conforme observou Wapley (1957 : 146), 9 sistema comerc Ga"Amavonia nos tempos atuls deviou de ser mento "pe alos Regulamentos. dos Seringels" e pela polila "com seus ries. 4" como” oor na primeira déeada Go nosso sacl. Mas’ "as obrigagdes do. seringuero para com 0 comerciante © do comerciante com firma importa © exportadora™ con mare constifundo. a base das “relagbes comertai © 5a Gs regiao’™ Conseqientemente, flnaram oo tertaves. forts No Sentldo’ do serem clades cooperativas durante a 2" guerra Tmundial, 4. que estas am chocar-se com ease slatoma de felagdes o eliminariam o comerclanto (bid). Tal sistoma, als, Somente poderia ser-modificado mediante estabelecimento. Go ima nova poles agrria.possiblltando ‘0 préprio.produtor = posse’ da tera por si utlzada, Com ero do" Senco. da Borrecha SA. (Geel 4,491, do 00/07/1942) que. estabelecau © monopdio. estatal, bonefciouse. apenas 0 inermediaio(ae- Fingalsta),atraves. de fianciomentos fos” betxos (Or, 00 ano} e-garantla de prego minimo para o produto, continuando © Seringuero 9 ser eapotiado como nos anfigos tempos a ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E 0 SERVIGO DE Cedo, em decorréncia de uma sua prépria dentincia, foi de- terminado pela 2° Inspetoria Regional (Portaria 17 de 30/06/1942) para realizer a apreensao de vérias caixas com artefatos indigenas, que estavam sendo embarcados pela Prelazia de Santarém com destino a S. Paulo, sem autoriza- $a0 do S.P.1.. Havendo a Prelazia se recusado a entregar © material sob pretexto de possuir autorizacdo do Interven- tor Federal, a 2." Inspetoria Regional enviou a ele uma men sagem (telegrama 262 de 9/07/1942), dizendo que procuras- se imediatamente cumprir aquela portaria, pelos meios legais existentes, sob pena de ser responsabilizado por omissao De posse desse documento, dirigiu-s¢ novamente Prelazia que entéo houve por bem entregar os artefatos, os quais fo ram doados incontinent! ao Museu Nacional com plena apro- vagao da Diretoria do S.P.I. (teleg. 1300-TEC de 7/08/1942) (Brasil. Serv. indios, 1940-67). Logo depois, foi 0 mes. mo autorizado a exercer rigorosa fiscalizacdo sobre as ativi- dades da Missao do Cururu (portaria 28 de 12/10/1942), inclusive porque seus componentes pertenciam a um pais en- ‘tio em guerra com 0 Brasil. Deveria verificar todo o mate- rial remetido @ recebido pela Missao, efetuando as buscas necessérias, apreendendo 0 que julgasse nocivo ao: ses nacionais e comunicando as autoridades pi entrada ou saida de qualquer membro da Missao ou de pes- soa estranha no Cururu (ibid.} Alguns meses mais tarde, foi ainda o chefe da Ajudancia incumbido pela Diretoria do Orgao de realizar uma diligéncia ha Missao, a fim de verificar "se os indios estavam receben- do uma justa recompensa pelo seu trabalho", conforme este- beleciam as normas regulamentares (teleg. 1.25/43), Tal diligéncia, porém, nae alcancou o efeito desejado, sendo que, &s perguntas que lhe foram formuladas teria o dirigente da Miso respondido do seguinte modo : 0 S.P.1. poderia “fis- calizar & vontade", pois a Missao adquiria a borracha indige- na de igual modo que os “outros negociantes”, mas deveria ir também fiscalizar no Tapajés onde o quilo era pago —32— BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 Cr$ 7,00 menos que o tabelamento; nao poderia fornecer re lacao dos indios que negociavam com a Missao — “eles en- tregavam a borracha porque queriam”, e se 0 S.P.1, assim nao desejasse entdo proibisse; e também néo poderia forne- cer notas discriminativas das mercadorias entregues aos indios — “0 Governo sabia que a Misséo era muito antiga e isso era do conhecimento do Presidente Getilio Vargas” (Chuvas, 1944). Apés 0 acontecido, pelo que se sabe, ne- nhuma outra diligéncia foi levada a efeito pelo referido fun- clonario no ambito da Misséo Considerando entao a dificuldade de exercer um maior controle sobre a produgao total dos Mundurukd, assim como de fiscalizar com eficiéncia as transagdes que ocorriam entre eles e os barracdes do Tapajés, face a precariedade de meios materiais, e com a Misséo, talvez devido o prestigio desfrutado por ela junto a0 Governo, 0 Posto acabou por en- veredar por um caminho de franca competigao com ambas as partes. Conforme Murphy (1960:182-83), entre 0 Posto © a Missio estabeleceu-se informalmente a aldeia do Morro, situada a meio caminho entre as duas agéncias, como limite para 0s seus negécios com os indios, embora ocorressem intrusdes; entretanto, 0 Posto ficou em desvantagem na con- corréncia, pois a maioria dos indios situavam-se acima da Misséo ¢ os frades gozavam de mais simpatia entre eles que 0 agente do S.P.1. (ibid.)