O estilo de vida urbano e a alimentação ruim alteram a dieta
tradicional desses lugares e causaram um aumento no número de pessoas obesas
Jorge Marirrodriga
Nos países pobres já não se morre só de fome, mas também por
comer muito. Num planeta em que a fome mata uma criança a cada dois minutos, a obesidade que pode ser evitada está se transformando em epidemia.
As organizações internacionais lançaram um alerta dizendo que a
obesidade já não é mais um problema de saúde pública exclusivo dos países ricos, mas também dos países emergentes, onde o número de obesos aumenta de forma exponencial. Enquanto cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem problemas graves de saúde devido ao excesso de peso, outros 815 milhões sofrem por causa da falta de alimentos. E o pior é que muitas vezes ambos os grupos convivem dentro das mesmas fronteiras. Esse fenômeno já começa a ser conhecido como "a obesidade da escassez".
As pessoas não devem se enganar nem criar estigmas em relação
à obesidade. Sempre haverá obesos porque a obesidade é uma característica genética. É uma condição que, sem levar em consideração os ideais estéticos que mudam com o tempo, afeta a expectativa e a qualidade de vida. A obesidade exaure o sistema vascular e alguns órgãos, o que faz com que eles se deteriorem prematuramente. Até aqui, ela é apenas um problema. Mas torna-se um escândalo quando essa obesidade aparece em pessoas que não deveriam ser obesas, mas que se tornam obesas por adotarem um regime que parece destinado a encurtar suas vidas. A alimentação exagerada e o sedentarismo estão na base do fenômeno, e, dependendo da região do mundo, outros fatores de caráter sociocultural se unem a estes. A Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), órgão das Nações Unidas encarregado do combate à fome, detectou no final dos anos 90 um aumento alarmante do número de pessoas com excesso de peso - o que não caracteriza a obesidade, mas pode levar a ela - nos países em via de desenvolvimento, onde ainda existe a subnutrição em algumas regiões. Na China, por exemplo, o número de pessoas com excesso de peso aumentou 15% em apenas três anos, e no Brasil cerca de 40%. O mesmo fenômeno se repete nos países da África subsaariana, onde muitos passam fome. A FAO constatou também que a doença da obesidade avançou com o aumento da renda, afetando principalmente as mulheres das zonas urbanas e com formação escolar. Mas em regiões como a América Latina acontece o contrário, as pessoas com maior renda são mais magras do que as que ganham menos.
A FAO deixou claro: a prioridade é combater a fome no mundo. Mas
nem por isso considera o excesso de peso e a obesidade como um risco menor, que em algumas regiões do Oriente Próximo e no norte da África afeta quase 50% das mulheres.
Uma das razões apontadas para esse desequilíbrio não é apenas a
introdução, nos países emergentes, de estilos de vida próprios dos países desenvolvidos, mas também de alimentos produzidos nestes últimos segundo seus padrões: comidas cheias de gordura e açúcares, com emprego abundante de outras substâncias como hormônios de crescimento rápido, antibióticos, estabilizantes, colorantes e aromatizantes. Além disso, esses alimentos têm uma publicidade avassaladora. Basta citar que a indústria alimentícia gasta cerca de U$S 40 bilhões por ano em propaganda. Muito mais do que a soma da renda de 70% dos países do mundo, e mais do que 500 vezes a quantia que todas as nações juntas gastam para promover programas de conscientização em relação a uma dieta saudável.
Além disso, há outros fatores como a tradição em alguns casos, e a
necessidade em outros. Na cultura mediterrânea, sempre se considerou que as crianças mais gordinhas eram mais saudáveis. De fato, os lugares com maior número de crianças com excesso de peso são Portugal, Espanha, Grécia e o sul da Itália e do Oriente Médio.
