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fe we Me lea eens 0) acai GLO Cel sobre | o sofrimento psiquico e sua iraqeyoc Scanned with CamScanner Muitas vezes, a incompreensao reinante CesnVan Mere ni cciyy al estes Lezt Cont! joktee) fee cas se deve justamente aos rufdos que marcaram os dialogos de seus findado= res. Diante da ruptura de um determi DELS MMe MoH TILE te-Co Nel p ela Coe ROSMAN Hoos Ne cco -I Copel CeoCeL-)H1} a repetir o gesto inicial do rompimento ea manter com frequéncia desnecessa= riamente a postura de dissensao que ja nao lhes diz minimamente respeito, Esse contexto, que dirige em geral o mundo, das ideias e de suas repercuss6es, tem) uma validade bastante significativa no eon ete Oienerneeonee iene Pen Sen Te Urea TORE TC apesar de criticas incisivas ao método PRC reset eee Niece rewire PIMP Eirise economia centre te o didlogo com Freud, Medard Boss, o CTC CMR E MC cence UE Ian soe te Me AN OMe een VIEL) Heidegger, sempre procurou demarcar de maneira nitida a impossibilidade de Peneiete Mie eciiney stederar Kelle) FenenenGteMedmt aroun Ce Meee coisas mesmas, e a psicandlise. O pri- meiro grande mérito do livro de Alice ee Tera TOP COC EMC CeO: (MUM K AUIS OMe LEH) ORO IET sicandlise. Holzhey-Kunz leva a sério desde o inicio em sua obra a definigao Rem memen cater tien cette irks RST eM ER Stee Re) Senco Z Ce Rene Reon ame eco Once Meir eRe RAIL ONC um acento sempre pertinente no cara- ter hermenéutico do modo freudiano de Scanned with CamScanner Daseinsanilise: O olhar filos6fico-existencial sobre o sofrimento psiquico e sua terapia Marta Rosmaninho CRP 06/66101 Scanned with CamScanner Copyright@ViaVérita EDIGAO. Monica Casa Nova CAPA E PROJETO GRAFICO Giovana Pape DIAGRAMACAO Alexandre Sacha Paape Casa Nova DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGACAO NA PUBLICAGAO (CIP) H762d Holzhey-Kunz, Alice Daseinsanflise: 0 olhar filoséfico-existencial sobre o sofri- mento psiquico e seu tratamento / Alice Holzhey-Kunz ; traduzido por Marco Casanova. - Rio de Janeiro : Via Verita, 2018. 326 p. ; 14cm x 21cm. ‘Traducdo de: Daseinsanalyse Inclui bibliografia e indice. ISBN: 978-85-6456-575-3 1. Psicologia. 2. Psicologia Aplicada. 3. Psicologia fenome- nolégica. 4. Daseinsandlise. 5. Sofrimento psiquico. 6. Tratamento. I. Casanova, Marco. II. Titulo. 2018-388 CDD 150.192 CDU 159.9.072 Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Todos os direitos dessa edi¢ao reservados 4 VIA VERITA EDITORA Rua Sara Vilela 560 Jardim Botanico — Rio de Janeiro, RJ, 22460-180 Tel.: 21 24222109 www.viaverita.com.br / editorial@viaverita.com.br Scanned with CamScanner Daseinsanialise: 0 olhar filoséfico-existencial sobre o sofrimento psiquico e sua terapia Alice Holzhey-Kunz I" edigdo Rio de Janeiro, 2018 Scanned with CamScanner Sumario Prefacio. Parte historic Introducao. 1. Ludwig Binswanger: daseinsandlise como investigagao de projetos de mundo. 1.1 Pesquisa cientificamente exata de projetos de mundo... 1.2 0 exemplo da “fobia do salto” 1.3 A relagdo da daseinsandlise com a psicanilise e a psiquiatria... 1.4 A imagem de homem de Binswanger. Pulsdo ou espirit. Cuidado ou amor?. 1.5 Daseinsanélise enquanto pesquisa enquanto psicoterapia. 2. Medard Boss: Daseinsandllise enquanto superagao do subjetivismo possessivo 29 2.1 Amizade e colaboracéo com Martin Heidegger. Os semindrios de Zollikon.... 2.2 0 “salto” para fora do subjetivismo possessivo. Uma nova linguagem.... 2.3 Uma exegese fenomenolégica do sonho. 2.4 Uma patologia “consonante com 0 ser~ em meio a liberdade”.. Parte sistematica... I. Bases filos6fico-antropolégica: Introducao 1. O homem: ser- 1.1 Existéncia. Um conceito existencial de individualidad Um conceito existencial de liberdade. 1.2 Ser-no-mundo. 1.3 Ser-ai Compreensdo e disposicao. A ambiguidade da autocompreensdo humana. i, ser-no-mundo, existéncia. Scanned with CamScanner 2, Existéncia como compreender afinado do proprio ser. 2.1 Ainclusao pré-ontologica... 2.2 Experiéncia ontolégica na quotidianidad 2.3 O confiito originario éntico-ontolégico 2.4 Formas coletivas da autoprotecao. Os negécios cotidianos..... O saudavel entendimento human Instituigdo cultural do sentido. I. Aspectos filos6fico-psicoldgicos.. Introdugao. 1, O corpo. 1.1 Ser corpo como tarefa. Osonho da vida natural Delegacado da tarefa ao corpo vivo. 1.2 Experiéncias corporais como experiéncias ontologicas.... Tres experiéncias fundamentais do ser corpo. Dor. Nojo. Vergonha. 1.3 Sofrer com a corporeidade. 2. Inicio e fim. Sigmund Freud como pensador do inic Martin Heidegger como pensador do fim.. 2.1 O ser para o inicio. A facticidade do inicio. Dotagées de sentido tradicionais do inicio. Sofrer como inicio... Revoltas contra a prépria vida. 2.2 O ser para o fim. A facticidade do fim. Angistia da morte e temor da morte. A morte como barreira.. Dagées religiosas de sentido da morte. 2.3 Uma interpretacdo daseinsanalitica da compulsao A repeticao e da pulsao de morte. .96 A repetigéo do passado como negacdo do futuro. A pulsdo de morte como recusa do ser para a mort Scanned with CamScanner 3. O outro... 3.1 A determinagao daseinsanalitica do ser- ser-um-com-o-outro, 3.2 Novos desenvolvimentos na psic 3.3 Uma compreensao existencial do ser-com outros. ‘Ser um com 0 outro como tarefa. A ambiguidade éntico-ontolégica do ser-um-com-o-outro.. 3.4 “O conflito é o sentido originario do ser-para-os-outros”. 3.5 Pseudo-solugdes para 0 dilema indissohivel A representagdo pré-moderna dos filhos de Deus. O.amor romantico O companheirismo. Violéncia.... 4. Angustia e desejo. 4.1 A angastia e as angustias. Temor e angustia. Uma experiencia patologica ou uma experiéncia ontolégica? 4.2 0 retorno da angustia no temor. 4.3 O desejo é um “existencial’?.. 4.4 O retorno do desejo nos desejos. 4.5 Desejo e violéncia... 4.6 Para a relagdo entre angtistia e desej Vergonha e culpa. 5.1 0 sentido duplo da vergonha. O sentido éntico da vergonha... Vergonha, envergonhado, desavergonhado, O sentido ontolégico da vergonha. Sobre a relacao entre vergonha e desej 5, 2 0 duplo sentido da culpa..... O sentido ontologico duplo da culpa. O retorno da culpa ontolégica nos sentimentos morais de culpa... 6. Uma interpretagao existencial do inconsciente. 6.1 0 inconsciente como autoilusao. 6.2 Ama fé como realizacao da autoilusao 6.3 Autoilusdo 6ntica e ontoldgica.... a Scanned with CamScanner 7. O sonho.... wl 4] 7.1 Por que nds temos uma escuta particularmente agucada no sonho 146 7.2 O acontecimento do sonho como ilustragéo da tonalidade afetiva fundamental... ie 7.3 O sonhar como confrontagao com 0 proprio ser... Ill. Sofrimento psiquico. Introdu¢ao..... 1. Doenga psiquica ou sofrimento psiquico’ 1.1 A diferenga entre 0 discurso médico e o discurso psicanalitico. 