("), Quanto ao sistema de transagées, 0 Posto criou uma conta para cada produtor de forma semelhante & Missio, ao contrério dos “patroes do Tapajés” que, geralmente, negociavam com os chefes das aldeias ou das familias, e, de certa forma, contribuiam “para a preservacao da antiga organizagao tribal” (ibid.: 15). To- davia, no rio Cururu passaram os Munduruki a desfrutar de melhores condiges devido “facilidades médicas e educacio- nais gratis" existentes “tanto na Misséo S. Francisco como no Posto do Serv. P. Indios” (Murphy & Murphy, 1954:15) (18) — Aproximodamente 500 habit na Missio_ ou axima, dela © 200 moravamn no ro. abako (Murphy & Murphy, 1984 5838) — 33 -- ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVIGO DE. De qualquer modo sob uma administraco eminentemente paternalista, 0 PIA Mundurukt foi dinamizando suas ativida- des, na tentative de prosperar economicamente e de alcan- gar um nivel material semelhante ao da Missdo. A produ- 80 da borracha indigena sob seu controle aumentou de 576 kg em 1942, para 13062 kg em 1945; e 0 almoxarifado apés esses trés anos de funcionamento, apresentava um saldo em mercadorias na importancia de Cr 159.091,30 (Chuvas, 1945). Através da propria renda indigena fol cria- da uma conta para atender *érgaos e velhos desamparaclos” fam suas necessidades basicas de mercadorias importadas; e alguns individuos mais velhos passaram a ter as dividas amortizadas pela administracdo quando ngo produziam 0 su- ficiente para saldé-las, sem prejuizo para a obtengao de no- vos fornecimentos (ibid.). Em 1946, jé existia no PIA em pleno funcionamento, 1 ferraria, 1 carpintaria e 1 pequena usina de beneficiar arroz movida a vapor. Uma escola co- megou também a funcionar tendo como alunos os meninos da aldeia Apompé e os filhos dos servidores ados Entretanto, uma tentativa feita pelo dirigente da Ajudancia no sentido de ser criado um internato nos moldes do da Mis- so, destinado aos indios dos campos e aldeias distantes, no encontrou apoio dos dirigentes superiores do S.P.1 Pelo que se conseguiu apurar, menos pela caréncia de ver- bas do que pela reserva com que viam eles tal forma de educacdo, face os resultados geralmente negativos verifica- dos nas experiéncias missionaries A partir de 1946, conseguiu a 2." Inspetoria Regional, reduzir 0 custo dos transportes entre o Posto Munduruki e 0 Porto de $. Luis do Tapajés. Isto porque, o barco-motor do S.P.1., que primeiramente baixava com a borracha e retor- nava vazio, para depois realizar novas viagens com a carga destinada ao abastecimento da unidade, passou a trafegar carregado em ambos os sentidos. Tal coisa foi obtida me- diante a aquisigéo antecipada, a crédito, de combustiveis outras mercadorlas cujos pregos comumente nao eram ma- ag BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 jorados quando os pagamentos no ultrapassavam o prazo de 60 dias; € também com a utilizagéo de parte da verba des- tinada ao pagamento dos servidores do PIA (cuja liberacdo era semestral), 08 quais j4 eram entéo atendidos antecips- damente em suas necessidades pelo entreposto comercial. Outra redugée no custo dos transportes, através do trecho antes mencionado, embora menor, ocorreu apés ter sido in- terrompido 0 fabrico de borracha laminada, cuja cotagdo es- tabelecida pelo Banco nao fora considerada compensadora Dado que, enquanto as laminas s6 podiam ser conduzidas acondicionadas no interlor da embarcagdo, as pélas manipu- ladas pelo processo tradicional podiam ser rebocadas por meio de cabos de ago (lingadas). ‘Acontece que, em contraposigéo, além dos encargos assistenciais antes citados, outros de natureza administrat va lam incidindo sobre o movimento comercial do Posto ua lotagéo normal, que passou de 10 para 16 componentes, entre 1942 e 1947, neste Ultimo ano na realidade j4 oscilava intre 25 e 30, ocorrendo o pagamento dos excedentes (car- pinteiros, ferreiros, motoristas, bracais, etc.) através do re- forido movimento. Os combustivels e fretes deixaram de sor custeados pela verba federal; ¢, por outro lado, o di gente da Ajudancia empenhave-se em fazer crescer 0 esto- que