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Maria Manoela Gimmler Netto

Marina Salgado
Gisela Barcellos de Souza
Maria Cristina Villefort Teixeira
Staël de Alvarenga Pereira Costa
(Org.)

A Morfologia Urbana
de Tiradentes/MG
A Morfologia Urbana de Tiradentes/MG
© 2023 copyright by Maria Manoela Gimmler Netto, Marina Salgado, Gisela Barcellos de Souza,
Maria Cristina Villefort Teixeira e Staël de Alvarenga Pereira Costa
Impresso no Brasil/Printed in Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A Morfologia Urbana de Tiradentes/MG [livro


eletrônico] / organizadores Maria Manoela
Gimmler Netto...[et al.]. -- Pacoti, CE :
Geplam Assessoria : Programa de Pós-Graduação
em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável
da UFMG, 2023.
PDF

Vários autores.
Outros organizadores: Marina Salgado, Gisela
Barcellos de Souza, Maria Cristina Villefort
Teixeira, Staël de Alvarenga Pereira Costa.
Bibliografia.
ISBN 978-65-999271-3-3

1. Cidades - Aspectos sociais 2. Espaços urbanos


3. Morfologia 4. Paisagem urbana 5. Planejamento
urbano 6. Tiradentes (MG) - História 7. Turismo
I. Gimmler Netto, Maria Manoela. II. Salgado,
Marina. III. Souza, Gisela Barcellos de.
IV. Teixeira, Maria Cristina Villefort.
V. Costa, Staël de Alvarenga Pereira.

23-155147 CDD-711.4
Índices para catálogo sistemático:

1. Planejamento urbano 711.4

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


A Morfologia Urbana
de Tiradentes/MG
SUMÁRIO

Agradecimentos

Belo Horizonte, Tiradentes e Morfologia Urbana...................................................7


Vítor Oliveira

Introdução.. ................................................................................. 10
Staël de Alvarenga Pereira Costa, Maria Cristina Villefort Teixeira

Entre a serra e o rio: uma abordagem territorial....................................... 22


Maria Manoela Gimmler Netto, Gisela Barcellos de Souza, Marcos Felipe
Sudré Saidler, Letícia Gardusi de Faria

O Espírito do Lugar no Centro Histórico de Tiradentes................................. 58


Artur Magnani Figueiredo, Charles Moraes de Lima, Simone Machado
Lasmar, Staël de Alvarenga Pereira Costa

Aplicação dos conceitos da Escola Inglesa de Morfologia


Urbana no Centro Histórico de Tiradentes............................................... 76
Maria Manoela Gimmler Netto, Márcia Regina Escorteganha, Larissa
Podshivaloff Bertu Penna, Janaína Mourão Freire, Staël de Alvarenga
Pereira Costa

Aplicações do método da Escola Italiana de Morfologia Urbana no


Centro Histórico de Tiradentes........................................................... 110
Rubens Amaral, Simone Marques de Sousa Safe, Maíra Araújo Cândida,
Cleysi Mara Pinto de Souza, Staël de Alvarenga Pereira Costa
A metodologia Space Syntax aplicada na análise da evolução urbana:
estudo de caso da cidade de Tiradentes............................................... 130
Vitor Oliveira, Débora Dark Coelho Meirelles, Luciana Araujo Bonuti

Análise Tipo-morfológica na periferia de Centro Histórico de Tiradentes:


abordagens italianas.................................................................... 148
Marina Salgado, Luciana de Assis Lage, Simone de Almeida Ramos,
Guanaeli Matias de Mendonça da Silva, Maria Cristina Villefort Teixeira

A análise da Paisagem de Tiradentes através dos Espaços Livres.................. 170


Helga Maria Costa Freitas Pompeu, Mirelli Borges de Medeiros, Paula
Balli Cury, Renata Pedrosa Barbosa, Marieta Cardoso Maciel

Estudo das Faixas de Hiato Urbano na evolução morfológica de Tiradentes.. .... 194
Karin Schwabe Meneguetti, Henrique Vianna Lopes Teixeira, André Alves
Jacomini, Helena Rosmaninho Alves

Caracterização dos Espaços Livres nas Faixas de Hiato Urbano


na paisagem de Tiradentes.. ............................................................ 206
Marieta Cardoso Maciel, Karina Machado de Simão, Natália Achcar
Monteiro Silva, Júlio César Souza Belo

O impacto da legislação na paisagem urbana de Tiradentes....................... 222


Marina Salgado, Edilson Borges de Barros Filho, Vanessa Taveira de Souza,
Priscila Schiavo Gomes da Costa, Cibele Moura Ferreira, Staël de Alvarenga
Pereira Costa

Impactos do turismo na Serra de São José e rios e córregos de Tiradentes....... 263


Maria Manoela Gimmler Netto, Pedro Silva, Maria Thereza Fonseca,
Laiza Tadim Pascoal, Maria Rita Scotti, Maria Cristina Villefort Teixeira,
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Autores.................................................................................... 277
Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais -


FAPEMIG, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico
- CNPq e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
pelo apoio e auxílio recebidos no curso de extensão “Morfologia Urbana”, promovido
pelo LaP/ EAUFMG em conjunto com a disciplina de mesmo nome no Programa
de Pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável-PPG ACPS,
na Escola de Arquitetura da UFMG.
Agradecemos a contribuição e a participação de Laiza Tadim Pascoal, Cibele
Moura Ferreira e Letícia Gardusi de Faria que foram incansáveis na elaboração dos
mapas, imprescindíveis para a compreensão dos textos.
Belo Horizonte, Tiradentes e
Morfologia Urbana
Vítor Oliveira

Este livro é o resultado do trabalho desenvolvido num curso de morfologia


urbana que teve lugar em Belo Horizonte e Tiradentes, em agosto de 2015.
Para além de ter sido o ‘pretexto’ para a minha primeira visita ao Brasil (coinci-
dindo com a primeira conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana /
PNUM no Brasil, mais concretamente em Brasília), o curso constituiu também
uma oportunidade para trabalhar a dimensão didática da morfologia urbana
com Staël Pereira Costa, Cristina Teixeira e Marieta Maciel – da Universidade
Federal de Minas Gerais / UFMG – e com Karin Meneguetti – da Universidade
Estadual de Maringá / UEM.
Os conteúdos do curso constituem-se como um núcleo fundamental de
conhecimento morfológico que vinha a ser desenvolvido ao longo dos últimos
anos pelas três pesquisadoras da UFMG no seu Laboratório da Paisagem.
A importância singular deste núcleo para a morfologia urbana no Brasil foi
recentemente defendida por Oliveira e Zaitter (2020). O seu reconhecimento
internacional tinha sido anteriormente expresso pela organização da 14ª confe-
rência do International Seminar on Urban Form / ISUF em Ouro Preto, em
2007 (WHITEHAND, 2007). A minha participação no curso, bem como a
de Meneghetti, permitiu alargar os conteúdos morfológicos à análise sintática
e à dimensão ambiental da cidade (MENEGUETTI, 2009).
No mesmo ano da realização do curso de morfologia urbana, Staël Pereira
Costa e Manoela Netto publicaram o livro Fundamentos da morfologia urbana,
que apresenta uma síntese das escolas de pensamento histórico-geográfica e
processual tipológica (PEREIRA COSTA e GIMMLER NETTO, 2015).
Dois anos antes, Marina Salgado tinha publicado Ouro Preto: paisagem em
transformação, um livro resultante da sua tese de mestrado (orientada por
7
Pereira Costa) que explora os processos de transformação da paisagem urbana
desta cidade brasileira que é patrimônio mundial da humanidade (SALGADO,
2013). Ambos os trabalhos expressam o dinamismo do Laboratório da Paisagem
e o envolvimento ativo de uma segunda geração de investigadoras, que para
além de Gimmler Netto e Salgado, inclui ainda Karina Machado, Natália
Achcar e Simone Safe.
O livro que agora se publica reúne as diferentes aplicações da teoria, concei-
tos e métodos ensinados na primeira semana do curso (em Belo Horizonte)
ao caso específico de Tiradentes (visitado no fim-de-semana e posteriormente
desenvolvido de regresso a Belo Horizonte). Tiradentes é um pequeno assenta-
mento no estado de Minas Gerais que, no entanto, coloca desafios fundamentais
ao estudo da forma física das cidades. Por um lado, a excelência do seu núcleo
histórico atraiu uma forte pressão turística que foi empurrando a sua popula-
ção para fora do núcleo e que coloca em causa a sua própria identidade. Por
outro lado, os desenvolvimentos urbanos mais recentes têm sido realizados
sem qualquer estrutura de suporte, resultando em fragmentos isolados sem
capacidade de relação entre si ou com o núcleo histórico.
Estes desafios são abordados utilizando diferentes instrumentos de descri-
ção, explicação e prescrição morfológica. Um conjunto de grupos/capítulos
utiliza a abordagem histórico-geográfica promovida pela escola Conzeniana,
dando particular atenção à ideia de estrutura tripartida da paisagem urbana
(plano de cidade, tecido edificado e uso do solo) e ao conceito de cintura
periférica / fringe belt (cintura mais ou menos contínua resultante da estagnação
ou lento desenvolvimento urbano). A esse nível, importa sublinhar a publi-
cação, no ano do curso, do artigo de Meneguetti e Pereira Costa (2015), que
apresenta a primeira aplicação deste conceito, formulado há quase um século,
a uma cidade planejada. A abordagem processual tipológica promovida pela
Escola Muratoriana é utilizada noutro conjunto de capítulos. Curiosamente,
e em paralelo com explorações contemporâneas desenvolvidas pelos nossos
colegas italianos, o conceito de processo tipológico (sequência evolutiva de tipos
edificados a partir do tipo básico) é aplicado para descrever e explicar as áreas

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mais periféricas de Tiradentes. Por fim, também a sintaxe espacial é utilizada
para compreender a acessibilidade espacial do sistema de espaços públicos, bem
como a sua influência nos padrões de movimento em Tiradentes.
Para além do conhecimento relevante sobre a forma urbana passada e
presente de Tiradentes, estes capítulos apontam um conjunto de sugestões
e orientações para o planejamento da sua forma física futura. Caminhando
do ‘particular’ para o ‘geral’, podemos também afirmar que esses capítulos
nos oferecem a possibilidade de comparar diferentes abordagens morfológicas
na sua aplicação a um mesmo caso de estudo, permitindo discutir quais os
elementos destas abordagens que podem ser combinados, e quais aqueles que
não o podem ser, e que constituem os seus pontos mais específicos e distintivos.

Vítor Oliveira
Presidente do International Seminar on Urban Form

Referências
MENEGUETTI, Karin. Cidade jardim, cidade sustentável: a estrutura ecológica
urbana e a cidade de Maringá. Maringá: Eduem, 2009.

MENEGUETTI, Karin.; PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga. The fringe-belt


concept and planned new towns: a Brazilian case study, Urban Morphology, 2015,
n.19, 25-33.

OLIVEIRA, Vitor.; ZAITTER, Bruno. Uma introdução ao estudo da forma urban


no Brasil.,Urbe - Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2020, n.12, p. 1-8.

PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga; GIMMLER NETTO, Maria Manoela.


Fundamentos da Morfologia Urbana. Belo Horizonte: C/Arte, 2015.

SALGADO, Marina Ouro Preto: paisagem em transformação. Curitiba: Editora


CRV, 2013.

WHITEHAND, Jeremy W. R. Fourteenth International Seminar on Urban Form,


Urban Morphology, 2007, n,12, p. 45-47, 2007.
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Introdução
Staël de Alvarenga Pereira Costa
Maria Cristina Villefort Teixeira

As origens da cidade de Tiradentes decorrem da descoberta do ouro na


Capitania das Minas Gerais e sua exploração mineral pela coroa portuguesa.
O deslocamento dos bandeirantes pelos caminhos mineiros em busca dos
melhores sítios exploratórios condicionou eixos de penetração que uniam os
principais veios auríferos que dão origem aos primeiros núcleos. Tiradentes,
anteriormente denominada Vila de São José, compreendia um núcleo reduzido
que conectava dois eixos opostos: um vindo da vila de São João Del Rey e outro
de Prados, todos integrantes do Caminho Velho da Estrada Real (INSTITUTO
ESTRADA REAL, 2022).
Tiradentes surge de um pequeno núcleo denominado Ponta do Morro,
no início do século XVIII. Os primeiros habitantes das terras do município
foram os paulistas, atraídos pelos cascalhos e manchas de ouro nos montes
e bacias existentes no rio das Mortes. De acordo com o pesquisador Fábio
Nelson Guimarães (1962), a região foi desbravada por Tomé Portes del Rei,
Guarda-mor distrital estabelecido nas imediações da atual São João del-Rei,
como preposto do Guarda-mor Geral Garcia Rodrigues Pais.
Tomé Portes del-Rei explorava o direito de passagem às margens do Rio
das Mortes já nos últimos anos do século XVII, em um ponto conhecido como
Porto Real da Passagem.
Antônio Gaio Sobrinho (1996) afirma que um dos aventureiros desco-
briu ouro no sopé da Serra de São José e nos córregos das redondezas, o que
deu início a um agrupamento de garimpeiros, denominado Arraial de Santo
Antônio, no ano de 1702. Este local é denominado Ponta do Morro de Santo
Antônio, em louvor ao santo de devoção dos moradores e da capela que ali havia
sido erguida. Consequentemente à chegada de garimpeiros e à abundância do

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ouro, o lugarejo logo se transformou em arraial, que rapidamente foi elevado
à categoria de vila, em 1718, e recebeu a denominação de São José del Rei.
No início do século XVIII, a região foi palco das lutas entre paulistas e
emboabas. (LIMA JR, 1962) Ali foi também construída a maioria de seu casario
e das edificações religiosas, como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em
1708, e a Matriz de Santo Antônio, em 1710. À volta dos edifícios religio-
sos, por estarem localizados em pontos elevados da cidade, as casas foram se
firmando numa configuração que permanece até 2022.
A exploração do ouro em grande escala gera o crescimento da população,
a expansão do casario e a construção de igrejas, além da migração de um
considerável número de comerciantes. Porém, a decadência da mineração na
Capitania das Minas Gerais, o esgotamento das minas de ouro a partir de 1750
e a escassez do metal levam a Coroa Portuguesa a implantar a derrama, um
tributo que exige pagamento compulsório de impostos atrasados do quinto do
ouro, perfazendo mais de oito mil quilos, por volta do ano de 1788.
Essa atitude provoca na região das vilas do ouro um espírito de revolta
entre as camadas mais abastadas de intelectuais, militares, comerciantes, dentre
outros. O lançamento da derrama dá origem à conjuração que passou à história
com o nome de Inconfidência Mineira.
Em 30 de setembro de 1848, a vila é desmembrada do município de São
João del Rei. Posteriormente, é elevada a cidade, em 7 de outubro de 1860, pela
Lei Provincial n. 1.092, a qual, pelo Decreto Estadual nº 3, de 6 de dezembro
de 1889, recebe o nome atual de Tiradentes.

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Figura 1: Vila de São José. Desenho de Johann Moritz Rugendas, 1824
Fonte: Rugendas, 1998.

A economia da Vila de São José, no século XIX, concentra-se nas ativida-


des agrícolas e na pecuária (porco, boi e carneiro), que vai abastecer algumas
localidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. O desempenho da atividade
na economia tem a participação da mão-de-obra feminina, que se torna expres-
siva a partir da década de 1830, especialmente no ramo da fiação e tecelagem.
A mesma atividade têxtil é detectada por volta de 1864, na qual a localidade
chega a possuir cerca de 70 teares, conta com 108 fiandeiras e tecedeiras, além
de 44 costureiras. A produção atinge cerca de 30.000 varas de pano sem,
entretanto, alcançar proporções industriais. Sem outras alternativas econô-
micas, São José del Rei pouco se modifica, fazendo com que sua integridade
patrimonial e paisagística assegure um dos perfis coloniais mais autênticos de
Minas Gerais e do Brasil.
Com a ruptura do regime monárquico e a tendência de supressão de
vestígios do antigo regime pela República recém-criada, a cidade experimenta
certo ritmo de expansão comercial com a implementação do ramal ferroviário
da Estrada de Ferro Oeste-Minas e, mais tarde, do sistema rodoviário.
Na contemporaneidade, uma das mais significativas fontes de renda da
cidade é o turismo, mantido pelo interesse por seu conjunto arquitetônico
colonial que apresenta as características originais pouco alteradas. A figura 2
apresenta aspectos da preservação da cidade.

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Figura 2: Rua Direita em Tiradentes, na década de 1940
Fonte: Santos Filho, 2013.
http://ihgt.blogspot.com/2013/04/calcamento-das-ruas-de-tiradentes_12.html

Tiradentes, após a prosperidade do ouro, foi abandonada por muitos e a


sua população viveu quase dois séculos de atividades de subsistência. Segundo
Freitas (1998), na virada do século XIX, a cidade continuava inalterada.
De acordo com Guimarães (2010), na década de 1920, intelectuais que
participaram da Semana de Arte Moderna, como o escritor Mário de Andrade,
visitaram a cidade. O conjunto arquitetônico e artístico impressionou-os
positivamente, o que contribuiu para seu reconhecimento como Patrimônio
Histórico, que aconteceu em 1938. A busca por uma identidade nacional
baseada na colonização fez de Tiradentes e seu casario preservado um impor-
tante exemplo da colonização e exploração do ouro em Minas Gerais.
O tombamento em 1938 resguardou não só o seu conjunto arquitetônico
como também áreas de seu entorno paisagístico, especialmente a imponente
Serra de São José, suas cachoeiras e a vegetação remanescente da Mata Atlântica.
A partir de 1960, Tiradentes é inserida no roteiro turístico nacional por meio
de um processo de revitalização do centro histórico, utilizando como referência,
no calçamento das ruas, pedras semelhantes às existentes no Centro Histórico
de Diamantina. Guimarães (2010) identifica o papel da Fundação Roberto
Marinho no desenvolvimento turístico de Tiradentes, especialmente o da Rede
Globo, que utilizou a cidade para filmagem de várias de suas produções.
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Em 2015, porém, a transformação de seu valor cultural intrínseco como
valor de troca e a mercantilização do lugar geram um processo de segregação
socioespacial e severos impactos ambientais.
Na segunda década de 2000 percebe-se que Tiradentes passa a ser apropriada
por comunidades externas, atraídas pelo seu status de patrimônio nacional.
Isto provoca transformações e ressignificação do espaço físico e das relações do
tiradentino com a cidade. Tais transformações produzem um espaço urbano
complexo, com a circulação de capitais, mercadorias e pessoas voltadas princi-
palmente aos usos da atividade turística, nos quais a cidade se torna um espaço
representativo do seu novo uso.
O Centro Histórico de Tiradentes caracteriza-se por ruas cujo casario, geral-
mente térreo, que se localiza no alinhamento das vias e os lotes mais antigos,
possuem testadas estreitas e com maior profundidade. Os largos inseridos nos
arredores das igrejas, as ruas tortuosas cortadas por becos, caminhos estreitos,
ladeiras íngremes, vielas, vergas abatidas e vedações em guilhotina e treliça
formam o conjunto visual deste centro histórico.

Figura 3: Localização de Tiradentes com realce do centro histórico


Fonte: LaP, 2022.

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Este espaço não é apenas físico; ele é também social, que, em essência,
se materializa nas formas espaciais. Estas, ainda, exprimem como produto as
ações das organizações sociopolíticas que se adequem, ao longo do tempo, até
a sua “cristalização” atual. A forma histórica persistente no espaço-tempo e na
corporeidade nos modos e hábitos, que são produtos do processo histórico
da ação humana sobre a superfície terrestre − a paisagem − e sobre si mesma,
permite o reconhecimento da origem e dos objetos fixados ao solo.
Todas essas características fazem de Tiradentes um rico objeto de estudo
pela sua qualidade ambiental, o caráter histórico preservado, a singularidade
da paisagem urbana e o impacto que a atividade turística e as correlatas vêm
provocando na cidade.
Esses aspectos foram determinantes para o estudo de caso num curso de
extensão em Morfologia Urbana promovido pelo Laboratório da Paisagem
e oferecido no Programa de Pós-graduação interdisciplinar em Ambiente
Construído e Patrimônio Sustentável (PPG- ACPS /EAUFMG), em 2015.
Naquela ocasião, valeu-se da oportunidade para disseminar conceitos
morfológicos num curso de extensão na pós-graduação, que criava interfaces
entre a disciplina Morfologia Urbana, que apresentava aportes teóricos, e sua
aplicação por meio de um trabalho de campo na cidade de Tiradentes.
A interlocução, no entanto, ocorreu em vários sentidos. Primeiro, pelo
convite a professores visitantes com reconhecido saber, tais como a Dra. Karin
Schwabe Meneguetti da Universidade Estadual de Maringá/Paraná e o Dr.
Vitor Oliveira, pesquisador da Universidade do Porto/Portugal. Segundo, pela
estratégia de incorporar conhecimentos de ex-alunos da disciplina, pesquisa-
dores de aspectos específicos da Morfologia Urbana, que foram convidados
a fornecer aportes metodológicos durante o curso e no trabalho de campo à
época. Foram eles: a doutoranda Marina Salgado, EAUFMG; Me. Karina
Machado Simão de Castro, Instituto Izabela Hendrix; Me. Maria Manoela
Gimmler Netto, UNIBH; Me. Simone Marques da Silva Safe, PUCMinas;
Me. Natalia Acher Monteiro, UNIBH; e Me. Rubens do Amaral, UNB, com

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a supervisão das coordenadoras do Laboratório da Paisagem/EAUFMG, as
professoras doutoras Staël de Alvarenga Pereira Costa; Marieta Cardoso Maciel
e Maria Cristina Villefort Teixeira.
O curso se desenvolveu por meio de três modalidades: aulas expositivas,
seminários e trabalho de campo. Na primeira parte, conteúdos teóricos em aulas
expositivas, ministrados pelos professores visitantes e professoras coordenadoras
da disciplina, transmitiram aos alunos as principais correntes conceituais e os
métodos de análise da forma urbana aplicadas às características morfológicas
de Tiradentes. Os seminários que abordaram os conceitos das escolas e sua
aplicação na cidade foram coordenados pelos professores e convidados.
A estratégia empregada na análise foi identificar situações em Tiradentes
que pudessem empregar conceitos específicos e, desta forma, buscar aspectos
que permitissem a divisão dos trabalhos em grupos, distribuídos aos profes-
sores e participantes com habilidades que se enquadrassem nas situações
específicas. Essa análise deveria ser capaz de apresentar complexidades que
permitissem investigações de aspectos específicos para exploração dos seus
atributos morfológicos.
Os temas dos trabalhos de campo, por sua vez, se distribuíram em três
eixos temáticos: os estudos tradicionais sobre a formação e evolução da paisa-
gem urbana, as investigações sobre as transformações tipológicas advindas das
políticas públicas e das expansões urbanas recentes e as questões ambientais
referentes aos espaços livres e a recuperação das paisagens. As discussões sobre
os aspectos investigados nas orientações, nos seminários e no trabalho de campo
direcionaram os temas para a elaboração do trabalho final.
A multiplicidade de olhares oriundos de diversas formações e trajetórias
profissionais dos professores, estudantes de graduação e de pós-graduação e
demais participantes potencializou uma interlocução que se prolongou para
além da realização do evento e se sistematizou no conjunto de artigos aqui
reunidos.

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Os trabalhos trouxeram importante contribuição para o entendimento da
formação de Tiradentes sob o enfoque da Morfologia Urbana e suas escolas,
a inglesa – com base nos estudos de Conzen sobre a formação e organização
das cidades – e a italiana – que trata da teoria muratoriana e a tipologia do
meio antrópico. Essa análise se deu tanto no centro histórico como no vetor
norte-leste cuja expansão teve influência significativa do turismo no território
e no desenvolvimento da cidade.
Os resultados surpreendentes nos moveram a pensar em elaborar um livro
que apresentasse essas abordagens, pois elas certamente poderão replicar nas
cidades históricas mineiras, visto que apresentam características semelhantes.
Assim, novos estudos poderão dar a oportunidade de conhecermos melhor a
estruturação e a história da nossa terra.
O livro tem a apresentação de Vitor Oliveira, professor da Universidade do
Porto, e aproxima os diversos conteúdos seguindo a organização das abordagens
direcionadas no curso, com enfoque na morfologia urbana, na paisagem e nos
espaços livres e nos impactos resultantes do processo de ocupação, que serão
descritos a seguir.
Entre a serra e o rio: uma abordagem territorial, de autoria de Gisela Barcellos
de Souza, Maria Manoela Gimmler Netto, Marcos Felipe Sudré Saidler, aborda
a teoria morfológica sobre o território, considerando que o reconhecimento
das morfologias territoriais em escalas ampliadas pode apontar para ações de
preservação ambiental e cultural da paisagem contemporânea. Assim, direciona
para a teoria territorial italiana, destacando o sistema de rotas em seu vínculo
com o relevo como eixos morfológicos estruturadores da paisagem, que influen-
ciam no desenvolvimento dos núcleos urbanos. Esta teoria é aplicada no espaço
geográfico e histórico compreendido entre a Serra São José e o Rio das Mortes.
O espírito do lugar no Centro Histórico de Tiradentes, de autoria de Artur
Magnani Figueiredo, Charles Moraes de Lima, Simone Machado Lasmar e
Staël de Alvarenga Pereira Costa, retoma o conceito de Genius Loci adotado
por Conzen (2010) e mostra que a cidade está em constante processo de

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transformação. Ao mesmo tempo, observa que se torna necessário preservar as
camadas superpostas com a história do lugar e, consequentemente, a identidade
dessa paisagem cultural. No caso de Tiradentes, o turismo alterou a cidade,
mas, ao longo do tempo, as camadas podem ser reconhecidas e valorizadas
para que características sejam preservadas não só como registros históricos e
turísticos, mas também como aspectos culturais valorizados pelos cidadãos.
O capítulo Aplicação dos conceitos morfológicos da Escola Inglesa de Morfologia
Urbana no Centro Histórico de Tiradentes, elaborado por Maria Manoela
Gimmler Netto, Márcia Regina Escorteganha, Larissa Podshivaloff Bertu,
Janaína Mourão Freire e Staël de Alvarenga Pereira Costa, analisa a evolução
do centro histórico da cidade por meio da visão tripartite da escola inglesa,
considerando o seu plano urbano, tecido urbano e o padrão de uso e ocupação
do solo. A evolução histórica identifica transformações urbanas nesta área,
embora ainda se mantenha o padrão inicial uniforme de urbanização em quase
a sua totalidade.
Rubens Amaral, Maíra Araújo Cândida, Cleysi Mara Pinto de Souza,
Simone Marques de Sousa Safe e Staël de Alvarenga Pereira Costa são os autores
de Aplicações do método da Escola Italiana de Morfologia Urbana no Centro
Histórico de Tiradentes. O uso dos conceitos da Escola Italiana de Morfologia
Urbana apresenta os tipos especializado e básico, identifica as rotas, os ‘nós’
e a relação desses com o tecido urbano no centro histórico da cidade. Tipos
edilícios significativos traduzem a peculiaridade da paisagem, um dos atrativos
de Tiradentes para a atividade turística.
A metodologia Space Syntax aplicada na análise da evolução urbana: estudo
de caso da cidade de Tiradentes, cujos autores são Vitor Oliveira, Débora Dark
Coelho Meirelles e Luciana Araújo Bonuti, mostra a origem, ideias, caracterís-
ticas principais, resultados e aplicabilidade da teoria da Space Syntax, tendo em
vista o planejamento urbano. A metodologia Space Syntax se caracteriza como
uma ferramenta com enorme potencial para o planejamento urbano, como
forma de prever e procurar evitar problemas urbanos e sociais, principalmente