1.2 A introdugao da hermenéutica na psicopatologia..159 1.3 O que significa “sentido”?. 1.4 0 que significa “sentido inconsciente”?. 2. Sofrimento com o proprio sei 2.1 Com o que sofre o neurdtico’ 2.2.0 complexo de Edipo é o cerne das neuroses? 2.3 0 intuito secreto no sofrimento psiquico. 2.4 Sofrimento psiquico como uma lida agente com o proprio ser... Oagir como trabalho de Sisifo 2.5 Confusoes.... Perturbagées “estruturai: 3.1 Falta de tolerancia a angustia?.. 3.2 O sofrimento do sujeito com a sua fraqueza. 3.3 O sentido da divisa 3.4 A negacdo da temporalidade.... 3.5 A divisao como forma de defesa tempestiva?. 4, O desejo psicotic 4.1 O desejo de uma mae adotiva.. 4.2 O desejo de retorno 4 casa. O status particular da depressao. 5.1 O desempossar do sujeito: doenga ou sofrimento?. 5.2.A perda depressiva. 5.3 O cardter afetivo do sofrimento depressivo. 5.4 0 sentido de sintomas depressivos. Desempossar.. 2 a Scanned with CamScanner Falta de apetite e profundidade matutina. Odio a si mesmo... Vivencia transformada do tempo. O fim da depressdo. 5.5 A depressao € um sofrimento tipicamente moderno?. Depressées do céu azul. Sobre a forma de vida do empreendedo Para a forma de vida do funcionari IV. Consequéncias terapéuticas. 217 poderia se mostrar. Duas consideragées. nenhum efeito de cura... 2. Terapia daseinsanalitica como psicanélise sob pontos de vista daseinsanaliticos.. 2.1 O que torna 0 dialogo psicanalitico um “procedimento sui generis”. A funcao geral protetora das regras.. Cientificizagao como pseudoproteccao. 2.2 As regras fundamentais de Freud e a angistia. As regras psicanaliticas como anti-regras. Ouvir em uma atengao consonante.... Associagao livre. Abstinéncia.. De volta as anti-regras de Freud. 3, Escutar com um ouvido filoséfic« 3.1 Escuta psicanalitica e daseinsanalitica em comparacao. Dois exemplos.... 3.2 Temor e angistia na escuta. 3.3 Empatia e simpatia na escuta. 4. Relacdo analitica e experiéncia filosdfica. 4.1 A postura de abstinéncia enquanto oferta de ligagao. Scanned with CamScanner 4.2, Didlogo e reciprocidade ao invés de abstinéncia‘ Reflexdo critica. A reserva psicanalitica. A reserva daseinsanalist 4.3 Experimentar junto ao analista abstinente 0 que significa ser para o outro. 271 A descoberta sartriana da diferenga entre “ser-com-outros” e “ser-para-outros’ 272 A experiéncia de ser para o outro enquanto experiéncia de ser sempre a cada vez meu.. we D4 Exemplos de declaragées que (também) indicam uma experiéncia ontolégica.. 275 4.4 Para uma coexisténcia de concepgées alternativas de relagao analitica. 277 Por que a relagdo analitica também tem uma dimensao transferencial histéri Por que a relagdo analitica tem também uma dimensdo interativa.... 5. A reconquista da interpretacao para a praxis daseinsanalitica.. 5.1 Reabilitacao do interpretar. Pode e deve o entendimento conjunto substituir a interpretacao do analista?. Apsicandlise precisa de uma hermenéutica textual? “Hermenéutica da confianca” ao invés de “Hermenéutica da angistia”.... 5.2 Tragos fundamentais de uma interpretacdo daseinsanalitic: veladas.. Em relacdo a 1. Um outro horizonte interpretativo, Em relagdo a 2. Uma outra verdade.. Em relagao a 3. Sua inconclusividade. Sobre 4, Seu carater fenomenolégico. Interpretar como abrir da diferenca 6ntico-ontologica....298 6 O quanto de verdade suportam pessoas com escuta agucada?.... 6.1 E exigivel para o paciente a verdade ontolégic: 6.2 A dessensibilizagdo e o encontro do sentido sao alternativas terapéuticas?... 303 Scanned with CamScanner Argumentos pros e contra. 6.3 A estrutura paradoxal da angustia. 6.4 Fazer experiéncias filos6ficas... Do Sisifo ao homem filosoficamente experiente....... Para o significado e fungdo de experiéncias depressivas durante 0 processo de terapia... 317 Bibliografia... 318 Scanned with CamScanner Prefacio Enquanto a parte IV do presente livro sobre Dasein- sandalise foi reescrita, as partes precedentes reaparecem em uma versao revisada daquilo que foi langado em 2008 em uma série da editora UTB sob o titulo “Psicoterapia: pontos de partida e acentos” - e, em verdade, juntamente com a obra escrita por Alfried Langle sobre “andlise exis- tencial’. Naquela época, surgiu como questo por que € que a analise existencial e a daseinsandlise estavam reunidas em um Unico livro. No prefacio dos organizadores escrito por Jiirgen Kriz e Thomas Slunecko era possivel ler, que as duas correntes teriam sido “inspiradas pela fenomenologia e pela filosofia da existéncia”. Tal formulacao é cautelosa e ja insinua o fato de que das fontes comuns de inspiracao nao se deveria concluir ainda uma proximidade de con- tetido. Langle e eu aproveitamos, por isto, o prefacio dos autores para um didlogo, no qual procuramos descobrir se em geral, e, caso a resposta fosse positiva, o que une € o que separa a anilise existencial e a daseinsandlise. Se agora a “daseinsandlise” aparece como um livro auténomo, entdo trata-se de uma oportunidade para refletir sobre a sua posicéo. Onde ela gostaria de se ver inserida e por que razGes? Dois movimentos espirituais ja tinham se oferecido desde os anos de 1960: as psicoterapias existenciais humanistas por um lado, e, por outro lado, a psicandlise. Comego a determinagdo aqui buscada da posigao da daseinsandlise com duas anedotas histéricas. ‘A primeira anedota diz respeito & traducdo equivocada, ainda hoje muito dificil de acompanhar, de “daseinsanali- se” (Daseinsanalyse) por “andlise existencial” (Existencial Analysis). Em 1958 surgiu no mercado a coletanea de textos editada por Rollo May, Ernest Angel e Henri Ellenberg, que continha escritos importantes daseinsanaliticos de Binswanger, entre eles também ‘O caso Ellen West”. Nessa coletanea, entdo, até mesmo o termo heideggeriano ser-ai (Dasein) foi traduzido por “existéncia”. O Reader foi dedi- cado a Ludwig Binswanger (ao lado de Eugen Minkowski) como “explorer in Existencial Analysis”. 