de mercadorias do entreposto e em adquirir bens patri moniais. Em conseqiiéncia, os critérios inicialmente es- tabelecidos no que concerne as transacées entre os indios & ‘9 Posto desde cedo foram sendo gradativamente elterados em 1947, as mercadorias j4 estavam sendo entregues aos indios com acréscimos de 30% a 40% sobre 0 custo; e a borracha passara a ser adquirida de acordo com as cotagdes do meio regional, Por essas alturas, tendo entrado em crise a ponto de nao haver podido amortizar os financiamentos recebidos, passou a Alto Tapajés S.A. (sucessora de José, Antunes & Cia.) a ser dirigida pelo Banco de Crédito da Borracha S.A. sob regime de intervengdo. £m vista disso, nfo pode a — 35 — ARNAUD, E, — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVICO DE. a eee empresa abastecer os aviados dos altos rios, os quais foram transacionar a borracha produzida com o PIA Munduruki a fim de fugir da situagéo de pendria em que se achavam. Havendo constatado que as mercadorias eram vendidas no Posto por pregos bem mais acessiveis, numerosos desses aviados deliberaram abandonar o antigo patréo para conti- nuar af efetuando suas transagdes. O dirigente do Posto por sua vez, mostrou-se também interessado em conservar 08 novos fregueses objetivando melhorar a renda da unida- de; porém, parece haver se descurado da concorréncia que mantinha no Cururu com a Miss&o, a qual, aumentou de modo significative suas transagées comerciais com os in dios. Por exemple, a produgéo de borracha vendida pelo Posto cresceu de 15000 quilos (numeros redondos), em 1946, para 23000, em 1947, quando comegou a aviar os seringuei- Fos regionais; mas a Misséo, no ano de 1948, também au- mentou seu movimento, pois "vendeu a empresa Alto Tapa- i6s 13733 kg de borracha e sernambi sé de uma entrega {0 Mundo, 1949). Ocorre que, a nova posigdo assumida pelo Posto provo- cou imediatas reagdes, passando ele € seu principal dirigen- te a serem combatidos repetidamente inclusive por intermé- dio da imprensa, verificando-se varias polémicas a respeito. Inicialmente, por ocasido de uma entrevista, o deputado es- tadual Silvio Braga referiu-se a0 despovoamento que se ve ficava no Tapajés, em algumas partes devido incursées de indios hostis (provavelmente Kayap6), mas de modo geral provocado pelos precos das mercadorias e fretes “verdad Famente escorchantes a toda a sorte de exploragdes". Mas, em contraposigao acusou 0 PIA Munduruki de estar ilegal- mente prejudicando 0 “comércio regular”, oferecendo as mercadorias por pregos mais baixos pelo fato de nao pagar impostos (Braga, 1948). Criticou 0 S.P.1. por ter localizado lum Posto no rio Cururu onde no habitavam indios hostis Ja *havia uma Missao para cuidar dos indios Munduruki"; € referiu-se “ao contraste chocante” existente entre as duas — 36 — BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 5¢ agéncias, pois, enquanto 0 Posto era constituido por “um amontoado de casebres de palha escorados", s6 possuindo um bom aspecto, “as casas da administragéo e do comérci havia na Missdo luz elétrica e as casas dos indios eram feitas de barro (ibid.}, Tals criticas foram logo rebatidas pelo pré- prio chefe da Ajudancia que qualificou aquele deputado como parcial dado seu interesse em favorecer a Misséo. Declarou que se ele havia avistado os prédios da administra- ao e do almoxarifado, assim como, as “8 casas primitives construidas em 1942” jé abandonadas, deveria ter também en- contrado varias novas habitacdes ocupadas “por muitas fa- milias indigenas e operdrias", a “casa da Escola, a usina a vapor com méquina de beneficiar arroz, a serraria e carpintaria {id. 1948 b}. Por fim, confirmou estar 0 Posto atendendo se- ringueiros regionais, mas para alivié-los da situacao de misé- ria em que se achavam, devido “a falta de mercadorias nos barracbes comerciais da regiéo” (ibid.) No ano sequinte foi a propria empresa Alto Tapajés S.A. que dirigiu uma carta a 2.