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aqueles gerados pelo crescimento desordenado, que já ocorrem na cidade. A
análise dos mapas axiais apresenta a evolução urbana de Tiradentes, focando
nas medidas de integração global e local.
O capítulo Análise Tipo-morfológica na periferia do Centro Histórico
Tiradentes: abordagens italianas, de autoria de Marina Salgado, Luciana de Assis
Lage, Simone de Almeida Ramos, Guanaeli Matias de Mendonça da Silva e
Maria Cristina Villefort Teixeira, analisa o vetor Norte-Nordeste de expansão da
cidade sob a ótica da Escola Italiana de Morfologia Urbana. O método proposto
por esta Escola parte de um elemento isolado e se expande através da ampliação
da escala até chegar à concepção geral. Ele possibilita analisar a cidade a partir
das relações existentes entre os seus elementos morfológicos e a sua evolução
através do tempo, visando compreender os processos de formação e evolução
dessa realidade construída. Assim, ao se observar os elementos fundamentais do
método desta escola que compõem a paisagem de Tiradentes - os tipos básico
e especializado; os nós e as rotas matrizes, planejadas e edilícias-, pode-se criar
a compreensão da totalidade da cidade.
O estudo dos Espaços Livres complementa a análise da paisagem de
Tiradentes considerando que essas áreas são fundamentais para a estruturação
da cidade no sentido da organização espacial, ambiental, social e cultural. É
nesses espaços que a fruição da cidade define a sua identidade e a vida cotidiana
das pessoas. Os três capítulos seguintes apresentam deficiências e potenciali-
dades na cidade, que poderão ser aplicadas junto à atividade do turismo para
melhor atender aos moradores e aos visitantes.
Helga Maria Costa Freitas Pompeu, Mirelli Borges de Medeiros, Paula
Balli Cury, Renata Pedrosa Barbosa, Marieta Cardoso Maciel são as autoras do
capítulo A análise da Paisagem de Tiradentes através dos Espaços Livres, que retrata
as alterações, permanências e potencialidades da paisagem urbana a partir do
estudo dos espaços livres públicos. Sobressaem as praças, largos, pontes, ruas
e becos que, nas cidades históricas, articulam estruturalmente os principais
eixos e geram nova dinâmica na paisagem, proporcionando a condição de

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lugar amplo frente à continuidade do casario estabelecido ao longo dos eixos.
O capítulo Estudo das Faixas de Hiato Urbano na evolução morfológica de
Tiradentes, de Karin Schwabe Meneguetti, Henrique Vianna Lopes Teixeira,
André Alves Jacomini, Helena Rosmaninho Alves, apresenta as Faixas de Hiato
Urbano, também conhecidas como Fringe Belts, aplicadas na Escola Inglesa
de Morfologia Urbana. O trabalho demonstra como as faixas de hiato urbano
apresentam potencial do ponto de vista ecológico e paisagístico, para o plane-
jamento urbano de Tiradentes, tendo em vista principalmente os espaços livres
públicos fora do centro histórico da cidade.
Caracterização dos Espaços Livres nas Faixas de Hiato Urbano na paisa-
gem de Tiradentes, de Marieta Cardoso Maciel, Karina Machado de Castro
Simão, Natália Achcar Monteiro Silva e Júlio César Souza Belo, identifica os
espaços livres e suas características nas Faixas de Hiatos Urbanos (fringe belts)
em Tiradentes. A abordagem e os diferentes parâmetros de análise apresentam
possibilidades aplicáveis para o planejamento sustentável da cidade.
Os capítulos seguintes apresentam as características de Tiradentes e os
principais impactos gerados pela ocupação desordenada do território e pelo
turismo, comprometendo as condições ambientais locais já vinculadas à
paisagem.
O capítulo Impacto da legislação na Paisagem de Tiradentes, de autoria de
Marina Salgado, Edilson Borges de Barros Filho, Vanessa Taveira de Souza,
Priscila Schiavo Gomes da Costa, Cibele Moura Ferreira, Staël de Alvarenga
Pereira Costa, avalia os princípios ordenadores do território desde o período
colonial, com ênfase na cidade como Patrimônio Nacional. Observa também
o processo de expansão de Tiradentes e como esses marcos regulatórios
podem orientar a conformação da cidade, tendo como objeto o Plano Diretor
Participativo, aprovado em 2015.
Impactos do Turismo na Serra de São José e nos córregos de Tiradentes, de Maria
Manoela Gimmler Netto, Maria Thereza Fonseca de Souza, Pedro Silva, Laiza
Tadim Pascoal, Maria Rita Scotti Muzzi, Staël de Alvarenga Pereira Costa, e

20
Maria Cristina Villefort Teixeira, discute o turismo na cidade e retrata as dificul-
dades decorrentes desta atividade. Os investimentos em turismo trouxeram
retornos econômicos pela implantação de serviços de hospedagem, alimentação
e geração de empregos expressivos nas últimas décadas. Ao mesmo tempo,
provocaram consequências significativas na sua dinâmica social, pelo efeito
da gentrificação e de impactos ambientais na sua paisagem urbana e natural.
Propõem-se direcionamentos para que o turismo atenda as condições adequadas
de sustentabilidade na paisagem e para o bem-estar da população.

21
Entre a serra e o rio: uma
abordagem territorial
Maria Manoela Gimmler Netto
Gisela Barcellos de Souza
Marcos Felipe Sudré Saidler
Letícia Gardusi de Faria

Introdução
A noção de território é a mais vasta e abrangente, posto que implica não
apenas as estruturas propriamente edificadas, o ambiente construído do
qual se vale o homem para habitar, para criar um espaço fechado, um
microclima; não apenas estruturas de assentamentos e urbanas – que
compreendem sistemas de relações, como os trajetos entre os edifícios, e
de produção (atividades secundárias ou terciárias). Esta noção também
associa estas estruturas àquelas com vínculos extra urbanos, e todas
as de produção primária [...]. Em suma, [...] devemos entender que a
presença do assentamento e núcleo urbano derivou normalmente de
uma estrutura precedente de produção e de percursos (CANIGGIA e
MAFFEI, 1995, p.144).

Situado no Campo das Vertentes – região de encontro de ramificações de


serras longitudinais que dividem as bacias do Rio Grande, Rio São Francisco,
Rio Doce e Rio Paraíba do Sul – o território compreendido entre a Serra de
São José e o vale do Rio das Mortes é marcado por fortes vínculos geográficos
e históricos. Nele se situam não apenas Tiradentes, mas também outras sedes
cujos núcleos iniciais foram fundados no século XVIII: São João del Rei,
Santa Cruz de Minas e Prados. Com o intuito de investigar esses vínculos,
estabelecidos por suas conexões regionais desde o período de formação até
o desenvolvimento mais recente desses assentamentos urbanos, o presente
capítulo aborda as teorias morfológicas sobre o território. Considera-se que o
reconhecimento das morfologias territoriais em escalas ampliadas pode apontar
para ações de preservação ambiental e cultural da paisagem contemporânea.

22
Para aproximar-se do espaço geográfico e histórico, moldado singular-
mente pela natureza e por processos antrópicos, a teoria territorial da Escola
Italiana de Morfologia Urbana apresenta aportes para análises das paisagens,
avaliando a adaptabilidade ao ambiente e a unicidade, ou seja, a singularidade
cultural. As abordagens morfológicas territoriais contribuem também para
avaliar as transformações dos assentamentos para núcleos urbanos e destes
para as cidades, processos que influenciam na estruturação morfológica da
paisagem ao longo do tempo.
A fundamentação teórica italiana se baseia nos estudos do arquiteto Saverio
Muratori que, a partir dos anos 1960, define o processo tipo-morfológico. Esta
teoria foi inicialmente desenvolvida para identificar processos culturais imbuí-
dos nas edificações. Posteriormente, foi ampliada para a noção das cidades e
dos territórios como organismos. O termo organismo refere-se genericamente
a uma entidade escalar, que constitui uma unidade funcionalmente coerente
de sistemas integrados. O organismo contém ou é contido por outras escalas
de maneira sistêmica na abordagem italiana (GIMMLER NETTO, 2020).
O conceito de território é usado pela primeira vez por Muratori com um
senso de identificação geográfica-espacial. Segundo Tagliazucchi (2015a), no
território muratoriano, os recortes em estudo não derivam de uma caracteriza-
ção política, mas sim da configuração ao longo de linhas de desenvolvimento
socioeconômico, que se apresentam como um sistema de trajetórias longitu-
dinais e transversais.
Para Strappa et al. (2003), a estrutura do organismo territorial e sua forma
visível identificada pela paisagem são formadas e desenvolvidas de acordo com
processos históricos diversos, que têm sua própria tipicidade, como qualquer
outro produto da ação antrópica. Tagliazucchi (2015a) reforça essa ideia ao
explicar que, quando o conceito de organismo é aplicado ao território, na
reflexão de Muratori, é concebido como um registro integrado da natureza e
das ações humanas. E, por esse motivo, os estudos morfológicos tornam-se o
veículo interpretativo com o qual se podem ler todos os vestígios de transfor-
mação territorial.
23
Caniggia e Maffei (2001) sistematizaram os trabalhos de Muratori e publi-
caram a teoria que compreende o território como um organismo individual
formado a partir da conexão entre rotas, assentamentos, áreas de produção
e núcleos urbanos. Além dessa publicação, de acordo com Marzot (2016),
Alessandro Giannini tornou acessível ao público local de Modena na Itália, em
2014, uma análise territorial nunca publicada, conhecida como Studi per una
operante storia del territorio, escrita entre os anos de 1968 e 73, por Muratori;
Bollati, R; Bollati,S; Giannini e Marinucci. Esses estudos demonstram o
crescente interesse da linha de pensamento italiana por uma visão ampliada
do ambiente construído, desenvolvida nos últimos anos de vida de Saverio
Muratori e compartilhada com seus principais colaboradores.
Com o mesmo intuito, a teoria territorial, iniciada por Muratori, mas
nunca concluída devido a sua morte, é utilizada como fonte para pesquisadores
italianos, como Strappa (2003), Maretto (2008), Tagliazucchi (2015 a e b)
e Lombardini (2017), que buscam por aportes conceituais e metodológicos
para aprofundamento de questões das paisagens contemporâneas. No início
do século XXI, alguns pesquisadores de morfologia urbana se utilizam desses
referidos estudos como fonte para o desenvolvimento de abordagens sobre o
território. Entre os principais aspectos da teoria, que despertam o interesse
dos pesquisadores contemporâneos, destaca-se o conceito de tipo territorial
como uma unidade singular, definida por meios de locomoção e de fixação
de moradias e de atividades produtivas em determinado espaço geográfico
(GIMMLER NETTO, 2020).
O conceito de tipo territorial é definido como um conjunto de caracte-
rísticas fisicamente herdadas e como patrimônio comum a mesma origem
histórico-geográfica. É considerado como uma unidade resultante de escolhas
coletivas, aplicadas em um ambiente civil, determinando a complexidade das
transformações do ambiente em lugar habitado.
Nesse sentido, o território tipo é identificado como uma unidade, ou seja,
assume características singulares, únicas e irreproduzíveis. E essas características

24
morfológicas são decorrentes das transformações reais do ambiente, determina-
das no espaço e no tempo em função de variáveis do suporte geobiofísico (como
os sistemas geomorfológico, hidrológico e ecológico) e de variáveis históricas
(entendidas como processo sociocultural) (GIMMLER NETTO, 2020).
Portanto, o território tipo previamente definido por suas características
ambientais e sucessivamente transformado por ação antrópica é entendido
como uma síntese morfológica, na qual se manifestam as marcas de seu processo
social. E essas noções parecem estar no âmago de abordagens contemporâneas,
que levam em consideração o desenvolvimento morfológico da paisagem.
Isso porque a leitura do processo histórico de formação do território é funda-
mental para compreender sua estruturação física e as transformações recentes,
permitindo também avaliar tendências futuras que podem ser incentivadas ou
reguladas para garantir a resiliência ambiental e a continuidade de aspectos
culturais identitários.
Levando isso em consideração, o presente capítulo organiza-se em duas
partes principais. A primeira aprofunda aspectos da teoria territorial italiana,
destacando o sistema de rotas em seu vínculo com o relevo como eixos morfo-
lógicos estruturadores da paisagem, que influenciam no desenvolvimento dos
núcleos urbanos. E a segunda parte corresponde à aplicação dessa teoria no
espaço geográfico e histórico compreendido entre a Serra São José e o Rio das
Mortes, estabelecendo um estudo de caso concreto para as análises morfoló-
gicas territoriais.

O território na abordagem morfológica italiana


As bases teóricas dessa linha de pensamento endossam que as estruturas
construídas pelos seres humanos são fortemente vinculadas à geomorfologia e
à hidrografia, vinculando aspectos culturais e ambientais em uma abordagem
interdisciplinar. Nesse sentido, a estrutura do território pode ser lida por meio
das fases humanas de ocupação e uso territorial, definidas pelo estabelecimento
de rotas, que, vinculadas às condicionantes ambientais, traduzem aspectos

25
de formação, consolidação, articulação, especialização e hierarquização entre
núcleos urbanos em escala regional.
Os fundamentos para as análises aqui ensejadas podem ser recuperados
em Territorial organism as individuation of typical connections between route,
settlement, productive and urban organisms, de Caniggia e Maffei (2001). Nessa
publicação, os autores explicam que os assentamentos e os núcleos urbanos
geralmente se originam da estruturação de rotas que conectam áreas produti-
vas. São identificadas quatro fases formativas do território, estabelecendo um
paralelo com a história da evolução da civilização humana.
Na fase inicial de ocupação do território, são implementadas as rotas
como as primeiras estruturas morfológicas da ação antrópica, estabelecendo
um paralelo com o desenvolvimento nômade da humanidade. Na segunda
fase, determinados locais do território despontam como áreas nas quais os
recursos naturais são coletados ou retirados. Progressivamente, as áreas produ-
tivas podem adquirir características de permanência, transformando-se em
assentamentos. A terceira fase pode ser considerada a partir do momento da
produção artificial (criada pelo homem) por meio da fixação e uso do solo,
conectando um sistema de produção apto a mudar a ordem natural do lugar em
uma ordem de produção humana constante. E a quarta fase, de transformação
do território por ação humana, define uma hierarquia entre os assentamentos,
por meio da implantação de um sistema comercial e de atividades manufatu-
reiras, que passam a consistir espacialmente em núcleos urbanos. Os núcleos
urbanos promovem relações de trocas comerciais e sociais com outras localida-
des, definindo espacialmente a estruturação do território por meio da conexão
por rotas, formando redes regionais, conforme Caniggia e Maffei (2001).
Para Strappa et al. (2003), o processo de consolidação de uma unidade
territorial ocorre apenas com a integração de diferentes componentes da estru-
turação antrópica, que evoluem ciclicamente. Portanto, considerado como um
organismo, o território pode ser entendido por complexos sistemas organizados
não autônomos, mas reconhecíveis e concomitantes ao mesmo objetivo, ou

26
seja, constituído por múltiplos sistemas interdependentes e integrados. E esses
sistemas podem ser observados em uma fase historicamente mais madura do
processo de antropização do território.
As análises morfológicas territoriais são, portanto, baseadas em um valor
histórico-antropológico. A busca pelo reconhecimento de uma identidade
social relaciona o pertencimento de um grupo a uma singularidade territo-
rial, como um espaço socialmente compartilhado. E a sucessiva apropriação
desse espaço compartilhado dá origem ao conceito jurídico de propriedade do
solo, como consequência dos processos transformativos e do uso produtivo
do território. Todos esses processos de apropriação e produção deixam marcas
legíveis espacialmente, passíveis de serem reconhecidas e compreendidas como
elementos morfológicos de uma paisagem (GIMMLER NETTO, 2020).
De acordo com Maretto (2008), as análises morfológicas e territoriais se
constituem no trâmite das categorias racionais e empíricas, compartilhando
uma visão integrada do ser humano e da natureza, da filosofia e da ciência, do
tempo e do espaço. Evidencia-se que, nessa perspectiva territorial, a abordagem
morfológica é interdisciplinar, tendendo a convergir o conteúdo das ciências
humanas e das ciências naturais.
Muratori elabora a teoria dos cumes ao relacionar os aspectos ambientais
e os antrópicos para a constituição da noção de território. Esta teoria serve de
alicerce para construção de modelos que analisam o território em sua sucessão
histórica, descrevendo as fases evolutivas de ocupação, desenvolvimento de
áreas produtivas e de assentamentos e, principalmente, relacionando as rotas
ao relevo (GIMMLER NETTO, 2020).
Nesse contexto, as rotas estabelecem entre si uma relação colaborativa, na
qual cada uma desempenha um determinado papel para o desenvolvimento do
território como um organismo. As principais rotas são denominadas conforme
sua função e localização geomorfológica. Nomeadamente, as rotas de crista
podem ser principais e secundárias, as rotas de meia encosta se dividem em
contínuas, locais e sintéticas e as rotas de fundo de vale se distinguem em

27
principal e secundária, como demonstra o esquema a seguir.

Figura 1: Croqui do desenvolvimento do território por meio das rotas


Fonte: Gimmler Netto (2020), com base em Pittaluga (1987), Caniggia e Maffei (2001), Strappa et al.
(2003), Maretto (2008) e Lombardini (2017).

A rota de crista principal é uma linha longitudinal natural que divide duas
bacias hidrográficas. Esta constitui uma maneira primitiva ou pré-histórica
de percorrer o território para se ter a noção de escala e de orientação geográ-
fica, a partir da visão de um ponto de elevada altitude. Os percursos de crista
secundários são perpendiculares à rota de crista principal, fazendo a ligação do
ponto mais alto do território com os promontórios em meia encosta, geral-
mente abaixo da linha de nascentes. Esses percursos favorecem a formação de
nodalidades e polaridades em seu cruzamento com outras rotas paralelas à rota
de crista, ou seja, favorecem o surgimento de assentamentos nos promontórios
(GIMMLER NETTO, 2020).
Já a rota de meia encosta contínua é paralela à curva de nível de altitude
intermediária e segue longitudinalmente pela encosta. Essa tende a substituir
integralmente a função da rota de crista principal com o amadurecimento do
território. Sua função é a ligação entre os assentamentos, permitindo o desen-
volvimento dos núcleos urbanos. Duas outras rotas surgem para complementar

28
a sua função e, por isso, são também denominadas de meia encosta, uma
ascendente e outra descendente, ambas implantadas diagonalmente às curvas
de nível, reduzindo a declividade. A primeira é a rota de meia encosta local,
que contribui para a especialização produtiva do território em direção ao fundo
de vale. E a segunda é a rota de meia encosta sintética, que funciona como um
trajeto mais adaptado ao relevo até a rota de crista principal, no topo de morro
(GIMMLER NETTO, 2020).
Por fim, as rotas de fundo de vale consolidam o processo de estruturação
territorial, porém são menos estáveis. Também é menos estável a ocupação em
suas margens, geralmente inundáveis. A rota de fundo de vale principal é uma
linha paralela ao curso de água, correspondendo às cotas mais baixas do relevo.
Já o percurso de fundo de vale secundário é complementar ao percurso de crista
secundário, pois juntos compõem as rotas perpendiculares às curvas de nível,
constituindo a ligação direta da crista para o vale. Os percursos secundários
desempenham um papel importante também para o sistema antropizado de
drenagem das encostas (GIMMLER NETTO, 2020).
Segundo Maretto (2008), um fator de destaque para análise territorial diz
respeito às mudanças de funções das rotas em casos específicos. O autor explica
que, quando os contextos montanhosos são particularmente altos e inacessí-
veis, observa-se o desenvolvimento das principais rotas ao longo das margens
dos rios. Neste caso, as rotas de meia encosta, onde geralmente ocorrem os
assentamentos, passam a exercer a função das rotas de crista, relacionadas à
segurança e localização no território. As funções da rota de meia encosta de
assentamento e troca passam a ser exercidas pelas rotas de fundo de vale, ao
longo das margens dos rios, permitindo a continuidade e a conexão essencial
ao desenvolvimento do território.
Resumidamente, Tagliazucchi (2015a) ressalta que a ambivalência ambien-
tal e humana é endossada também nas quatro fases formativas do organismo
territorial. A fase primitiva destaca as cristas, nas quais os cumes permitem
a visualização de duas rotas fluviais, nas quais os cursos de água são vistos

29
como fronteiras. A segunda fase é caracterizada por uma ocupação sintética da
meia-encosta, onde ocorrem os assentamentos, que se estendem longitudinal-
mente e derivam transversalmente de modo a juntar crista e vale. A terceira fase
constitui as rotas de fundo de vale, próximas de onde correm os rios, na qual
uma diferente concepção é encontrada para a relação rio-território, não mais
como fronteira, mas como eixo de desenvolvimento. E a quarta fase é caracte-
rizada pela subdivisão do território, as propriedades da terra e os regulamentos
de água em sistema de canais e rotas locais. Assim, são incorporadas as divisões
administrativas, correspondendo ao amadurecimento cultural e consolida-se
a ocupação territorial, estabelecendo uma hierarquia entre núcleos urbanos.
Como os núcleos urbanos e as rotas são fortemente condicionados pela
geomorfologia e outras características ambientais, os eixos de desenvolvimento
territorial, geralmente, ocorrem em rotas longitudinais que acompanham as
curvas de nível, por apresentarem menor declividade. Esses eixos apontam a
direção de desenvolvimento do território, frequentemente localizados nas rotas
de fundo de vale.
Lombardini (2017), Muratori tece uma analogia entre o fluxo curso de
água ao vale e o desenvolvimento territorial; assim como aquele, encontra
o melhor caminho, cavando o leito onde a estrutura do solo permite que o
processo erosivo ocorra. E, segundo Tagliazucchi (2015a), Giannini enfatiza
como Muratori tem uma visão integrada do território ao observar que as linhas
relativas de desenvolvimento coincidem, de maneira geral, com os principais
rios como um eixo matriz. Por esse motivo, são estruturas permanentes para
a conformação de um território, estabelecendo as conexões necessárias para o
desenvolvimento dos núcleos urbanos.
Na lógica distributiva, os diferentes núcleos urbanos são importantes
elementos estruturadores do território de onde partem ou chegam rotas de
estruturação territorial, definindo uma hierarquia entre as cidades. E, no
fluxo da história territorial, o assentamento é progressivamente desenvolvido,
tentando otimizar uma estrutura pré-existente que influencia as alternativas
em transformação.
30
Segundo Tagliazucchi (2015a), Muratori não se limitou a esquematizar os
assentamentos e as conexões entre eles, mas procurou demonstrar, com atenção
histórica, como as populações e seus deslocamentos relativos consolidaram-se
ao longo do tempo. Por esse motivo, a cartografia histórica assume importância
para a definição dos parâmetros que retratam essas mudanças socioculturais
materializadas no território.
Malfroy e Caniggia (2021) explicam que quatro aspectos do desenvolvi-
mento em escala territorial devem ser analisados. Em primeiro lugar, a lógica
do momento histórico possibilita a avaliação dos meios disponíveis, relacionan-
do-se à análise dos padrões dos assentamentos. O segundo aspecto diz respeito
ao momento econômico, vinculando as técnicas de implementação com a
avaliação dos domínios de distribuição das propriedades. O terceiro analisa a
ética relacionada ao conceito de uso por meio da rede de rotas. E, por fim, o
quarto aspecto refere-se à estética, compreendida como resolução formal da
morfologia do território.
Para Lombardini (2017), os diferentes territórios, ou seja, as diferentes civili-
zações, antes da homologação capitalista, são o resultado de longos processos
de interação entre o homem e o ambiente. Sob as condições contemporâneas,
esse longo processo adaptativo pode ser ignorado, deixando de lado todo um
conhecimento da humanidade relacionado ao ambiente. Ou, pelo contrário,
pode ser incorporado às oportunidades de inventar futuros sustentáveis, que
levem em consideração as particularidades de cada território tipo, como uma
síntese da capacidade de adaptação do ser humano ao ambiente.
Tendo em vista que a aproximação escalar não se baseia numa análise
somente de elementos espaciais, mas em lógicas que traduzem o raciocínio
ambiental, os recortes territoriais contribuem para o entendimento regional.
Se, por um lado, os limites municipais correspondem às definições de suas
fronteiras administrativas, facilmente representadas como uma dimensão da
realidade, por outro, o território não se refere a um contexto de representação
política, mas sim a seu contexto morfológico ambiental e humano, como
abordado a seguir no estudo de caso.
31
Entre a Serra de São José e o Rio das Mortes
A aplicação das bases conceituais da abordagem territorial italiana na
realidade regional do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, destaca o tipo
territorial como um recorte fundamentado nos aspectos ambientais, condicio-
nando o espaço geográfico e histórico determinado entre a Serra de São José
e o Rio das Mortes. Nesse contexto, estão localizadas as atuais sedes adminis-
trativas dos municípios de São João del Rei, Santa Cruz de Minas, Tiradentes
e Prados, como será apresentado a seguir, cujas ocupações remontam ao início
do século XVIII e são articuladas por importantes rotas de naturezas distintas,
que desempenham seus papéis específicos na conformação do território como
organismo.
A mesorregião do Campo das Vertentes se coloca entre importantes conjun-
tos montanhosos do Sudeste, tais como a Serra da Mantiqueira ao sul e leste,
a Serra do Espinhaço e Vertentes a nordeste, e a Serra da Galga a norte (FJP,
1977). No centro e oeste, tem-se o Vale do Rio Grande atravessando toda
a área. Essa região é composta por 36 municípios e três microrregiões: a de
Lavras, com 9 municípios, a de São João del-Rei, com 15 municípios, e a de
Barbacena, com 12 municípios. Inseridas na microrregião de São João del Rei,
as sedes urbanas de Tiradentes, São João del Rei, Santa Cruz de Minas e Prados
apresentam vínculos desde sua formação, visto que compartilham as mesmas
origens, mas possuem desenvolvimento urbano distintos (Figuras 2, 3, 4 e 5).

32
Figura 2: Localização da Microrregião do Campo das Vertentes em relação
aos divisores entre as Bacias do Paraopeba, do Rio Grande, do Rio Doce e do
Paraíba do Sul, com destaque para a Microrregião de São João del Rei
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022, com base em IED Sisema e Topodata.

33
Figura 3: Fotografia do núcleo histórico de Prados
Fonte: Gimmler Netto, 2022.

Figura 4: Centro histórico de Tiradentes


Fonte: Gimmler Netto, 2022.

34
Figura 5: Centro histórico de São João del Rei
Fonte: Gimmler Netto, 2022.

A figura 06 apresenta o recorte definido como o tipo territorial da paisagem


contemporânea para análises morfológicas integradas, envolvendo aspectos
ambientais e de desenvolvimento humano. A hipsometria apresenta as bases
morfológicas do relevo para determinar o espaço compreendido entre a Serra
de São José e o Rio das Mortes, com seus afluentes, como o território sobre o
qual os processos de ocupação antrópica foram estabelecidos. O mapa também
apresenta as principais rotas do território – o trecho da Estrada Real, a Trilha
do Carteiro, a antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas e a rodovia BR-265–,
bem como as manchas urbanas atuais de São João del Rei, Tiradentes, Santa
Cruz de Minas e Prados.