13 Scanned with CamScanner Esta traducdo arbitraria de “ser-ai” (Dasein) por “exis- téncia” s6 foi possivel, porque a obra de Heidegger Ser e tempo ainda nao existia naquela época em inglés, enquanto a obra de Sartre O ser e o nada ja. Foi apenas em 1962, quando surgiu finalmente Ser e tempo em inglés (na tradu- go de Macquarrie e Robinson), que ficou claro que o termo “ser-ai” (Dasein) tinha que ser transposto para o inglés como um conceito nao traduzivel. A questéo, contudo, é que neste momento a expressao “Existencial Analysis” ja tinha se inserido como tradugao de “daseinsanélise”, pois o livro “Existence” teve um efeito enorme no espago da lingua inglesa. Quem se sentia alijado enquanto psiquiatra e psico- terapeuta da (supostamente) determinista psicanilise, sem poder simpatizar com a “psicologia humanista” teoricamente despretensiosa de Carl Rogers, encontrou aqui um pensa- mento, que se orientava pela fenomenologia € pela filosofia da existéncia ¢ tinha, por conta disto, um rigor proprio. O livro “Existence” tornou-se, por isto, um abre alas para aquele movimento, que porta até hoje o nome de “Existencial Analysis” ou “Existencial Therapy”, € que, antes de tudo no espaco da lingua inglesa, se acha amplamente difundido. Em seu bergo se encontrava, portanto, ainda que sob 0 titulo “Existencial Analysis”, que induzia completamente em erro, adaseinsanélise de Binswanger. A partir dai, entdo, também se torna compreensivel por que a daseinsanilise é atribu- ida até hoje na Inglaterra e na América a esse movimento. A segunda anedota histérica nos leva para o ano de 1979. Tinha sido solicitado a Medard Boss, que ele escrevesse uma contribuigaéo para uma coletanea sobre 0 conceito de resisténcia nas diversas escolas psicotera- péuticas. Ele me pediu, entao, para fazer isso por ele, a fim de publicar em seguida a contribuicao com os nossos dois nomes. Eu comecei as minhas exposigées sobre o “fe- némeno da resisténcia na daseinsandlise” com a frase: “A daseinsanélise nao quer ser outra coisa senao psicandlise’. Boss mostrou-se em concordancia com tudo ~ menos com essa primeira frase, que ele buscou reformular da seguinte forma: “A daseinsandlise parece nao querer ser outra coisa senao psicandlise”, E com essa alteragao, entao, o artigo acabou também sendo impresso. 14 Scanned with CamScanner Para Boss, portanto, quando 0 que estava em questéo era. relacao entre daseinsanélise e psicandlise, era preciso distinguir “aparéncia” e “verdade”: pode parecer, com efeito, que a daseinsanilise teria permanecido uma parte da psicandlise, porque ela tinha retido o seu setting te- rapéutico; em verdade, porém, ela se encontra sobre um solo completamente diverso, a saber, sobre o solo do pen- samento tardio de Heidegger, o que a separa radicalmente da psicandlise aprisionada no cartesianismo. Meu interesse pela psicanilise estava voltado outrora e continua ainda hoje voltado para aquele acesso her- menéutico, que supde um sentido velado no sofrimento psiquico, ao invés de equiparé-lo a uma doenga a ser curada ou a um deficit a ser tratado, contra o qual seria preciso inserir técnicas as mais eficientes possiveis. Vejo ai até hoje aquele primado, que também distinguia para mim outrora a psicandlise positivamente da daseinsana- lise de Boss. E dai surgiu para mim o programa de uma daseinsandlise hermenéutica (ao invés de uma marcada por uma fenomenologia das esséncias), que eu venho tentando realizar desde entao. Todavia, como é que uma daseinsandlise, que se articula dessa maneira com a psicandlise, se mantém em contato com Heidegger? Nao se est tentando empre- ender aqui um espacate impossivel, se é que Heidegger deve permanecer o mentor filosdfico mais importante? O filésofo Ernst Tugendhat, gracas a cuja hicida tese de livre docéncia sobre O conceito de verdade em Husserl e Heidegger eu aprendi ha muitos anos a ler Heidegger, caracterizou em 1978 a hermenéutica heideggeriana em Ser e tempo como “uma espécie de psicanélise”. Com isto, Tugendhat aponta para um parentesco entre Freud ¢ a hermenéutica de Heidegger, que facilmente é desconside- rado. Heidegger também parte do fato de que a verdade a ser encontrada se acha primariamente velada e de que, por isto, é preciso questionar criticamente os fendmenos. Essa concordancia no método, porém, 86 é possivel, porque as imagens de homem de Freud e Heidegger convergem em um ponto decisivo. Os dois comprovam que ha no homem 15 Scanned with CamScanner uma inclinagéo insuperdvel para a autoiluséo, e os dois fundamentam essa inclinagao com o fato de que o homem estaria sobrecarregado consigo mesmo ~ mais exatamente, com a sua natureza humana -, porque ela lhe atribuiria ‘um “peso” pesado demais, do qual ele procuraria se deso- nerar necessariamente por meio da fuga para a autoilusdo e para a autoalienacao. Ora, mas se é possivel pensar conjuntamente Heidegger e Freud, ao invés de joga-los um contra o outro, entao a daseinsandlise pode ser compreendida - com uma formu- lagdo proveniente de Binswanger — como uma “psicanélise ‘sob pontos de vista daseinsanaliticos”. Na medida em que os pontos de vista, que eu sugiro aqui, sao de um tipo filo- ‘s6fico, nao se precisa temer, que a filosofia venha a perder por conta da vinculacdo da daseinsandlise a psicandlise em significado - 0 contrario € mesmo 0 caso. Sao esses pontos de vista filos6ficos que tornam a daseinsandlise uma corrente auténoma no interior da psicanélise. Com eles, a filosofia de juventude de Martin Heidegger obtém um novo significado e até mesmo um peso maior do que em Binswanger e Boss. Seu significado reside, entao, justamente na comprovacdo de que o homem se torna homem justamente pelo fato de ele ter uma relacéo com o seu proprio ser - e, com isto, na comprovagao de que o filosofar pertence 4 natureza humana, mesmo que seja apenas uma minoria que se ocupa explicitamente com a questao filosofica fundamental: o que significa ser homem? O acento heideggeriano da natureza filoséfica do homem se tornou, para mim, tao central, porque é possivel conquistar a partir dai uma interpreta¢ao filosofica e nao psicogenética do sofrimento psiquico. Com a minha inter- pretacao do sofrimento psiquico como “sofrimento com 0 proprio ser’, a daseinsandlise ganha em sua ligagao com a psicanélise um perfil proprio. Zurique, agosto de 2014 Alice Holzhey-Kunz 16 Scanned with CamScanner Parte histérica Introdugao E possivel contestar com boas razées, se apenas Ludwig Binswanger deve ser nomeadamente designado como o fundador da daseinsandlise ou se também deveriamos estender esse titulo a Medard Boss. Visto em termos puramente cronolégicos, 0 estado-de coisas € inequivoco. Binswanger denominou sua teoria, que ele desenvolvera continuamente a partir de 1930, desde 1946 “daseinsandlise” ou mesmo “corrente de pesquisa daseinsanalitica na psiquiatria’. Boss, um antigo aluno de Binswanger, s6 defende depois de 1950 uma nova versao propria da “daseinsandlise”. Essa nova versao nao contém apenas uma radical recusa a Binswanger, mas ao mesmo tempo uma critica veemente a sua recepgéo completamen- te insuficiente da filosofia de Heidegger, recepcdo essa que levou a que, em