* Inspetoria Regional acusando o PIA Munduruké de estar negoclando com os fregueses da firma inclusive em seus proprios dominios e, em conseqiiéncia, pre- jicando seus interesses. Instruiu-a com a fotacdpia de uma carta que Ihe dirigira um desses frequeses, 0 qual decla- rava nfo ter podido resgatar sua divida para com a firma, por ter negociado com o PIA toda a borracha que produzira. Na conclusao, a carta estava expressa nos segulntes termos: Em face a0 exposto somos forcados de agora em diante & tratar os Postos Mundurucd e Caiabi como temiveis concor- rentes com quem néo podemos competir, porque sao isentos de impostos, possuem embarcacdes préprias com combusti- vel © pessoal pagos por verbas federais” (Brasil. Serv. In- dios 1940/67) ("). Met tr iene dt —37— ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E O SERVIGO DE. Em resposta & acusagao 0 chefe da Ajudancia justificou ‘seu procedimento do seguinte modo: havia adquirido a bor- racha porque o seringueiro alegara que seus patrdes néo ti nham dinheiro para pagar-Ihe o saldo; a empresa, por sua vez, agambarcava totalmente a produgao dos Mundurukii situados no rio Cadiriri e abaixo do Catitutu; @ costumava expropriar bens pertencentes a indios para ressarcimento de dividas, como no caso de “herdeiros de um velho indio que tinham sido privados da posse de 2 fornos de farinha, 4 canoas e 1 bateléo” para esse fim (ibid.). A partir do momento em que ‘@ empresa constatou que a representago n&o havia encon. trado repercussdo no Ambito da 2.* Inspetoria Regional, passou @ aplicar medidas de represélia, Inicialmente, nao conce- deu abrigo em seu armazém de S, Luis para uma carga pro- cedente de Belém, destinada aos Postos Munduruki e Kaya- bi; e, em seguida, negouse em transporté-la pela rodovia S. Luis-Pimental de sua propriedade. Apés entendimentos havidos com o chefe da 2." Inspetoria Regional, a empresa reconsiderou essa atitude, mas s6 comecou a transportar os volumes do $.P.1. depois de ter enviado toda a carga desti- nada as suas filiais dos altos rios. Para minorar a situacdo © chefe da Ajudancia houve por bem encaminhar parte das mercadorias via fluvial. mas enfrentando sérios riscos, pois @ passagem pelo trecho do ric situado entre S. Luis e mental, ja se tornara quase impraticével Considerando entéo 0 aspecto que havia assumido a situagao, a 2 Inspetoria Regional resolveu entao passé-la a consideracao da Diretoria do S.P.1. Esta, porém, deliberou que a propria Inspetoria 6 que deveria “procurar os meios judiciais por intermédio do Procurador da Republica e auto- Fidades estaduais a fim de coibir esse estado de c também deveria obter referéncias quanto a possi tornar de ul ica a estrada S. Lui 5926/49) ago judicial contra a Alto Tapajés S.A. foi a 2" Inspetoria Regional aconselhada pelo Procurador da Republica a assim eaiga ce BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 nao proceder antes de conseguir, por escrito, provas mais evidentes de que @ empresa estava agindo deliberadamente contra os interesses do S.P.1. Quanto a situaco da rodo- via, cientificou-se a Inspetoria, através de parecer juridico, ‘que, estando a mesma em terreno particular, no poderia ser considerada de uso pt porém que, por tratar-se da uni- ca via de acesso, 0 transito ndo poderia ser negado uma vez fosse indenizado. (ibid.) (*) Em vista disso, a 2° Inspetoria dirigiu um offcto a Alto Tapajés, solicitando permisséo para, mediante pagamento, fozer trafegar um caminhdo pela rodovia € construir depési tos em seus pontos terminals, destinados ao uso exclusive do S.P.1. (ibid). As condigdes estipuladas pela empresa, entretanto, nao foram aceitas pela Inspetoria por terem sido consideradas espoliativas. Isto porque, estabeleciam a di- visdo pela metade, entre as partes interessadas, das despe- sas de conservacdo da rodovia e pontos terminais (limpesa, terraplenagem, pontes, etc.), a despeito da carga do S.P.1 representar cerca de 15% do total transportado pela empre- sa. Na exposigao feita @ Diretoria do S.P.1. a 2. Inspetoria salientou ndo haver encontrado da parte da Alto Tapajés “a menor boa vontade em condescender”, dado sua nsia em manter 0 monopélio comercial da regiao, para o que contava com 0 apoio do Governo do Estado, dada a existéncia de varios elementos da situagao” com interesses na empresa. (20) — 0 mencionado perecer astava assim expresso: “I — A pessoa cue cone a ested, cri Ou pansogom am fren a proisir © mesmo impesir 0. tanaito. de terceios (por Shor fave 2s) ‘caso de um terreno eneraved, ene, outro, Sein ‘pasaagem pora via pUblica, panto. ov porte, 0 dono Taree 6 dorigedo a concoder 9 ‘ransito com direito 2 Inde o00 fart 89 do’ Coc, Gil Branlea): b) 0 cas0 de sor Tid, ito 6, 0 uso cominaado vera 0 consti une obi S80 et do propritéra do terreno, que a ele no se pode Gao Pe Posse doguintee do 6d. Chil Braslero). — Uma Berle ou camino desde Aue consrldo em, terena de, sledede® do Estado, cal em uso publi imedlatamente, =slvo wiccwsoce quo. seréo temporériaa. Ill —Consiruide em ter- conceals gotrada femal cal em uso publica. (a) Ar aldo Moraes Filho —39 — ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKO E O SERVICO DE. A Diretoria do S.P.1, em seu despacho final declarou que 2 providéncias em torno do caso continuavam na “exclusiva algada da I.R. 2 independente de autorizago”, mas seriam por si prestigiadas (S.P.1. 