35
Figura 6: Mapa do território tipo
Fonte: elaborado pelos autores, 2022, com base em IED Sisema e Topodata.

Ambientalmente, o território tipo é caracterizado pelo relevo em verten-


tes, conhecido como mares de morros, segundo Ab’Sáber (2003). As encostas
definem a diferença de altitude entre o topo do morro e o fundo dos vales. Das
vertentes das serras, nascem as águas que escorrem pela superfície, formando
córregos que são afluentes dos ribeirões e do Rio das Mortes no fundo de vale.
Todos esses tributários pertencem à mesorregião hidrográfica do Rio Grande,
parte da macrorregião do Rio Paraná, segundo IBGE (2021).
A hipsometria caracteriza os topos das serras como divisores das bacias
hidrográficas. As áreas mais baixas correspondem aos vales dos cursos dos rios
locais, formando alguns terraços fluviais como a colônia do Marçal, em São
João del Rei. As altitudes variam de 800 a 1.350 metros em relação ao nível
do mar nos topos das serras de São José, Lenheiro, Carrancas, Traituba e Bicas.
Estas se destacam do conjunto como morros resultantes de falhamentos ou
erosão diferencial. No conjunto, o relevo microrregional se apresenta fortemente

36
ondulado ao norte e ao sul, ocorrendo nesta última grande número de aflora-
mentos rochosos, segundo a FJP (1977).
A sobreposição ao relevo do caminho utilizado pelos bandeirantes para
explorar o território de Minas Gerais, conhecido posteriormente como o
Caminho Velho da Estrada Real, revela, contudo, como as serras do Lenheiro
e de São José – que conformam parcialmente o vale do Rio das Mortes –
constituem importantes marcos neste caminho. Trata-se do primeiro grande
destaque geográfico após cruzar o Rio Grande, o que provavelmente fez com
que servissem de referência para o estabelecimento deste caminho (Figura 7).

Figura 7: Caminho Velho para as Minas Gerais com destaque


para o Rio Grande e as Serras do Lenheiro e São José
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022, com base em IED Sisema.

37
De acordo com Carvalho (2001), é o sistema geológico, nos aspectos
constitutivos e comportamentais, que fornece a base ambiental dos territórios e
as condições para a sua sustentabilidade. E a infraestrutura, que corresponde ao
suporte físico geológico, determina as condições geomorfológicas, hidrológicas
e a capacidade de resiliência, ou seja, de absorção dos impactos ambientais.
Em relação à geologia, as camadas superficiais são denominadas formações,
constituídas conforme a cronologia de sua gênese. As estruturas mais antigas
estão relacionadas ao período arqueano de formação do planeta e constituem
o embasamento, formado por rochas cristalinas. As subsequentes formações
foram reunidas em Grupos e estes em Supergrupos, de acordo com as carac-
terísticas geológicas constituintes e período de sua formação (GIMMLER
NETTO, 2014).
O Grupo São João del Rey, que constitui as serras do Lenheiro e de São
José, se situa na divisa entre do Cráton do São Francisco – bloco continental
estabilizado por volta de 1,8 bilhão de anos – e os Sistemas Montanhosos de
Tocantins, da Mantiqueira (ALCKMIN, 2018). As serras de São José e do
Lenheiro são originárias de um rifteamento entre estes três terrenos pré-cam-
brianos (Figura 8). Junto ao Cráton de São Francisco, os afloramentos são
muito semelhantes ao Supergrupo do Espinhaço (ou Supergrupo de Minas).
A mais velha das unidades aflorantes, Grupo São João del Rei,
de idade mesoproterozóica e com aproximadamente 1000m de
espessura, é subdividida em quatro formações marinhas, constituídas
predominantemente por quartzitos e, subordinadamente, meta-pelitos.
As formações também marinhas Carandaí, Barroso e Prados, compostas,
respectivamente, por meta-diamictitos (30m de espessura), calcários
(200m) e filitos (500m) recobrem o Grupo São João del Rei. Suas
idades remontam à Era Neoproterozoica (RIBEIRO et al. 2013 apud
ALCKMIN, 2018).

38
Figura 8: Mapa geológico simplificado com as principais unidades litológicas e estruturas da Faixa
Ribeira, onde se situam o Campo das Vertentes e a Serra da Mantiqueira
Fonte: Alkmim, 2018.

No território tipo, a economia regional tem fortes vínculos com a ativi-


dade minerária, devido à diversidade de minerais ali encontrados, desde os
primórdios da ocupação até constituir as bases para a recente industrialização.
Segundo a FJP (1977), a estrutura geológica de suporte à paisagem configura
uma província metalogenética de formações granito-pegmatíticas constituídas
de instruções em forma de diques que afloram à superfície após atravessar as
formações do pré-cambriano, dos Grupos Minas e Itacolomi, constituintes do
Supergrupo Minas (limite do Cráton São Francisco). A formação calcária é
encontrada na área superpondo-se aos terrenos do pré-cambriano, tendo sua
ocorrência coincidente com a do Grupo São João Del Rei.
Já em relação à composição pedológica, ainda conforme a FJP (1977),
os tipos de solo encontrados na região são, predominantemente, o latossolo
vermelho, vermelho amarelo, vermelho escuro e o litossolo. Os solos com
maiores profundidades são os de várzea ou terraços fluviais, possibilitando a
formação dos horizontes do solo próximo aos vales. Nas vertentes, predomi-
nam camadas finas de solo, devido à lixiviação, lavagem do solo pela água de
chuva que escorre com velocidade nas altas declividades das encostas das serras.

39
De acordo com o IBGE (2002), o clima da região é o Tropical Brasil
Central, sendo considerado Subquente por apresentar temperatura média entre
15º C e 18º C em pelo menos um mês e classificado como Semiúmido, por
apresentar 4 a 5 meses secos por ano. Essas condições climáticas e de locali-
zação geográfica permitiram o desenvolvimento de ambos os biomas, a Mata
Atlântica e o Cerrado.
Devido às condições climáticas e pedológicas, a cobertura vegetal da matriz
do território tipo corresponde à combinação entre a floresta estacional típica
da Mata Atlântica e dos Campos predominantes no Cerrado. Ab’ Saber (2003)
explica que entre a Mata Atlântica e o Cerrado existe uma faixa de transição,
que apresenta simultaneamente características de ambos os biomas, como
acontece na microrregional do Campo das Vertentes. Conforme a FJP (1977),
os campos nativos são formados por espécies rasteiras que se desenvolvem
nos declives das serras, justificando o nome Campo das Vertentes. E a mata
atlântica é encontrada em manchas residuais pelas encostas, principalmente na
vertente sul da Serra de São José e na mata ciliar em torno dos cursos de água.
Geralmente, as matas ocupam as áreas mais baixas e úmidas dos fundos
de vale, onde os solos são mais profundos e apresentam maior quantidade de
matéria orgânica. E nas regiões mais elevadas das encostas e topo das serras,
onde os solos são mais rasos, arenosos ou apresentam afloramentos rochosos,
a cobertura é constituída de arbustos e vegetação rasteira, caracterizando os
campos do cerrado. Esses campos são caracterizados por vegetação rasteira e
conjuntos de arboretas, conforme Ab’Sáber (2013).
Em relação às matas tropicais, sua composição se baseia em árvores de
médio a grande porte, que estão geralmente associadas ao relevo dos vales. E
as matas de galeria, em faixas que acompanham as margens ao longo dos rios,
riachos e córregos, apresentando vegetação arbórea-arbustiva, densa e de porte
médio. Tanto a mata tropical quanto as matas de galeria funcionam como
filtros que permitem a sedimentação dos fragmentos de rochas carreados até
a base da vertente, antes que sejam lançados nos cursos de água. Isso favorece

40
o equilíbrio entre o material fornecido pelas encostas e o sistema hidrológico,
impedindo o assoreamento dos cursos de água, como explica Gimmler Netto
(2014).
Observa-se, neste contexto, como o relevo com grande diferença de altitude
(500m) e encostas de declividade acentuadas da Serra São José possibilitou a
retenção de umidade na vertente sul desta serra (Figura 9). Esta serra constitui-se
ainda hoje em um lugar de destaque na paisagem pela passagem abrupta da
cobertura florestal da encosta sul para a formação rasteira ao norte. A linha de
cumeeira torna-se tanto o divisor de águas como de biomas.

Figura 9: Cobertura Vegetal em 2021. Em verde escuro, Florestas; em verde oliva, Formação
Campestre; em vermelho, mancha urbana; em amarelo, agropecuária.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022, com base em IED Sisema e no Map Biomas, 2020.

O conjunto dessas características ambientais determina a estrutura morfo-


lógica da paisagem, que sucessivamente adaptada e alterada pela ação antrópica,
torna-se a base para a definição do território tipo. Nesse sentido, a relação entre

41
o suporte e a cobertura da paisagem, que inclui a atividade humana, segundo
Odum (1976) e Delpoux (1997), deve ser avaliada em conjunto. Destacam-se
na abordagem morfológica territorial os processos de urbanização e conexões
regionais estabelecidos entre os diferentes núcleos urbanos.
Tal qual nos estudos sobre o tipo territorial, verifica-se no processo de
urbanização em Minas Gerais a existência de rotas condicionadas pelo relevo
que exerceram papel fundamental no desenvolvimento do território. Junto a
estas rotas, os locais mais propícios ao pouso dos viajantes eram conhecidos
como Passagens que, de acordo com a especialização de atividades econômi-
cas, com o passar do tempo, se estabeleciam em assentamentos, conhecidos
como Arraiais. Os arraiais se desenvolveram em núcleos urbanos nas diferentes
regiões do estado, sempre conectados por rotas que formavam uma rede urbana
mineira, durante o período colonial. Os mais importantes do ponto de vista
estratégico para a Coroa Portuguesa ou que exerciam maior atração popula-
cional eram elevados à categoria de Vilas (MARX, 1991). A consolidação do
espaço urbano mineiro em cidades concretiza-se a partir da independência do
país, como explicam Costa et al. (2020).
O fenômeno da ocupação das Minas se deve a uma complexa organiza-
ção de diversos núcleos urbanos em diferentes estágios de desenvolvimento
identificados como arraiais, vilas e cidades (MORAES, 2005). Por meio de
distintas relações de interdependência, hierarquia, função e especialização entre
os diferentes núcleos urbanos conforma-se um sistema integrado, reconhecido
como uma rede urbana, conectada por rotas.
O estabelecimento desta rede, contudo, não se dá de forma autônoma
à geomorfologia do território. Observa-se, de modo semelhante aos estudos
italianos, a existência de três rotas principais de estruturação do território: a rota
de crista com função de localização geográfica, a rota de meia encosta vinculada
à formação dos assentamentos urbanos e a rota de fundo de vale relacionada ao
desenvolvimento territorial. Além dessas rotas longitudinais que influenciam
os estágios de desenvolvimento territorial, verifica-se também a rota de meia

42
encosta sintética, que funciona como um trajeto mais adaptado ao relevo até
a rota de crista principal no topo de morro, como explicado a seguir.
Os primeiros registros da materialização da ação antrópica no território tipo
referem-se às formas de ocupação indígena, testemunhadas tanto na maneira de
locomover-se por trilhas, quanto no estabelecimento de assentamentos, geral-
mente, de caráter seminômade. Pela interação com o seu meio, os indígenas
tornam-se capazes de deduzir quais os melhores caminhos que, de acordo com
Holanda (1994, p. 33), contribuíram para “marcar de modo definitivo a fisio-
nomia da terra onde vagaram”, configurando rotas primitivas pelo território.
Vestígios da rota de crista precedentes são verificáveis nas pinturas rupestres
encontradas na Serra do Lenheiro (RESENDE et al., 2010) e na Serra de São
José (FERREIRA, 2021).

Figura 10: Pintura Rupestre na Serra de São José


Fonte: Equipe UFSJ apud Ferreira, 2021.

43
A exploração do território pelos colonizadores se utilizou das trilhas indíge-
nas preexistentes para o processo de interiorização do país. Resende et al.
(2010, p. 117) destacam que a compreensão de que a “Estrada Real é uma
rota indígena milenar, não propriamente construída, mas sim conquistada
pelo colonizador” não é nova; esta já foi afirmada por diversos autores, dentre
os quais, Sérgio Buarque de Holanda, Capistrano de Abreu, Antonio Robert
Moraes e Renato Pinto Venâncio. Verifica-se que a ocupação humana no trecho
conhecido como Caminho Novo data de dez mil anos atrás.
Tais trilhas foram apropriadas pelos desbravadores em expedições conhe-
cidas como bandeiras, quando oriundas de empreitadas privadas ou como
entradas, quando financiadas pela Coroa. A principal motivação era a busca
de metais preciosos, que encorajou inúmeros viajantes que, na segunda metade
do século XVII, investiram no desbravamento e descoberta da região que seria
conhecida como Minas do Ouro, segundo Pereira Costa et al.
No contato com os colonizadores, a influência da apropriação territorial
indígena foi sendo alterada sob novas condições de locomoção e assentamento
no território, que se manifestaram com adequações culturais aos condicionantes
locais. A proximidade com cursos de água era outro fator determinante para a
implantação do assentamento, estabelecendo o vínculo com o fundo de vale.
A partir de então, os eixos de desenvolvimento territorial são sucessivamente
consolidados, permitindo a formação dos assentamentos sob a perspectiva
urbana incipiente.
Segundo a FJP (1975), conhecidos pelos bandeirantes desde suas incursões
de desbravamento no território mineiro, os primeiros caminhos da Microrregião
dos Campos das Vertentes não passavam de simples picadas, quase sempre
margeando os seus inúmeros cursos de água. Situado entre os limites de impor-
tantes bacias hidrográficas brasileiras – a do Rio São Francisco (Nascente do
Paraopeba), a do Rio Paraná (Rio Grande) e a Bacia do Atlântico Sudeste
(nascente do Rio Doce) – e facilmente acessível desde o planalto paulista pela
Serra da Mantiqueira, compreende-se que o Campo das Vertentes tenha se

44
constituído como local estratégico para penetração e exploração do território.
Este fato se ratifica com o estabelecimento da Picada de Goiás, já no século
XVIII, cujo início da trilha se dava em São João del Rei.
Durante muitos anos, os exploradores utilizavam essas redes de trilhas
indígenas no interior da capitania, cruzando a região do Rio das Mortes. Esse
primitivo roteiro veio então a ser conhecido como Caminho Velho. Sua impor-
tância original seria diminuída com a tentativa de maior controle do território
por parte da Coroa que culminou na abertura do Caminho Novo, ainda no
século XVIII. O cruzamento entre a antiga e a nova estrada dava-se perto da
atual cidade de Barroso (FJP, 1975), permitindo o novo eixo de acesso ao
território tipo.
Verifica-se, portanto, que a rota de meia encosta, com função de assenta-
mento no território tipo, corresponde ao Caminho Velho da Estrada Real. A
Estrada Real, portanto, induzia o surgimento e o desenvolvimento de núcleos
urbanos ao longo de seu eixo. Vasconcellos (2011) explica que trechos da
Estrada Real tornavam-se, em geral, a rua principal de quase todas as vilas
coloniais.
Deve-se lembrar que as Estradas Reais nascem com natureza oficial, pois
eram as únicas vias autorizadas de acesso à região das reservas de ouro e diaman-
tes da capitania de Minas (WAGNER, 2003). As circulações das pessoas e dos
animais, com minerais e mercadorias, eram obrigatoriamente feitas nas Estradas
Reais, pois constituía crime contra a Coroa a abertura de novos caminhos.
Contudo, diversas estradas alternativas foram implementadas para permitir o
desvio de ouro, muitas delas chegando a ser calçadas por escravizados.
Dentre as estradas alternativas que vinculavam São João del Rei e Tiradentes
está a Trilha do Carteiro – que corresponde a uma rota de meia encosta sinté-
tica, de acordo com a abordagem territorial italiana. Seu trajeto faz a ligação
da rota de meia encosta de assentamento com a rota do topo da Serra de São
José. A origem de seu nome está associada à memória social do movimento da
Inconfidência Mineira contra a Coroa Portuguesa; refere-se a um carteiro que

45
fazia esse trajeto para transportar a correspondência entre os rebeldes, sendo
assassinado onde supostamente foi feito um túmulo em sua homenagem. Essa
trilha possui trechos de pavimentação em pedras, feitas pelos povos escravizados
no século XVIII.
Vale ressaltar que, segundo Moraes (2005), as rotas comerciais articula-
vam as vilas e cidades. E, embora fosse a Coroa Portuguesa quem decidisse
sobre o modelo de administração territorial, adaptações ocorreram devido ao
contexto geográfico distinto. O isolamento dos povoados exigia que os próprios
habitantes procurassem soluções para as questões de ocupação e urbanização
dos territórios específicos, produzindo aspectos únicos, tais como o caráter
longilíneo vinculado à principal rota territorial de meia encosta.
Em relação à formação dos núcleos urbanos, de acordo com Malaquias
(2014), a ocupação da região do Campo das Vertentes pelos bandeirantes
data do final do século XVII. Nesse período, o paulista Tomé Portes del Rei
cruza o Rio Grande e fixa-se às margens do Rio das Mortes, com o objetivo
de estabelecer comércio de mantimentos com aqueles que se empenhavam em
desbravar o interior da Colônia. A partir da criação de um porto de passagem
sobre o Rio das Mortes, conhecido como Porto Real, e um local de pouso
para os viajantes – próximo à atual cidade Santa Cruz de Minas –, inicia-se
a base das expedições, que vão descobrir ouro nas encostas das Serras de São
José em 1702.
A descoberta de ouro na região fomentou a criação de dois arraiais junto
à Rota de Meia Encosta quase que simultâneos: o Arraial Velho do Rio das
Mortes (posteriormente nomeado Vila São José, atual Tiradentes) em 1702 e
o Arraial Novo (São João del Rei), dois ou três anos depois (MALAQUIAS,
2014). Inicia-se neste mesmo período o povoamento de Prados – também
junto ao Caminho Velho, entre o sopé da Serra de São José e o vale em que
corre um afluente do Rio das Mortes –, quando dois sertanistas irmãos, da
família Prado de Taubaté, ali se fixaram em 1704.

46
Além da sincronicidade de origem entre os três arraiais, o crescimento
populacional e sua importância econômica para a Coroa Portuguesa determina-
vam a mudança nos estágios de desenvolvimento dos núcleos urbanos. São José
e São João del Rei foram elevados à categoria de vila na fase de intensa extração
do ouro nas Minas. O Arraial Novo do Rio das Mortes veio a sediar paróquia
e freguesia em 1711, tornando-se a vila de São João del Rei em 1713, a quarta
localidade mineira a receber o título. Já São José del Rei (atual Tiradentes)
deixou de ser o Arraial Velho, vinculado aos domínios de São João, em 1718.
O mesmo não ocorreu com Prados, que pertenceu ao termo da Vila São José,
desde que esta foi estabelecida até 1890, quando finalmente foi elevada à vila.
Devido ao rápido crescimento econômico e populacional induzidos pela
extração de ouro de aluvião, a Comarca do Rio da Mortes é estabelecida como
uma das três primeiras repartições das terras em Minas Gerais, instituída em
1713, tendo a vila de São João del Rei como sede, conforme Salgado (2007). O
objetivo de implantação desta Comarca foi a fiscalização pela Coroa Portuguesa
sobre o que era produzido, cobrando tributos, principalmente, sobre a extração
mineral – fato que justifica que essas cidades tenham sido palco do movimento
histórico revolucionário da Inconfidência Mineira.
Como demonstra Fonseca (2011) por meio de uma extensa base
documental, embora São João tivesse o posto de sede da Comarca, São José
apresentava-se em posição de destaque e os litígios entre as duas se iniciaram
ainda na proposta de constituição da segunda vila da comarca. Os represen-
tantes de São João del Rei alegavam que, a partir de então, os habitantes da
nova municipalidade teriam que se deslocar até a sede da Comarca com menor
frequência, o que diminuiria a arrecadação originada pela passagem do Rio
Grande e Rio das Mortes.
A pequena distância entre os dois núcleos – inferior a duas léguas – apresen-
tava condição similar às primeiras vilas criadas pela Coroa nas Minas. A única
cidade colonial mineira, Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo (atual Mariana),
e Vila Rica (Ouro Preto) também distavam menos de duas léguas entre si;

47
Sabará e Vila Nova da Rainha (Caeté) estavam a três léguas de distância. Essa
característica típica da fase colonial da ocupação do território fazia com que
as disputas entre as localidades estimulassem, simultaneamente, o controle
realizado pelos próprios habitantes e o avanço do território dominado.
A característica da rede urbana das Minas se destaca em relação às demais
capitanias da colônia portuguesa nas Américas, de acordo com Fonseca (2011).
Isso ocorre não apenas pelo número de nucleações elevadas às categorias de
vilas ou cidades – os principais pontos da rede –, mas sobretudo pelo caráter
impresso nas formas de vida dessas localidades e nas atividades produtivas
dominantes. As sucessivas descobertas de ouro e diamantes em vários pontos
do território transformaram as Minas em um conjunto heterogêneo de núcleos
de povoamento, em que o urbano se disseminava para além dos limites da
estrutura física de suas vilas. Ao final do período colonial, Minas tinha apenas
uma cidade e 15 vilas, mas o território estava cortado por um emaranhado de
rotas e caminhos que alcançavam os sertões e articulavam centenas de arraiais
e outros núcleos urbanos em distintos níveis de desenvolvimento.
São João e São José se mostravam especialmente ativas no processo de
expansão territorial. Enquanto São João estendeu seus domínios ao sul da
Comarca, o termo de São José estava originalmente limitado ao arraial de Prados
e algumas poucas léguas de terras lavradas. Com o passar das décadas, entre-
tanto, seus domínios avançaram de forma bastante alongada sobre os “sertões
incultos” no sentido leste-oeste, envolvendo-se em disputas territoriais com
outras porções da Capitania, constituindo, anexando ou reivindicando para
si arraiais e localidades, que mais tarde dariam origem a novas vilas instituídas
pela Coroa (FONSECA, 2011).
Isso demonstra como, frente às disputas no território, vilas e cidades
se constituíam como espaços estratégicos para a Coroa, pois significavam
pontos avançados de controle e expansão de domínios. Em muitos dos casos,
a conquista se dava ao subjugar territórios indígenas ou ocupados por grupos
de negros fugidos da escravidão, aproveitando-se de preexistências territoriais
deixadas por esses povos.

48
A decadência da atividade minerária aurífera, que ocorreu no período
entre o final do século XVIII e o início do século XIX, transformou o cenário
político administrativo de Minas Gerais (PEREIRA COSTA et al., 2018). São
José (atual Tiradentes), por exemplo, passa por prolongado período de estag-
nação, chegando a ser momentaneamente destituída, em 1848, da categoria
de vila. De acordo com Salgado (2007), isso se deve aos reflexos da decadência
na produção de ouro de aluvião, que era depositado no leito dos rios durante
sucessivas eras geológicas. As consequências socioeconômicas e políticas da
extinção do ouro de aluvião se traduzem em esvaziamento urbano.
A busca por promover novamente a dinamização deste território resultou
na implantação de muitos ramais ferroviários que seguiam os percursos de
fundo de vale, mais adequados devido às baixas declividades. Passa-se, neste
momento, para um estágio mais maduro da ocupação territorial; destacam-se
as rotas de fundo de vale, que exercem a função de desenvolvimento territorial,
conforme a abordagem italiana. Gerber (2013) alerta que quem quisesse traçar
uma rede de vias de comunicação deveria lançar seu primeiro olhar sobre os
vales dos grandes rios que banham a província. Esses indicam a direção das
rotas orientadas pela topografia, que configuram os eixos de desenvolvimento
do território, conforme a teoria muratoriana. Assim, configuram-se as linhas de
desenvolvimento nos fundos de vale, relacionadas à maturidade de estruturação
territorial mencionadas pela Escola Italiana de Morfologia Urbana.
O sistema viário da Microrregião só viria a ganhar expansão compatí-
vel com o seu desenvolvimento econômico e o crescimento almejado a seus
núcleos urbanos a partir da implantação, nos últimas décadas do século XIX,
dos primeiros trechos de ferrovia que ligavam a cidade de São João del Rei à
Estrada de Ferro Pedro II. Em 1878, fundava-se em São João del Rei, com
capitais particulares, a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM).
Implantada na margem sul do Rio das Mortes, a EFOM chegou a São
João del Rei em 1881, juntamente com as estações ferroviárias de São João del
Rei, São José – que passa a ser nomeada Tiradentes em 1889, em homenagem

49
ao ilustre inconfidente – e Prados. A localização deste equipamento junto aos
núcleos urbanos nas duas primeiras cidades promoveu transformações em
sua estrutura urbana, ao passo que, em Prados, a distância de 11 km entre
o povoado histórico e a estação não permitiu tal desenvolvimento. Com o
advento da República e a encampação da ferrovia pelo Governo Federal em
1903, as linhas da Oeste de Minas se estendem em várias direções, com ramais
atingindo o sul e o centro do Estado, o Triângulo Mineiro e também o Rio de
Janeiro, como explica a FJP (1975).
Não obstante, deve-se ressaltar que São João del Rei prosseguiu conso-
lidando seu papel de polarização regional ao longo de todo o século XIX,
enquanto Tiradentes e Prados só viriam a experimentar maior ritmo de expan-
são urbana já no século XX, quando iniciou a ampliação do sistema viário. A
implantação de infraestrutura urbana, compreendendo o abastecimento de
água, rede de esgotos, energia elétrica, pavimentação e outros serviços, tem
constituído, desde fins do século XIX, preocupação permanente das cidades
da Microrregião. Ainda assim, é a partir do século XX que as transformações
territoriais são intensificadas pela crescente urbanização e industrialização do
território. Nesse contexto, as estradas de rodagem são implementadas para
conectar o território com outras localidades estaduais e nacionais.
A partir da década de 50, o sistema ferroviário passou a ser desincenti-
vado em Minas Gerais, como reflexo da mudança na matriz de mobilidade.
A expansão das rodovias implantadas conduziu a paulatina absorção de
grande parte do tráfego de passageiros e do transporte de cargas leves e
médias, ficando a estrada de ferro praticamente limitada ao transporte pesado,
notadamente o de minério. O sistema rodoviário foi bastante ampliado com
a abertura e pavimentação de novas estradas federais e estaduais e a moder-
nização das mais antigas.
A implantação da BR-365, de 1957 a 1964, entre Lavras e Barbacena –
vinculando os eixos da BR-381 (que liga Belo Horizonte a São Paulo) e da
BR-040 (que vincula a capital de Minas ao Rio de Janeiro) – insere-se dentro

50
deste movimento. No âmbito do território tipo, constituiu-se um novo eixo de
desenvolvimento ao sul do Rio das Mortes. Este novo eixo tem consequências
distintas em São João del Rei e em Tiradentes. Na primeira, consolida-se a
expansão na margem leste do Ribeirão do Lenheiro, cujas primeiras manifesta-
ções já estavam presentes no século XVIII e intensifica-se a expansão do bairro
de Matosinhos. Na segunda, devido à distância entre o núcleo colonial e o novo
eixo de desenvolvimento, potencializa-se uma rota de ligação perpendicular ao
Caminho Velho (rota de meia encosta) cujo início se dá com a implantação da
estação ferroviária no final do século XIX.
Esta implantação da nova rota de desenvolvimento favoreceu o desenvol-
vimento econômico e populacional de Tiradentes, notadamente nas últimas
décadas do século XX. O eixo de ligação entre as rotas de estruturação do
território permitiu a implantação de tecidos dispersos voltados ao turismo
cultural. Tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1938,
Tiradentes consolidou-se como uma atração turística, no início do século XXI.
Para Prados e Santa Cruz de Minas (emancipada de São João del Rei apenas
em 1995), os benefícios advindos do surto desenvolvimentista verificado na
Microrregião foram, porém, menos significativos. Colocadas novamente à
margem do eixo de desenvolvimento, observa-se pouco impacto da implantação
destas em seus territórios.

Conclusão
O território tipo como o espaço geográfico que se prolonga entre a Serra
de São José e o vale do Rio das Mortes vincula historicamente São João del
Rei, Tiradentes, Prados e Santa Cruz de Minas, caracterizando a morfologia
da paisagem sob a ótica do desenvolvimento territorial. Ao longo do tempo,
a diversificação urbana revela os distintos eixos de desenvolvimento dessas
cidades, diferenciando as intervenções humanas dos períodos do apogeu da
mineração, da decadência econômica, da fase industrial e das modernizações
até a contemporaneidade.