verdade, expressdes heideggerianas como “ser-ai” e “ser-no-mundo” fossem assumidas, mas fossem empregadas de maneira completamente falsa'. A historia da daseinsanalise nado pode ser desen- volvida, portanto, a partir de uma tnica origem, apesar de as duas direcdes terem surgido uma depois da outra. Com efeito, pode-se nomear expressamente dois pontos de referéncia comuns: os dois se referem positivamente 4 filosofia de Martin Heidegger e se distinguem criticamente da psicanalise de Sigmund Freud; e os dois levantam a pretensao de se servirem do método fenomenolégico, que remonta a Edmund Husserl e procura levar as “coisas mesmas’ a intui¢do, ao invés de submete-las a construtos tedricos. Desses pontos de referéncia conjuntos resulta, em verdade, uma terminologia congénere, mas nenhuma concordancia em termos de conteudo. Binswanger compre- ende a filosofia de Heidegger de uma maneira diversa da de Boss, tem uma outra visdo de Freud e uma compreensao 1. Cf. Medard Boss, Psychoanalyse und Daseinsanalytik (Psica- nélise e daseinsanélise), Berna e Stuttgart, 1957, pp. 88-117. 17 Scanned with CamScanner diferente da fenomenologia. Além disto, é preciso levar em conta 0 fato de que a daseinsandlise de Binswanger tem seu foco na pesquisa psiquiatrica, enquanto Boss o tem na praxis psicoterapéutica. 1, Ludwig Binswanger: daseinsandlise como investigacao de projetos de mundo Ludwig Binswanger (1881-1966) assumiu jé em 1910 a diregéo médica do Sanatério Bellevue em Kreuzlingen no Bodensee, que tinha sido fundado em 1857 por seu av6 e gozava de uma fama internacional como clinica psi- quiatrica privada. Antes disto, ele se formara com Eugen Bleuler na clinica psiquiatrica Burghélzli em Zurique, tendo conhecido la, por intermédio de C. G. Jung, a psicandlise de Sigmund Freud, a qual ele se vinculou em um primeiro momento. Diversas viagens para encontrar Freud em Viena e uma visita de Freud em 1912 em Kreuzlingen lancaram as bases de uma amizade que durou toda a vida, amizade essa que é atestada pela correspondéncia publicada em 19922. Todavia, os interesses teéricos de Binswanger logo o levaram para além do ponto de partida psicanalitico. Em 1922 aparece uma Introducdo aos problemas da psicologia geral, seu primeiro livro, que se refere filosoficamente antes de tudo ao Neokantismo de Paul Natorp e a fenomenologia de Edmund Husserl. O interesse principal de Binswanger consiste desde 0 inicio em fundamentar a psiquiatria como ciéncia e, com isto, superar seu estado desolado como mero conglomerado de disciplinas parciais desvinculadas. Essa tarefa so lhe parece resolvivel, se a psiquiatria, ao invés de se orientar pelo cérebro e pela alma, se orientar pelo “homem como um todo”, Na mesma medida, porém, lhe parece indispensavel colocar a base dessa orientagao um conceito filosoficamente esclarecido de homem. Segundo a sua autocompreensao, a daseinsanalise por ele desenvolvida realiza exatamente eommeopeeigr a oop caper oe enna 2. Gerhard Fichtner (org,): Sigmund Freud — Ludwig Binswanger Briefiwechsel 1908-1938 (Sigmund Freud - Ludwig Binswanger: Cor- respondéncia 1908-1938), Frankfurt junto ao Main (Fischer), 1992- Scanned with CamScanner diferente da fenomenologia. Além disto, é preciso levar em conta o fato de que a daseinsandlise de Binswanger tem seu foco na pesquisa psiquiatrica, enquanto Boss 0 tem na praxis psicoterapéutica. 1. Ludwig Binswanger: daseinsanilise como investigacao de projetos de mundo Ludwig Binswanger (1881-1966) assumiu jé em 1910 a direcao médica do Sanatorio Bellevue em Kreuzlingen no Bodensee, que tinha sido fundado em 1857 por seu avé e gozava de uma fama internacional como clinica psi- quiatrica privada. Antes disto, ele se formara com Eugen Bleuler na clinica psiquiatrica Burghélzli em Zurique, tendo conhecido la, por intermédio de C. G. Jung, a psicanalise de Sigmund Freud, & qual ele se vinculou em um primeiro momento. Diversas viagens para encontrar Freud em Viena e uma visita de Freud em 1912 em Kreuzlingen langaram as bases de uma amizade que durou toda a vida, amizade essa que é atestada pela correspondéncia publicada em 19927. Todavia, os interesses tedricos de Binswanger logo o levaram para além do ponto de partida psicanalitico. Em 1922 aparece uma Introducdo aos problemas da psicologia seu primeiro livro, que se refere filosoficamente antes de tudo ao Neokantismo de Paul Natorp e a fenomenologia de Edmund Husserl, O interesse principal de Binswanger consiste desde 0 inicio em fundamentar a psiquiatria como ciéncia e, com isto, superar seu estado desolado como mero conglomerado de disciplinas parciais desvinculadas. Essa tarefa s0 lhe parece resolvivel, se a psiquiatria, ao invés de se orientar pelo cérebro e pela alma, se orientar pelo “homem como um todo”. Na mesma medida, porém, lhe parece indispensavel colocar a base dessa orientacao um conceito filosoficamente esclarecido de homem. Segundo a sua autocompreensao, a daseinsandlise por ele desenvolvida realiza exatamente Bae annette Seva A OAM bial BS 2. Gerhard Fichtner (org.): Sigmund Freud — Ludwig Binswanger: Briefiwechsel 1908-1938 (Sigmund Freud — Ludwig Binswanger: Cor respondéncia 1908-1938), Frankfurt junto ao Main (Fischer), 1992. 18 Scanned with CamScanner isso: ela contém aquela antropologia filoséfica, que con- segue estabelecer a base de uma psiquiatria cientifica, € ela dispde de um método, para conquistar conhecimentos cientificamente exatos sobre as doengas mentais. Com isto, também ja se antecipou o que a daseinsandlise de Binswanger nao realiza e nao quer realizar: ela nao ergue nem a pretensdo de oferecer uma fundamentagao filos6fica da psicanélise, nem de ser uma corrente psicoterapéutica’. O trabalho de Binswanger nao tem como ser pensado sem as realizagdes prévias dos dois filésofos Edmund Husserle Martin Heidegger. Em Husserl, ele encontra aquele método de pesquisa, que consegue oferecer conhecimen- tos “cientificamente exatos”, ¢, por isto, representa uma alternativa de mesmo calibre ao método cientifico-natural predominante na psiquiatria: a fenomenologia’; na obra central de Heidegger, Ser e tempo (1927), ele encontra uma determinagao filos6fica do homem como “ser-ai” (Dasein), que permite ao psiquiatra visualizar mesmo os doentes mentais nao apenas como portadores de sintomas, mas em sua totalidade como homens’®. 1.1 Pesquisa cientificamente exata de projetos de mundo A realizagao original de Binswanger consiste em in- troduzir 0 conceito de projeto de mundo, que ele retirou 3. Cf. quanto a isso a minha introdugéo detalhada ao volume quatro dos escritos seletos da obra de Ludwig Binswanger, Heidelberg (Asanger) 1994, pp. 13-55, assim como: A. Holzhey -Kunz: Ludwig Binswanger; psychiatry Based on the Foundation of Philosophical Anthropology, em: Images in Psychiatry. German Speaking Countries, ed. By Eugen Wolpert entre outros, Heidel- berg (Winter) 2006, pp. 271-288. 