5926/50) (ibid.). Em seguida, a fim de tornar o PIA Munduruki ainda menos sujeito as imposigdes da Alto Tapajés S.A. no que se relacionava ao transporte, autorizou & Diretoria a construgéo de um novo barco & conta da renda da propria unidade ao mesmo tempo que adquiria, para equipé-lo, um motor Diesel de 30 HP pela verba federal. Mais tarde, também beneficiou 0 PIA com um trator agricola, 1 amassador de barro e 1 prensa de te- thas e outros implementos para mantagem de olaria. A campanha contra a atuagao do S.P.1. no Tapajés, no entanto, prosseguiu néo s6 pela imprensa como através de contatos pessoais. Um preposto da Alto Tapajés voltou a acusar 0 PIA Munduruki de estar efetuando comércio ilicito oferecendo mercadorias a pregos mais baixos porque somen- te pagava impostos sobre a borracha (Explorago de In- dios..., 1951). Um deputado federal, por sua vez, por oca- sido de um contato pessoal, prometeu prestigiar o chefe da 22 Inspetoria Regional caso ele extinguisse 0 PIA Mundu- ruki @ afastasse 0 Inspetor Chuvas do Tapajés. Dentro do proprio S.P.1. comecou a manifestar-se uma corrente con. traria ao citado funcionério, pelo fato de suas fades ja ndo se coadunarem com as normas regimentais do Orgdo e estarem provocando agitagéo. Conseqiientemente, o chefe da Segao de Estudos no projeto que apresentou a Superin- tendéncia do Plano de Valorizagéo da Amazénia (SPVEA), re- lacionado a criagéo de "Colénias Indigenas de Penetracao" Go incluiu 0 grupo Munduruk: embora sua populagao (cerca de 1500 individuos) e estado de integragio em que se acha- va, evidenciassem condigdes ideais para recebimento de tal heneficio (*). A despeito porém dessas pressées, e de ha- —Nenhuma dessas *Colénias” chegou a ser fundada porque a SPVEA somente liberou para 0 8.P.I. verbes destinadas 203 trabalhos de pacificagéo (Arnaud, 1967: 5) — 40 — BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 ver a prdpria Diretoria do S.P.1. em mais de uma oportuni- dade reconhecido ser necesséria uma modificagao na pol ca do S.P.1. no Tapajés. 0 inspetor Chuvas foi mantido & frente do setor. Sobretudo por nao ter sido encontrado, dentro do restrito quadro do Orgio, um outro funcionario dis- ponivel reputado como capaz de processar a reclamada mo- dificagdo, mas mantendo os principios fundamentais que motivaram a criagéo do PIA Munduruki. Aliés, conforme foi registrado no relatério do S.P.1.. correspondente ao ano de 1954, 0 PIA ja alcangara “uma economia estével”, haven- do produzido nesse ano “27 toneladas de borracha, 47 tone- ladas de farinha de mandioca, 6 toneladas de tapioca e 10 de peixes e carnes (Brasil. Serv... Indios, 1955:34) (7). Nessa fase, 0 PIA Mundurukii j4 deixara de negociar a borracha apenas com o Banco de Crédito da Amazénia S. A. (sucessor do Banco da Borracha), mas o fazia igual mente na propria regio, através de livre concorréncia, com a participacdo de firmas de Santarém e mesmo da Alto Ta- pajés S.A., uma ver que obtinha pregos nunca inferiores ao da cotagao oficial. Isso ocorria quando firmas que eram financiadas pelo Banco (0 que nao era 0 caso do S.P.1.) ne- cessitavam completar os totais estipulados nos contratos, a fim de nao serem prejudicadas nos futuros financiamentos. Por seu lado, beneficiava-se 0 Posto nessas transagGes, pois ficava livre dos problemas de armazenamento e transporte da borracha, a partir do porto de Sao Luis; e obtinha dentro de prazo mais curto que nas operages com o Banco o nu- io correspondente. A despeito porém desse novo be- neficio e de haver aumentado 0 volume da producdo, os en- cargos administrativos que vinham incidindo sobre 0 movi- mento comercial continuaram provocando sucessivos aumen- tos nos pregos das mercadorias, as quais entdo j4 estavam sendo vendidas com uma percentagem de 100% sobre os pre- 22) — Os géneros de slimentagio produzidos