51
Os fundamentos dos estudos morfológicos territoriais devem ser compre-
endidos como análises processuais, que abordam aspectos socioculturais da ação
humana sobre o ambiente. Isso aproxima esses estudos dos aportes teóricos da
paisagem, evidenciando a ampliação de investigação e entendimento necessários
à compreensão e atuação frente às complexidades da realidade contemporânea.
A análise morfológica demonstrou que o desenvolvimento do território
é associado à implementação de rotas vinculadas às formas do relevo, que em
fases sucessivas consolidam o espaço sob o ponto de vista da ocupação humana.
Por outro lado, embora compartilhem as mesmas origens de formação, São
João del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas e Prados apresentaram distintos
processos de urbanização, resultantes das disputas socioeconômicas estabeleci-
das historicamente e que se manifestam morfologicamente no desenvolvimento
territorial.
A função de São João del Rei como pólo territorial do espaço compreendido
entre os vales dos rios das Mortes e Grande, ocorre em decorrência natural de
sua situação geográfica como Passagem no Caminho Velho da Estrada Real
e, posteriormente, de acesso à Picada de Goiás. Esse pólo foi reforçado politi-
camente, ainda no século XVIII, pela sua função de sede da Comarca do Rio
das Mortes, com o estabelecimento da Casa de Fundição do Ouro e cobrança
de tributos sobre a produção mineral.
No século XIX, o polo regional adquiriu novo status com o desenvol-
vimento da cidade dotada de equipamentos urbanos e de sua consolidação
como centro cultural e comercial. Na virada para o século XX, a Estrada de
Ferro Oeste de Minas estende seus ramais a vários municípios dentro e fora
do Estado, reforçando a tradicional hegemonia de São João del Rei. Todos
esses aspectos favoreceram o seu crescimento econômico e demográfico, com
a implantação de indústrias e pela condição de eixo rodoviário do sistema que
conecta os municípios sob sua influência, estabelecendo ligações com outras
regiões de Minas Gerais e do país.

52
As cidades de Tiradentes e Prados, vinculadas por aspectos geográficos e
históricos em suas origens, são diretamente influenciadas pela polarização de
São João del Rei, assim como Santa Cruz de Minas, emancipada apenas em
1995. No entanto, distinguem-se em relação aos processos de desenvolvimento
urbano. Tiradentes, após um período de estagnação econômica resultante da
extinção de ouro de aluvião, passa por uma fase de esvaziamento populacional
e permanência formal. Isto se reflete na preservação de sua paisagem urbana
histórica que, no início do século XX, é protegida pelo tombamento federal
que influencia o incremento da atividade turística, principal fator econômico
na contemporaneidade. Prados também experimenta a estagnação econômica
do declínio da exploração aurífera, porém, a instalação de pequenas indústrias
de artefatos de couro fomenta a economia no início do século XXI.
O reconhecimento da materialização e do significado de um território
pode contribuir para a compreensão das ações humanas sobre a natureza,
integrando aspectos socioculturais e ambientais. A convergência entre a organi-
zação morfológica e o meio histórico-geográfico pode resultar em um sistema
de longa duração, cujo reconhecimento permite orientar tanto a valorização
das identidades locais como a implantação de novos eixos de desenvolvimento.

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57
O Espírito do Lugar no Centro Histórico
de Tiradentes
Artur Magnani Figueiredo
Charles Moraes de Lima
Simone Machado Lasmar
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Introdução

O conceito Genius Loci foi apresentado no curso de Morfologia Urbana


através do texto “As Paisagens Urbanas Históricas na Inglaterra” de Michael
R.G. Conzen (2010), trazendo argumentos que reforçam a importância da
preservação histórica, reconhecendo que a cidade não é estática e está em
constante transformação. O processo histórico da cidade está no atendimento
às necessidades econômicas contemporâneas, além da manutenção de um
passado, o que reforça a identidade do lugar. Este está imbricado pela sobrepo-
sição de camadas históricas, o que faz da cidade um local de multiplicidades,
criando uma paisagem cultural significativa. O espírito do lugar se manifesta
nesta sobreposição nos centros urbanos, e conta muito mais do que a vida no
presente: considera também as aspirações de todas as épocas vividas ali e que
fazem parte do cotidiano da cidade.
Fazer uma leitura das camadas do Centro Histórico de Tiradentes que
esteja presente na sua paisagem natural e cultural, juntamente com o dia a dia
da cidade, foi o desafio a que nos propusemos. Os primeiros procedimentos
consistem em percursos pelo local, buscando o entendimento da sua forma-
ção. Em outro momento, entrevistas informais com moradores da cidade,
comerciantes e turistas foram efetuadas para tentar compreender as relações
existentes entre o centro histórico, a paisagem cultural, as tradições da cidade,
a preservação da natureza, os eventos que movimentam grandes volumes de
pessoas e toda a infraestrutura do turismo.

58
Para este artigo foi elaborada também uma pesquisa bibliográfica. A
abundância do material, muitas vezes, levou a direções opostas para a defini-
ção do espírito do Centro Histórico de Tiradentes: conceitos como cultura,
essência e, principalmente lugar, possuem diversas interpretações, concentra-
das nas várias áreas do conhecimento. Neste sentido, as contradições estavam
presentes nas discussões sobre o papel do turismo e na avaliação do sentido
de pertencimento da população local sobre o centro histórico desta cidade.
O processo de gentrificação que ocorre ali reflete sobre a alma dessa cidade,
que perde a sua função residencial e o significado das tradições locais, dentre
outras questões.
O artigo se pauta principalmente no enfoque histórico e na análise das
entrevistas informais, todas elas realizadas em Tiradentes. Nestas, buscou-se
uma argumentação coerente, mas que trouxesse informações sobre as contra-
dições existentes na atual configuração do centro histórico, pois o Genius Loci
em 2015 está presente no conflito entre o local e o global, na diversidade e na
homogeneidade, na tradição e no espetáculo. Este posicionamento se diferencia
daqueles que consideram o centro histórico simplesmente um cenário turístico
e já decretaram a inexistência de sua alma. Este trabalho considera que a alma
da cidade está presente e foi se consolidando por meio de fatos históricos, como
se observa na sua evolução histórica.

Aspetos gerais de Tiradentes


De acordo com as informações constantes no Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística - IBGE (2010), a cidade de Tiradentes está localizada no
Estado de Minas Gerais e encontra-se situada na região Centro-Sul do Estado,
como se observa no mapa a seguir:

59
Figura 1: Localização de Tiradentes
Fonte: UOL, 2015.

O município possui uma área total de 83 km2 e altitude máxima de 1.362


m e mínima de 894 m. Nesta região, as paisagens são formadas por muitas
serras que se destacam pela altitude. Merece destaque a Serra de São José, que
forma a silhueta da cidade. Essa formação de quartzitos se estende de Tiradentes
a Prados, formando um longo paredão com 12 Km de extensão. Antigos
caminhos calçados na sua crista remetem a possíveis trilhas de Tiradentes a
São João Del Rey e a outras cidades. A vegetação típica, de campos de altitude,
cerrado, mata atlântica, com nascentes e quedas d’água abriga uma fauna
silvestre diversificada, na qual os pássaros se destacam.
O principal acesso à cidade é pela BR-040 até o seu encontro com a
BR-383, que leva a São João del Rei. O clima da cidade é o tropical de altitude
com temperaturas médias entre 18ºC e 22ºC e amplitude térmica anual entre
7ºC e 9ºC, com temperatura média anual de 17° C. Por estar na região mais ao
Sudeste de Minas e com o relevo montanhoso que constitui importante fator
no condicionamento do clima, as médias de temperatura nesta região são mais
baixas se comparadas à média do estado mineiro. Durante o verão, a elevada
altitude funciona como barreira à umidade, contribuindo para a persistência
do período de chuvas.

60
Tiradentes, segundo o Censo Demográfico de 2010, possui 6.961 habitan-
tes. A mudança significativa de crescimento populacional entre os anos de
1991 e 2000 deve-se ao desmembramento do distrito de Santa Cruz de Minas
do município de Tiradentes. Conforme se observa na tabela abaixo, a cidade
apresenta crescimento populacional superior à média do estado e do país, que
gira em torno de 1% ao ano. No caso deste município, observa-se o dobro do
crescimento em relação ao nacional, com uma média em torno de 2% ao ano,
como se observa na Tabela 1.
Evolução Populacional e do IDH de Tiradentes (Comparação com Minas e Brasil)
ANO TIRADENTES IDH MINAS GERAIS IDH BRASIL IDH
1991 10.236 0,465 15.743.152 0,478 146. 825.475 0,492
2000 5.759 0,610 17.891.494 0,624 169.799.170 0,612
2010 6.961 0,740 19.597.330 0,731 190.755.799 0,727
Tabela 1
Fonte: IBGE, 2010.

Este crescimento vem acompanhado de um crescimento significativo do


Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Este índice é utilizado para anali-
sar o desenvolvimento de uma cidade, considerando, além do crescimento do
PIB, taxas de longevidade e de educação. Pode-se perceber que em 2010 o IDH
de Tiradentes ultrapassa o IDH do estado e do país. Um resultado positivo que
redunda em aumento do PIB, como se observa na tabela a seguir:
Comparação do PIB de Tiradentes de 2000 a 2012
PIB a preços correntes 2000 20.013.000
PIB a preços correntes 2002 27.285.000
PIB a preços correntes 2004 51.466.000
PIB a preços correntes 2006 47.012.000
PIB a preços correntes 2008 60.269.000
PIB a preços correntes 2010 72.384.000
PIB a preços correntes 2012 71.084.000
Tabela 2
Fonte: IBGE, 2010.

61
O crescimento do PIB em Tiradentes também foi significativo. Pela tabela,
temos que o PIB cresceu de 2000 a 2010, 360%, mais do triplo do que era
arrecadado. Mesmo se tratando de números absolutos que não consideram a
inflação, é um crescimento bem expressivo, principalmente de 2002 para 2004.
Outro dado interessante a respeito do PIB é que, apesar de não haver muita
diferença entre o PIB de 2010 e 2012, houve uma mudança na contribuição
dos setores da economia com uma elevação de 42.272.000 para o setor de
serviços, em 2010, para 52.022.000, em 2012 (IBGE, 2010 e 2012). Isso
significa um aumento de quase 25%, enquanto a arrecadação da indústria caiu
pela metade, em apenas dois anos. O setor de serviços em 2012 é responsável
por quase 75% da sua economia, o que ilustra a importância das atividades
relacionadas ao turismo (alimentação, hospedagem, produção e comércio de
artigos artesanais).
Com relação aos aspectos sociais, o número de praticantes da religião
católica representa quase 80% da população, o que demonstra a tradição
católica da cidade, que se mantém como símbolos nas suas igrejas.
Os dados apresentados contribuem para entendermos a inserção de
Tiradentes no estado e no país. As suas características influenciam diretamente
na nossa busca pela alma do centro histórico. Os aspectos físicos da cidade,
como as montanhas e o clima, influenciam diretamente nas paisagens e nos
sentidos daqueles que transitam pelo centro histórico. Os dados populacionais
e econômicos demonstram que Tiradentes vive um momento de crescimento,
tendo a atividade do turismo como principal fator econômico que modifica as
relações pessoais e do centro histórico. A religiosidade mostra a permanência
da sua tradição católica.

Contexto e Evolução Histórica


A cidade de Tiradentes nasce a partir de um pequeno núcleo denominado
Ponta do Morro, no início do século XVIII. Os primeiros habitantes das terras
do atual município foram os paulistas, atraídos pelos cascalhos e manchas
de ouro nos montes e bacias existentes no Rio das Mortes. De acordo com

62
pesquisadores, a região foi desbravada por Tomé Portes del Rei Guarda-mor
distrital estabelecido nas imediações da atual São João del-Rei, como preposto
do Guarda-mor Geral Garcia Rodrigues Pais.
Tomé Portes del-Rei explorava o direito de passagem às margens do Rio
das Mortes já nos últimos anos do século XVII, em um ponto conhecido
como Porto Real da Passagem. Ali vivia com sua família, cuidando de canoas,
agricultura, venda de provisões e munição, e cobrança de impostos.
De acordo com Antônio Gaio Sobrinho (GAIO SOBRINHO, 1996), um
dos aventureiros, João de Siqueira Afonso, que por lá esteve à cata de ouro,
alertou Portes sobre a existência de ouro no sopé da Serra de São José e nos
córregos da redondeza. Ali foi fundado o primeiro agrupamento de garimpeiros,
denominado Arraial de Santo Antônio, no ano de 1702. Este local é denomi-
nado Ponta do Morro de Santo Antônio, em louvor ao santo de devoção dos
moradores e da capela que ali havia sido erguida e que, em consequência da
chegada crescente de garimpeiros e à abundância do ouro, logo se transformou
em arraial. O arraial, por sua vez, rapidamente foi elevado à categoria de vila,
em 1718, e recebeu a denominação de São José del Rei.
No início do século XVIII, a região foi palco das lutas entre paulistas e
emboabas. Ali foi também construída a maioria de seu casario e das edifi-
cações religiosas, como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em 1708, e a
Matriz de Santo Antônio, em 1710. À volta dos edifícios religiosos, por estarem
localizados em pontos elevados da cidade, as casas foram se firmando numa
configuração que permanece até 2015.
Por volta de janeiro de 1718, foi criada uma segunda vila na região do
Rio das Mortes com o nome de São José, em homenagem ao Príncipe D. José,
filho de D. João V, então com 4 anos de idade. O Alvará é concedido em 12 de
janeiro de 1719 e instalado em 28 do mesmo mês e ano, com o nome de São
José do Rio das Mortes, posteriormente modificado para São José del Rei. O
primeiro nome do povoado foi São José da Ponta do Morro, também chamado
Arraial Velho do Rio das Mortes e Arraial de Santo Antônio.

63
A exploração do ouro em grande escala gera o crescimento da população,
a expansão do casario e a construção de igrejas, além da migração de um
considerável número de comerciantes. Em consequência deste crescimento
populacional e econômico, em fevereiro de 1724, o arraial é elevado a distrito.
Porém, a decadência da mineração na Capitania das Minas Gerais, o esgota-
mento das minas de ouro a partir de 1750 e a escassez do metal levam a Coroa
Portuguesa a implantar a derrama, um tributo que exige pagamento compul-
sório de impostos atrasados do quinto do ouro perfazendo mais de oito mil
quilos, por volta do ano de 1788.
Em 1789, a chegada às Minas do Visconde de Barbacena, representante
da coroa portuguesa, com o propósito de proceder à cobrança dos quintos
em atraso, causa descontentamento geral do povo. Essa atitude provoca na
região das vilas do ouro um espírito de revolta entre as camadas mais abasta-
das de intelectuais, militares, comerciantes, dentre outros. O lançamento
da derrama dá origem a conjuração que passou à história com o nome de
Inconfidência Mineira.
A economia da Vila de São José, no século XIX, concentra-se nas ativida-
des agrícolas e na pecuária (porco, boi e carneiro), que vai abastecer algumas
localidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. O desempenho da atividade
na economia tem a participação da mão-de-obra feminina, que se torna expres-
siva a partir da década de 1830, especialmente no ramo da fiação e tecelagem.
Em 30 de setembro de 1848, a vila é suprimida pela Lei Provincial n. 360
e restaurada pela de n. 452, de 20 de outubro de 1849, quando seu território
é desmembrado do município de São João del Rei. Nesta ocasião, a vila é
elevada a cidade, em 7 de outubro de 1860, pela Lei Provincial n. 1.092, a
qual, pelo Decreto Estadual n. 3, de 6 de dezembro de 1889, recebe o nome
atual de Tiradentes.
Outra atividade econômica é detectada por volta de 1864, na qual a locali-
dade chega a possuir cerca de 70 teares, conta com 108 fiandeiras e tecedeiras,
além de 44 costureiras. A produção atinge cerca de 30.000 varas de pano sem,

64
entretanto, alcançar proporções industriais. Sem outras alternativas econô-
micas, São José del Rei pouco se modifica, fazendo com que sua integridade
patrimonial e paisagística assegure um dos perfis coloniais mais autênticos de
Minas Gerais e do Brasil.
Com a ruptura do regime monárquico e a tendência de supressão de
vestígios do antigo regime pela República recém-criada, São José del Rei recebe
nova denominação em 1889, passando a se chamar Tiradentes, em homenagem
ao herói da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier. A cidade
experimenta certo ritmo de expansão comercial com a implementação do ramal
ferroviário da Estrada de Ferro Oeste-Minas e, mais tarde, do sistema rodovi-
ário. Em 14 de setembro de 1891, a Lei Estadual n. 2 ratificou a criação do
distrito-sede do município na Divisão Administrativa de 1911 e, nos quadros
de apuração do Recenseamento Geral de 1-IX-1920, figura com dois distritos:
Tiradentes e Barroso.
Com a Lei Estadual n. 843, de 7 de setembro de 1923, o distrito de
Tiradentes adquire parte do território do distrito-sede de Prados e, posterior-
mente, com o Decreto Lei Estadual n. 148, de 17 de dezembro de 1938, perde
o distrito de Barroso, transferido para Dores de Campos, e área do distrito-sede,
para o município de Prados. Em 30 de dezembro de 1962, a Lei Estadual n.
2.764 cria o distrito de Santa Cruz de Minas, que em 21 de dezembro de 1995
se torna o município de Santa Cruz de Minas, desmembrado de Tiradentes.
Na contemporaneidade, uma das mais significativas fontes de renda da
cidade é o turismo, mantido pelo interesse por seu conjunto arquitetônico
colonial que mantém as características originais pouco alteradas. A Figura 3
apresenta aspectos da preservação da cidade.

65
Figura 2: Rua Direita
Fonte: LaP, 2019.

Tiradentes, após a prosperidade do ouro, foi abandonada por muitos e a


sua população viveu quase dois séculos de atividades de subsistência. Segundo
Freitas (1998), na virada do século XIX, Tiradentes continuava abandonada,
aspecto que pode ser observado no depoimento do então nomeado Juiz de
Direito, que relatou que havia capins que viravam matagais nas ruas da cidade,
sendo ela marcada pela pobreza do seu povo.
De acordo com Guimarães (2010), na década de 1920, intelectuais que
participaram da Semana de Arte Moderna, como o escritor Mário de Andrade,
visitaram a cidade. O conjunto arquitetônico e artístico impressionou-os
positivamente, o que contribuiu para seu reconhecimento como Patrimônio
Histórico, o que aconteceu em 1938. A busca por uma identidade nacional
baseada na colonização fez de Tiradentes e seu casario preservado um impor-
tante exemplo da colonização e exploração do ouro em Minas Gerais.

66
Em 1938 a cidade foi tombada como Patrimônio Histórico Nacional pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, resguardando
não só o seu conjunto arquitetônico, como também áreas de seu entorno
paisagístico, especialmente a imponente Serra de São José, suas cachoeiras e
vegetação remanescente da Mata Atlântica (IPHAN, 2014). A partir de 1960,
Tiradentes é inserida no roteiro turístico nacional por meio de um processo de
revitalização do centro histórico, utilizando, como referência no calçamento
das ruas, pedras semelhantes às existentes no Centro Histórico de Diamantina.
Guimarães (2010) identifica o papel da Fundação Roberto Marinho no desen-
volvimento turístico de Tiradentes e da Rede Globo, que utilizou a cidade para
filmagem de várias de suas produções.
Em 2015, porém, a transformação de seu valor cultural intrínseco como
valor de troca e a mercantilização do lugar geram um processo de segregação
socioespacial e severos impactos ambientais.
Na contemporaneidade, percebe-se que Tiradentes passa a ser apropriada
por comunidades externas, atraídas pelo seu status de patrimônio nacional.
Isto provoca transformações e a ressignificação do espaço físico e das relações
do tiradentino com a cidade. Tais transformações produzem um espaço urbano
complexo, com a circulação de capitais, mercadorias e pessoas voltadas princi-
palmente aos usos para a atividade turística, nos quais a cidade se torna um
espaço representativo do seu novo uso.
O Centro Histórico de Tiradentes caracteriza-se por ruas cujo casario,
geralmente térreo, se localiza no alinhamento das vias e os lotes mais antigos
possuem testadas estreitas e maior profundidade. Os largos inseridos nos arredo-
res das igrejas, as ruas tortuosas cortadas por becos, caminhos estreitos, ladeiras
íngremes, vielas, vergas abatidas e vedações em guilhotina e treliça formam o
conjunto visual deste centro histórico de 2015.

67
Figura 3: Delimitação do Centro Histórico
Fonte: LaP, 2022.

Este espaço não é apenas físico; ele é também social, que, em essência,
se materializa nas formas espaciais. Estas, ainda, exprimem a espacialidade
de organizações sócio-políticas que se adequem, ao longo do tempo, até sua
“cristalização” atual. A materialidade histórica persistente no espaço-tempo e
na corporeidade, nos modos e hábitos, que são produtos do processo histórico
da ação humana sobre a superfície terrestre e sobre si mesma, dando origem e
reconhecimento aos objetos fixados ao solo.

Espírito do Centro Histórico de Tiradentes


O primeiro aspecto da cidade a ser considerado na busca da alma do seu
centro histórico está no seu aspecto físico, que norteou as ações humanas
na fixação de acampamentos e, posteriormente, na consolidação da cidade.

68
Caniggia e Maffei (2001) afirmam que as atividades humanas não são inseri-
das em uma “tábua rasa” sem efeito sobre o processo de formação das cidades,
mas, justamente o contrário, o território possui uma estrutura independente
das intervenções humanas. O clima, as montanhas, os rios exercem influência
direta na percepção das pessoas sobre o lugar que ocupam, sendo que esses
aspectos são resistentes às mudanças, o que imprime um ponto de permanência
essencial ao lugar.
M.R.G. Conzen (1966) explica que a paisagem urbana histórica possui
tecidos urbanos mais ou menos condicionados pelas formas tradicionais. No
caso do Centro Histórico de Tiradentes, os aspectos naturais e grande parte
das estruturas humanas tradicionais permanecem, por mais que transforma-
ções e adaptações sejam reais e resultantes da acumulação cultural e do seu
processo histórico. Para esse autor, “isto proporciona a acumulação de formas
ao longo do tempo e estas se tornam atributos morfológicos fundamentais da
paisagem que, no sentido geral, refletem toda a história da paisagem cultural.”
(CONZEN, 1966, p. 3).
Para o autor, “a paisagem cultural adquire existência individualizada,
diferenciada da sociedade que a ocupa e, muito mais do que refletir as
suas aspirações atuais, reflete também um processo histórico incompleto,
cumulativo de todas as necessidades e aspirações humanas sucessivas que
se desenvolveram neste determinado habitat.” (CONZEN, 1966, p. 5).

A cidade materializa o processo histórico e passa a representar o passado e


o presente: são as camadas de intervenções humanas que constroem a cidade
e revelam as aspirações, os desejos das pessoas de cada época, fruto da intensi-
ficação das relações sociais e culturais que dão origem a uma identidade local.
A natureza, as ruas, as construções, o trabalho, o cotidiano, as festas são partes
da cidade que, através dos seus habitantes, compartilham o que chamamos de
alma do lugar ou Genius Loci. Assim como a cidade está em constante trans-
formação, a sociedade, a cultura e a alma também serão modificadas com o
passar do tempo. Não se pode imaginar que a alma do Centro Histórico de
Tiradentes em 2015 seja igual à do tempo da exploração do ouro; no entanto,

69
acredita-se na existência de algumas permanências fundamentadas justamente
na preservação do centro histórico.
A Declaração de Québec (2008, p.3) repensando o espírito do lugar, explica
sobre a preservação do “Spiritu loci”, no item 3, em 2008:
Como o espírito do lugar é um processo em permanente reconstrução,
que corresponde à necessidade por mudança e continuação das
comunidades, nós afirmamos que pode variar ao longo do tempo e de
uma cultura para outra, em conformidade com suas práticas de memória,
e que um lugar pode ter vários espíritos e pode ser compartilhado por
grupos diferentes.

A alma do Centro Histórico de Tiradentes, mesmo no período colonial,


nem sempre foi a mesma. Os aspectos naturais, econômicos, culturais e sociais
da cidade, todos englobados, influenciaram diretamente na mudança da sua
alma. O espírito de uma cidade próspera, como era a Tiradentes no início de
sua colonização, com inúmeras possibilidades, não é igual à da Tiradentes no
fim do ciclo do ouro, até mesmo porque ela já havia acumulado um processo
histórico.
Não podemos deixar de comentar ainda que, a alma está relacionada
às percepções de grupos sociais, que nem sempre compartilham os mesmos
valores. Então, o que seria a alma da cidade de Tiradentes no período colonial,
o atual centro histórico?
De forma geral, pelo viés histórico, há uma camada mais profunda e perma-
nente desse “Spiritu Loci” de Tiradentes representada pela Geomorfologia,
de onde foi instalado o povoado, emoldurado pela Serra de São José (sítios,
paisagens etc.). Uma segunda camada se instala sobreposta a esta, a partir da
ocupação através da transformação morfológica sobre o território ocupado
(edificações, objetos, traçados, rotas etc.). Esta camada é transformada ao longo
do tempo. Todos esses elementos, principalmente essa segunda camada, são
permeados pelos fatores imateriais (memórias, depoimentos orais, documentos
escritos, rituais, festivais, ofícios, técnicas, valores, odores) que contribuíram
para que Tiradentes tenha o aspecto de uma cidade pacata, na qual o tempo não

70
passa, contribuindo para montar um aspecto romanesco de atmosfera idílica.
No entanto, considerando um período específico, como a construção da
Igreja da Matriz, supõe-se que a cidade deveria ser movimentada e caótica.
Este ar de cidade pacata, na qual o tempo não passa, supõe-se estar presente
no período da decadência do ouro, em que poucas mudanças aconteciam e
que levou justamente à preservação da cidade. Referenciando a concepção de
sociedade de Norbert Elias (1994), conclui-se que a alma de um lugar é algo
complexo, pois a nossa percepção de alma pode criar modelos de acordo com
os nossos desejos; a alma vivenciada na cidade está muito além da percepção
de um indivíduo ou grupo, mas se constitui da comunhão de todas as almas
que vivenciam o lugar.
No trabalho de campo realizado em Tiradentes, várias foram as entrevistas
informais com a população local, que manifestou um distanciamento ao seu
centro histórico, uma relação de contradições. A cidade expandiu com o acrés-
cimo populacional e a expansão dos bairros periféricos. No entanto, o centro
histórico se transformou num espaço comercial e institucional com reduzida
ocupação residencial neste espaço.
A expulsão dos moradores do centro histórico tem como principal motivo a
pressão econômica proporcionada pelo turismo, principal atividade econômica
da cidade. Tiradentes volta a viver um momento de prosperidade, mas contra-
riamente ao que aconteceu no período colonial, essa prosperidade expulsou
os moradores do centro histórico por meio de um processo de gentrificação e
da especulação imobiliária que, ao invés de substituir os moradores dessa área,
cederam suas moradias para o uso comercial e institucional.
O centro histórico visitado em 2015 vive outro Genius Loci, diferente das
relações sociais familiares e das relações de vizinhança que foram alteradas em
detrimento das relações de trabalho, comércio e turismo. O Genius Loci foi
estruturado no tecido urbano e na função inicial das construções, que iam
sendo substituídas por outros usos, deixando para trás o ar pacato do lugar
que era, anteriormente, quebrado apenas pela rotina canônica das celebrações
litúrgicas e das principais celebrações comunais festivas, que se agregavam à

71
cidade toda no mesmo espaço comum. Tudo isto foi invadido pelo “frenesi
turístico” de consumo, seja de objetos de artesanato, de gastronomia, ou de
festivais. Percebe-se um esvaziamento das significâncias das celebrações que
outrora percorriam as suas ruas, por parte dos que frequentam a cidade.
Durante as entrevistas informais, percebe-se que Tiradentes ainda mantém
aspectos de uma cidade pacata, interiorana, pois todos os moradores questio-
nados salientaram o seu caráter tranquilo, sem violência, mesmo com o grande
número de turistas que movimentam a cidade. O ar puro da montanha e a
natureza também são pontos destacados e relacionados à sua qualidade de vida.
No entanto, o turismo, juntamente com o poder público, são responsa-
bilizados pela degradação ambiental, principalmente no centro histórico. A
paisagem cultural e as construções do século XVIII são exaltadas por todos,
porém somente as pessoas que trabalham diretamente com o turismo no centro
histórico admitem vivenciar este espaço em seu cotidiano. Já aqueles que vivem
fora do centro histórico, apesar de considerá-lo de grande importância, só se
deslocam para lá raramente, em alguma festa religiosa ou outra data especí-
fica. Os mais jovens disseram frequentar os eventos que acontecem na cidade
que movimentam o turismo, como os festivais de cinema e de gastronomia.
Mesmo assim, reclamam do alto custo da cidade histórica que cobra, em seus
estabelecimentos, preços fora da realidade de grande parte dos seus moradores.
Fora os eventos turísticos, disseram não haver mais outras ofertas na cidade,
o que faz muitos moradores optarem por utilizar serviços em São João Del
Rei, para o lazer e também para o atendimento à saúde, educação e compras.
Tiradentes tornou-se uma cidade voltada para o turista, principalmente em
seu centro histórico. No entanto, características do povo da cidade podem ser
percebidas pelo turista de forma informal, como é o caso da hospitalidade e da
forma de tratamento, elementos existentes entre os moradores e que repassam
para todos, sem a intenção de satisfazer padrões de qualidade de atendimento
ao turista. Essa simplicidade parece ser inerente a um povo que, por dois
séculos, após a prosperidade do ouro, teve que buscar outras alternativas para
a sua sobrevivência.