4, Ludwig Binswanger: Sobre fenomenologia (1922), em: Obras seletas, volumes 1-4, Heidelberg 1992-1994 (a seguir citado como OS1-4); vol. 3, pp. 35-69. Em portugués em: Sonho e existéncia, Via Verita: Rio de Janeiro, 2012. 5. Binswanger explica até mesmo de maneira provocativa que a psiquiatria se tornaria, entdo, uma “ciéncia auténoma”, se ela se colocasse sobre a base do “homem”; em: O homem na psiquiatria, OS4, p. 57. 19 Scanned with CamScanner do escrito de Heidegger “Da esséncia do fundamento”, na psiquiatria®, O conceito de “mundo” ai empregue nao se refere ao todo das coisas ou ao assim chamado mundo exterior, mas ao horizonte abrangente, no interior do qual se movimenta, pensa e age um homem. Esse conceito de mundo é usual na linguagem corrente, uma vez que ai se fala comumente em termos histéricos do mundo da Idade Média em contraposigaéo ao mundo da modernidade, em termos sociolégicos do mundo campesino-rural em contraposigéo ao mundo citadino-burgués, em termos da psicologia do desenvolvimento do mundo da crianca pequena etc. Sempre se tem em vista neste caso o horizonte significativo, no qual uma época, uma camada social ou o homem de uma determinada fase de desenvolvimento esta inserido - 0 horizonte, que ao mesmo tempo possibilita e limita, como algo é experimentavel. Neste sentido, cada homem particular também vive, para Binswanger, em um ‘mundo” particular ou em um “projeto de mundo” particular, individual, no qual se entrecruzam e se sobrepéem diversos mundos sociais e culturais. Se, porém, a diversidade de individuos repousa em seus projetos de mundo diversos, entdo ela também é valida para a diversidade de doentes mentais. Sao “os projetos de mundo enquanto tais, que diferenciam o homem psiquicamente doente do homem saudavel” (0S3, p. 257). Com isto, torna-se possivel uma definicdo clara da pesquisa daseinsanalitica: importa “investigar e descrever como as diversas formas de doencas mentais e cada doente mental projetam por si mundo” (idem, p. 239, observacao 17). Duas coisas sao dignas de nota nesse procedimento metodologico: 1. Ao invés de se orientar ~ como é usual na psiquiatria ~ pelas, categorias médicas diretrizes de saudavel e doente e testar 0 que falta ao doente mental em comparacao com o saudével, © foco recal aqui sobre o que se acha positivamente diante de 16s: 0 projeto de mundo diverso. NEG 5 a 6. Pela primeira vez no ensaio de 1947: Sobre a direodo de pesquisa daseinsanalitica na psiquiatria, OS3, pp. 231-257; p. 235ese8: 20 Scanned with CamScanner 2. Este método nao carece de nenhuma empatia em meio a vi- vncia do outro homem, porque 0 projeto de mundo a ser in- vestigado, tal como ainda iremos expor mais exatamente, se acha a base de tudo o que é vivenciado. Binswanger pode re- quisitar, por isto, para a descrigo de projetos de mundo, pro- ceder no sentido rigoroso “metodologicamente” e, com isto, intermediar um conhecimento “cientificamente exato”. 1.2 O exemplo da “fobia do salto” O procedimento metédico de Binswanger pode ser elucidado plasticamente a partir de um exemplo de caso, que ele j4 tinha publicado em 1911 como um outrora jovem estudante de Freud e que ele introduziu uma vez mais em 1946, a fim de apresentar de maneira panoramica a “cor- rente daseinsanalitica” agora elaborada (idem, p. 245eseg.). “Trata-se de uma jovem menina que, no seu quinto ano de vida, ao retirar os patins, teve o salto de seu sapato descolado e preso aos patins, de tal modo que ela desmaiou em funcao de um medo inexplicdvel. Desde entdo, a moga agora com 21 anos se vé acometida por um medo incontrolével, quando ela nota que um salto nao esté bem preso no sapato, quando alguém pega no salto de seu sapato ou mesmo apenas fala de um salto (os seus prdprios saltos precisavam ser costurados). Se ela ndo consegue tirar 0 pé dai, ela desmaia”. ponto de partida é claro. A moga reage a um acon- tecimento em si inofensivo, como se se tratasse de uma ameaga extrema — ela reage, portanto, “patologicamente”. Tanto o ataque de medo quanto o desmaio subsequente ea fobia que se desenvolve a partir dai s4o reacdes com- pletamente inadequadas e, por isto, nao podem ser com- preendidas a partir do contexto real. Para Binswanger, 0 que interessa 4 daseinsandlise é descobrir aquele projeto de mundo, ao qual as reagdes aparentemente sem sentido da moga pertencem e no interior do qual, apesar de toda aparéncia, elas tm um sentido compreensivel. A questao daseinsanalitica seria, portanto: no interior de que projeto de mundo algo tao inofensivo quanto o descolamento de 21 PRP 06/66101 Scanned with CamScanner salto e sapato pode representar um perigo tao ameacador para a vida, de tal modo que medo, desmaio e fobia possam ser tomados como reagées adequadas a isso? Binswan- ger chega & conclusao de que se trata de um projeto de mundo, que se encontra unilateralmente sob 0 dominio da categoria da continuidade, de tal modo que fenémenos da descontinuidade nao tém ai lugar algum. Quem vive em tal mundo nao dispde de nenhuma possibilidade de compreender separagées que entram em cena inevitavel- mente e elaboré-las de maneira adequada. Isto leva a que toda cis4o, por mais inofensiva que seja, possa se tornar uma experiéncia traumatica, porque medo sempre vem 4 tona, quando o mundo de um homem ameaca sucumbir. As reacées fébicas e os rituais compulsivos da moga sao medidas de protecao correspondentemente adequadas, com as quais ela tenta se assegurar em relagdo a experiéncias de descontinuidade que produzem um efeito traumatico’. 1.3 A relaco da daseinsanilise com a psicandlise ea psiquiatria O exemplo da fobia do salto mostra o quanto Binswa- nger se distanciou da psicandlise. Em verdade, um im- portante elemento comum continua presente: assim como Freud, Binswanger também procura descobrir e interpretar o sentido velado de sintomas presentes, ao invés de des- crever simplesmente esses sintomas como aparicées defici- tarias. A diferenca consiste no fato de que Freud coloca os sintomas manifestamente sem sentido em conexéo com a histéria infantil (reprimida) e, assim, descobre seu sentido “historico”, enquanto Binswanger recorre ao projeto de mundo, o qual é por ele suposto como nao se achando apenas base do inconsciente descoberto por Freud, mas também como representando um “a priori transcenden- tal” no sentido de Kant. Se o projeto de mundo, porém, tem carter aprioristico, entao ele também nao tem como ser deduzido geneticamente da histéria de infancia, mas marca essa historia inversamente desde o inicio, porque ele 7. Eu retomarei o exemplo da fobia do salto no capitulo III.2, a fim de testar ai uma interpretacdo daseinsanalitica alternativa. 