Você está na página 1de 15
: AE oe \e s iv aha (aA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO. 5. Cepios INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE POS-GRADUACAO EM DESENVOLVIMENTO AGRICOLA. SOCIEDADE AGRICULTURA ~ CPDA DESENVOLVIMENTO E DEGRADACAO AMBIENTAL ~ UM ESTUDO NA REGIAO DO MEDIO PARAIBA DO SU ELZA MARIA NEFFA VIEIRA DE CASTRO SOB A ORIENTAGAO DO PROFESSOR: ROBERTO JOSE MOREIRA ‘Tese submetida como requisito parcial para ‘obtengio do grau de Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Area de Concentragiio em Sociedade e Agricultura ~Seropédica, Rio de Janeiro —— Dezembro de 2001 56 locais/regionais, étnicas e culturais. Aliada a busca da eqiiidade social deve, ainda, projetar- se em transformagdes socioambientais profundas. Para Bensaid, a questo & de saber se a capacidade de reversao da consciéncia coletiva suscetivel ou nfio de resolver o conflito entre economia ¢ ecologia. Em suas palavras, ~~ == sea economia moral e enfim politica pode harmonizar os ritmos de renovagdo dos recursos naturais, dos levantamentos autorizados, de autodepuragdo dos meios, enquanto se espera a descoberta de novas energias renovaveis ou o meio de reciclar a grande massa de energia improdutivamente dissipada”.*' 1.4. Perspectiva analitica neomarxista Com 0 crescimento demogrifico mundial ¢ com o desenvolvimento das forgas produtivas, ocasionados pelas relagdes de produgdo capitalistas, os reversos da natureza tomaram-se mais sérios nas sociedades modemas. Na era industrial, 0 desenvolvimento palin _antropossocial gerou imimeras crises de biocenose que, sem consciéneia das interagSes eco- organizadoras das quais participa o fendmeno que se pretende eliminar e sem coneeber as pperturbagdes eco-organizacionais provocadas pelo fendmeno que se pretende fazer surgir, ‘isa um objetivo econdmico, que é concebido isoladamente, A eliminago de uma espécie ou 2 introdugiio de uma espécie estranha em um determinado meio ambiente, por vezes, provoca a quebra das regulagdes em cadeia ¢; na maioria dos casos, gera maleficios maiore’s ‘Be Yule aqueles que se pretendia suprimir.®” woene Haniel Bencwid. Mars, 0 itempestivo: grandecas¢ mistrias de uma aventura critica (culos XUC€ XX Rio de Tanita Chiao Brasileira, 1999, p. 493, ApdBar Morin, op. cit, 1980, p. 71-72. °p. P. pert 57 A destruigio de matas € de associagdes vegetais, a redugdo da fauna e das reservas hidticas, 0 empobrecimento ¢ esterilizagdo da terra sto algumas caracteristicas do processo de degradagio da complexidade da natureza inerentes 4 homogeneizagiio ‘monocultural implantada em grandes dominios de terras como, por exemplo, a cultura do café desenvolvida na regifio do Médio Paraiba do Sul, no século XIX. Nesta ética, uma,percep¢do utilitaristd avoluma-se, ancorada na idéia de fungao econdmica, ampliando a légica capitalista como padriio de andlise, seja em relaglio a0 entendimento do crescimento demogrifico europeu, seja face aos recursos naturais € seu uso. Impée-se, desta forma, o reconhecimento da I6gica de mercado em qualquer sociedade @ a Gualificasso de iacional, a todo comportamento que no cra estatégias de otimizag dos recursos naturais e maximizagao dos lucros. Com 0 modo de produgdo capitalista, 0 processo de produgdio material é cada vez riietios guiado pelas necessidades de sobrevivéncia:so homem, passando a ser determinado pelo procssso de acumulagio de Capital segundo valores, cédigos representagbes Udijleles que o detém. A busca da valorizago do lucro acentua as representagdes organicas §UL"Separam © homem da natureza, numa visio reducionista que pressupée as forgas {iatlrais como um fator externo ao processo historico.s 7 Numa ntativa de compreender a complexidade das quesiées envolvidas na 4Ai¥plita politico-ideoligica de sedimentagio € legitimago do conceito de sustentabilidader ambiental ¢ sécio-ambiental; buscamos elementos de andlise da economia politica’ dé com g/ARRHGO marxista, acompanhando algumas importantes