72
Consideramos que definir uma alma para o Centro Histórico de Tiradentes
seria um ato arbitrário. A oposição entre a homogeneização trazida pela globa-
lização e as especificidades e a essência do lugar criam conceitos de não-lugar,
de lugar sem alma, ou de um lugar cenário. Pelo avanço do turismo e pelo
distanciamento dos moradores da cidade, a alma desse centro histórico poderia
estar em consonância com os conceitos acima expostos. Este trabalho, contudo,
não corrobora com essa visão, pois ao tentar abordar diferentes setores da
população local, percebe-se que as relações, mesmo que conflitantes, existem
e fazem parte da alma do Centro Histórico de Tiradentes, que não é igual ao
passado e a nenhuma outra cidade histórica.
Este aspecto pode ser observado no texto seguinte, no qual Rodrigues
(2013, p. 82) destaca a importância do uso coletivo dos lugares mesmo que
por motivos diversos.
Busco abordar a possibilidade de dar vida aos lugares a partir dos usos
coletivos neles partilhados e estimulados pelos mais variados e múltiplos
motivos, inclusive o turístico e o do lazer espontâneo. Estar junto
motivado por atividades culturais ou comerciais, pelo uso residencial
ou institucional; enfim, estar junto. Creio que o modo de garantir e/ou
estimular o livre encontro entre as pessoas é unir, o máximo possível,
todos os motivos que atraiam as pessoas aos lugares coletivos.

Tiradentes é um local de múltiplas possibilidades, representadas pelas


construções antigas, ruas de pedras, proibição da circulação de carros, festivais
e encontros, natureza, tradições, infraestrutura turística de pousadas e restau-
rantes, comidas típicas, monumentos, igrejas, charretes, o povo e os turistas.
Não pode ser definida simplesmente em um não-lugar, pois a alma do centro
histórico não é somente um dos fatores acima listados, mas as conexões múlti-
plas existentes entre eles.
Finalmente, conclui-se que, se há essa discussão, é porque a cidade pode
ser pensada com o objetivo de estimular o livre encontro, no desempenho de
atividades turísticas sem a destruição da natureza, nas quais os técnicos podem
contribuir na elaboração de planos de conservação e revitalização para que a

73
população possa se beneficiar dos ganhos sociais e culturais presentes no centro
histórico.

Conclusão
Este trabalho discutiu e argumentou sobre o estabelecimento e a identi-
ficação da transformação do Genius Loci de Tiradentes, em que se reconhece
que há uma camada indelével, porém tênue, do que era no passado e ainda
sobrevive na geografia e na vegetação, nas escolhas das rotas e caminhos do
tecido urbano e no simulacro dos rituais, festivais, ofícios, técnicas, valores,
odores etc.
Para os autores, Tiradentes possui um espírito diferenciado pela junção de
todos esses elementos, porém muito distante de seu espírito original. Tiradentes
é outra, o crescimento do turismo alterou a cidade; as relações sociais e a
preservação das casas históricas mudaram de significado.
Mas até que ponto a nostalgia do passado retrata a sua alma? De que ponto
do espaço - tempo se está falando? Uma preocupação é com a riqueza cultural
existente, que não pode ser suprimida por mecanismos homogeneizantes.
Não importa o quanto se está próximo à alma do passado, mas, sim, como se
desenha a alma do presente e do futuro.
Neste sentido, percebe-se que a alma da cidade se faz ao longo do tempo e
que pode ser desvendada por meio da sua forma e da sua história. Formaram-se
camadas que podem ser reconhecidas e que devem ser valorizadas para que
aspectos sejam preservados não só como registros históricos e turísticos, mas
também como aspectos culturais para a sua valorização pelos cidadãos.

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duation of typical connections between route, settlement, productive and urban
organisms. In: CANIGGIA, Gianfranco; MAFFEI, Gian Luigi. Interpreting Basic
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74
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75
Aplicação dos conceitos da Escola Inglesa
de Morfologia Urbana no
Centro Histórico de Tiradentes
Maria Manoela Gimmler Netto
Márcia Regina Escorteganha
Larissa Podshivaloff Bertu Penna
Janaína Mourão Freire
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Introdução

Neste artigo é feita a análise das transformações temporais ocorridas


no Centro Histórico de Tiradentes, pela aplicação dos aportes conceituais
da Escola Inglesa de Morfologia Urbana. Para o representante dessa escola,
M.R.G. Conzen, a paisagem urbana é a expressão morfológica da vida urbana
em sua singularidade e desdobramento histórico, não só uma parte inegável
de nosso ambiente diário, mas também porque oferece indicação evolutiva
e, portanto, uma visão mais profunda da sociedade local (CONZEN, 1981).
Esta assertiva orienta o desenvolvimento desse trabalho que explora a
evolução desta vila e a formação do seu centro histórico. Ao apresentar a
evolução histórica como meio para identificar as transformações urbanas do
centro histórico da cidade de Tiradentes, levantamentos de dados, mapas
históricos e legislações foram utilizados, visando decifrar cada fase com o
seu caráter geral distinto. Isso se reflete no desenvolvimento das formas na
paisagem urbana e se estende por toda a gama de categorias de forma (plano
da cidade, tecido de urbano e uso e ocupação do solo), levando, assim, ao
reconhecimento de períodos morfológicos distintos.

76
O método de investigação se refere à aplicação do conceito morfológico
da visão tripartite com análises temporais cronológicas. O recorte de análise se
concentra no centro histórico, que forma o perímetro investigativo, e possui
vários monumentos religiosos, museus e casario preservado.
Ao apresentar um documento sobre a formação morfológica de Tiradentes,
ainda perceptível apesar das mudanças já ocorridas, espera-se contribuir para o
desenvolvimento e a aplicabilidade de políticas de preservação e gestão de sítios
históricos e para o patrimônio cultural tombado. Por conseguinte, características
peculiares e a identidade bucólica e colonial de Tiradentes são mantidas, assim
como constitui elemento natural significativo da paisagem a Serra de São José,
como ilustra a figura 1.

Figura 1: Serra de São José vista da rua da Câmara


Fonte: LaP, 2019.

As cidades históricas têm sido, constantemente, objeto de transformação


acelerada ocasionada pela alteração dos condicionantes urbanos, que definem
o caráter cultural, delineando, assim, uma nova condição na paisagem urbana
e ameaçando os aspectos morfológicos referentes à sua formação urbanística
e histórica. As transformações urbanas e sociais que ocorreram nas últimas
décadas, a exemplo disto: o advento do automóvel e outras mudanças no

77
estilo de vida, resultaram na expansão local influenciada pela intensificação
da atividade turística. Esta realidade é rotineira na cidade de Tiradentes,
localizada no Campo das Vertentes, próxima a São João del Rei, região
histórica de Minas Gerais.
A explosiva urbanização acelerada motivada pelo turismo resulta num
cenário no qual se percebe o afastamento dos moradores nativos e a sua retirada
do núcleo central, fenômeno conhecido como gentrificação, para se estabele-
cerem em bairros periféricos, levando com eles a tradição do “jeito mineiro de
viver” peculiar dos núcleos históricos. Esses moradores se diluem pelo interior
do município, bem como reduzem a intensidade e frequência de atuação no
local, até o desaparecimento do modo de viver com o tempo.
Isto caracteriza a “cidade cenário”, movimentada e efervescente devido ao
fluxo de turistas e comerciantes, mas esvaziada dos modos de vida caracterís-
ticos da localidade. Definido por Salgado (2007, p.16 - 92) o “cenário elitista”
da cidade colabora para “a especulação imobiliária e a marcante presença da
mídia”, enfatizando o risco de “descaso da administração pública em relação à
manutenção da paisagem urbana, desconhecendo a formação da cidade e sua
dinâmica ao longo do tempo”, em um processo de desvalorização das identi-
dades culturais locais. A autora avalia que a “velocidade acelerada das alterações
dificulta a apreensão da paisagem”, devido ao “processo de constante mudança’’
que ocorre por “substituição de camadas” (SALGADO, 2007 p. 16 - 92).
As problemáticas são percebidas no cotidiano e derivam do crescente
interesse turístico, com estrutura de gestão inadequada ao seu desenvolvi-
mento urbanístico, que, em massa, pode descaracterizar a identidade histórica
e cultural da cidade. Há especulações que preveem que, dependendo das políti-
cas aplicadas e da forma que serão conduzidos seu planejamento e sua gestão
urbana, a cidade poderá se tornar um cenário saturado por impactos ambientais
e socioculturais ou poderá ter um resultado diferenciado, positivo quanto à
preservação de sua morfologia histórica em consonância com as demandas
contemporâneas.

78
Levando isso em consideração, o objetivo geral deste trabalho é
aprofundar a aplicação de critérios morfológicos para avaliação da qualidade
da paisagem urbana, que poderá ser apropriada na elaboração das leis de
uso e ocupação do solo que preservem as características históricas, culturais
e ambientais que são aspectos identitários.
Em relação à metodologia adotada, Dieterich (1999, p.61) expõe que
“a elaboração do problema é a delimitação clara do objeto de pesquisa”. O
problema é o ponto de partida da investigação, que segue com a aplicação
do método no recorte de estudo. O método empregado é o qualitativo,
com técnicas de levantamento de forma direta (documentação histórica,
levantamento gráfico e fotográfico) e indireta (organização dos dados),
conduzindo à análise que ora se desenvolve.
Gil (1991, p.47) apresenta o procedimento metodológico do “Estudo
de Coorte”1, que pode ser “retrospectivo (histórico)” que se fundamenta na
coleta de dados históricos documentais, fazendo um paralelo entre passado
e o presente; ou, “prospectivo (contemporâneo)”, cujo conhecimento
científico do objeto em observação estabelece um planejamento dentro
de uma estrutura analítica. Por consequência, nesta aplicação de análise
morfológica conforme a Escola Inglesa, utiliza-se metodologicamente o que
é proposto no “Estudo de Coorte”: a “retrospectiva” histórica sobre o tecido
urbano2 do centro histórico da cidade de Tiradentes.

1 Estudo de Coorte: São estudos observacionais onde objetos ou indivíduos são classificados (ou selecionados)
segundo o status de exposição, com frequência de observação para avaliar a incidência de exposição ao fenô-
meno. Por exemplo, no estudo de alguma doença, este Estudo de Coorte refere-se a um grupo de pessoas que
têm alguma característica comum, constituindo uma amostra a ser acompanhada por certo período de tempo
para que sejam observadas e analisadas (GIL, 1991, p 47).
2 “Os tecidos urbanos são definidos como conjunto de edificações semelhantes com relação à implantação, volu-
metria, estilo e construído na mesma época” (SALGADO, 2013 p.15). E que se sobrepõem cronologicamente
camada a camada, somatizando um extrato urbanístico ao longo do tempo.

79
Ao traçar “um paralelo entre o passado e o presente,” as características
morfológicas contemporâneas são comparadas às informações históricas
coletadas, analisando as transformações e permanências, como preconizado
pela Escola Inglesa. O procedimento é também “prospectivo” ao apresentar
alternativas e diretrizes que possam ser incorporadas à gestão de futuras
intervenções neste conjunto histórico, visando que aspectos identitários
sejam preservados. (GIL, 1991, p. 47).
Os fundamentos da Escola Inglesa de Morfologia Urbana, estabelecidos
pelo geógrafo inglês Michael R. G. Conzen, são conceitos com enfoque
no estudo das transformações ocorridas na paisagem urbana ao longo do
tempo. O autor utiliza o método de análise tripartite, a partir da qual
identifica cronologicamente as transformações do plano urbano, tecido
urbano, padrão de uso e ocupação do solo das edificações, o que possibilita
a leitura da evolução da paisagem urbana histórica de cidades, É um
método de análise que permite ler a cidade e sua estrutura urbana de forma
cronológica, estabelecendo padrões de estudo temporais, criando uma base
para aplicação do planejamento urbano e ações futuras de intervenção na
cidade de Tiradentes. Logo, é uma leitura da cidade com base em parâmetros
científicos e analíticos.
A delimitação da área de estudo destinada à aplicação da análise
morfológica tripartite concentrou-se no centro histórico da cidade,
formando o perímetro investigativo para as análises temporais do tecido
urbano primário da Vila de São José del Rei, atual cidade de Tiradentes, em
2022. A figura 2 identifica a área de estudos, como se observa, e as análises
morfológicas são desenvolvidas a seguir.

80
Figura 2: Delimitação do Centro Histórico de Tiradentes, objeto de estudo
Fonte: LaP, 2022.

A Morfologia Urbana do Centro Histórico de Tiradentes


De acordo com Conzen (1981), as diferenças que se manifestam na forma
urbana ocorrem no curso do desenvolvimento da paisagem urbana. Elas surgem
em resposta às exigências funcionais da sociedade, por exemplo, associadas à
crescente divisão do trabalho, modificações nos estilos de vida e atividades
culturais recreativas, partes de um sistema sociocultural coerente, em cada
fase desse desenvolvimento com o seu caráter geral distinto. Isso se reflete no
desenvolvimento da paisagem urbana e se materializa nas categorias formais
(plano da cidade, tecido urbano e padrão de uso e ocupação do solo e das
edificações). O reconhecimento, por comparação na cronologia histórica, da
disseminação de inovações na paisagem urbana, permite estabelecer os períodos
morfológicos. A sobreposição das camadas temporais e espaciais dos diferentes
períodos morfológicos resultam na noção de palimpsesto.

81
Para compreender a história da evolução do Centro Histórico de Tiradentes
utiliza-se a retrospectiva histórica. Como fonte para esta abordagem, aplica-se
a pesquisa histórica documental, investigando as informações existentes nos
documentos iconográficos produzidos pelos viajantes dos séculos XVIII e XIX
que por ali passaram deixando suas impressões em relatos, gravuras e pinturas.
Mais que preciosos desenhos, seus traços e cores são registros documentais de
grande valor, pois refletem a percepção pessoal sobre a cidade e o seu tempo,
pela razão de não haver fotografia para registrar fatos, sendo o artista da época
o documentarista e guardião de informações de grande importância para leitu-
ras posteriores sobre a origem da vila. Dados de documentos produzidos pela
Fundação João Pinheiro em 1981 foram também interpretados para definição
dos períodos morfológicos.
Resumidamente, a evolução urbana de Tiradentes pode ser dividida em
cinco períodos morfológicos. O primeiro é consequência da descoberta do ouro
de aluvião, denominado Morfogênese. O segundo período é estabelecido com
a implantação da exploração minerária por volta de 1702 até o início efetivo da
consolidação como município no final do século XIX. Uma fase de decadência
e estagnação dá origem ao terceiro período, que perdura até o momento do seu
reconhecimento como bem cultural nacional em 1939. O quarto período é
decorrente de uma fase de desaceleração econômica, de 1939 até 1980, quando
se inicia a atividade turística. E, em seguida, o quinto período morfológico se
estabelece pelo crescimento populacional e expansão urbana, que perdura de
1981 a 2022. Para análise do tecido urbano e do padrão de uso e ocupação do
solo, o recorte de estudo ocorre em dois quarteirões, tendo como perímetro ao
norte a Rua Ministro Gabriel Passos e, ao sul, o Beco do Rosário. Os limites
laterais são a Rua da Cadeia e o beco que sai da Rua Direita, delimitando,
assim, o perímetro investigativo para análise dos dois outros componentes da
visão tripartite, como representa a figura 3.

82
Figura 3: Recorte de estudos para análise das transformações
do tecido urbano, uso e ocupação do solo
Fonte: LaP, 2022.

Já para análises da estrutura urbana, o tempo presente resume a sua


conformação resultante dos períodos morfológicos sobrepostos como camadas
espaciais e temporais, contendo o tecido urbano consolidado e preservado,
eixos e barreiras de expansão urbana e centralidades, que podem ser observados
na figura 4.

83
Figura 4: Mapa da estrutura urbana de Tiradentes em 2022
Fonte: LaP, 2022.
A estrutura urbana da cidade em 2022 expõe a sucessão das transformações
que se materializam na paisagem urbana contemporânea, como o acúmulo
de formas que representam sua historicidade, ou seja, o produto resultante de
ações econômicas, políticas e sociais no espaço urbano. Esses aspectos morfo-
lógicos compõem a estrutura urbana, evidenciando regiões com tendências
expansionistas, áreas com limitações à expansão e consolidação de centralidades
e periferias sob o sítio geográfico.
O estudo do plano urbano é utilizado como instrumento de análise do
traçado das vias e do parcelamento do solo, como categoria formal decisiva
na conformação paisagística. O plano urbano define a ocupação morfológica
do lugar pela implantação do arruamento e a definição da largura das vias e
pelas dimensões e formas resultantes de parcelamento em quarteirões e lotes.
A identificação do traçado urbano foi o ponto de partida para compreender a
área em estudo. Para compreensão do produto resultante, tem-se o estudo da
materialidade, por meio do estudo da evolução urbana.

A evolução urbana
As análises evolutivas estabelecem as relações entre a forma urbana em
diferentes períodos de sua história. A forma urbana de cada período é avaliada
pela organização escalar da visão tripartite. E os períodos morfológicos estru-
turam as análises temporais, como se apresenta a seguir.

Primeiro Período Morfológico: Morfogênese


O primeiro período morfológico tem como marco histórico a fundação
dos arraiais, documentados a partir de 1698, cuja formação é consequente
da notícia das descobertas do ouro na região. Este fato se caracteriza pela
implantação de caminhos, no processo de ocupação do território pelas serras
e pela fixação em assentamentos esparsos, localizados próximos aos córregos
de maior ocorrência aurífera.

84
O plano urbano de Tiradentes no período é configurado por meio da
formação de dois arraiais, um localizado a noroeste, cuja origem é o largo da
capela da Santíssima Trindade, e outro, a nordeste, ao lado do ribeirão Santo
Antônio, que abrigava outra capela na região em que a Igreja das Mercês locali-
za-se na contemporaneidade (IPHAN,1987). A figura 5 ilustra a morfogênese
de Tiradentes, com os dois arraiais e o caminho tronco que os conecta.

Figura 5: Primeiro período morfológico: Morfogênese de Tiradentes


Fonte: LaP, 2022.

Nas figuras 6A e 6B, observam-se as Igrejas do Santíssimo e das Mercês,


implantadas em largos típicos do período de formação colonial de arraiais
mineiros.

85
Figura 6A: Igreja e largo do Santíssimo Fonte: LaP, 2015. Figura 6B: Igreja e largo das Mercês
Fonte: LaP, 2015. Fonte: LaP, 2015.

O tecido urbano é constituído pelas ocupações provisórias, distribuídas


ao redor das minas. Em relação ao padrão de uso e ocupação do solo e das
edificações, destacam-se três categorias: a residencial, que ocorre em rancho
destinado ao alojamento; a comercial, em uma pequena venda e o uso público,
nas capelas que exerciam a função de reunião social. Todos construídos com
materiais locais, tais como barro, madeira, palha e rocha.

Segundo período Morfológico (1702 a 1899)


Segundo Araújo (2011, p.09), a cidade teve sua origem por volta dos anos
de 1702-1704 e foi implantada nas rugosidades e elevações do relevo acidentado
da Serra de São José. Como exemplo, apresentam-se como imagens (Figura.
7 e 8) os mapas da Capitania de Minas Gerais do final do século XVIII. Estes
eram elaborados pelo militar José Joaquim da Rocha, que desenhou vários
mapas sobre as trilhas, acessos e conexões entre as vilas da capitania de Minas
Gerais, nas décadas finais do século XVIII.

86
Figuras 7 e 8: Mapas da Capitania de Minas Gerais do final do século XVIII.
Autor Mapa: militar José Joaquim da Rocha. Fonte:http://historiaecartografia.
blogspot.com/br/201308/tiradentes-kenneth-maxwell.htm
Fonte: diretodesaojoaodelrei.blogspot.com

A litografia colorida de Johan Moritz Rugendas (Figura. 9) ilustra a visão


romântica da paisagem brasileira com seus primeiros desbravadores, os tropei-
ros, que se aventuravam pelas matas e caminhos íngremes das Minas Gerais.

87
Figura 9: Litografias coloridas de Johann Moritz Rugendas 1802-1858 Título:
Malerisches Reise in Brasilien Fonte: Biblioteca Mário de Andrade - gravuras coloridas. Paris:
Herausgegeben von Engelmann & Cie, 1827-1835. [4], 50, 38, 56, 32 p. 100.
Disponível: site www.bma.sp.gov

No início, a configuração urbana constituía por ser um núcleo centrali-


zado, o núcleo histórico, no qual havia a maior concentração de habitações e
de onde irradiavam os caminhos e acessos. Esta configuração se manteve desde
sua origem, do séc. XVIII até o início do século XX, com alguma expansão
pontual e reduzida acompanhando os caminhos orgânicos coloniais.
Na figura 10 observa-se a configuração rarefeita do plano, localizada ao
longo de um eixo, cuja visão do assentamento permite apresentar, por meio
da visão tripartite, a forma urbana do período.

88
Figura 10: Desenho da Serra de São José e aos seus pés a vila de São José del Rei
Fonte: R. Walsh Notícias do Brasil (1828-1829) – in http://historiaecartografia. Blogspot.com.br

Como se observa na representação do assentamento urbano na imagem


(Figura. 10), a área de entorno do centro histórico permanece desocupada e
vegetada, mantendo a visão bucólica da pequena cidade histórica incrustada
entre os morros das serras mineiras. Esta configuração será determinante para
a preservação, não havendo mudanças significativas nesta área central da vila
embrionária. O mapa da evolução do período ilustra a forma urbana existente
na figura 11.

89
Figura 11: Segundo período morfológico: 1702 a 1899
Fonte: LaP, 2022.

O plano urbano do período compreendido entre 1702 e 1899 ilustra o


traçado das vias que criam uma implantação de quadras longitudinais, adapta-
das à topografia e tendo, ao norte, como limite, o córrego Santo Antônio.
Nos séculos XVIII e XIX, a ocupação urbana era incipiente e existiam
reduzidas moradias no núcleo urbano, típico dos núcleos históricos do
interior, entremeados por encostas, mantendo as formas urbanas no tempo
por muitos anos.
No tecido urbano observam-se a implantação de igrejas, como a Igreja
Matriz de Santo Antônio, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o Passo do
Rosário, a Casa de Câmara e Cadeia e a ocupação da rua Direita, efeito do
transbordamento residencial da rua da Câmara, vista na figura 12.

90
Figura 12: Aspectos morfológicos de uso e ocupação no tecido urbano em 1989
Fonte: LaP, 2022.

Nesse quarteirão, no segundo período morfológico, estão contidos, na


maioria, usos institucionais preservados como, por exemplo, a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário (Figura. 13A e 13B), que pode ser observada na figura
abaixo.

Figura 13A e 13B: Centro Histórico de Tiradentes, Rua Direita,


em destaque a Igreja de Nossa Senhora do Rosário
Fonte: Escorteganha, 2015 e Taveira, 2021.

No final desse período morfológico, destaca-se a implantação da via férrea


nas bordas do perímetro urbano, que vai se manter como meio de transporte
(inaugurado pelo imperador D Pedro II) e posteriormente requalificado como
atração turística e cultural no final do século XX.

91
Terceiro período Morfológico (1900 a 1939)
Segundo Salgado (2007, p.47), a paisagem urbana histórica de Tiradentes,
entre o Rio das Mortes e a Serra de São José, à margem da Estrada de Ferro
Oeste de Minas, estava “abandonada, decadente, quase em ruínas” devido
ao declínio da atividade minerária. Porém, nesta época, o espaço urbano tem
impactos decorrentes das legislações urbanas e de proteção de patrimônio
cultural. O tombamento do centro histórico em 1938, por exemplo, passa
a limitar alterações nessa área, o que pressiona a cidade a se expandir para
a periferia.
A cidade permanece sem significativas alterações até ser redescoberta em
1924, por um grupo de intelectuais paulistanos, que organizavam viagens
às cidades coloniais brasileiras, com o intuito de revelar as riquezas culturais
brasileiras, em busca de uma identidade nacional. Isto ocorria por meio do
reconhecimento de uma dimensão genuinamente brasileira que pudesse servir
de subsídio ao movimento que culminou na Semana da Arte Moderna de
1922 (RIBEIRO, 2010). A beleza natural e bucólica da Serra de São José e a
vasta produção arquitetônica e artística da cultura mineira do século XVIII
foram determinantes para este fim.
Em 1937 ocorreu a fundação do IPHAN, que um ano depois, em 1938,
propôs a preservação do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade
de Tiradentes, por meio do tombamento3 (RIBEIRO, 2010). Nos anos
seguintes, inicia-se a expansão urbana progressiva da cidade, consequente
da atividade de turismo, modificando assim seu tecido urbano e ampliando
sua extensão urbana. Esta modificação é visível nas imagens comparativas a
seguir (Figura. 14 e 15).

92
Figura 14:Vista panorâmica da cidade Figura 15: Vista panorâmica da cidade de
de Tiradentes, 1920 Tiradentes, 2015
Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Fonte: Escorteganha, 2015.
Tiradentes.
O mapa a seguir apresenta o desenvolvimento da forma urbana no terceiro período
morfológico, na figura 16.

Figura 16: Terceiro período morfológico


Fonte: LaP, 2022.

93
O plano urbano apresenta reduzida expansão no entorno do núcleo
urbano inicial, onde pequenas adições no arruamento, como a via atrás da
rua da Câmara e a implantação definitiva da rua Direita, a Praça das Forras
e o desmembramento de quarteirões por meio de pequenas vias de ligação.
Os caminhos e acessos mantêm sua configuração orgânica, acompanhando
a topografia dos terrenos. É neste período que o centro histórico tem a sua
delimitação de preservação, definida por meio de decreto federal, cujo limite
engloba espaços vazios no entorno do tecido edificado criando uma borda de
proteção do patrimônio cultural. Este perímetro, a partir dessa data, vai definir
o recorte de análise morfológica.
No quarteirão escolhido para efetuar análise de uso e ocupação do solo a
seguinte configuração acontece no período (Figura. 17). Os usos institucionais
e os residenciais são, gradativamente, inseridos nos lotes vagos, porém com
reduzida proporção.

Figura 17: Aspectos morfológicos de uso e ocupação no tecido urbano em 1939


Fonte: LaP, 2022.

94
Quarto período Morfológico (1939 a 1980)
Segundo Salgado (2007), a paisagem urbana histórica da cidade de
Tiradentes apresentava bens imóveis em decadência, pavimentações das ruas
mal conservadas e esvaziamento da vida cultural. Este aspecto de descaso e
abandono do Centro Histórico de Tiradentes pode ser observado na compa-
ração entre as imagens (Figura. 18 e 19).