22 Scanned with CamScanner indica previamente as possibilidades de desenvolvimento da crianga (idem, p. 247). Nao obstante, a pesquisa daseinsanalitica do projeto de mundo nao pretende substituir a pesquisa psicanaliti- ca do desenvolvimento infantil, mas apenas aprofundé-la (e, assim, relativizd-la). A psicandlise permanece, para Binswanger, imprescindivel, porque 6 ela pode explicar 1. Por que exatamente o acontecimento da pista de gelo coloca em curso o desenvolvimento neurético, e 2. De que cisdo a moga tem mais medo no momento do acontecimento, a saber, da separagao da mae (idem, p. 245). Mesmo a pesquisa psiquiatrica tradicional continua tendo, segundo Binswanger, sua razéo (limitada). A da- seinsanélise procura apenas liderar essa pesquisa, 0 que significa dizer, que 0 psiquiatra deve comecar com a inves- tigagdo daseinsanalitica do projeto de mundo do paciente. Isto porque 56 assim o doente é visto como individuo em sua totalidade, o que a psicopatologia psiquiatrica tradicional jamais consegue fazer, uma vez que ela reduz de qualquer modo 0 paciente desde o inicio a um “caso de...”, sobre 0 qual, por meio do diagnéstico, é emitido um “juizo de valor biolégico”. Se a investigacao daseinsanalitica do projeto de mundo individual acontece em um primeiro momento, entéo uma “anélise clinica psicopatolégica” dirigida por pontos de vista daseinsanaliticos deve acontecer. Binswanger se manteve preso a esse ponto mesmo em seus estudos de esquizofrenia, na medida em que acrescentou a investi- gagéo daseinsanalitica a cada vez uma andllise de acordo érios psiquiatricos outrora usuais*®. 1.4 A imagem de homem de Binswanger Binswanger elaborou a sua imagem de homem tanto a partir de Freud quanto a partir de Heidegger. 8. Os estudos de Esquizofrenia de Binswanger foram reunidos em 1957 em uma coletanea e dotados por ele de uma introdugao detalhada (Ludwig Binswanger: Schizophrenie - Esquizofrenia, Pfullingen 1957). 23 Scanned with CamScanner Pulsio ou espirito Binswanger critica a imagem de homem de Freud como naturalista®. O que ele tem em vista por isto aponta para o fato de Freud absolutizar o significado das pulsdes e, com isto, dos dados biolégicos para a vida psiquica em seu todo de maneira inadmissivel, e, além disto, submeter toda a vida psiquica ao pensamento cientifico-natural’®. Por isto, nao restaria, segundo ele, na psicandlise nem lugar para a espiri- tualidade e a religiosidade enquanto fenémenos auténomos, que nao provém das necessidades pulsionais, nem para o “ser si mesmo” humano, que no teria como ser apreendido quantitativamente, mas apenas qualitativamente. Freud toma posic&o em relagdo a essas criticas em uma carta pessoal a Binswanger de maneira tao decidida quanto bem-humorada: “Eu sempre me mantive apenas no térreo e no subterraneo do edificio - 0 senhor afirma que, quando se altera o ponto de vista, também se vé um pavimento superior, no qual moram héspedes tdo distintos quanto a religido e a arte entre outros... Caso eu ainda tivesse uma vida de trabalho pela frente, eu teria coragem de indicar um lugar de moradia para esses pavimentos superiores em minha casinha inferior”. Cuidado ou amor? Por mais que Binswanger celebre 0 ponto de partida metodologico da obra de Heidegger em Ser e tempo, porque se encontraria ai uma andlise estrutural do ser-ai humano, ele critica de maneira gélida a imagem de homem que ganha a a ee 9. Cf. quanto a isto a conferéncia dada por Binswanger para o ani- versario de 80 anos de Freud em Viena: “A compreensdo de homem de Freud a luz da antropologia”, impresso em: Ludwig Binswan- ger. Ausgewdhite Vortrage und Aufsdtze (Ludwig Binswanger: Ensaios e conferéncias seletos), Vol. 1, Berna 1947, pp. 159-189. 10. Binswanger, assim como Boss, vé em Freud por demais © cientista natural, de tal modo que sua critica toca pouco a psicanilise e muito mais sua “autoincompreensao cientificista” (Habermas) de ser uma ciéncia natural. 11. Em: Gerhard Fichtner (org.): op. Cit., p. 236eseg. 24 Scanned with CamScanner expresso na obra. Heidegger desconheceria, segundo ele, completamente a esséncia do homem, porque a determi- naria unicamente como cuidado e, com isto, deixaria sem consideracao aquela possibilidade extrema, com a qual o homem se torna pela primeira vez verdadeiramente homem, a saber, o amor. Binswanger considera, por isto, como sua tarefa corrigir essa fraqueza fundamental do ponto de partida antropologico de Heidegger. Em 1942 aparece sua obra capital de mais de 600 paginas intitulada Grundformen und Erkenntnis des menschlichen Daseins (Formas funda- mentais e conhecimento do ser-ai humano)”, Ela representa um contraprojeto em relagao a Ser e tempo, na medida em que o ser do homem é concebido ai ao invés de a partir do cuidado, a partir do “ser um com 0 outro amante”. Neste ponto, Binswanger defende a concepeao, segundo a qual “angustia”, “culpa”, “singularizacao” e “finitude”, que sao determinadas por Heidegger como sendo fundamentalmente - o ser do homem, precisam ser superados na forma existen- cial do amor. Na possibilidade principial do ser um com o outro amante reside para Binswanger a demonstragao de que o homem, ainda que raramente de fato, de qualquer modo é, segundo sua esséncia, inteiro e completo: no amor entra no lugar do si mesmo isolado um “nés” amante, no lugar do “desterro”, um ser autéctone e abrigado, no lugar da finitude e no lugar da limitagdo temporal, a eternidade. Dai se segue que angistia, culpa, solidao e desprotecao nunca vém a tona sendo quando uma realizagéo humana da vida permanece aquém da possibilidade do estar um com 0 outro amante, e, portanto, quando se perde de vista o verdadeiro ser humano. Binswanger sabe, em verdade, 0 quaéo raramente ha verdadeiro amor, mas ele insiste no fato de que, a partir das relagées faticas, nao se tem 0 direito de estabelecer uma conclusao retroativa quanto A esséncia do homem, mas, ao contrério, a partir de sua esséncia, as formas faticas de existéncia precisam ser compreendidas como um ficar aquém e, portanto, como um perder de vista 0 ser humano propriamente dito". 12. Republicado como volume 2 das obras seletas. 