criticas esta tradi ‘filSito de assumir uma perspectiva analitica neomarxistal 58 Para alguns autores, entre eles Hector Leis,’ a preocupagao de Marx com a degradagio ambiental produzida pelo capitatismo ¢ reduzida, tendo em vista a consideragio de que ele pressupunha a natureza externa ao homem, descrevendo-a de modo antropocéntrico, como mundo ndo-humano, no sentido de fonte primaria de todos os instrumentos ¢ objetos de trabalho. Para Leis, ao conjecturar que 0 capital c/ou tecnologia fazem surgit da natureza coisas que ela sozinha nio poderia realizar, Marx adota a visio moderna que pressupde a interago do Homem com a Natureza como apropriagio de objeto-natureza pelo sujcito-humanidade, mediada pelo processo de trabalho, tnico meio dé realizagdo da esséncia humane Salicntando o pressuposto marxista que enaltece o papel civilizatério da ciénciae da tecnologia no desenvolvimento humano, ndo para um maior conhecimento € respeito ‘hatiteza, mas para uma menor dependéncia dos homens e maior liberdade em relagao as forias naturais, Leis nega o caréter ambientalista de Marx.afirmando que.as.tentativas dé z “scologizar” Marx, tanto a humanista, baseada nos esctitos da juventude, quanto tibntifica, baseada nos escritos da modcrnidade, fracassaram, por ndo poderem criticar suas Vibes da historia ¢ da humanidade. Segundo Leis, a vistia-que coloca a solugao sécio-ambiental na transformago das relagiies de produgio com o uso da tecnologia apropriada nao oferéce alteragio-substandal ———--— Sqtiesta@, na medida em que continua Mifirmando a dialética da histéria através das HiédéSsidades humanas, E, enquanto o valor dado a natureza referir-se as necessidades “ (pig Baecor R Leis Avenurasmor da politica: una andlie das tories ¢ prsias do ambienalomoaio de, = Janeiro. PUC, 1996. Cap. 5-11. chew 59 humanas, nao Haver compréensdo do pressuposto basico da ecologia de que 6 mundo é interdependente ¢ interrelacionado em todas as suas formas humanas e nio-humanas. E, consequentemente, nao ha valor a ser dado & natureza independentemente dos homens, ou ‘esses terem privilégios frente as outras espécies. A anilise que Luckacs,™ baseado em Marx, faz. da ontologia cientifico-filoséfica, com base na relagdo ser-ser social, procura desfazer a impressiio, preconizada por cientistas existencialistas © neo-positivistas, entre outros, de que Marx no tem uma ontologia propria € que a visio marxiana da natureza no tem a dialética apregoada na relagiio sujeito/objeto, homem-sociedade/natureza, na medida em que esta é vista como objeto universal da ado. do homem. Ao aprofimndar a leitura de Marx, Lukées vé que a ontologia do ser social abrange a natureza e esta é, para ele, a totalidade do mundo fisico que circunda o homem, Este, por sua vez, com ela se relaciona através de uma atividade vital consciehte. Essa consciéneia é 6 que 0 diferencia do animal, tornando particular a sua atividade. A capacidade que o hiottiem tem de produzir universalmente, relacionando-se independentemente do produto, fefioduzindo ndo s6 a natureza mas, também, a sua prépria natureza; faz com que o homer §iija como um ser de transformagtio do mundo conereté ¢ se afirme como produtor da vida W612 Para Marx, a consciéncia-que-o-homenrtemrde-que-é parte da natureza protege-o de desenvolver uma relagio instrumentalistica com ela, Neste sentidé, Luckdes nega que a iidtireza seja vista, por Marx, como © pressuposto geral de toda’ a produgfio, como’ “a sia sSESEESESSSIESSN * Para a ontologia do ser social. Tradugo do original em alem4o Zur Ontologie des gesellschaftlichen 2, Seins. Darmstadt: Luchterhand, 1984, por Mario Duayer, Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense. Versio preliminar (maio/96), 60 natureza para o homem”, numa relagdo de imposigao em que a natureza subjuga-se a0 homem em fungio de suas necessidades vitais ¢ refuta a idéia de que a natureza é substituida pelas relagdes sociais, em fungo da percepeao de que € 0 trabalho que est