Figura 18: Rua do Chafariz (1948). Ao fundo a Figura 19: Rua do Chafariz
torre da Igreja Matriz de Santo Antônio Fonte: Escorteganha, 2015.
Fonte: Salgado, 2007.

O mapa do período ilustra o cenário de manutenção das formas, carac-


terístico da estagnação econômica das cidades mineradoras com a principal
atividade extinta.

95
Figura 20: Quarto período morfológico
Fonte; LaP, 2022.

O plano urbano no centro histórico se altera com a inclusão de novos


quarteirões já considerados no perímetro de tombamento de 1938, apresentando
reduzida ocupação ao longo das vias que condicionaram o seu aparecimento. O
largo das Forras, com o entorno consolidado deste 1938 por edificações institu-
cionais de dois pavimentos, torna-se o espaço da centralidade, consequente da
nucleação de vias convergentes e dos usos coletivos que gradualmente impulsio-
nam o seu desenvolvimento. No quarteirão de recorte no tecido urbano, a figura
21 ilustra o uso e ocupação do solo, que revela uma incipiente transformação.

96
Figura 21: Aspectos morfológicos de uso e ocupação no tecido urbano em 1980
Fonte: LaP, 2022.

A silhueta urbana da Rua Direita se consolida neste período morfológico,


como se observa nas figuras 22 e 23.

Figura 22: Rua Direita em 1972, Tiradentes Figura 23: Rua Direita em 2019
Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Tiradentes
- IPHAN, 1997. Fonte: LAP, 2019

97
A partir de 1980, a cidade passa por transformações significativas que vão
consolidar a imagem de cidade turística, impulsionada por diversos agentes e
que vão se manifestar no período morfológico seguinte.

Quinto período Morfológico (1980 a 2022)


O último período morfológico se caracteriza como manifestação da
nova atividade econômica, o turismo, impulsionado por diversas iniciativas
conjuntas empreendidas por segmentos sociais e econômicos variados
que produzem a transformação da cidade. Esta, a partir de 1980, torna-se
o cenário de novelas de época da Rede Globo de televisão e a paisagem
urbana preservada, porém decadente economicamente, se torna atrativo para
moradores de outras localidades (NEVES et al., 2014).
O descaso e o abandono da cidade histórica de Tiradentes, impulsiona
a diretora do IPHAN com o patrocínio da Fundação Roberto Marinho e
da Rede Globo de televisão a investir em medidas de preservação, sendo a
Fundação João Pinheiro a responsável pela elaboração do diagnóstico urbano
e ambiental (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1981).
No diagnóstico ficou constatado que, apesar de tombado, o perímetro
histórico não foi preservado de fato, consequente das pressões urbanas e
de regulamentação cada vez mais recorrentes, e das distinções na atuação
da prefeitura municipal em relação ao uso do solo urbano. Diante disso, o
IPHAN se viu impelido a se posicionar sobre este problema de acautelamento
da área tombada (BARROS FILHO et al., 2019).
A primeira tentativa nesse sentido se deu no início da década de 1990,
por meio de um teste metodológico para leitura e apreensão de centros
históricos denominado INBI-SU: Inventário Nacional de Bens Imóveis em
Sítios Urbanos. Este método de apreensão de todas as facetas de um sítio
urbano possibilitou o desenvolvimento, em 1997, de um plano normativo
para o Centro Histórico de Tiradentes, a partir de setorizações e indicações
específicas de ocupação, construção, alteração construtiva e conservação
patrimonial para o casario protegido (BARROS FILHO et al., 2019).

98
Com o financiamento da Fundação Roberto Marinho para o restauro
das edificações pelo IPHAN e outras instituições houve uma melhoria signi-
ficativa, bem como o restabelecimento da dignidade e das funções da cidade
(CAMPOS, 2012). Consoante às ações de recuperação do patrimônio, houve
maior incentivo ao turismo como fonte de recursos financeiros para manter
a cidade e dar visibilidade, em termos mundiais, tanto à história quanto ao
patrimônio da região.
Com o passar do tempo, incrementada à inserção da mídia televisiva, a
tendência turística tem se acentuado ao ponto de extrapolar os recursos naturais
e sociais da cidade, desvirtuando o espírito do lugar. Além disso, observa-se
o fenômeno da gentrificação, com incentivo à segregação social e à expansão
urbana.
Nesse contexto, as atividades turísticas vão gradualmente sendo implemen-
tadas na cidade, que reforçam a imagem de uma cidade preservada, repleta
de atividades culturais e de serviços. O êxito do turismo traz a implantação
de uma nova via paralela à rua principal e nela são construídos restaurantes e
comércio local para atender aos inúmeros turistas: em uma proporção de 29
turistas por habitante (PAULA et al., 2020).

Figura 23: Rua Ministro Gabriel Passos


Fonte: Google maps. 2019.

99
Salgado (2007, p.80) constata que o IPHAN se concentra na preserva-
ção dos bens imóveis e monumentos, desconsiderando, ainda, como parte
do tombamento a preservação da “paisagem como um palimpsesto, ou seja,
camadas históricas que se sobrepõem no processo de transformação local, e que
deixam vestígios dos períodos anteriores” . O produto dessas ações conjuntas,
ao longo de anos, se reflete no centro histórico, que apresenta a extensiva
apropriação dos espaços vazios das bordas, conformando um diferente cenário
urbano em 2002, representado na figura 24.

Figura 24: Quinto período morfológico


Fonte; LaP, 2022.

O plano urbano do centro histórico em 2022 demonstra o preenchi-


mento dos espaços vazios nas bordas e o adensamento significativo ao longo
da nova Rua Ministro Gabriel Passos, implantada para atender os turistas, com
uso exclusivamente de comércios e serviços. Esta nova rua faz limite com o
perímetro de tombamento do centro histórico. As outras áreas lindeiras às vias

100
tradicionais são apropriadas por lotes diminutos, estreitos e curtos contendo
tipos distintos dos preservados no centro histórico. Como exemplo, tem-se
edificações na rua Martins Paolucci ou ao longo da rua Custódio Gomes e da
rua Santíssima Trindade. Além da proliferação de tipos diferenciados, tem-se
a transformação dos usos que vão abrigar grande número de serviços de aloja-
mento, além de restaurantes, bares e comércio varejista.
No recorte do quarteirão analisado do tecido urbano, a figura 25 ilustra o
uso e ocupação do solo em 2022, com quase todos os lotes ocupados.

Figura 25: Aspectos morfológicos de uso e ocupação no tecido urbano em 2020


Fonte: LaP, 2022.

A maioria dos lotes lindeiros à rua Direita, bem como à Rua da Câmara,
foram apropriados e construídos, além da borda superior da nova Rua Ministro
Gabriel Passos. Aliado a isto, tem-se a transformação dos usos, que de residencial
no período anterior, tornam-se comércio e serviços de alojamento, com redução
significativa do uso residencial. Muitas das edificações protegidas passam a ser
destino de férias, como segunda residência, de proprietários externos à cidade
(PAULA et al., 2020).

101
Em decorrência das transformações de uso na rua Direita tem-se a antiga
Cadeia Pública de Tiradentes, construída em 1730, cujo prédio foi restaurado
e, a partir de 1989, abriga o museu de Sant´Ana, que pode ser observado na
figura 26.

Figura 26: Museu de Sant’ana na rua Direita


Fonte: Taveira, 2021.

As transformações observadas na dinâmica urbana do período mais recente


na história de Tiradentes podem trazer riscos e criar potencialidades, o que
induz às reflexões a seguir.

Análise de fragilidades e potencialidades


Tem-se como pressuposto a assertiva de que não se pode “criar uma linha
imaginária” com a finalidade de delimitar o espaço urbano e desconsiderar a
dinâmica urbana de transformações. Isto ocorre pelo motivo, pela capacidade
de intervir, propor e gerir alguns espaços e respeitar o controle das formas
contemporâneas de intervenção urbana dos espaços públicos e privados que
configuram, assim, o tecido urbano preservado nas cidades históricas.

102
Outros aspectos que geram preocupações são os ambientais e patrimo-
niais das cidades preservadas, que contam com o produto urbanístico como
fundamentação da história colonizadora e da formação da identidade social. A
fragilidade reconhecida na paisagem urbana histórica é intensificação da atividade
turística e de lazer, que tem ocorrido na cidade histórica patrimonializada. Por
outro lado, observa-se a promoção da animação urbana crescente dos “centros
históricos” devido à turistificação, que segundo Peixoto (2011, p.222): [...] os
centros históricos reabilitados estão, em maior ou menor grau, a se converter
em palcos de sociabilidades espetacularizadas e de encenação da vida cotidiana,
constituindo-se como uma espécie de nova realidade alegórica das cidades. A
“turistificação constitui e origina expressões performativas e plásticas”, que
funcionam como “imagem metonímica da cidade, convidando a tomar a parte,
ordenada e embelezada, pelo todo que pretendem sugerir ideais de cidadania
e de participação cívica” (PEIXOTO, 2011, p.222).
Contudo, a reabilitação dos centros históricos contribui para o desenvol-
vimento de uma região, antes degradada e descuidada pelos moradores, que
não conseguem mais sobreviver em centros preservados devido à valorização
imobiliária dos terrenos e habitações. Consequentemente, isso provoca exclusão
social e expulsão dos nativos para áreas limítrofes ou no interior do território.
As potencialidades em centros históricos são muitas, pela diversidade
cultural e pelas camadas históricas sobrepostas herdadas com o decorrer do
tempo, um palimpsesto urbanístico. O patrimônio urbanístico de Tiradentes
é exemplo disto: um produto cumulativo do tempo, nos quais os resquícios
de cada período morfológico se entrelaçam em camadas sobrepostas históricas.
A atmosfera da vida interiorana que transcorre no ritmo calmo e cadenciado,
em sintonia com o ciclo da vida tranquila e simples das cidades pequenas,
contribui para a manutenção de um patrimônio imaterial relacionado ao “jeito
mineiro de ser e viver”.
Outro ponto positivo é o da preservação do patrimônio histórico e cultu-
ral, seja ele material ou imaterial, que mantém vivo o registro dos primeiros

103
povoados, início da colonização, como um marco na história do desenvol-
vimento brasileiro pela descoberta das riquezas mineiras, as minas de ouro
e pedras preciosas. Além da pujança econômica como consequência dessa
descoberta. Diante dessas análises tem-se algumas recomendações para a gestão
futura do Centro Histórico de Tiradentes.

Alternativas e diretrizes para futuras intervenções


Para contribuir com a preservação, o primeiro ponto a ser abordado deve ser
o reconhecimento da cidade como paisagem, com normas e critérios conscientes
da história de formação da cidade e da sua dinâmica ao longo do tempo, bem
como do reconhecimento dos impactos ambientais e sociais de sua principal
atividade econômica focalizada no turismo. A gestão do Centro Histórico de
Tiradentes, em seu contexto atual, deve ser reorientada à conservação ambiental
e valorização dos aspectos culturais locais identitários. Esses aspectos devem
estar presentes no plano diretor municipal e em outras legislações urbanísticas
e patrimoniais.
Para isso, os estudos morfológicos devem subsidiar a elaboração de diretri-
zes aplicáveis em políticas de planejamento urbano, de regulações ambientais
e preservação cultural. A manutenção do plano urbano, do tecido histórico
e das tipologias de uso e ocupação do solo contribuem para a permanência
do traçado orgânico, com implantação dos edifícios no alinhamento da via e
reforçam as características singulares da paisagem.
A municipalidade deve estar mais atenta à gestão patrimonial, incluindo o
entorno do centro histórico tombado, porque a forma urbana está em constante
transformação, o que reflete em ações dos agentes sociais através de ações
políticas e econômicas aplicadas na cidade e em seus espaços públicos.
Para os dirigentes políticos sugere-se que haja maior enfoque na gestão
dos recursos ambientais e patrimoniais, como também evitar a exclusão
social do processo de gentrificação. O incentivo para fixação de comunidades
locais e retorno dos antigos moradores no centro histórico contribui para a

104
preservação de aspectos tradicionais e identitários. Da mesma maneira, usos
mistos (residenciais, comerciais e de serviços) conferem dinamismo ao centro
histórico. Ressalta-se a importância de evitar a adoção de edificações “pastiche”,
que recriam modelos coloniais em edificações contemporâneas, como ocorre
na Rua Ministro Gabriel Passos, paralela à Rua Direita, confundindo a leitura
da paisagem histórica tanto para moradores quanto para turistas.
Portanto, é necessário reavaliar, constantemente, as políticas, normativas,
aplicações e tendências urbanísticas em centros históricos, para que seja possí-
vel intervir em tendências que deturpam a identidade, a memória social e a
morfologia das paisagens urbanas.

Conclusão
O Centro Histórico de Tiradentes reflete em seu plano urbano a adaptação
ao relevo, que se caracteriza por encosta, na qual as principais vias de acesso
se implantam. A via principal em declive segue da Igreja Matriz de Santo
Antônio, passando pela ponte de pedra do ribeirão Santo Antônio e termina nos
adros das igrejas Nossa Senhora das Mercês e Canjica. Esta via gradativamente
perde a função de eixo de desenvolvimento principal, com a consolidação da
rua Direita, perpendicular ao eixo original. Juntas, essas vias influenciam a
configuração retangular do tecido urbano colonial que se desenvolve com o
passar do tempo.
As formas dos quarteirões reforçam a adaptação à topografia, definindo
lotes de testadas estreitas e maiores comprimentos. O casario implantado
na testada do lote libera grandes vazios arborizados no seu interior, caracte-
rística comum encontrada no núcleo setecentista de Tiradentes até o início
do século XXI.
Conclui-se, que o plano urbano de Tiradentes favorece a permanência das
edificações tradicionais, fator determinante para a conservação das paisagens
urbanas históricas. Mais do que isso, o plano urbano apresenta maior tendência
à manutenção da forma urbana, influenciando as demais categorias, associadas

105
ao tecido urbano e ao padrão de uso e ocupação do solo e das edificações.
Outro fator importante para gerenciar as transformações no centro histó-
rico é a regulação da especulação imobiliária no tecido urbano. Com incremento
demasiado do valor do solo na centralidade, o adensamento construtivo nos
fundos dos lotes, altera a paisagem urbana por reduzir os espaços livres e
vegetados no interior dos quarteirões. Esse adensamento construtivo intra lote,
transforma o tecido urbano e a fruição da paisagem urbana histórica, contri-
buindo também para o agravamento de impactos ambientais relacionados à
supressão vegetal e aos recursos hídricos.
Os corpos d’água, com características de reduzidas profundidades,
integram-se ao núcleo urbano, fluindo da Serra de São José para Rio das
Mortes. A poluição desses recursos hídricos por lançamento de resíduos não
tratados impacta negativamente a paisagem urbana histórica.
Em suma, conclui-se que a análise morfológica do centro histórico setecen-
tista da cidade de Tiradentes contribui para uma visão sistêmica da paisagem,
como um todo articulado e unificado, pois contempla os processos formativos
e transformativos da paisagem, permitindo o reconhecimento de características
singulares que devem ser levadas em consideração na proposição de normas e
critérios regulatórios de preservação ambiental e cultural.

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Aplicações do método da Escola Italiana
de Morfologia Urbana no Centro
Histórico de Tiradentes
Rubens Amaral
Simone Marques de Sousa Safe
Maíra Araújo Cândida
Cleysi Mara Pinto de Souza
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Introdução

O presente trabalho propõe a análise da cidade de Tiradentes, Minas


Gerais, por meio da aplicação do método da Escola Italiana de Morfologia
Urbana, que estuda os processos que dão origem às formas de ocupação da
cidade, pelo método desenvolvido pelo arquiteto italiano Saverio Muratori
e seus seguidores, Caniggia e Maffei (2001).
Esta escola possui conceitos e instrumentos metodológicos que
contribuem, como ferramentas, para a análise do espaço urbano. O estudo
morfológico identifica, classifica e descreve os elementos da forma urbana,
ao passo que investiga suas interdependências na intenção de compreender
o desenvolvimento histórico da cidade.
Tem-se como objetivo elaborar uma análise histórica e conceitual que
possa contribuir para a permanência da área em estudo e produzir subsídios
para a formulação de diretrizes para a gestão local.
A análise morfológica parte da escala arquitetônica para a escala urbana e
contempla quatro escalas: o tipo edilício, o organismo urbano dividido entre
as séries e o tecido urbano e o organismo territorial. A primeira escala é tratada
pelos conceitos desenvolvidos de ‘tipo básico’ e o seu processo tipológico; a

110
segunda pela formação de séries de edifícios; a terceira pela compreensão do
tecido urbano e a quarta trata da análise das rotas para o entendimento do
processo de ocupação do território.
Neste trabalho, o Centro Histórico de Tiradentes é analisado por meio
da aplicação dos conceitos da Escola Italiana de Morfologia Urbana, onde
se observou a presença do tipo especializado, a recorrência do tipo básico,
a identificação das rotas, a presença de ‘nós’ e a relação desses com o tecido
urbano. A figura a seguir apresenta a área delimitada para estudo.

Figura 1: Área de estudo


Fonte: LaP, 2022.

Dentro do recorte do tecido urbano realizado, discutiremos as possíveis


hipóteses sobre a estruturação da “rota matriz”, a principal rota de ocupação
do centro histórico. Os conceitos do método da escola italiana vão embasar
esta análise tipo-morfológica.

111
Estruturação do espaço urbano no Centro Histórico de
Tiradentes pela pesquisa tipológica e suas variações
Para a Escola Italiana de Morfologia Urbana, o conceito base-estrutural é
o ‘tipo’. O ‘tipo’ é o elemento básico para a compreensão da conexão entre os
elementos individuais e a forma urbana. Ele não se caracteriza à margem do
tecido urbano construído, que envolve o estudo do conjunto da malha urbana,
mas se concebe através da dimensão histórica (ARAGÃO, 2006).
A composição da cidade se dá pelo tipo básico e pelo tipo especializado. O
primeiro é representado por residências, sejam essas multi ou unifamiliares; o
segundo por edificações mais complexas e que apresentam maiores proporções,
exemplificado pelas igrejas, escolas, dentre outros.
O tipo básico se identifica através da percepção crítica da recorrência de
um tipo edilício, em uma mesma área cultural, do qual se dão as variações
consequentes, que culminam no ‘processo tipológico’ (PEREIRA COSTA;
SAFE; CASTRO, 2013, p. 05).
O ‘processo tipológico’ ocorre pelo reconhecimento do tipo básico, suas
variações temporais e espaciais. As principais variações observadas no ‘processo
tipológico’ ocorrem na implantação, na ocupação e/ou na fachada da edifica-
ção (PEREIRA COSTA; SAFE; CASTRO, 2013, p. 07). Essas variações são
consequência de ajustes do tipo básico a determinadas situações. : As variações
sobre o tipo básico são conceituadas em diatópicas, sincrônicas e diacrônicas,
que serão investigadas a seguir.
Para o entendimento do processo tipológico, partiremos do conceito sobre
o tipo, onde se compreende o tipo inicial como a “matriz a partir do qual todos
os ‘tipos’ de construção mais complexas derivam” (CANIGGIA; MAFFEI,
2001, p.244).
Dado o conceito do método sobre o ‘tipo’, teve-se como objetivo a identi-
ficação do tipo original, do tipo básico, das suas possíveis variações e do tipo
especializado dentro do Centro Histórico de Tiradentes. A aplicação do método
in loco seguiu um roteiro tendo como ponto inicial do percurso o Largo das

112
Forras, seguido pelas ruas Resende Costa, Direita, da Câmara, Padre Toledo e
encerrando no Beco do Rosário.

Identificação do ‘tipo’ no Centro Histórico de Tiradentes


Este item tem como objetivo identificar e classificar os tipos edilícios.
O intuito principal é compreender a evolução do processo arquitetônico na
formação histórica cultural da região.
Como tipos especializados no centro histórico foram selecionadas as edifi-
cações com maior complexidade formal e de maiores proporções, tais como a
Antiga Cadeia, atual museu de Sant’Anna, a Câmara Municipal, a Igreja Matriz
de Santo Antônio, a Capela São João Evangelista, a Igreja de Nossa Senhora
do Rosário, a Escola Municipal, e a Igreja do Bom Jesus, cujas figuras a seguir
ilustram as características descritas sobre tipos especializados.

Figura 2: Tipos especializados no Centro Histórico de Tiradentes:


Igreja Matriz de Santo Antônio e Câmara Municipal
Fonte: Cândida, 2015.

Na aplicação do método, o tipo básico, o mais recorrente, é identificado


como o que caracteriza as residências com três vãos na fachada frontal, sendo
duas janelas e uma porta no centro da fachada, em torno de cinco a sete metros
de largura. Essas edificações remetem ao tipo original que, segundo Vasconcellos
(1999), é identificado por fachadas de três a cinco metros de largura e dois vãos,
sendo uma porta e uma janela, como se observa nas figuras a seguir.

113
Figura 3: Identificação do tipo básico no Centro Histórico de Tiradentes
Fonte: Netto, 2022

São observadas ainda ocupações contemporâneas no tecido urbano do


centro histórico, que acontecem principalmente nos fundos dos lotes. Essa
situação decorre de ajustes dos acessos aos fundos dos lotes que anteriormente
serviam como entrada de serviços e que posteriormente se transformaram em
testadas de lotes e ruas secundárias.
A existência de outra entrada para o lote possibilitou o parcelamento deste
e a construção de residências nos fundos, como é observado no antigo Beco
do Rosário, a atual Rua Operário Geraldo Resende. Estes aspectos podem ser
identificados na figura 4.

Figura 4: Identificação do tipo edilício anterior ao tipo básico e tipo contemporâneo,


respectivamente, no antigo Beco do Rosário, no Centro Histórico de Tiradentes
Fonte: Cândida, 2015.

114
Figura 5: Área de estudo com os diversos tipos da Escola Italiana de Morfologia Urbana
Fonte: LaP, 2022.

As residências do antigo Beco do Rosário se diferenciam do tipo básico


no centro histórico, estabelecendo novos tipos denominados 1 e 2: o primeiro
apresenta entrada e afastamentos laterais; o segundo possui afastamentos laterais,
frontal, muro e garagem. Esses tipos, por sua vez, estão sujeitos a transforma-
ções, que são denominadas variações (CANIGGIA; MAFFEI,2001).

Variações do ‘tipo básico’


No perímetro do centro histórico são observadas as seguintes variações
tipológicas: diacrônicas, e diatópicas.
A ‘variação diacrônica’ se dá pela diversificação cronológica, que dentro
do mesmo contexto cultural ao longo de determinado tempo, apresenta varia-
ções sobre a edificação sem modificar substancialmente o conceito da casa
(PEREIRA COSTA; SAFE; CASTRO, 2013, p. 08).

115
No núcleo histórico, as variações diacrônicas do tipo básico são observadas
a partir da alteração da quantidade de vãos e da dimensão da largura da fachada
frontal, sendo esta variação tipológica mais recorrente em todo o perímetro
delimitado.
No centro histórico é possível verificar a variação diacrônica no tipo que
remete ao tipo original na qual o vão da janela se transforma em uma porta de
entrada para o mesmo cômodo, que passa a ser área de comércio. A variação
diacrônica pode ser observada nos exemplos contidos na figura 6.

Figura 6: Variações diacrônicas do ‘tipo’ no Centro Histórico de Tiradentes


Fonte: Cândida, 2015 e Netto, 2022.

Os sobrados que representam, na variação diacrônica, o processo de taber-


nização, são observados na Rua Resende Costa, local de maior concentração,
na Rua Direita, principalmente no encontro desta com o Largo do Sol e com
a Rua da Câmara; e em menor proporção nas ruas Padre Toledo e da Câmara.

116
A figura 7 sintetiza a evolução do tipo básico e seu processo diacrônico,
apresentando uma linha do tempo sobre essas variações em Tiradentes.

Figura 7: Ilustração do ‘tipo’, do tipo básico e das variações diacrônicas observadas


em Tiradentes. O último modelo reproduz o processo de tabernização
Fonte: Pereira Costa; Gimmler Netto, 2015, elaborado por Cândida, 2015.

Por outro lado, a ‘variação diatópica’ refere-se à existência de diferen-


tes interpretações do mesmo tipo de construção, onde a aplicação de um
tipo corresponde a uma determinada área cultural em outra região geográfica
(CANIGGIA; MAFFEI, 2001).
A variação diatópica é observada em apenas um trecho do percurso, locali-
zado na Rua da Câmara próximo à Rua Direita, onde os afastamentos e as
entradas laterais nas edificações geraram modificações, provavelmente devido à
necessidade de intervenções contemporâneas, como a criação de uma entrada
secundária à residência.
Nessa área, a topografia íngreme delimita os lotes, o que pode ter gerado
os afastamentos na conformação de taludes para a construção das residências
(Figura 8).

117
Figura 8: Centro Histórico de Tiradentes com variações da Escola Italiana de Morfologia Urbana
Fonte: Prefeitura Municipal de Tiradentes/MG, julho de 2014, modificado por Cândida, 2015.

As variações tipológicas ocorrem nas fachadas e estas se aglutinam em


conjuntos morfológicos com determinadas características que, unificadas,
formam séries e estas, por sua vez, formam os tecidos urbanos como obser-
vado na figura 9.

Figura 9: Séries da rua Direita


Fonte: LaP, 2019.

118
Tecido Urbano
A formação do tecido urbano se dá a partir da consolidação da série de
edifícios em que será possível classificar o tipo básico e suas variações e verificar
sua relação na malha urbana em determinado período temporal. Identificamos
também nessa malha urbana selecionada que, ao longo da rota matriz, formam-
-se as faixas de pertencimento. Segundo caniggia e Maffei (2001, p.125),
essas faixas são áreas inerentes a cada rota que contém a edificação na porção
frontal de cada lote, faceando a rua e sendo servida por ela. Normalmente,
cada período histórico corresponde a uma determinada faixa de projeção da
edificação, que tende a ser constante em cada fase. A diferença entre as edifi-
cações das faixas de pertencimento corresponde, então, a intervalos temporais
potencialmente diferentes.
O mapa a seguir apresenta uma análise tipológica sobre as faixas de perten-
cimento das principais rotas que formaram o tecido urbano recortado neste
estudo.

Figura 10: Área de estudo com as variações diacrônicas


Fonte: LaP, 2022.

A presença do tipo que remete a imagem do tipo original é escassa, havendo


apenas três exemplares no núcleo urbano analisado: uma na Rua Padre Toledo

119
e dois na Rua Resende Costa, o que possivelmente aponta o desenvolvimento
desse módulo residencial para o tipo básico e suas variações diacrônicas.
As variações diacrônicas do tipo básico são a síntese do processo histórico
que se principia no tipo que se desenvolve à imagem do tipo original e, a partir
do contexto social, econômico e histórico, sofre variações no tamanho do lote,
na largura da fachada e no número de vãos.
O tipo básico se faz presente nas principais vias urbanas do núcleo do
centro histórico, como as ruas da Câmara, Direita, Padre Toledo e Resende
Costa. Esta presença é importante na compreensão do processo de ocupação
do tecido urbano.
As variações diacrônicas possuem maior recorrência no centro histórico,
possivelmente decorrentes da ascensão econômica da região no período da
exploração de minério e do processo de ocupação esparso, que possibilitou o
desenvolvimento e a ampliação do ‘tipo básico’.
Sobre a formação do tecido, há uma concentração de lotes menores na
Rua da Câmara e no encontro desta com a Rua Direita, que formam conjuntos
com características formais semelhantes, como o assentamento da edificação
na testada do lote, a ausência de afastamentos laterais, a distribuição de vãos
com acesso frontal centralizado e a ausência de elementos decorativos.
Este tecido urbano se conforma provavelmente devido à importância da
área, uma vez que ela abriga a Igreja Matriz de Santo Antônio, a Câmara
Municipal e possibilita ainda o acesso ao abastecimento de água, o que justifica
maior concentração na ocupação nesta região.
Observa-se, também, que a variação diacrônica com fachadas de 10 a
12 metros são as que ocupam maior projeção na porção frontal dos lotes na
faixa de pertencimento, representando um momento diverso de construção.
Também pode-se perceber que essas variações se localizam nos pontos médios
de cada rota, entre as igrejas, evidenciando a sugestão de serem elas os pólos
atrativos da ocupação inicial.