13. Quanto a critica de Binswanger a Heidegger, 0 proprio 25 Scanned with CamScanner Bem, mas apesar de todas as diferencas da concepeao de Heidegger e de Freud, os dois concordam justamente na medida em que veem no homem um ser radicalmen- te finito, que esta preso em insuperaveis contradigées e que tende fundamentalmente a fugir da verdade sobre sj mesmo em meio a ilusdes. Binswanger nao é, portanto, senao consequente, quando ele critica em Ultima instan- cia nos dois autores o mesmo, a saber, elevar uma forma deficitaria, patolégica de existéncia @ condicéo de esséncia do homem. Binswanger defende tanto contra Heidegger quanto contra Freud uma perfeigdo essencial do homem. Dai se segue que, para Binswanger, todo sofrimento jé remete para quebras e desarmonias em um projeto de mundo modulado de maneira deficitaria. A pesquisa de Binswanger de projetos de mundo patolégicos nao se baseia, portanto, quando considerada Tigorosamente, sobre a determinagao filosdfica de Heidegger do ser-ai como “ser-no-mundo”, mas sobre o seu proprio contraprojeto do ser-ai humano como “ser-no-mundo-pa- ra-além-do-mundo”. Ele formula de modo programatico, que o “conhecimento do ser-ai” teria “no ser um com 0 outro amante entre eu e tu o seu fundamento ¢ 0 seu solo propriamente dito”, Binswanger nao exige que 0 médico ame o paciente, mas apenas que a sintomatica presente seja pesquisada a partir do lugar do amor, a fim de poder comprovar estruturalmente a dimensao da “modulagao” e, com isto, também o quanto se perde ai o ser humano propriamente dito. Ele emprega paradigmaticamente esse método antes de tudo nos estudos que apareceram entre 1944 e 1952 sobre esquizofrenia, da maneira mais rica possivel no caso de Ellen West'®. La ele delineia passo a isieeed e Heidegger tomou posicdo em relagao a ela nos Semindrios de Zollikon, que foram dados conjuntamente com Medard Boss; cf. Martin Heidegger, Semindrios de Zollikon, org. por Medard Boss, Frankfurt junto ao Main. 14. Cf, Grundformen und Erkenntnis des menschlichen Daseins (Formas fundamentais e conhecimento do ser-ai humano), 0S2, Introdugio, p. 13. 15. Reimpresso em OS4, pp. 73-209. Scanned with CamScanner " passo 0 processo crescente de encurtamento, que reduz 0 “mundo”, no qual Ellen West vive, até o “mundo do buraco dos meros desejos”, no qual o amor s6 continua tendo lugar como uma forma extrema de decadéncia. .5 Daseinsanalise enquanto pesquisa e enquanto psicoterapia Binswanger acentua que a daseinsandlise, diferen- emente da psicandlise, teria surgido de um interesse de pesquisa puramente cientifico e nao de um impeto terapéutico. Com isto, ele cinde de maneira nitida o que, ara Freud, encontrava-se ligado, a saber, “pesquisar” ‘curar”, A pesquisa daseinsanalitica pode se colocar, em verdade, ulteriormente a servico da psicoterapia, mas ela € e permanece sendo enquanto tal pura pesquisa. Aqui esté documentado uma vez mais o ideal de uma “ciéncia exata. Conhecimentos, que sao conquistados no quadro de um setting analitico-terapéutico sob as condigdes da transferéncia e da contratransferéncia, nado tem como sa- tisfazer os critérios da ciéncia. A pesquisa daseinsanalitica de Binswanger baseia-se, por isto, fundamentalmente sobre “documentos e testemunhos autobiograficos e biograficos criveis”, que provém tanto da exploracao material direta quanto dos relatos de parentes e de médicos ou cuidadores que participam do tratamento'®. Nao é de se espantar, portanto, que sé possamos en- contrar em Binswanger umas poucas indicagées sobre a relacdo entre daseinsanilise e psicoterapia'’. Ble nunca se esquece de acentuar nessas ocasides, que o daseinsanalista psicoterapeuticamente ativo nao poderia prescindir da psi- 16. Binswanger redigiu seus estudos sobre esquizofrenia com base nas histérias de doentes do sanat6rio “Bellevue”, que re- montam a vinte anos antes dessa redagéo. 17. Cf. Daseinsandlise e psiquiatria, em: Ausgewdthlte Vortrage und Aufsdtze, vol. Il, Berna, 1955, p. 293eseg. Sua conferéncia muito citada “Sobre psicoterapia” (em: OS3, pp. 205-230) de 1935 se encontra, em verdade, ja sob a influéncia da filosofia de Heidegger, mas ainda nao opera com o conceito daseinsanalitico 86 mais tarde desenvolvido de projeto de mundo. 27 Scanned with CamScanner canélise. Nao obstante, para ele, uma “psicanillise dirigida por pontos de vista daseinsanaliticos” tem um foco proprio, porque ela nao procura reconstruir a histéria de infancia, mas intermediar para o paciente “a vivéncia da intelecgao da estrutura prépria ao ser-ai”. Nao é a relembranga do reprimido, mas a experiéncia de ter “a estrutura do ser-ai”, que é, com isto, transformada em agente terapéutico. De maneira correspondente, a meta psicoterapéutica reside em “deixar o paciente reencontrar o caminho que leva do modo de existéncia e de mundo neurético ou psicético, obsessivo, esboroado ou adoentado etc. para a liberdade do poder dispor de suas possibilidades mais proprias da existéncia” (cf. OS3, p. 262eseg,). % Scanned with CamScanner 2. Medard Boss: Daseinsanalise enquanto superacdo do subjetivismo possessivo 2.1 Amizade e colaboragao com Martin Heidegger Medard Boss (1903-1990) trabalhou, depois de sua formacéo em psiquiatria e psicanalise, por pouco tempo como diretor médico de uma clinica psiquiatrica privada, antes de ele conduzir em Zurique e mais tarde em Zolli- kon sua propria praxis psicanalitica. Ele foi de inicio um adepto convicto de Freud e também se manteve durante toda a sua vida um membro da Sociedade Suica de Psi- canélise. No inicio dos anos de 1940, ele defendeu sua tese de livre docéncia na faculdade de medicina da Uni- versidade de Zurique com um trabalho sobre “Sentido e contetido das perversdes sexuais’. Se a primeira edigao desse livro ainda estava completamente comprometida com as concepgdes de Binswanger, a segunda edigao que saiu quatro anos depois ja esta baseada em uma con- cepcao daseinsanalitica completamente diversa'*. Essa _ reorientacdo se deve ao encontro que se deu entrementes entre Boss e Martin Heidegger, a partir do qual se esta- beleceu uma amizade e uma colaboragao que durou por toda a vida. Nos anos seguintes, Boss construiu seu novo ponto de partida de pensamento e desenvolveu sobre esse solo uma interpretacdo daseinsanalitica do sonho”, 18. Medard Boss, Sinn und Gehalt der sexuellen Perversionen. Ein daseinsanalytischer Beitrag zur Psychopatologie des Phiinomens "der Liebe (Sentido e contetdo das perversées sexuais. Uma con- tribuicao daseinsanalitica para a psicopatologia do fenémeno da amor), 1* edigéo Berna (Huber), 1947, 2* edigdo ampliada 1951; 3* edicdo revisada e ampliada, Berna e Stuttgart 1966. 