agindo sobre a natureza e transformando-a "Na delimitagdo materialist, feta por Lukes entre o ser da natureza orgénica e 0 ser social, hé um papel decisivo atribuido a conscigneia. Isto porque, este autor percebe toda prixis social como uma decistio entre altemativas acerca de posigées teleologicas futuras. Tanto Marx quanto Lukées pensam a natureza numa relagio interativa e contiaditéria com o sujeito, preocupando-se em nfo sacralizicla. Para eles, tal relagio ocorre num ambiente ontoldgico dialetizado, num processo histérico de transformagao Finalista pela ago do trabalho, que se apropria de materiais naturais. Lukées propde que 0 cariter cientifico desta ontologia seja dado a partir do ‘tabalho humano, que € objetivo necessério para a transformago da natureza, O trabalho, Lotito finalidade ¢ como ponte para interacdo entre 0 ser social e o ser em geral, entre o fiotiém e a natureza, é uma categoria social que permite a0 homem captar a realidade objetiva e chamar a vida produtos sociais de ordem mais elevada. ‘Entretanto;-2 categoria trabalho niio pode ser pensada como uma categor! i2"os individuos atuam separadamente no sentido de transformar a natureza. Ha uma | © tel@ologia, uma finalidade, da qual a ética é uma conseqiiéncia Toda atividade laborativa surge como solugiio de resposta ao carecimento que a “piBVoca ¢ é a possibilidade de satisfacao dessa caréncia que pde em movimento o complexo Ue"irabalho ¢ as mediagdes que transformam, tanto a natureza que circunda a sociedade, 61 quanto os homens que nela atuam, as suas relagdes reciprocas etc.. Ao dar respostas aos seus carecimentos, o homem faz.a ligagdo entre o reino da liberdade ¢ 0 reino econémico da necessidade. A liberdade, porém, néo é algo dado por natureza, mas ¢ 0 produto da prépria atividade humana que, por um lado, tem conseqiiéncias concretas (desenvolvimento econdmico) ¢, por outro, eleva a capacidade dos homens (surgimento e explicitagéio da personalidade humana). Através do trabalho dé-se a possibilidade do desenvolvimento: superior 408 homens que trabalhanf. Ao tornar eficientes as forgas, relages e qualidades da natureza - liberando-as € dominando-as - 0 homem poe em desenvolvimento suas préprias capacidades, no sentido de alcangar niveis mais altos. Nesse sentido, Lukécs procura “.. mostrar que 0 homem, como simultaneamente produtor ¢ produto da sociedade, realiza em seu ser-homem algo mais elevado ‘que ser simplesmente exemplar de um género abstrato, que o género ~ nesse nivel ontolégico, no nivel do ser social desenvolvido - no é mais uma mera generalizagio & qual os varios exemplares se liguem “mudamente’; € mostrar que esses, a0 contririo, elevam-se até 0 onto de adquirirem ima voz cada vez mais claramente articulada, até-aleangarem a sintese-ontol6gico-social -de-sua singularidade, convertida em individualidade, com o género humano, convertido neles, por sua vez, em algo consciente de si.”*° = ‘Também em Bensaid,"* a concepgiio de que 0 homem poderia erigir-se como ©e/. sujeito dominador de uma natureza exterior e subordinada ao humano, oposigao entre “As bases ontoligicas do pensamento ¢ da atividade do homem”. In: Vérios autores, Temas de Ciéncias ‘Humanas. Sto Paulo, Livraria Editora Ciéncias Humanas Ltda, 1978, Volume 4, p. 14. “op.cit, p.44d 62 s de direito ¢ objetos de conhecimento, parece estranha 4 unidade dialética do sujeito € do objeto intrinseca a ldgica marxista e & arquitetura dO Capital. Desde os Manuseritos econdmico filoséficos de 1844, na abordagem do jovem Marx, a-natureza-€-concebida como corpo inorgénico-do-homem, na medida ‘em que é meio imediato de vida e instrumento de sua atividade vital. Nao ¢ o proprio corpo humano ‘mas € 0 seu corpo, ao mesmo tempo, tendo em vista que para sobreviver 0 homem necessita relacionar-se com a natureza. “Afirmar que a vida fisica ¢ espiritual do homem ea natureza sio interdependentes significa apenas que natureza se interrelaciona consigo mesma, ja que o homem ¢ uma parte da natureza”,®” observa Marx. Nesse sentido, enquanto ser natural & um ser “passivo, dependente ¢ limitado”, tal como os animais e as plantas. A relagdo de incompletude do homem com a natureza, enquanto relagio da parte com o todo, fel do homem pata com sua manifesta @ caréncia natural, éxpressdo da dependéncia irreduti determinagdo primeira — o fato “de que os homens tém de estar em condigies de viver para 6 poderem fazer historia” Enquanto ser humano natural é provido de forgas vitais, € “um ser natural dbjetivo”, “ser da natureza”. No processo de produgfio o que aparece como “forga de trabalho” é, em sua origem, “forga vital”. Segundo Bensaid,”” uma propriedade enigmatica da “forga vital” manifesta-se na capacidade da-forga-de-trabalhe-de-fornecer-mais-do-que 0 inecessario para a reprodugo do homem. * Lisboa: Edigdes 70, 1963/64, p. 164. " Karl Marx ¢ Friedrich Engels. 4 ideologia alema.. Teses sobre Feuerbach. So Paulo: Editora Moraes, 4984, p.31 "op. cit, p.437. 63 Sobre todas as formas de produedo, a forga de trabalho humana é sempre concebida como exteriorizagdo de uma forga natural. Marx entende por forga de trabalho “o conjunto das faculdades fisicas ¢ espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele poe em movimento toda ver. que produz valores de uso de qualquer espécie”. No trabalho, o homem se ope, enquanto poder natural, 4 matéria da natureza. Ele sage’ enquanto homem exteriormente sobre a natureza e a modifica, ‘modificando ao mesmo tempo sua prépria natureza e desenvolvendo as potencialidadestque ali repousam. Entretanto, “sem o mundo extemo sensivel, sem a natureza, 0 trabalhador nada pode criar, pois este ¢ 0 material onde se realiza o trabalho, onde ele & ativo, a partir do qual e por meio do qual produz coisas”.”' Rompendo com 0 circulo vicioso de oposigdes falaciosas que sugerem antinomias filoséficas clissicas entre materialismo e idealismo, entre natureza ¢ histéria, Marx propée, ao contrario, que “naturalismo conseqiiente” e humanismo séio uma coisa s6 e dessa unidade decorre uma transformagao da relago entre sujeito ¢ objeto e das nogdes de Sujeito ¢ subjetividade, objeto € objetividade, com esta tiltima supondo a incompletude e a alteridade do sujeito. A partir de 1858, as variagdes de Marx sobre o conceito de natureza explicitam- Sc com-a-compreensde-de-que-a-criagiio-de-valor excedente, baseado no aumento das forgas produtivas, exige a produgdo de novo consumo pela ampliago quantitativa do consumo *” O Capital: critica da economia politica. 2 ed. S80 Paulo: Nova Cultural, 1985. V. 1, Livro Primeiro, Tomo kp. 139. 3" Karl Marx, 1963/64, p. 160. 64 existente, pela extensio da esfera de circulagdo € pela transformagio constante das caréneias, com a descoberta e a criagdo de novos valores de uso. © miituo entrelagamento entre produgio e circulagdo acarreta a exploragdo da natureza, em sua totalidade, a busca de novas qualidades uteis na matéria, os novos tratamentos artificiais aplicados aos objetos naturais para dar-lhes novos valores de uso, 0 desenvolvimento maximo das ciéncias da natureza, a universalizagio das caréncias sociais a troca, em escala universal, de produtos fabricados sob todos os climas e em todos os paises. Essa apropriagao universal, num processo de dessacralizagao da natureza, resulta de um sistema de exploragao das propriedades naturais ¢ humanas e da influéncia civilizadora do capital que reduz a natureza a “mero objeto pata o homem’” e a “uma mera questo de Utilidade”, sendo colocada a servigo da produgdo e do consumo, apés ter seus segredos apropriados pela ciéneia. ‘Segundo Bensaid,” em contraste com os socialistas vulgares ¢ produtivistas, Marx jamais considera que a natureza seja ofertada “de graga”. Partindo da organizago fisica dos seres humanos vivos individuais e das relagdes estabelecidas com a natureza, sem entrar na especificidade da natureza fisica do homem nem nas condigdes naturais em que a humanidade se encontra, Marx ¢ Engels postulam que “todo escrito histérico deve partir —dessas- bases naturais ¢ de suas modificagdes no curso da histéria pelo vies das agées dos —homens”S Be oe Op. cit, p. 443. 