120
A aplicação tipo-morfológica da Escola Italiana de Morfologia Urbana
possibilita a análise do tecido urbano à medida que, a partir da identificação
e da classificação dos ‘tipos’ e suas variações, é possível observar a formação
do tecido e a série de edifícios. A análise tipo-morfológica contribui para o
entendimento sobre a evolução urbana e a formação da paisagem do Centro
Histórico de Tiradentes.

Formação das rotas no núcleo histórico de Tiradentes


No que tange à análise da Escola Italiana de Morfologia Urbana sobre
a malha urbana, as séries, o tecido urbano, os ‘nós’ e as rotas são elementos
importantes para a compreensão do processo de formação da cidade.
Sobre as rotas é necessário pontuar que “a rota é a primeira e única estrutura
feita pelo homem na fase de estruturação inicial de um ambiente sob ocupação”
(CANIGGIA; MAFFEI, 2001). Segundo estes autores, a Rota Matriz é aquela
que atravessa o território para conectar dois pólos da maneira mais direta e que,
devido à presença de obstáculos naturais, quase nunca tem um desenvolvimento
linear. Por outro lado, no espaço urbano, as rotas são estruturas morfológicas
que proporcionam a formação de quarteirões pela abertura de novas vias, que
podem ser perpendiculares ou paralelas à Rota Matriz, denominadas Rotas
Planejadas Edilícias e Rotas de Conexão.
A Rota Planejada Edilícia é ortogonal ao percurso da Rota Matriz e tem
a função de construção das fronteiras. A Rota de Conexão, por sua vez, se
vincula a duas sucessivas rotas planejadas, geralmente ortogonais entre si, a
fim de formar o quarteirão.
A Série de edifícios ou ‘agregados’ está ligada a uma unidade mínima, da
qual se formará o tecido urbano baseado em um sistema de regras de constru-
ção. Essa referência não é efetuada em um nível formal, mas na distribuição e
nas exigências funcionais (PEREIRA COSTA et al., 2011, p. 9).

121
Na série de edifícios é possível observar o conjunto de tipos edilícios e a
relação deles na estrutura urbana em determinado período temporal. Pereira
Costa et al. (2011, p. 10) expõem que “nas cidades históricas, os edifícios estão
posicionados de acordo com as rotas que regem a ocupação do território e que
conduzem à formação de um agregado. ”
No Centro Histórico de Tiradentes, a série de edifícios possibilita a
análise das rotas e seus períodos de ocupação devido à identificação dos
conjuntos de tipos por suas características como extensão das fachadas e pela
quantidade de vãos.
Na delimitação do tecido urbano em estudo, a análise do conjunto de tipos
contribui para a compreensão da formação dos quarteirões, onde se observa a
presença de ocupações de diversos períodos temporais.

A identificação dos tecidos urbanos e rotas em Tiradentes


Durante o levantamento em campo, a análise tipo-morfológica trouxe-nos
a hipótese da Rua Direta como possível Rota Matriz pela presença do tipo básico
e sua variação diacrônica, com largura das fachadas aproximadas de 8 a 10 m
e poucas variações no número de vãos nas fachadas, entre três a quatro vãos.
No entanto, estudos posteriores e observação detalhada levam à hipótese
de que a rota matriz seria formada pelo caminho que se iniciava de São João
del Rey até a matriz de Santo Antônio. Dali a via se bifurca e segue na rua
Padre Toledo até o largo do Sol, a partir daí, segue até a rua Rezende Toledo,
ultrapassa a ponte de pedra do ribeirão Santo Antônio e termina no adro
da Igreja Nossa Senhora das Mercês e Canjica, de onde segue na direção da
cidade de Prados. Esta evidência se baseia na construção dos primeiros passos
construídos para abrigar o percurso das procissões da semana santa da cidade.
(TAVEIRA, 2021)
De acordo com informações do Iphan “São José surgiu ao longo do
caminho que atravessava o Rio das Mortes, entrava pelo Porto Real da Passagem,
passava ao sopé da Serra de São José, Arraial do Córrego, Candonga, Morro

122
da Mandioca e seguia rumo ao Bichinho. Um longo caminho, por onde se
instalaram a matriz, capelas, casas e equipamentos – como as pontes, os largos,
os passos e o chafariz. Um trajeto conformado pelas ruas do Espírito Santo
(atual Santíssima Trindade), do Sol (Padre Toledo), das Forras (Resende Costa)
e do Areão (dos Inconfidentes) (IPHAN, 1987; Cruz, 2021)”.
Registros históricos apontam também para esta hipótese sobre a formação
da Rota Matriz do Centro Histórico de Tiradentes: no que tange à extra-
ção e ao comércio do minério na região, tem-se a rota traçada a partir do
antigo eixo de ligação da Vila São José (Tiradentes) à Vila de São João del Rei,
pelo local de implantação da Matriz de Santo Antônio, seguindo pelas ruas
Padre Toledo e pela Resende Costa até o atual bairro Canjica. Essa ligação
se estabeleceu devido ao menor aclive da Rua Padre Toledo, que a torna
mais viável para o transporte de carga. (CONSELHO EDITORIAL DO
SENADO FEDERAL; INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E ARTÍSTICO NACIONAL, 2007, p. 26).
Fator também de importância na análise da Rota Matriz diz respeito ao
caráter religioso nos processos de ocupações do território mineiro, onde as
primeiras ocupações do território ocorrem, principalmente, próximas às igrejas
e irmandades religiosas (PEREIRA COSTA et al., 2011, p. 14). Esses aspectos
podem ser observados no mapa a seguir.
Registros históricos contribuem com esta análise e apontam a ligação
primitiva entre a antiga Vila de São José (Tiradentes) e a antiga Vila de São
João d’el Rei onde se instaurou a capela da Santíssima Trindade em 1781 que
posteriormente tornou-se igreja, em 1810.
Este acesso culminava no local onde se implantou a Igreja Matriz de
Santo Antônio, principal ponto a partir do qual se desenvolveu a ocupação
na região. Posteriormente, com a implantação da Casa da Câmara, tornou-
-se sede do poder público e religioso (CONSELHO EDITORIAL DO
SENADO FEDERAL; INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E ARTÍSTICO NACIONAL, 2007, p. 26).

123
Figura 11: Área de estudo com demarcação das Rotas
Fonte: LaP, 2022.

É possível observar que a Rua da Câmara se estabelece como uma rota


edilícia planejada, cujas fachadas de menores dimensões, podem ser conse-
quência de um processo de ocupação intenso, devido à proximidade ao
abastecimento de água e à ‘região dos poderes’ da antiga Vila São José.
Esta observação se reforça na Rua Direita como rota de conexão próxima
à Rua da Câmara, cujas fachadas se apresentam também com menores dimen-
sões, o que revela uma ocupação intensa também nesse trecho da via, devido à
proximidade com a Igreja Matriz de Santo Antônio e ao abastecimento de água.
À medida que as edificações da Rua Direita vão se instalando em locais mais
distantes da Rua da Câmara, elas apresentam fachadas maiores e a presença de
sobrados se intensifica: supõe-se que seja devido a uma posterior ocupação deste
trecho do território, em que, inicialmente, existiam maiores extensões de terra.
Como esta era a rota comercial, a ocupação da Rua Padre Toledo se dá,
inicialmente, por chácaras e grandes lotes. Em 2015, a ocupação ocorreu de
forma intensa por variações diacrônicas, com fachadas de 8 a 12 metros com
cinco a seis vãos nas fachadas.
124
A análise tipo-morfológica contribui para a confirmação desta hipótese pela
presença do tipo edilício - tipo básico e suas variações diacrônicas na formação
da série de edifícios na conformação do tecido urbano. A presença do tipo básico
indica uma ocupação antiga e intensa nesta rota, onde se percebe também o
caráter comercial devido à grande presença de sobrados, de edificações que
sofreram tabernização e dos ‘nós’.

A presença do ‘nó’ na rota matriz


O ‘nó’ corresponde a pontos estratégicos da cidade que podem ser focos de
convergência, encontro de rotas ou pontos de rupturas (CANIGGIA; MAFFEI,
2001).
A convergência das ruas Padre Toledo e da Câmara seguido pelo Largo
do Sol com a rua Rezende Costa e desta com o largo da Forras é compreen-
dida como ‘nó’, uma vez que há concentração de sobrados nesses encontros
de rotas que possivelmente poderiam corresponder a pontos estratégicos e de
centralização de comércio na cidade.

Figura 13: Área de estudo com demarcação de Nós e Pólo


Fonte: LaP, 2022.

125
A aplicação do método da Escola Italiana de Morfologia Urbana permite
o entendimento para estabelecer subsídios para formulação e proposição de
diretrizes para a conservação e gestão local.

Propostas de diretrizes para gestão local


A aplicação do método da Escola Italiana de Morfologia Urbana pode
subsidiar a análise das permanências e transformações no Centro Histórico de
Tiradentes, no intuito de investigar possibilidades para a gestão e formulação
de diretrizes que atenuem as transformações negativas no local.
As permanências na paisagem ocorreram em maior proporção devido à
conservação do centro histórico, porém, as transformações são inevitáveis, pelas
pressões mercadológicas do turismo e do capital imobiliário que impulsionam
novos parcelamentos do solo, a criação de estacionamentos em fundos de lotes,
o pastiche e a formação da cidade cenário.
Observa-se no perímetro do centro histórico a presença de pastiches que,
na intenção de manter uma continuidade e um possível equilíbrio na paisagem,
executam cópias e falseiam a paisagem urbana local. Como Aldo Rossi (2001,
p.26) aponta, a cópia idêntica ou pastiche acaba por ser uma incompreensão
do valor tipológico:
[...] para fazer compreender bem o valor da palavra ‘tipo’, tomado
metaforicamente em inúmeras obras e o erro dos que, ou o desconhecem
porque não é um modelo, ou o falseiam, impondo-lhe o rigor de um
modelo que implicaria a condição de cópia idêntica.

Neste contexto, identificamos também que o ‘tipo contemporâneo’ no


centro histórico se refere a residências que se diferenciam da paisagem urbana.
Percebe-se que a presença do tipo contemporâneo, assim como sua distinção
dentro do núcleo preservado, dá-se pela ausência da compreensão do valor do
‘tipo básico’ dentro de seu contexto histórico, fato reforçado pelo intenso uso
do tipo básico e suas variações pelo comércio e turismo local, o que reforça
também a ausência do reconhecimento deste como possibilidade de residência.

126
O ‘tipo contemporâneo’, resultado de novos parcelamentos do tecido
urbano do centro tombado, demonstra que existe a demanda por residências
para a região, que atualmente possui forte atuação no setor comercial e turís-
tico. Esta análise nos leva à percepção do processo de gentrificação existente
no centro histórico. A expulsão da população local se dá devido a fatores como
a atuação do comércio voltado ao turismo, o possível aumento tanto do valor
dos imóveis como do custo de vida local.
Dentro disto, sugerimos como diretriz para a gestão local a identificação
do tipo contemporâneo como presença de tipo edilício que também compõe
o centro preservado servindo de “modelo” para reduzir a simples cópia, sem
entender o verdadeiro caráter dessa paisagem. Esta medida cria possibilidades
para retomar o caráter residencial do centro tradicional.
Compreendendo a atual importância do turismo e do comércio dentro
do núcleo tombado, propomos que os ‘nós’, que são pontos de convergência
e de encontro de rotas, retomem seu caráter de locais de encontro e comércio,
como possibilidade para uma ocupação comercial concentrada e com maior
fluxo em vias destinadas a esse setor, que são as ruas Ministro Gabriel Passos,
Resende Costa e Direita.
As diretrizes propostas têm o intuito de contribuir para a conservação do
centro tradicional, possibilitar o desenvolvimento equilibrado da região e evitar
transformações negativas como a gentrificação.

Conclusão
A aplicação do método da Escola Italiana de Morfologia contribuiu para a
compreensão do processo de ocupação e desenvolvimento do Centro Histórico
de Tiradentes. Pelo método podemos analisar a tipologia arquitetônica local,
definir o tipo básico e compreender o desenvolvimento do mesmo, que culmina
nas variações diacrônicas.
A análise tipo-morfológica contribui ainda para o entendimento da forma-
ção do tecido urbano, mostrando que o ‘tipo básico’ e seu significado no

127
território possibilitam a formulação de diretrizes para a conservação e gestão
da paisagem cultural.
As transformações no centro preservado são inevitáveis, uma vez que se
considera a cidade como um organismo vivo. Contudo, cabe o direcionamento,
a partir de diretrizes de conservação e gestão, para reforçar permanências e
inibir transformações negativas, e assim, evitar maiores descaracterizações e
degradações do sítio histórico.
As diretrizes devem contemplar transformações equilibradas que possibi-
litem a evolução gradativa e harmônica da paisagem urbana.

Referências
ARAGÃO, Solange. O estudo dos tipos-interfaces entre tipologia e morfologia urbana
e contribuições para o entendimento da paisagem. Geosul, Florianópolis, v. 21, n.
42, p. 29-43, jul. /dez. 2006.

CANIGGIA, Gianfranco; MAFFEI, Gian Luigi. Architectural composition and building


typology: interpreting basic building. Firenze: Alinea Editrice, 2001. p. 243-252.

CANIGGIA, Gianfranco; MAFFEI, Gian Luigi; VACCARO, Paolo. Saverio Muratori


e a escola Italiana de tipologia projetual. Urban Morphology, Firenze, abril de 2002.
p.25-36. Tradução de Vítor Oliveira. Revista de Morfologia Urbana, 1979 p. 4.

CONSELHO EDITORIAL DO SENADO FEDERAL; INSTITUTO DO


PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cidades históricas:
inventário e pesquisa - Tiradentes. Edições do Senado Federal, v. 83. Brasília: Conselho
Editorial do Senado Federal, 2007.

CRUZ, Luiz Antônio. Os tetos pintados e as pinturas ornamentais na Vila de São José:
contexto histórico e artístico entre os séculos XVIII e XIX. 2021. Tese. (Doutorado)
- Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Escola de Arquitetura
- UFMG, Belo Horizonte, 2021.

128
PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga; MACIEL, Marieta Cardoso; TEIXEIRA,
Maria Cristina Villefort. Os conceitos morfológicos como instrumento de análise dos
espaços livres. 2011. Disponível em: https://quapasel.files.wordpress.com/- 2011/11/
os-conceitos-morfolc3b3gicos-como-instrumento-de nc3a1lisedos.pdf. Acesso em:
22 jun. 2015.

PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga; SAFE, Simone M. S.; CASTRO, Cleide.


Reflexões sobre a Escola Italiana de Morfologia Urbana. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES,
2., 2013, Belo Horizonte. Globalização e Interdisciplinaridade. Anais… Belo
Horizonte: II CONINTER, 2013.

129
A metodologia Space Syntax aplicada na
análise da evolução urbana: estudo de
caso da cidade de Tiradentes
Vitor Oliveira
Débora Dark Coelho Meirelles
Luciana Araujo Bonuti

Introdução

A aplicação da metodologia Space Syntax ao estudo da evolução urbana


da cidade de Tiradentes é o tema principal deste trabalho. Tiradentes é uma
cidade com população estimada em 7.550 pessoas (IBGE, 2014), localizada na
região central do estado de Minas Gerais conhecida como Vale das Vertentes.
Com características urbanas e arquitetônicas do período colonial ainda preser-
vadas, o município vem firmando cada vez mais sua importância turística no
cenário brasileiro e mundial.
Em um primeiro momento, a teoria da Space Syntax será abordada apresen-
tando sua origem, ideias, características principais, resultados e aplicabilidade,
tendo em vista principalmente o planejamento urbano. Posteriormente, um
breve contexto da cidade de Tiradentes mostrará informações necessárias ao
entendimento do estudo de caso a ser tratado em seguida.
No estudo de caso, a evolução urbana de Tiradentes será apresentada através
da análise dos mapas axiais obtidos por software específico, focando nas medidas
de integração global e integração local. Constam deles cinco períodos temporais
definidos, que recobrem mais de três séculos. Por fim, será feita uma compara-
ção entre os períodos analisados e os valores obtidos, tentando abordar também
a realidade apresentada pelo município. Com isso, pretende-se entender como
as mudanças no desenho urbano ao longo de séculos se relacionam com as
características urbana, social, ambiental e econômica atuais da cidade assim

130
como com os processos de expansão urbana, elitização do centro histórico e
gentrificação que o local tem apresentado.

Metodologia Space Syntax: a Lógica Social do Espaço


Iniciada nos anos de 1970, na University College London (Londres),
por um grupo liderado pelo pesquisador Bill Hillier, a teoria da Space Syntax
(Sintática Espacial ou Lógica Social do Espaço) procura entender as relações
entre o espaço e a sociedade, ou seja, as influências que o espaço construído,
seja ele arquitetônico ou urbano, tem sobre as estruturas sociais (PEREIRA
et al., 2001; PINHO; OLIVEIRA, 2009a).
Desde o início dos estudos, esta teoria vem sendo desenvolvida com a
criação de metodologias de análise e mensuração do espaço, sendo aplicada a
diversos objetivos e segmentos. Um exemplo da utilização da metodologia é
o estudo da evolução urbana das cidades, como será realizado neste trabalho
para a cidade de Tiradentes/MG. Estudos dessa natureza podem ser vistos
em outros trabalhos, como o desenvolvido por Pinho e Oliveira (2009a,
2009b) para a cidade do Porto.
A abordagem do Space Syntax sugere que a configuração da estrutura
urbana é a geradora do movimento das pessoas, no qual podem ser percebidos
os padrões, hierarquias, articulações e o modo como se distribuem no espaço:
formando centralidades, áreas integradas ou segregadas, etc. (PEREIRA et al.,
2001; PINHO; OLIVEIRA, 2009a; MEDEIROS; HOLANDA; BARROS,
2011). Essas relações espaciais são retratadas através do mapa axial, com a
utilização da representação linear do espaço. Medeiros, Holanda e Barros
explicam como isso é realizado:
A representação linear é obtida traçando-se sobre a malha viária, a
partir da base cartográfica disponível, o menor número possível de retas
que representam acessos diretos por meio da trama urbana. Após o
processamento destas, pode-se gerar uma matriz de interseções, a partir da
qual são calculados, por aplicativos especialmente programados para este
fim, valores representativos de suas inter-relações axiais (MEDEIROS;
HOLANDA; BARROS, 2011, p.46).

131
Deste modo, essas inter-relações podem ser analisadas de diferentes
formas de acordo com os objetivos definidos. As principais medidas ou
atributos analisados são a Integração Global (Rn), que resulta do número de
conexões de cada linha axial em relação a todas as outras linhas do sistema,
e a Integração Local (de raio 3), que é o número de conexões de cada linha
com até mais três (PINHO; OLIVEIRA, 2009a; MEDEIROS; HOLANDA;
BARROS, 2011).
Esses atributos são representados numericamente - resultado dos valores
atribuídos pelo software a cada linha axial -, permitindo a realização de
análises e comparações entre os valores obtidos e entre casos e situações
análogas à pesquisa realizada. Graficamente, um mapa com as linhas axiais é
gerado, conferindo uma escala de cores decorrente dos valores de cada linha
do sistema, permitindo a interpretação de locais com integração e conectivi-
dades maiores e menores. No estudo de caso deste trabalho, serão avaliados
e comparados os atributos da integração global e local através de mapas
axiais e também dos seus respectivos valores numéricos. Como colocado por
Medeiros, Holanda e Barros (2011, p.46), os valores obtidos “(...) traduzem
o potencial de atração de fluxos e movimento de determinado eixo ante o
complexo urbano ou as vias do entorno (...)” e podem ser utilizados em vários
setores do planejamento urbano (mobilidade, centralidades, usos, questões
socioespaciais), empreendimentos imobiliários, estratégias de mercado, etc.
Neste trabalho, a metodologia da Space Syntax será aplicada à cidade de
Tiradentes, em um estudo de sua evolução urbana. Na próxima seção, alguns
aspectos da cidade importantes à compreensão do trabalho serão mostrados.

Breve contexto da cidade de Tiradentes


O município de Tiradentes está localizado na Mesorregião de Minas
Gerais, denominada Vale das Vertentes, na Microrregião de São João del Rei
e na Região Central de Planejamento do Estado, de acordo com a divisão do
IBGE (2014). Com 83 quilômetros quadrados de área e uma população de

132
7.550 habitantes, de acordo com os dados do IBGE de 2014, fazem parte do
município o Distrito Sede e os distritos de Elvas e Caixa D’água da Esperança.
Tiradentes fica a 12 km de São João del Rei, importante cidade da região
e uma cidade média propriamente dita na hierarquia urbana (AMORIM
FILHO; RIGOTTI; CAMPOS, 2007). A cidade dista também 190 km de
Belo Horizonte, capital do estado, 330 km e 480 km do Rio de Janeiro e São
Paulo, respectivamente. A região é servida por importantes eixos rodoviários,
como pode ser visto na inserção regional do município na imagem a seguir.

Figura 1: Localização e inserção regional de Tiradentes


Fonte: Base cartográfica: IBGE, 2014, elaborado pelos autores, 2015.

As características físicas da região influenciaram o início da ocupação, o


desenvolvimento local e a morfologia da cidade. A ocupação de Tiradentes
começou no início do século XVIII em decorrência do descobrimento de ouro
por bandeirantes paulistas, na encosta da serra, que mais tarde se chamaria Serra
de São José. Essa descoberta foi possível graças à passagem obrigatória pelo
Rio das Mortes por aventureiros em busca de ouro entre a região central do
estado mineiro (Ouro Preto, Rio das Velhas) até Taubaté e litoral fluminense,
atravessando a Serra da Mantiqueira (CAMPOS, 2006).

133
O início do povoamento seguiu a forma da ocupação colonial portuguesa,
acompanhando a topografia do terreno com as edificações religiosas e públicas
determinando o desenho da malha urbana (CAMPOS, 2006). Deste modo,
a atual Tiradentes se desenvolve ao pé da Serra de São José e às margens do
Rio das Mortes, mantendo algumas de suas características principais ao longo
de mais de três séculos, que permanecem na forma e na paisagem da cidade,
como pode ser visto na imagem a seguir.

Figura 2: Vista parcial da cidade de Tiradentes


Fonte: Coelho, 2015.

Com este pano de fundo, a partir da década de 1980, a cidade passa a


investir no turismo e vem concretizando este posto desde então. Esta atividade
econômica, somada a outros fatores, acarreta a supervalorização da terra e dos
imóveis, imigrações e transformação do centro histórico em áreas comerciais,
confluindo nos processos de gentrificação e expansão urbana desordenada,
como colocado por Campos (2006).
A seguir, aplicando a metodologia da Space Syntax, Tiradentes será tomada
como estudo de caso de sua evolução urbana, possibilitando entender como
esta reflete o cenário atual e os processos apresentados na cidade.

134
Estudo de Caso: cidade de Tiradentes
Referenciando-nos em outras análises desenvolvidas com a utilização
dos mapas axiais, nosso estudo de caso propõe avaliar o desenvolvimento de
Tiradentes através do seu processo histórico de evolução urbana, considerando
cinco períodos e suas respectivas integrações global e local.
Para isso, os mapas axiais tiveram como base o levantamento aerofoto-
gramétrico e mapeamento da área urbana da cidade de julho de 2014. Através
desse mapa base representamos os períodos com a supressão das vias que não
existiam em determinado recorte temporal. Com a utilização do software
Depthmap1, as linhas dos mapas axiais gerados foram quantificadas e hierar-
quizadas de acordo com os diferentes níveis de conexão entre cada via e o
todo, resultando na integração global e local a partir dos quais será analisada a
evolução urbana da cidade. Estes mapas são representados por uma escala de
cores que se refere à hierarquia entre as linhas, sendo as cores quentes os eixos
mais integrados e as cores frias os eixos menos integrados.
A imagem abaixo contém o mapa da cidade de Tiradentes onde estão
representados os edifícios excepcionais, as ruas, os bairros e outras informações
importantes para a compreensão da evolução urbana do município, que será
realizada a seguir.

1 O Depthmap é uma plataforma de software multiplataforma para realizar um conjunto de análises de redes
espaciais projetadas para entender os processos sociais dentro do espaço construído. https://www.spacesyntax.
online›depthmap. Acesso em: 18 out. 2022.

135
Figura 3: Principais pontos do município de Tiradentes
Fonte: Base cartográfica: Prefeitura Municipal de Tiradentes, elaborado pelos autores, 2015.