19, Medard Boss: Der Traum und seine Auslegung (O sonho e sua exegese), Berna 1953; Bs trdumte vergangene Nacht... Sehilbun- gen im Bereiche des Tréumens und Beispiele fiir die praktische Anwendung eines neuen Traumverstdndnis (Um sonho me veio na noite passada. Exercicios de viséo no ambito do sonhar e 29 Scanned with CamScanner assim como uma psicossomatica daseinsanalitica», Boss compreendia a daseinsanélise desde o inici como uma praxis psicanalitica - com certeza purificada dos erros tedricos de Freud. Por isto, foi um ato consequente, que ele tenha criado em 1970 em Zurique um instituto para a formacao em “psicoterapia e psicossomatica daseinsanali- tica”. Ja o titulo de sua obra capital, Grundriss der Medizin und der Psychologie (Manual de medicina e de psicologia), porém, deixa claro que a pretensdo de Boss ia muito além de fundar apenas uma corrente psicoterapéutica baseada na filosofia de Martin Heidegger*!. Com a daseinsanilise, toda a medicina e toda a psicologia deveriam, segundo ele, receber uma nova fundamentagao “consonante com 0 homem’; a psicoterapia especificamente daseinsanalitica formava simplesmente uma area de aplicacao desse ponto de partida de pensamento muito mais abrangente. Os semindrios de Zollikon A participagao de Heidegger no desenvolvimento da daseinsanélise nao se restringe ao acompanhamento filos6- fico. Ele conduziu juntamente com Boss entre 1959 1960, em uma série livre, os Semindrios de Zollikon, dos quais participavam antes de tudo psiquiatras”. Suas exposigdes exemplos para a aplicagao pratica de uma nova compreensio do sonho}, Berna 1975. 20. Medard Boss: Finfithrung in die psychosomatische Medizin (Introducao 4 medicina psicossomatica), Berna 1954. 21. Medard Boss: Grundriss der Medizin (Manual de Medicina), Berna (Huber) 1971; 2a edig&o: Grundriss der Medizin und der Psychologie (Manual de Medicina e de Psicologia), 1975 (a seguir citado como MM). 22. Os seminérios foram assim denominados, porque eles ocor- reram na maior parte das vezes na casa de Boss em Zollikon. Eles foram publicados em 1987 ¢ completados com extratos da correspondéncia ¢ dos didlogos coestonografados entre Heideg- ger e Boss (Martin Heidegger: Semindrios de Zollikon. Protocols = Didlogos - Cartas, org. por Medard Boss, Frankfurt junto ao Main (Klostermann) 1983 (a seguir citado como SZ). 30 Scanned with CamScanner feitas 14 foram protocoladas por Boss estenograficamen- te e acolhidas em grande parte diretamente no texto do Grundriss der Medizin (Manual de Medicina) que estava surgindo. Caso levemos em consideracao, além disto, que Heidegger corrigiu minuciosamente todas as passagens filos6ficas desse livro de Boss ou mesmo as concebeu em parte por si mesmo, entéo o Grundriss (Manual) desponta como uma obra conjunta do psiquiatra com 0 filésofo”. O que motivou Heidegger a esse engajamento? Pode-se supor que ele tenha visto na cooperacéo com Boss uma chance de tornar “pratico” o seu pensamento dificilmente acessivel para leigos. No Semindrio de Zollikon de 8 de julho de 1965, ele explica que seria necessario que “houvesse médicos’ pensantes”, “que nao estivessem dispostos a ceder espaco para os técnicos cientificos” (SZ, p. 134). Ele interpela os participantes de maneira consequente e com cuidado enquanto “médicos”, por mais que nao desem- penhasse papel algum para ele, se eles tratavam pessoas somatica ou psiquicamente doentes. Seu interesse nao estava voltado para a psiquiatria e para a psicoterapia em particular, mas para a medicina em geral, e, em verdade, em sua figura moderna como ciéncia natural aplicada. Ele acreditava poder ter influéncia como filésofo, na medida em que esclarecesse 0s médicos orientados em termos cienti- fico-naturais sobre aquela filosofia que se encontra a base de seu fazer e para a qual se acha antes de tudo o nome de Descartes. Com este filésofo do século XVII comecou aquela “ditadura do espirito”, que degradou tudo o que é a objetos mensurAveis e calculaveis - mesmo 0 homem. A essa ditadura se curva até mesmo a medicina moderna, razo pela qual seus conceitos diretrizes de satide e doenca seriam compreendidos ainda tecnicamente. Na esteira dessa critica, Heidegger empreende a tarefa de esclarecer os médicos presentes sobre um conceito de sade e de 23. Uma prova impressionante disso encontra-se em: Medard Boss: Agradecimento a Martin Heidegger - um aceno para os Semindrios de Zollikon, em: Erinnerungen an Martin Heidegger (Lembrancas de Martin Heidegger), org. por Giinther Neske, Pfullingen (Neske) 1977, pp. 31-45, onde ao final se apresenta uma pagina do Grundriss corrigida & mao por Heidegger. 31 Scanned with CamScanner doenga “consonante com o ser-ai” (cf. SZ, p. S8eseg.). 0 que é buscado, portanto, néo € uma nova compreensao de fenémenos psicopatologicos. Ao contrario, o que se tem em vista é antes a superagdo do paradigma técnico-cien- tifico-natural dominante de maneira completamente geral na Medicina e na Psicologia (inclusive na psicanlise) em favor de um novo pensar. Boss viu na daseinsandlise a precursora de um mo- vimento futuro, que deveria revolucionar a Medicina e a Psicologia como um todo, uma vez que ela era a primeira (e, por enquanto, tinica) disciplina cientifica e terapéutica a traduzir concretamente as descobertas filos6ficas revolu- cionarias de Martin Heidegger. Isto lhe conferia, aos olhos de seus adeptos, um significado exclusivo e a distinguia de todos os outros pontos de partida médico-psicolégicos e psicoterapéuticos que, de acordo com Boss, apesar de todas as diferencas, concordavam em ficar sempre ainda sobre o solo da filosofia de Descartes. Radicalmente nova e diversa a seus olhos ndo era apenas a imagem de homem heideggeriana, que se encontrava a base da daseinsanilise, mas também 0 método fenomenolégico que estava sendo empregue tanto quanto a concepgdo de uma doutrina da doenga “consonante com o homem”, da qual resultava em sintese uma psicoterapia especificamente daseinsanalitica. 2.2 O “salto” para fora do subjetivismo possessivo Quando Boss se encontrou pela primeira vez com Martin Heidegger, j4 tinham se passado mais de vinte anos da publicagdéo de Ser e tempo (1927). Heidegger tinha se afastado muito neste interim de sua posicao filosdfica de outrora, de tal modo que introduziu Boss naquele pen- samento do “ser”, que ele tinha desenvolvido na década de 1930, Se o que estava em questao em Ser e tempo era uma revisdo também fundamental do conceito moderno de sujeito, o seu pensamento dessa época tinha por meta agora a sua eliminagdo, porque Heidegger Ihe imputava © carter fatidico da modernidade. Fatidica Ihe parecia a filosofia moderna do sujeito, porque, com ela, o mundo 32 Scanned with CamScanner

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