7 Op. cit. 1984, Em Marx, as fontes da riqueza material no sfo redutiveis apenas ao trabalho. Esse conceito é retomado por Engels, na Dialética da Natureza, com a nogio de que 0 trabalho é fonte de riqueza, juntamente com a natureza que Ihe fomnece a matéria que ele transforma em riqueza. Na Critica ao Programa de Gotha,” Marx insiste na questio ao afirmar que o trabalho néo é a fonte de toda a riqueza, pois também a natureza é fonte de valores de uso tanto quanto o trabalho, sendo este manifestaglo da forga da natureza enquanto forga de trabatho-humana. i Ao nfo reduzir a natureza a uma categoria social, Marx desenvolve uma concepgao nfio mecénica da matéria, pressupondo a mecfinica e as matematicas como momentos do movimento, cuja tolalidade concreta implica uma légica do vivente, evocada pelas nogdes de impulso, de espirito vital, de expansio. Ao considerar a troca orgénica entre © homem ¢ a natureza, mediada pelo trabalho, como 0 né estratégico do ser social, Marx concebe a natureza como unidade de sujeito e do objeto e como unidade do movimento. ~ Para Bensaid, essa’ Iégica'do vivente nfo se afina coma idéia da “mecénica da *” engrenagem azeitada do progresso”.”% + * Karl Marx e Friedrich Engels. Obras Escolhidas. Sao Paulo: Ed. Alfa-Omega, vd, v.2, p. 209, op. cit, p 448. eee Cacao Ca 66 Em Marx, a condenagio ao progresso dé-se em fungiio da abstragiio e do formalismo apresentados pelo “progresso capitalista”. A critica construida por Marx sobre a imagem do progresso glorificada pelo corpus tedrico domifiante réfere-se & constatagao de que todos os progressos da civilizagdo resultantes da ciéncia, da divisio do trabalho, da criagdo do mercado mundial, da introdugo das maquinas, nfo enriquecem o trabalhador mas somente aumentam o poder do capital sobre o trabalho. Tal critica enfatiza a metamorfose da exploragao feudal em exploragao capitalista e ressalta que, ao submeter-se 4 determinagdo do capital, o progresso, além de expropriar © trabalhador, espolia as condigées naturais, pois a “produtividade do trabalho esté também ligada a condigdes naturais cujo rendimento néo raro diminui na mesma proporg%o em que a produtividade - onde um movimento em sentido contrério nessas esferas diferentes”. Bensaid esclarece que a raz pela qual Marx pressupde a anulagao dos “progressos” da produtividade social pelo esgotamento das “condigées naturais” e por seu “rendimento” decrescente relaciona-se com o constrangimento exercido pela determinagaio natural sobre a determinaggo social na medida em que “o trabalhador conserva-se um ser natural, na medida em que matérias-primas, ferramentas eo ambiente permanecem, em Ultima andlise, parte interessada da ‘troca organica””.”” °* Karl Marx, Le Capital, Livro Il, Tomo I, citado por Bensald, op. ci "Op. cit, p. 450. 67 Ao articular © “progresso capitalista” com a exploragdo ilimitada ¢ a exigéncia natural, Marx ressalta a relaydo contraditéria entre os avangos industriais cientificos, a dominagdo cada vez maior da natureza pelo homem e os sintomas de decadéncia das condigdes da vida humana ~ fome, esgotamento do trabalhador, redugfo da “vida humana a uma forga material bruta”.?> Buscando fundamentar 0 embate sobre significado da sustentabilidade nas “sociedades contemporiineas, associando-o aos diferentes conceitos de natureza, de ser humano ¢ de trabalho produtivo, bem como aos processos de apropriago privada dos conhecimentos socialmente produzidos, Moreira® assume a perspectiva interpretativa neomarxista, tendo clareza da imprecisio que o conceito apresenta em momentos histéricos pté-paradigmiticos, como o vivido pela humanidade hoje. A desconsideragtio da questio ambientalista, apontada por intimeras eriticas a tradigdo marxista, ¢ percebida por este autor como resultado da concepgao de natureza inerente a visio de mundo propria de um contexto social marcado por um processo de “industrializagdo que considerava as questées de poluigdo e de degradagao ambiental dentro da infinitude dos limites biofisicos. 