no Posto destinavanse 2) ~ Sea Bements go" consumio atmo: Os excedenes,raramente tram noyodtodoe —a4— ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E O SERVIGO DE. gos do custo(*). Porém, sendo tais pregos muito mais baixos que os da empresa monopolista, que, contorme varios testemunhos, jé os calculava com acréscimos de 200 e 300%, 0s atritos entre o Posto e a mesma prosseguiram sem so- . A Missao, por sua vez, em repre- sentagao dirigida @ Diretoria do S.P.1., por volta de 1956, jente da Ajudancia de estar possibilitando aos indios a aquisigéo de bebidas alcodlicas; entretanto, aque- la insténcia superior no chegou a determinar a apuracao da dentincia A partir de 1956, sensiveis alteragées comegaram a processar-se no S.P.1., 0 qual; tendo sido também “consi- derado um érgao politico”, sob a influéncia do Partido Tra- balhista Brasileiro (P.T.B.) passou a ser dirigido por ele- mentos alheios & antiga tradigéo rondénica. Tals altera- g6es atingiram desde cedo a 2. Inspetoria Regional, que estabeleceu uma politica de boas relagdes com os seringa- istas do Xingu e Tapajés. Em conseqiéncia, a permanén- cia nessas regides dos funciondrios do S.P.1. que se acha- vam em atrito com esses empresarios, fosse devido os choques armados que vinham ocorrendo entre os indios e as frentes extrativistas, ou por motivo de competic&o comercial, Passou a ser considerada inconveniente. Para dirigir a Ajudancia do Tapajés, em substituigdo ao Inspetor Chuvas, foi logo designado um inspetor procedente do sul do pais (Alisio de Carvalho). Este, apés ter percorrido a regiéo e efetuado 0 arrolamento dos bens existentes nos Postos Mun- erou nao aceitar a nova incumbéncia por motivos de natureza particular. Todavia, antes de retor- ar ao antigo setor de trabalho, apresentou um relatério a 2." (23) — A ronda da borracha do PIA Munduruktreforente a fol assim eplicada 25% — transportes, combustivels, mate- Tals de ‘construgao, modicamentos, material permanente; 10% agamento. de pessoal excedente (operérios, tipulantes, tr bathadores bravais, eto): 5% — saldos obtldos pelos produto ton; a ~~ danpeaca diverts; BM — aqunieso do meread- para. prosseguimento dae operagdes ‘comercias. (Bras Ser. Pinos, 194037) saat ea yee i BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 54 Inspetoria Regional contendo interessantes observagdes. Se- gundo escreveu, ambos os Postos precisavam ser visitedos freqiientemente pelo chefe e por outros funciondrios da |.R a fim de néo ser exigido de seu dirigente o cumprimento de certas obrigacdes antes de serem conhecidos os “problemas ambientes” (Carvalho, 1957). Evidenciou serem as transagies 1 seringueiros nao indios responséveis pela maior perte da producéo de borracha obtida. Para que o inverso fosse atingido (que seria a situagao ideal), recomendou o estabele- cimento de mais amplas relagdes com os Mundurukii camp niros, raramente visitados pelo Posto a despeito de serem mais numerosos; e para melhoria da confianca dos indios na .c0 do $.P.1 sugeriu uma percentagem menor sobre as mer- cadorias que thes fossem entregues do que sobre as vendidas 20s civilizados (ibid.) . Considerou necessaria a efetivagio de exames prévios, pela autoridade competente, nos planos de trabalho da Ajudancia, relacionados & economia, assisténcia sanitéria, educativa, etc. (ibid.). Por fim, alvitrou a manu- tencio de “um sistema mais cordial e aprimorado de coope: ragao bilateral com a Alto Tapajés — pionelra da regiéo” — ‘com a Misséo Franciscana e sobretudo com a Base Aérea de Jacareacanga “que empreende e desenvolve aprecidvel € pa- plano de desenvolvimento econdmico no Rio Tapajés” id.) ‘Apés 0 retorno ao sul do inspetor Alisio de Carvalho foi designado outro servidor para © PIA Kayabi, tendo sido 0 inspetor Chuvas mantido frente do PIA Munduruki, a titulo precdrio. Mas 0 novo diretor que assumiu a dire- cae do §.P.1. nos primeiros meses de 1957, depois de ter lida seu relatério anual (Chuvas, 1957 a), além de manté- a frente do Posto cumprimentou-o pelo trabalho realizado (rédio 317 de 26/03/1957 — SOA) (Brasil. Serv. indios, 1940-67). Nao obstante, alguns meses mais tarde, logo apés haver entrado em contato com os seringalistas do Xin- gu @ Tepaids, esse diretor reatou a cooperacao iniclada com eles pelo seu antecessor. Em seguida, afastou das fungoes que desempenhavam na 2." Inspetoria Regional os servido- — 