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Excesso de peso vira epidemia nos

países emergentes
13/07/2008

O estilo de vida urbano e a alimentação ruim alteram a dieta


tradicional desses lugares e causaram um aumento no número
de pessoas obesas

Jorge Marirrodriga

Nos países pobres já não se morre só de fome, mas também por


comer muito. Num planeta em que a fome mata uma criança a cada
dois minutos, a obesidade que pode ser evitada está se
transformando em epidemia.

As organizações internacionais lançaram um alerta dizendo que a


obesidade já não é mais um problema de saúde pública exclusivo
dos países ricos, mas também dos países emergentes, onde o
número de obesos aumenta de forma exponencial. Enquanto cerca
de 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem problemas
graves de saúde devido ao excesso de peso, outros 815 milhões
sofrem por causa da falta de alimentos. E o pior é que muitas vezes
ambos os grupos convivem dentro das mesmas fronteiras. Esse
fenômeno já começa a ser conhecido como "a obesidade da
escassez".

As pessoas não devem se enganar nem criar estigmas em relação


à obesidade. Sempre haverá obesos porque a obesidade é uma
característica genética. É uma condição que, sem levar em
consideração os ideais estéticos que mudam com o tempo, afeta a
expectativa e a qualidade de vida. A obesidade exaure o sistema
vascular e alguns órgãos, o que faz com que eles se deteriorem
prematuramente. Até aqui, ela é apenas um problema. Mas torna-se
um escândalo quando essa obesidade aparece em pessoas que
não deveriam ser obesas, mas que se tornam obesas por adotarem
um regime que parece destinado a encurtar suas vidas. A
alimentação exagerada e o sedentarismo estão na base do
fenômeno, e, dependendo da região do mundo, outros fatores de
caráter sociocultural se unem a estes.
A Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), órgão das
Nações Unidas encarregado do combate à fome, detectou no final
dos anos 90 um aumento alarmante do número de pessoas com
excesso de peso - o que não caracteriza a obesidade, mas pode
levar a ela - nos países em via de desenvolvimento, onde ainda
existe a subnutrição em algumas regiões. Na China, por exemplo, o
número de pessoas com excesso de peso aumentou 15% em
apenas três anos, e no Brasil cerca de 40%. O mesmo fenômeno se
repete nos países da África subsaariana, onde muitos passam
fome. A FAO constatou também que a doença da obesidade
avançou com o aumento da renda, afetando principalmente as
mulheres das zonas urbanas e com formação escolar. Mas em
regiões como a América Latina acontece o contrário, as pessoas
com maior renda são mais magras do que as que ganham menos.

A FAO deixou claro: a prioridade é combater a fome no mundo. Mas


nem por isso considera o excesso de peso e a obesidade como um
risco menor, que em algumas regiões do Oriente Próximo e no norte
da África afeta quase 50% das mulheres.

Uma das razões apontadas para esse desequilíbrio não é apenas a


introdução, nos países emergentes, de estilos de vida próprios dos
países desenvolvidos, mas também de alimentos produzidos nestes
últimos segundo seus padrões: comidas cheias de gordura e
açúcares, com emprego abundante de outras substâncias como
hormônios de crescimento rápido, antibióticos, estabilizantes,
colorantes e aromatizantes. Além disso, esses alimentos têm uma
publicidade avassaladora. Basta citar que a indústria alimentícia
gasta cerca de U$S 40 bilhões por ano em propaganda. Muito mais
do que a soma da renda de 70% dos países do mundo, e mais do
que 500 vezes a quantia que todas as nações juntas gastam para
promover programas de conscientização em relação a uma dieta
saudável.

Além disso, há outros fatores como a tradição em alguns casos, e a


necessidade em outros. Na cultura mediterrânea, sempre se
considerou que as crianças mais gordinhas eram mais saudáveis.
De fato, os lugares com maior número de crianças com excesso de
peso são Portugal, Espanha, Grécia e o sul da Itália e do Oriente
Médio.

Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Obesidade,


dos 75 milhões de menores que vivem na União Européia, 22
milhões apresentam excesso de peso e mais de cinco milhões
sofrem de obesidade. A cada ano, cerca de 300 mil jovens entram
nas estatísticas de excesso de peso, sem que exista nenhuma
iniciativa em escala comunitária para fazer frente ao problema.
Outras vezes, o excesso de peso é característica de uma tradição
centenária. No Pacífico Sul, a obesidade é indício de nobreza e são
famosas as piadas sobre os monarcas das ilhas Tonga, que
precisam de assentos especiais para agüentar seu peso.

Mas há outros exemplos mais dramáticos. Na África, o


subconsciente coletivo decidiu combater uma epidemia com outra.
Frente ao avanço descontrolado da Aids, que está dizimando
populações inteiras no continente, muitas mulheres e homens
optam pela obesidade como um símbolo não só de prosperidade
econômica, mas também de saúde. Num equívoco dramático e
perigoso, eles consideram que uma mulher ou homem obesos não
têm Aids porque a doença é identificada com as pessoas
extremamente magras - o que é verdadeiro apenas nos últimos
anos de vida dos doentes, mas não quando eles são soropositivos e
podem contagiar os outros com o vírus HIV.

O problema afeta praticamente todos os países do mundo, mas é


especialmente paradoxal nas nações onde existe desnutrição. No
norte da Argentina, na região de Chaco, os professores saíram às
ruas há menos de um ano para denunciar o fato de que as crianças
estavam dormindo nas salas de aula por causa da fome. Segundo
eles, as escolas estão mudando de papel. Em vez de centros de
ensino, estão se transformando em refeitórios onde os pequenos,
em muitas ocasiões, ingerem sua única refeição diária.
Paralelamente, tramita pelo Congresso argentino uma lei segundo a
qual a obesidade passaria a ser considerada como uma doença
reconhecida pelo sistema de saúde, podendo assim receber
tratamento. A iniciativa parlamentar alega que é de "interesse
nacional" a prevenção e o controle dos transtornos alimentares.

No México, o Instituto Mexicano de Seguro Social optou por editar


milhões de cópias de um receituário contra a obesidade. As
autoridades estimam que, se não modificarem os hábitos de
alimentação em dois anos, o país asteca poderá ter até 14 milhões
de obesos acima dos 35 anos de idade. O propósito do governo é
evitar que seus cidadãos se entreguem à comida rápida, chamada
de "chatarra" no país.
A luz vermelha também acendeu em outro país emergente: o Peru,
onde o governo constatou que a população pobre está cada vez
mais obesa, não exatamente por causa de uma boa alimentação,
mas devido ao abuso de gorduras saturadas e ao pouco consumo
de água.

Assim, de uma forma abrupta, as administrações públicas dos


países emergentes que precisam dedicar uma porcentagem
importante de seus recursos para livrar grandes parcelas de sua
população da pobreza - por exemplo, dos 180 milhões de
brasileiros, 23% são pobres - vêem-se obrigadas a enfrentar um
problema de saúde pública de primeira ordem que, longe de
desaparecer, está crescendo.

Na televisão e nos jornais já se comenta em tom de piada sobre


iniciativas como a adotada pelo governo japonês, de multar as
empresas que contratam empregados com excesso de peso. O
ministério da Saúde, que precisa realizar enormes esforços para
conseguir que cuidados básicos cheguem a toda população, se
pergunta de onde tirará os recursos para enfrentar o surto de
diabetes que a Organização Mundial de Saúde assegura que
acontecerá em todo o planeta em 2020 por causa do excesso de
peso.

A receita contra essa situação é repetida em todos os setores


acadêmicos e governamentais: alimentação equilibrada sem abuso
de gorduras e açúcares e exercício moderado. O problema é como
acomodar essa teoria a um estilo de vida cada vez mais sedentário,
com menos tempo para preparar os alimentos e com a tentação da
comida rápida, barata, ao alcance de todos sempre à mão, ainda
que não seja saudável. Além disso, há um fato que muitos autores e
estudiosos do tema ressaltam: que o homem do século 21 está
encerrado em um corpo do paleolítico, e um dos dois não está
preparado para agüentar a combinação de alimentos que se
estabelece nas mesas do mundo inteiro hoje em dia.

Tradução: Eloise De Vylder


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Fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2008/07/13/ult581u2681
.jhtm
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