0 reconhecimento do fundamento que explicita a ampliagdo da esfera capitalista ‘ontempordnea,na-perspectiva de construgo de um eapitalismo ecolégico que absorva as sferas nao materiais da vida no campo da produgdo de valores, do trabalho produtivo ¢ da apropriagao privada do conhecimento remete a reflexio da questio da sustentabilidade Daniel Bensatd, op. ct, p. 450. * Roberto José Moreira. “Economia Politica da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista”. In: Mundo ‘ural ¢ lenipo presentelorganieadores™ Luiz Flavio Carvalho Costa, Regina Brio, Roberto José Moreira. Rio be Janeiro: Mauad, 1999, p. 241-268. 68 ambiental e sécio-ambiental, quando referenciada ao ideario do desenvolvimento, ampliando as consideragdes da tradi¢do da economia clissica, marxista ¢ neoclissica que, numa visio-antropocéntrica, submetia o sistema biofisico ao sistema sécio-econdmico. Para Moreira, a ressignificagiio do conceito de sustentabilidade, na perspectiva neomarxista, incorpora novos movimentos sociais, como os movimentos ambientalistas, ‘expressa ruptura com o positivismo, com o determinismo ¢ com as simplificagies dualistas da realidade ¢ requer ressignificagdes dos coneeitos de natureza ¢ de ser humano. ‘A base desta perspectiva analitica pressupde que as atuais consideragdes ambientalistes requerem uma concepgao da questo ambiental relacionada aos processos s6cio-econémicos, na perspectiva de consideré-los como “um subsistema do sistema da biosfeta, comio a nogao do planeta Gaia ~ & a teoria do conhééimento a ela asociada = @ as Jeis da termodinamica procuram revelar”.'° Partindo do pressuposto que @ realidade humana € culturalmente construida, apresentando-se, ao mesmo tempo, como realidade objetiva ¢ subjetiva, como produto do trabalho ¢ do conhecimento humano ¢ no como um dado, com leis biofisicas eternas ¢ imutaveis, Moreira prope movimentos interpretativos, na perspectiva neomarxista, para repensar o ser humano e visualizar a produgdo e @ apropriagio privada do conhecimento. 69 A ressignificagdo do conceito de ser humano, assumido na sociedade contempordinea como uma realidade relacional entre corpo & mente'”' interdependente de uma realidade incerta, indeterminada e complexa, articula-se a consideragio do trabalho produtivo como produtor, nao apenas de bens materiais mas, também, de bens imateriais ¢ de signos, dentre os quais a cultura e os conhecimentos cientificos, submetidos que estiio a indiistria das comunicagdes das sociedades tidas como pés-modemas ou globalizadas, ‘Ao. associar.a_nogia_marxiana de.que ao transformat.anatureza (biofisica ¢ social) © ser humano transforma a si mesmo (em uma unidade corpo & mente), Moreira assume a interpretagfo dos que ndo véem a superagiio do capitalismo nas sociedades contemporiineas, mas avanga na compreensio da “produgao da existéncia humana como um Proceso de produgo material ¢ imaterial que envolve capacidades de trabalho biofisicas & intelectuais e de trabalho individual e coletivo”.'”” A elucidacdo da idéia de natureza, forjada pelos seres humanos nos séculos da 0 facilitar a compreensdo de que os mecanismos ,de modemidade, teve como obj ‘apropriag&o-dos- meios~naturajs pelos -habitantes- da -regifo-do Médio. Paraiba foram determinantes nas (ransformagdes sécio-ambientais empreendidas neste espago ¢ no surgimento da consciéncia ecolégicg, manifestada através de ages e projetos coletivos que ‘ém buscado caminbos possibilitadores de uma sustentabilidade regional. " Moreira utiliza 0 simbolo & num sentido distinto de e pretendendo representar a unidade inseparavel entre dois elementos tidos como separéveis na cultura ocidental e no no sentido de unide de duas insténcias previamente separadas. " Bbid.-p-251 z

Você também pode gostar