43 — ARNAUD, E. — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVIGO DE Fes que nao mantinham boas relages com tais empresérios, incluindo 0 Inspetor Chuvas. Todavia, 0 afastamento deste foi motivado nao tanto pela cirounstancia acima, ou por es- tar desviando o Posto da verdadeira finalidade, mas porque, obstinadamente, nao admitia que a renda indigena sob seu controle fosse desviada para outros setores do S.P.1 © mencionado Inspetor, no momento em que deixou o Tapajés, enviou um longo relatério a Diretoria a respeito dos 17 anos de sua gestio (Chuvas, 1957 b). Segundo registrou existia entdo no PIA Munduruki (1957) um patriménio indi- gena no total aproximado de Cr$ 3.700.000,00 representado Por casas de diversos tipos (incluindo uma de alvenaria des- tinada a instalagdo de 1 hospital), 1 oficina, 1 olaria, varias embarcagdes, semoventes, méveis, e estado rddio-telegré- fica. Também referiuse & existéncia de pastagens, drvo- ‘res frutiferas e de um pequeno campo de pouso para avides, cuja construgdo estava sendo ultimada, e registrou possuir 0 almoxarifado um saldo de Cr$ 1.319.070,30 constituido so. bretudo por mercadorias © borracha (ibid.) (*) © novo agente (Walter Samari Prado), confirmando em inhas gerais 0 que havia declarado seu antecessor, referiu- Se & situagdo econdmica do Posto como “em geral boa, es- tando 0 armazém sortido atendendo os indios em troca de borracha e outros produtos naturaes” (Prado, 1958). Como “aviados" mencionou 3 pequenos empresdrios e 231 serin- gueiros (cerca de 70% eram civilizados e 30% indios), habi- (24) — A produgao de borracha do PIA Mundurukd, entre os anos de 1942 s 1957 foi a seguinte: 1942 — 876 kg — CrS §.734,00; 1943 — 7550 kg — Cr8 49.821,20; 1944 — 8656 ko — CxS 140.187:90; 1985 — 13062 "kg — Crs 177.364,90, 1946 — 18790 kg — Cr§ 204.097.10; 1947 — 23335 kg — CrS. 250 4250; 1948 — 17023 ka — Cré 214.110,90; 1949 — 27186 ko — GrS 375.437.20; 1950 — 28219 kg — Cr$ 419.420,60; 1951 — 28929 kg — Cr$ 593.520,70; 1952 — 31020 kg — GrS 860.823,20; 1958 — 20530 kg — Cr8 461.596,30; 1954 — 26498 kg — Gr$ $14,440.00; 1955 — 18840 kg — Cr$ 419.291,00;, 1956 — 26535 kg — CrS_769.485,00; 1957 — até agosto, 12526 kg — Gr8 425.894,00. (Brasil. Serv... Indios, 194087). 44 — BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA, 5¢ tando 93 no rio S. Manoel, 71 no Tapajés, 11 no Aniperi, 31 no Juruena e 28 no Cururu (ibid.}. Dentre os mesmos, 136 cram devedores, 91 credores e os restantes estavam com as contas liquidadas (ibid.). A lotagao oficial do PIA deu como formada por 12 servidores, sendo 7 civilizados e 5 indios que atuavam em servicos bragais; e a que era estipendiada pela renda indigena, composta por 8 operdrios civilizados e 31 indios (9 mulheres) aplicados em servigos diversos (ibid.) No local (antiga aldeia Apompé) registrou a existéncia de 100 pessoas, sendo 13 civilizados e 77 indios ("21 homens, 23 mulheres, 18 meninos @ 15 meninas"), isto é, mais 36 in- dios do que em 1942. A respeito da assisténcia sanitdria diz que, apesar de existir no Posto um "aprecidvel estoque de medicamentos”, talvez um médico pudesse constatar uma clevada percentagem de doentes, sobretudo “no que concer- ne a tuberculose" (ibid.). Por fim, registrou que, varias casas e as embarcagées (principalmente a lancha Mundu- rukG) estavam necessitando de reformas (ibid.) Esse novo agente porém, apenas alguns meses perma- neceu dirigindo 0 Posto, que, desde entéo passou a funcio- nar como sucursal da firma Arruda, Pinto & Cia. (sucessora da Alto Tapajés S.A.). Os trabalhadores indigenas cons- antes da lotacdo oficial foram sumariamente dispensados pela 2° Inspetoria Regional no momento em que ia ser efe- tuada a efetivacao do pessoal de sua categoria (fins de 1958), tendo sido incluidos em seus lugares elementos civilizados (Brasil. Serv... {ndios, 1940-67). Diversos agentes suce- deram-se & frente do Posto, que entrou em rapida decadén- cia, tanto no aspecto comercial como assistencial. As ope- ragées nao foram mais contabilizadas e no mais inventaria dos os bens patrimoniais, sendo que, por volta de 1960, en cerrava ele praticamente suas atividades. Las Casas (1964: 14) refere-se ao Posto sobrevivente (Kayabi) como fregués do “seringal” mas concorrendo com © proprio “patrao”. O dirigente da unidade coagia os indios @ permanecerem sob sua influéncia ndo s6 pelo uso da