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Obesidade,
dos 75 milhões de menores que vivem na União Européia, 22 milhões apresentam excesso de peso e mais de cinco milhões sofrem de obesidade. A cada ano, cerca de 300 mil jovens entram nas estatísticas de excesso de peso, sem que exista nenhuma iniciativa em escala comunitária para fazer frente ao problema. Outras vezes, o excesso de peso é característica de uma tradição centenária. No Pacífico Sul, a obesidade é indício de nobreza e são famosas as piadas sobre os monarcas das ilhas Tonga, que precisam de assentos especiais para agüentar seu peso.
Mas há outros exemplos mais dramáticos. Na África, o
subconsciente coletivo decidiu combater uma epidemia com outra. Frente ao avanço descontrolado da Aids, que está dizimando populações inteiras no continente, muitas mulheres e homens optam pela obesidade como um símbolo não só de prosperidade econômica, mas também de saúde. Num equívoco dramático e perigoso, eles consideram que uma mulher ou homem obesos não têm Aids porque a doença é identificada com as pessoas extremamente magras - o que é verdadeiro apenas nos últimos anos de vida dos doentes, mas não quando eles são soropositivos e podem contagiar os outros com o vírus HIV.
O problema afeta praticamente todos os países do mundo, mas é
especialmente paradoxal nas nações onde existe desnutrição. No norte da Argentina, na região de Chaco, os professores saíram às ruas há menos de um ano para denunciar o fato de que as crianças estavam dormindo nas salas de aula por causa da fome. Segundo eles, as escolas estão mudando de papel. Em vez de centros de ensino, estão se transformando em refeitórios onde os pequenos, em muitas ocasiões, ingerem sua única refeição diária. Paralelamente, tramita pelo Congresso argentino uma lei segundo a qual a obesidade passaria a ser considerada como uma doença reconhecida pelo sistema de saúde, podendo assim receber tratamento. A iniciativa parlamentar alega que é de "interesse nacional" a prevenção e o controle dos transtornos alimentares.
No México, o Instituto Mexicano de Seguro Social optou por editar
milhões de cópias de um receituário contra a obesidade. As autoridades estimam que, se não modificarem os hábitos de alimentação em dois anos, o país asteca poderá ter até 14 milhões de obesos acima dos 35 anos de idade. O propósito do governo é evitar que seus cidadãos se entreguem à comida rápida, chamada de "chatarra" no país. A luz vermelha também acendeu em outro país emergente: o Peru, onde o governo constatou que a população pobre está cada vez mais obesa, não exatamente por causa de uma boa alimentação, mas devido ao abuso de gorduras saturadas e ao pouco consumo de água.
Assim, de uma forma abrupta, as administrações públicas dos
países emergentes que precisam dedicar uma porcentagem importante de seus recursos para livrar grandes parcelas de sua população da pobreza - por exemplo, dos 180 milhões de brasileiros, 23% são pobres - vêem-se obrigadas a enfrentar um problema de saúde pública de primeira ordem que, longe de desaparecer, está crescendo.
Na televisão e nos jornais já se comenta em tom de piada sobre
iniciativas como a adotada pelo governo japonês, de multar as empresas que contratam empregados com excesso de peso. O ministério da Saúde, que precisa realizar enormes esforços para conseguir que cuidados básicos cheguem a toda população, se pergunta de onde tirará os recursos para enfrentar o surto de diabetes que a Organização Mundial de Saúde assegura que acontecerá em todo o planeta em 2020 por causa do excesso de peso.
A receita contra essa situação é repetida em todos os setores
acadêmicos e governamentais: alimentação equilibrada sem abuso de gorduras e açúcares e exercício moderado. O problema é como acomodar essa teoria a um estilo de vida cada vez mais sedentário, com menos tempo para preparar os alimentos e com a tentação da comida rápida, barata, ao alcance de todos sempre à mão, ainda que não seja saudável. Além disso, há um fato que muitos autores e estudiosos do tema ressaltam: que o homem do século 21 está encerrado em um corpo do paleolítico, e um dos dois não está preparado para agüentar a combinação de alimentos que se estabelece nas mesas do mundo inteiro hoje em dia.