au- —45— ARNAUD. E. — OS INDIOS MUNDURUKU E © SERVICO DE. toridade como empregando a forga, tendo diversos informan- tes mencionado “um caso de indios amarrados para nao si rem do Posto © um assassinato cometido por um antigo en- carregado". .. (ibid.). Em vista disso, os indios passaram freqientemente a mudar de patrao, fugindo quando situados fora do Posto “a simples aproximagao de agentes do 8.P.J,” ibid.). No ambito da unidade passaram a conviver indios de “diferentes grupos, as vezes rivals”, diminuindo assim sua eficiéncia “como empresa e como agéncia de unificagao de seus fregueses” (ibid.), Acontece que, assim como ocorrera com o PIA Mundurukti, 0 Posto ora focalizado tor- nou-se igualmente inoperante e, logo depois, encerrava as atividades. Em 1962, quando 0 S.P.1. j4 possuia outro diretor, a 2" Inspetoria Regional promoveu o retorno do Inspetor Chu- vas para o Topajés, objetivando a recuperagao do PIA Mun- duruka. corre que, segundo ele relatou, o Posto havia sido destruido peta “chusma de irresponsaveis e ladrées” que pas- saram @ dirigi-lo apés a saida do agente Walter Prado que pouco tempo permanecera no local (Chuvas, 1963). As ca- sas na quase totalidade encontravam-se em ruinas, as em. barcacées impossibilitadas de trafegar face ao seu péssimo estado; 0s equipamentos da oficina, olaria, escola e enfer- waria, tinham desaparecido ou estavam danificados; 0 nti vo dle cabecas de gado reduzira-se a metade; e no almo- xarifado néo existia nenhuma mercadoria (ibid.). De for- ma semelhante como havia procedido na fase anterior, res- tabeleceu 0 citado Inspetor o movimento comercial do Posto, com mercadorias obtidas a crédito de uma firma de Santa. rém, mas em pequena escala devido a caréncia de pessoal © meios de transporte. O Posto continuou funcionando até meados de 1964, quando ele se afastou definitivamente por motivo de aposentadoria, néo tendo alcangado éxito algu- ams tentetivas posteriores feitas pelo S.P. Nos dias atuais, entretanto, @ FUNAI esté in Para fazé-lo novamente funcionar, néo se podendo ainda 46 — BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI; ANTROPOLOGIA. 54 adiantar se para atuar somente em cardter assistencial ou também com objetivos econdmicos. Com referéncia a si- tuagdo das terras pertencentes aos Munduruka, ocorreu 0 seguinte: a antiga reserva concedida pelo Governo do Para (dec. 305 de 21/03/1945), ampliada em seus limites passou a constituir a “Reserva Florestal Mundurucania” (dec. 51030 de 25/07/1961 da Presidéncia da Republica): sobre esta re- letiu-se o art. 5. do decreto 62998 de 16/07/1968 que pas- scu a considerar como “Reserva Indigena” toda a “Reserva Florestal” habitada por indios; mas em seguida, foi sugerida lo Ministério do Interior a manutengéo de restal” nos termos do decreto de 1961, sem prejuizo da con- cesséio em seu interior de uma outra de menores proporgdes para “a tribo indigena dos Munduruki” (Brasil. Lets. .. ‘As. Indigenas, 1969: 1739-40), A Area no esta sendo cor: tada pela Cuiabé-Santarém, mas poderéo ser tentadas ex- Jes de minérios em seu interior. Messe reaped a ecoramia regional, Wooriman (1967 267) diz haver observado “um sistema de produgéo anacrOnico artificialmente sustentado pelo aparelho estatal, com um numero de colocagées improdutivas cada vez sem poder uma delas, em regra, manter mais de uma elementar (*). Afra isso, a baixa cotagéo do gé- festa nova crise da borracha amazédnica, esborou-se (25) — 0 inicio dest cise, boro Toda pela tt 8, "8/00/84, {0 sosgurde fade do preco do produto amazonica, aes tmonopélio do comérelo pelo Banco. dav Borracha até dozombro Bo "e80, icange''o ‘Governo Federal reaponsével pelo pats Monta os excodontoe ro abeorddoe pis pao cad e180 ma ver ue. feoossldndes, da indi om Clonal pessoa a ser supaores, 2 produnte intra, comer, e ccorer a. Inporagia Ga, matéreprima estrangtra. Sendo sto mals borate quo a nacional “ectablecouse 8 equlparoeso doe pregos do vende para a Indstria consumidore, destinando-se ‘aferonea te Tomento, da produto aarinca , press frente, 06 estimule'a sua racionalizaglo™. Mas. com'a. quebro do mmenopolloeotatal sobre. a matériaprima Importada, ocorida tim 7850 perdu o Banco ruma fonte do renda anual ‘do carca de seiscentes ml cruzeros, provocando difiuldades finonceras intenaas para o para a Hogi” (Silva, #971 : 6886) ye

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