• A evolução urbana
Os períodos temporais foram definidos pela disponibilidade dos mapas de
evolução urbana elaborados pela Fundação João Pinheiro em 1980, quando foi
compilado o Plano de Organização Espacial e Preservação do Centro Histórico
de Tiradentes, através de um convênio entre a Secretaria de Planejamento
Estadual, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
e a Prefeitura Municipal. Além do Plano, utilizamos como referência mapas
contidos nos estudos de Neves (2013) e Campos (2006). Ambos abordam as
transformações urbanas em Tiradentes a partir dos anos de 1980.
Os períodos analisados são os seguintes: do início do séc. XXVIII a 1850,
de 1850 a 1939, de 1939 a 1980, de 1980 a 2005 e, por fim, de 2005 a 2014.
O primeiro mapa compreende o período em que a estrutura urbana básica já
estava definida no século XVIII, e que se mantém sem grandes modificações

136
até a primeira metade do século XIX, 1850. Esta estrutura configura a fase
mais antiga de ocupação que surgiu inicialmente em torno da Matriz de Santo
Antônio e se expandiu ao longo da antiga estrada que ligava à Vila de Barbacena,
em direção ao Rio de Janeiro.
A análise do mapa axial de 1850 mostra um total de 71 linhas e integração
global, ou seja, a quantificação da distância topológica de cada eixo a todos
os outros – de 0,53. As vias mais integradas são aquelas que fazem o eixo de
ligação da Igreja Matriz com o Largo das Forras, local de entrada da cidade para
aqueles que vinham da Vila de Barbacena ou Prados. As ruas Padre Toledo,
Resende Costa e as ruas que contornam o Largo das Forras são aquelas com
maior integração. Interessante notar que a atual Rua Ministro Gabriel Passos
era, nesse período, uma via de serviços localizada na beira do rio e nos fundos
dos lotes da Rua Direita. Entretanto, o mapa axial já mostra seu potencial
de integração global posteriormente consolidado, como veremos nos mapas
seguintes.
A análise da integração local com raio 3 – ou seja, quantificação da distância
topológica de cada eixo a três passos axiais – mostra o foco local de vias como
a Rua da Câmara e Rua Jogo da Bola, eixos mais antigos de ocupação.
Outra característica do mapa de integração local mostra que áreas mais
afastadas do núcleo antigo possuem maior importância global do que local,
como por exemplo o trecho formado pelas vias do Largo das Forras.
O segundo mapa, relativo à configuração urbana em 1939, mostra a
importância da implantação da estrada de ferro que consolidou os caminhos
primitivos e integrou a cidade através de uma maior facilidade de acesso ao
restante da região. Alguns melhoramentos urbanos foram feitos nas primeiras
décadas do século XX, como a construção das duas pontes de concreto sobre
o Córrego Santo Antônio e o Rio das Mortes e a abertura de vias próximas à
Igreja do Canjica, dando início a uma nova área de expansão urbana.
Esse mapa mostra também a configuração da cidade à época de seu tomba-
mento pelo IPHAN em 1938. A cidade foi considerada pelos modernistas do

137
então recém-criado órgão de proteção de patrimônio nacional como obra de
arte excepcional e, além do valor artístico que atendia ao processo de consoli-
dação de uma nova identidade artística nacional, estava também visivelmente
estagnada economicamente. Segundo Márcia Sant’Anna (1995), o tombamento
só era aplicado inicialmente a cidades que podiam ser vistas inteiramente como
obras de arte, sem grandes chances de modificação e reestruturação.
O mapa axial de 1939 mostra que o número de linhas não teve um grande
aumento em quase um século. De 1850, com 71 linhas, passou para 92 linhas,
em 1939. Assim também os valores de integração global e local não apresenta-
ram grandes diferenças em relação ao mapa do período anterior. Isso se justifica
historicamente pela consolidação dos caminhos e acessos já existentes em detri-
mento da abertura de novas vias. As ruas que contornam o Largo das Forras
continuam com maior valor de integração global. É possível notar também
vias com maior integração global em direção ao eixo de expansão promovido
pela implantação da ferrovia. A integração local com raio 3 mostra o foco local
da Rua dos Inconfidentes, que liga o núcleo antigo à ferrovia.
O mapa de 1980 mostra a configuração na qual a cidade se encontrava
na época do estudo realizado pela Fundação João Pinheiro (1980). As princi-
pais mudanças são a construção do trecho asfaltado até a BR-265 que liga
Tiradentes a São João del Rei, na década de 1960, e a expansão da ocupação
urbana nas áreas adjacentes ao núcleo histórico feitas, quase que exclusiva-
mente, por aforamentos de terrenos. Segundo Campos (2006), a expansão mais
significativa se deu a nordeste e sudeste do núcleo antigo, nas áreas dos bairros
Cascalho e Cuiabá. Os arruamentos resultantes ajustavam-se às linhas naturais
de percurso definidas pela topografia do terreno, pelos caminhos já existentes
e sem nenhuma forma de planejamento, apenas seguindo as características do
sítio mais adequadas à urbanização.
O número de linhas representadas no mapa axial de 1980 é de 184 e mostra
um aumento em relação ao período anterior. Com o adensamento e abertura
de novos arruamentos nos bairros acima mencionados, há um deslocamento
do eixo de maior integração global para a Rua dos Inconfidentes e para as vias

138
que promovem acesso ao Cascalho e Cuiabá. As ruas do núcleo antigo – Rua
Padre Toledo e Rua Ministro Gabriel Passos – continuam tendo um grande
índice de integração global. A Rua Ministro Gabriel Passos e a Rua do Largo
das Mercês possuem grande integração local na análise do mapa com raio 3.
No período que vai de 1939 até 1970, o casario antigo estava em estado
de arruinamento, conforme descrição de pesquisas recentes sobre Tiradentes
(NEVES, 2013; CAMPOS, 2006). Os jornais da década de 1940 retratam
uma cidade velha, abandonada, em ruínas e atrasada economicamente. Foi na
década de 1980 que se iniciou o processo de desenvolvimento turístico que
iria mudar o panorama econômico e social local.
O mapa que retrata a evolução urbana do território até 2005 foi um dos
produtos de estudo de Campos (2006). A valorização imobiliária do centro
histórico que se iniciou no período anterior está relacionada com o processo de
migração para a periferia, em novos ou antigos bairros. Esse processo contri-
buiu para o crescimento horizontal de Tiradentes, que nas décadas de 1980 e
1990 viu crescer sua malha urbana em quase todas as direções, com exceção
da região a noroeste do centro, onde fica localizada a Serra de São José, que
conta com proteção ambiental estadual.
O fenômeno de imigração aqui descrito que provocou o adensamento
de bairros da periferia é analisado por Neves (2013) como consequência do
investimento de empresários e do poder público no desenvolvimento turístico.
O autor identifica que, a partir de meados da década de 1990, as residências da
área central são refuncionalizadas e passam a abrigar estabelecimentos comer-
ciais voltados para o turismo, como pousadas, restaurantes e lojas de artesanato.
O mapa axial de 2005 mostra o grande desenvolvimento do município no
período de 25 anos, com 300 linhas axiais. Não há grandes alterações de
integração local nas vias dentro do centro antigo. A Rua dos Inconfidentes
continua sendo a mais integrada e é interessante notar que nela localizam-se
serviços importantes para os habitantes locais, como supermercado, açougue,
farmácia e posto de gasolina.

139
Destacam-se também, no mapa de integração global, dois novos lotea-
mentos que surgiram nas últimas décadas e estão cada vez mais adensados.
O primeiro corresponde ao Parque das Abelhas, de traçado retilíneo com
edificações de alto padrão. O segundo é o bairro da Mococa, criado pela
prefeitura municipal com edificações de baixa renda. Os dois bairros possuem
integrações distintas. Enquanto as vias do primeiro mostram-se bem integra-
das, as do segundo estão nas cores mais frias e demonstram o que já se verifica
na realidade: a população residente reclama da falta de transporte coletivo,
dificuldade de acesso ao bairro e grande distância do centro – local de trabalho
e de acesso a serviços.
O último mapa, de 2014, mostra as alterações urbanas ocorridas até esse
ano, fruto do levantamento cadastral da prefeitura municipal. É interessante
notar que a via que liga o Largo das Forras, corta o Parque das Abelhas e vai
até a Prefeitura Municipal é a mais integrada. Entretanto, atualmente essa via
apresenta caráter local, com muitas residências, algumas pousadas e poucos
pontos comerciais. Bairros como o Parque das Abelhas e o Cuiabá, que possuem
vias mais integradas, desenvolveram-se mais, enquanto o bairro Mococa, que
apresenta vias com menor valor de integração global, possui edificações para
população de baixa renda. Em linhas gerais, é importante ressaltar que a integra-
ção global vem caindo ao longo dos últimos anos, como pode ser visto no
quadro abaixo, que contém dados comparativos dos períodos. Cabe o questio-
namento se seria o reflexo do crescimento desordenado, uma vez que o Plano
Diretor Municipal só foi aprovado em 2014.

Mapa N° de linhas Integração Global Integração Local Conectividade


1850 71 0,53 1,12 2,53
1939 92 0,55 1,16 2,63
1980 184 0,57 1,22 2,70
2005 300 0,50 1,27 2,70
2014 380 0,49 1,26 2,66
Quadro 1: Comparativo dos períodos
Fonte: Base de Dados: Software Depthmap, elaborado pelos autores, 2015.

140
Outro fato relevante é visto no aumento do valor da integração local
quando comparada aos valores relativos de cada período, em detrimento da
diminuição da integração global. Isso pode significar que a malha da cidade
potencializa os percursos curtos, isto é, aqueles da escala local, o que tende
a ser característica básica para a vitalidade urbana no âmbito do bairro.
Pelo mapa axial de 2014 é possível analisar algumas tendências de cresci-
mento da cidade. A região do bairro Parque das Abelhas e a parte baixa do
Bairro Cuiabá possuem as vias mais integradas. Ambas são localidades já
consolidadas e próximas à área mais antiga do núcleo tombado. O Parque
das Abelhas está atualmente sendo adensado, com novas construções de alto
padrão. Já o bairro Cuiabá está em visível expansão ao longo da via que liga
a Tiradentes e Prados, passando pelo distrito conhecido como “Bichinho”
– que atrai grande número de turistas pelo comércio de artesanato e gastro-
nomia mineira.
Assim também a Avenida Israel Pinheiro, que liga Tiradentes à BR-265,
principal saída para a cidade de São João Del Rei, é uma área de expansão da
cidade, onde percebemos a abertura de novos loteamentos e condomínios.
Entretanto, essa via não aparece como uma das mais integradas, o que pode
ser explicado pelo fato de que as novas vias ainda não foram incorporadas ao
mapa da Prefeitura Municipal utilizado como base. Assim também a análise
dessas áreas limítrofes é dificultada pelos próprios limites do desenho que
não incorpora os dados dos municípios vizinhos. A seguir, os mapas axiais
da integração global e integração local são apresentados respectivamente.

141
Figura 4: Mapas axiais da integração global de Tiradentes/MG, do início do séc.XVIII a 2014
Fonte: Base cartográfica: Prefeitura Municipal de Tiradentes; FJP, 1980, elaborado pelos autores, 2015.

142
Figura 5: Mapas axiais da integração local de Tiradentes/MG, do início do séc.XVIII a 2014
Fonte: Base cartográfica: Prefeitura Municipal de Tiradentes; FJP, 1980, elaborado pelos autores, 2015.

143
Em 2011, um trabalho realizado por Medeiros, Holanda e Barros buscou
interpretar espacialmente a forma e o espaço de uma variedade de cidades
brasileiras tomadas como objeto de estudo, obtendo assim o gráfico abaixo
que mostra a integração global de cada uma delas. As cidades estudadas foram
separadas três em grupos: o grupo A refere-se a assentamentos com população
acima de 500 mil habitantes; o Grupo B àquelas entre 300 e 500 mil; e o
grupo C representa os núcleos urbanos que possuem interesse arquitetural e
herança colonizadora portuguesa – onde se encontra Tiradentes, nosso caso
de estudo. Através desse gráfico foi possível comparar os respectivos índices
de integração global.

Gráfico 1: Comparativo dos valores da integração global


Fonte: Base de dados: Medeiros; Holanda; Barros, 2011, p.52.

O valor da integração global para a cidade de Tiradentes é de 0,667. No


presente trabalho, no mapa de 2014, o valor encontrado foi 0,49. Os valores
apresentados em ambos os estudos são considerados de nível mediano, se
comparados à média daqueles apresentados por todas as cidades analisadas em
2011, onde a variação da integração global foi de 0,199 a 1,458.

144
O fato de Tiradentes apresentar um valor mediano para a integração global
permite-nos apontá-la como uma cidade com características que mesclam
aquelas apresentadas pelos grupos A e B e C. Especificamente, nesta cidade, o
número de linhas que atravessam o sistema globalmente é menor, mesmo com
a sua pequena dimensão, o que produz uma feição labiríntica e fragmentada
típica das cidades maiores, que resulta na diminuição dos valores de integração
global: “a apreensão é restrita a partes do todo, implicando a perda da percepção
global, em função da dificuldade em compreender o sistema por inteiro. Estas
cidades são menos inteligíveis e percebidas em fragmentos” (MEDEIROS;
HOLANDA; BARROS, 2001, p.53). Pelo pequeno porte de Tiradentes, hoje
com pouco mais de 7.000 habitantes, pelo rápido crescimento apontado nas
últimas décadas aliado à diminuição da integração global, é possível pensar-
mos na importância do planejamento para que futuros problemas típicos das
grandes cidades não ocorram no município.

Conclusão
A utilização da metodologia Space Syntax na análise da evolução urbana é
mais uma ferramenta que possibilita o entendimento do processo de ocupação
e desenvolvimento urbano, bem como as tendências atuais da cidade, pela
ótica que a teoria propõe: da relação entre o espaço urbano, movimento e
estruturas sociais.
Apesar da utilização desta metodologia ser recente – cerca de três décadas
– e das críticas existentes a ela, é possível afirmar, a partir deste estudo, que
as formas e configurações da malha urbana têm influência nos padrões de
movimentos das vias, determinando aquelas que terão maiores e menores fluxos.
Entretanto, é notável a necessidade de se complementar e expandir o
estudo com a utilização de outras metodologias e abordagem de outros aspectos
urbanos (uso e ocupação do solo, por exemplo), como forma de refutar ou
confirmar os resultados obtidos neste trabalho.

145
A metodologia Space Syntax, acima de tudo, mostrou-se uma ferramenta
com enorme potencial para o planejamento urbano, como forma de prever e
procurar evitar problemas urbanos e sociais, principalmente aqueles gerados
pelo crescimento desordenado, que já ocorrem na cidade de Tiradentes.

Referências
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146
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268 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 1995.

147
Análise Tipo-morfológica na periferia
de Centro Histórico de Tiradentes:
abordagens italianas
Marina Salgado
Luciana de Assis Lage
Simone de Almeida Ramos
Guanaeli Matias de Mendonça da Silva
Maria Cristina Villefort Teixeira

Introdução

As áreas de expansão das cidades históricas brasileiras constituem rico


objeto de estudo, que pode fornecer informações importantes sobre o seu
desenvolvimento e os processos de transformação no contexto de preserva-
ção. Alterações aceleradas e novos elementos morfológicos introduzidos pela
expansão urbana podem ameaçar os constituintes da formação cultural ainda
presentes nesta paisagem.
Propõe-se como objeto deste estudo avaliar as expansões recentes na cidade
de Tiradentes, Minas Gerais, através da aplicação da metodologia desenvolvida
pela Escola Italiana de Morfologia Urbana, criada por Saverio Muratori. Além,
deste autor, serão avaliados conceitos de Caniggia e Maffei (2001) Rossi (2001)
e Pereira Costa e Gimmler Netto (2015).
O método proposto por esta Escola parte de um elemento isolado e se
expande pela ampliação da escala até chegar à concepção geral. Ele possibi-
lita analisar a cidade a partir das relações existentes entre os seus elementos
morfológicos e as suas modificações através do tempo, visando compreender
os processos de formação e de expansão do ambiente construído. Na visão da
teoria muratoriana, o ‘tipo’ mantém a essência da construção arquitetônica,

148
sendo, portanto, uma ferramenta básica para reconhecimento de fases históricas
e dos respectivos tecidos urbanos, pois as edificações conformam manchas com
características semelhantes na paisagem construída (CANIGGIA; MAFFEI,
2001, p.51).
Pereira Costa e Gimmler Netto (2015, p. 147) apresentam os conceitos
estruturadores da Escola Italiana de Morfologia Urbana, que são sintetizados:
linguagem tecnológica e arquitetônica; processo tipológico; consciência espon-
tânea e consciência crítica; organismo urbano; história operativa em escalas
de análise e ciclos civilizatórios; e a questão geográfica do ambiente humano.
Na análise morfológica, são identificados, num primeiro momento, os
tipos especializados e seus respectivos usos. Na segunda etapa, analisam-se os
tipos de uso residencial, sendo que o tipo básico é aquele que se apresenta com
maior frequência no espaço estudado.
Para isso, o tipo básico e o tipo especializado são testemunhos dos processos
de mudança que poderão identificar essas transformações nos bairros Cascalho,
Parque das Abelhas, Canjica e parte do bairro Cuiabá - na extensão norte-leste
do território, ao longo da estrada que liga Tiradentes a Prados, que leva ao
Distrito de Vitoriano Veloso, conhecido popularmente como Bichinho.
Além disso, este trabalho pretende analisar os tipos especializados existentes
e as rotas geradas pela capacidade de polarização de cada uma destas edificações.
Desta forma, buscamos comprovar a tese desenvolvida por Muratori de que:
As cidades conectam-se por uma rede de caminhos regionais se ajustando
às destinações e se adequando pelas possibilidades da melhor utilização
do território, da paisagem, da superfície da Terra. Observar o processo
de formação e transformação da cidade é tomar conhecimento de que
esta é parte integrante da evolução e desenvolvimento da vida humana
(PEREIRA COSTA; GIMMLER NETTO, 2015, p. 155).

Teoria muratoriana e a tipologia do meio antrópico


A discussão sobre ‘tipo’ na arquitetura vem desde o século XVIII. Antoine-
Chrysostome Quatremère de Quincy (1755-1849), apesar de não ser o pioneiro

149
nessa discussão, foi um teórico que abordou o assunto através do princípio
de mímesis, no qual a arquitetura estaria baseada em algo precedente, preexis-
tente. Essa discussão sobre ‘tipo’, mesmo sendo interessante na história da
arquitetura, praticamente entrou em esquecimento a partir do Movimento da
Arquitetura Moderna e do seu ideal de originalidade. Entretanto, em resposta
ao movimento Moderno, no período da década de 1940 do século XX, essa
temática foi retomada nos estudos do arquiteto e professor Saverio Muratori
(1910-1973), “através das preocupações sobre os efeitos físicos da arquitetura
moderna italiana sobre as cidades já existentes, em particular aquelas de neces-
sária preservação histórica e artística”. (ESPÍRITO SANTO, 2006, p. 19).
As ideias de Saverio Muratori, e mais tarde, de dois de seus alunos Gianfranco
Caniggia e Gian Luigi Maffei, inspiraram na Escola Italiana de Morfologia
uma abordagem processual tipológica, argumentando sobre a recuperação e
ordenação das cidades a partir da compreensão de sua herança histórica e dos
elementos de desenho urbano. Os estudos de Muratori relacionaram quatro
elementos fundamentais para a conformação do território: o tipo, o tecido, o
organismo e a história operativa. Intimamente ligados, esses conceitos aplicados
em suas pesquisas apresentaram três lições: o tipo possui aplicação concreta; o
tecido urbano está inserido em uma estrutura urbana contextual e o estudo da
estrutura urbana somente se concebe em sua dimensão histórica (OLIVEIRA,
2014).
Neste processo, a análise proposta se dá em quatro etapas sucessivas:
- Primeira etapa: investigação do tipo edilício e estruturação das possíveis
diversificações tipológicas e suas transformações sucessivas;
- Segunda etapa: identificação das séries e dos graus de sua derivação;
- Terceira etapa: observação das séries que estão implantadas ao longo de
rotas que unem polos opostos;
- Quarta etapa: tecidos urbanos que surgem da estruturação das rotas que
vão sendo ocupados no sentido do topo até os fundos dos vales, ocupando o
território.

150
O ‘tipo’, na escola italiana, possui relação e significação com o tecido
urbano. É definido como um dos elementos de leitura do espaço construído,
sendo esta uma leitura “posteriori” da estrutura edilícia criada pelo homem
(PANERAI, 2014). Não se trata de uma abstração, mas sim, do reflexo de uma
realidade presente no local e em um determinado tempo; entretanto, não é um
produto lógico, mas um produto de consciência espontânea. A finalidade da
leitura tipológica consiste, portanto, em “compreender como um edifício foi
realizado, de que elemento é derivado e como foi modificado no tempo, num
processo de conhecer o tipo e reconhecer o processo tipológico que o gerou.”
(ESPÍRITO SANTO, 2006, p. 29).
A essência do tipo respeita tanto o ambiente antrópico quanto o projeto.
Há no ‘tipo’ uma progressiva gama de profundidade que distingue características
cada vez mais individualizadas e personalizadas, apresentando diferentes níveis.
Entendido assim, o ‘tipo’ não é identificado pela distribuição no espaço e pela
função, mas pela tríade vitruviana: estabilidade, utilidade e beleza - firmitas,
utilitas e venustas.
Na teoria muratoriana, os tipos se dividem em tipo básico e tipo especiali-
zado. O tipo básico compõe o contexto geral construído; consequentemente, é
o protagonista do ambiente antrópico: são as edificações tipicamente residen-
ciais e todos os elementos que completam o ambiente: ruas, praças, etc. O
tipo especializado corresponde às construções que procedem e completam
o ambiente do tipo básico ligadas à produção. Ele possui características mais
complexas e maiores proporções, chegando até à monumentalidade, em alguns
casos. (VALDÍVIA, 1993).
No estudo em questão, serão abordados tanto o tipo básico quanto o
especializado, a conformação dos tecidos urbanos de diferentes bairros e os nós,
que são interseções decorrentes do cruzamento de duas vias, como apresentado
a seguir, na aplicação do vetor de expansão urbana da cidade de Tiradentes.

151
Área de estudo: vetores de expansão norte e leste
A demarcação da área de estudo permite “definir melhor determinado
fenômeno” (ROSSI, 2001, p. 65), já que a cidade é uma criação que não pode
ser reduzida a uma só ideia básica. O conhecimento de certa área escolhida a
partir de critérios espaciais e sociais pode nos dar informações mais precisas
sobre os processos de transformação de toda a cidade.
As três escalas principais de análise foram posteriormente interpretadas e
utilizadas por Rossi (2001) para a análise do tecido urbano. As escalas da rua,
do bairro e da cidade, segundo o autor, permitem sistematizar o conhecimento
do espaço urbano já que a cidade é composta por várias partes, com caracte-
rísticas próprias, denominadas de tecidos urbanos, aqui analisadas em função
dos bairros, que são delimitações políticas. É necessário ressaltar a importância
do bairro como “um momento, um setor da forma da cidade, intimamente
ligado à sua evolução e à sua natureza” (ROSSI, 2001, p. 70).
Para estabelecer as escalas de análise, o trabalho de Campos (2006) permitiu
estabelecer faixas de ocupação e, consequentemente, delimitar o recorte de estudo.
O autor explica que a população urbana de Tiradentes está distribuída em dez
faixas de ocupação. Essas faixas são os locais da área urbana ocupados de forma
espontânea ou planejada, mas sem delimitação precisa. Assim, serão analisadas
apenas aquelas da expansão ao Norte e a Leste do centro histórico, compreen-
dendo os bairros Canjica, Cascalho, Cuiabá e Parque das Abelhas (Figura. 1).
Os bairros que compõem a área fazem parte do território da cidade que
sofreu grande expansão devido à atividade turística, fator importante que se
fortalece na região a partir da década de 1980. A impossibilidade da verti-
calização no município - limitação imposta pelas diretrizes de preservação
do tombamento do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Cidade de
Tiradentes pelo Governo Federal - favorece o crescimento horizontal na periferia
do município. Loteamentos são implantados ou autorizados pela Prefeitura
Municipal, sem, contudo, possuírem infraestrutura adequada. A relação entre
turismo, preservação cultural e ocupação irregular da área do município, não

152
condicionada às prerrogativas do tombamento, pode ser bastante complexa,
como afirma Lima (2006, p.57) e que pode ser observada na Figura 01.
Uma faceta desse processo de apropriação do patrimônio pelo turismo
diz respeito aos impactos que comprometem a qualidade do meio
ambiente, a preservação do patrimônio cultural e a própria preservação
da memória social. (...) O resultado desse processo é uma urbanização
acelerada, desvinculada da realidade local e das políticas de preservação,
que dá origem a uma paisagem, muitas vezes, pouco atrativa para o
turismo, porque descaracteriza o próprio patrimônio.

Figura 1: Bairros de Tiradentes que compõem a Área de Estudo


Fonte: Mapa elaborado pelas autoras a partir de base da Prefeitura Municipal de Tiradentes, 2015.

153
O Bairro Canjica (Figura. 1) tem sua formação vinculada ao processo de
implantação da cidade colonial. A sua origem está no “espaço de produção”, já
que ali era o lugar onde se explorava o ouro no período de fundação da cidade.
O Canjica, embora não componha a área legalmente protegida pelo tomba-
mento, é um espaço de ocupação histórica do município de origem relacionada
à própria formação do núcleo urbano. Ela é a única que está dentro da área
de preservação limitada pela Proposta de critérios e normas de proteção para o
sítio histórico de Tiradentes, aprovada em 1997 pelo IPHAN. Esta proposta
foi um instrumento elaborado em conjunto pelas gestões públicas (Conselho
de Patrimônio, Prefeitura, IEPHA e IPHAN) com a finalidade de preservar
as características principais de Tiradentes, mantendo a lógica de ocupação e
desenvolvimento da cidade.
O bairro Canjica possui parcelamento de lotes em declive ou aclive na
malha viária orgânica, apresentando áreas de ocupação espontânea. No trajeto
que segue junto à estrada em direção a Bichinho - Rua Alvarenga Peixoto, no
bairro Cuiabá -, vê-se a apropriação de lotes em desnível com declividades
acentuadas nas regiões mais afastadas do centro histórico da cidade. Esses
parcelamentos apresentam visualmente, no nível da rua, um único pavimento,
mas na realidade, compõem dois ou mais pavimentos, de acordo com o desnível
(Figura. 2). Observa-se, na área de expansão, crescente número de edificações
de uso misto ao longo dos percursos planejados.
O bairro Cascalho (Figura. 1) é o primeiro setor de expansão da cidade,
já no início do século XX. Sua origem é um loteamento regularizado pela
Prefeitura de Tiradentes, em área acima da capela de São Francisco de Paula
e, portanto, vizinho do centro histórico em direção à Serra de São José. Sua
formação apresenta quarteirões menores, situados em encosta mais elevada
que a área central, onde as edificações são implantadas junto às vias de traçado
orgânico que acompanham os desníveis do terreno natural.

154
Figura 2: Edificação na Rua Alvarenga Peixoto
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

No bairro Cascalho, a área urbanizada segue uma malha com caracterís-


ticas organicistas. As edificações do tipo básico possuem pouco ou nenhum
afastamento frontal, resultando em um tecido urbano com ritmo e harmonia
encontrados apenas neste bairro, mas que seguem a lógica influenciada pela
forma de implantação colonial.
O bairro Parque das Abelhas (Figura. 1) faz parte do eixo de expansão
nordeste de Tiradentes e é um dos últimos grandes loteamentos da cidade,
composto por edificações residenciais destinadas às populações das classes média
e média-alta, constituindo, junto com o centro, em uma das áreas de maior
valorização imobiliária do município. Apresenta traçado ortogonal, definindo
quarteirões geometrizados, resultado da baixa declividade. Os lotes, em geral,
possuem dimensão maior do que os encontrados nos outros bairros analisados.
O bairro Cuiabá possui duas áreas distintas: uma próxima ao centro histó-
rico, mais adensada, com edificações na testada dos lotes. A outra, mais afastada,
de expansão mais recente, é situada ao longo da estrada para Bichinho, trecho
da antiga Estrada Real. Esta região encontra-se em processo de crescimento

155
contínuo com incidência de lojas de artesanato e pousadas, consequência do
incremento do turismo. Na parte do bairro Cuiabá a ser estudada (Figura. 1),
as edificações com características rurais estão sendo substituídas por constru-
ções residenciais e comerciais que criam uma nova paisagem adensada neste
território. Cabe destacar que desta área vislumbra-se com privilégio o núcleo
histórico e a Serra de São José. Isto favorece a implantação de novos loteamentos
voltados às classes mais altas e a moradias temporárias para pessoas vindas de
outras cidades, principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
A Figura 3 ilustra as edificações características dos dois locais.

Figura 3: Casas no bairro Cuiabá


Fonte: Google Earth, 2011.

156
A partir da definição do recorte de estudo em eixo de expansão urbana,
constituído por quatro bairros que podem ser compreendidos como distintos
tecidos urbanos, o enfoque é dado às edificações que os conformam. Para a
aplicação teórica e conceitual a análise tipológica é focalizada no bairro Cuiabá,
como se apresenta a seguir.

Tipologia edilícia no bairro Cuiabá


Para a Escola Italiana, a interpretação do ambiente construído se inicia
com a análise da escala mais particular, que é a edificação (PEREIRA COSTA;
GIMMLER NETTO, 2015; ROSSI, 2001). De acordo com os estudos de
Caniggia e Maffei (2001), esta interpretação se dá de maneira direta pelo
reconhecimento do tipo básico e de suas variações, por meio de observação e
comparação.
Assim, mediante visita ao local, levantamento fotográfico, uso de ferra-
mentas digitais como o Google Earth, deu-se início ao estudo do processo
tipológico na área de estudo, caracterizando, a princípio, o tipo básico e suas
transformações.
Foram observados os elementos que se fizeram acessíveis: a implantação das
edificações nos lotes, os telhados, as fachadas, o posicionamento das aberturas
nas fachadas, não sendo possível uma análise dos espaços internos em planta
baixa. No bairro Cuiabá foram identificados 45 imóveis com uso residencial,
sendo 4 deles com uso misto. Por meio de observação e comparação, o tipo
mais encontrado na região é estabelecido como tipo básico, ilustrado e descrito
a seguir.

157
Figura 4: Tipo básico do Bairro Cuiabá
Fonte: Google maps, 2022.

O tipo básico apresenta implantação no lote com recuos frontal e laterais, o


telhado é de duas águas em telha cerâmica, a testada possui dimensões entre 9 e
13 metros, a fachada frontal apresenta duas janelas e a porta se localiza em uma
das fachadas laterais da edificação, de modo geral, na de maior afastamento.
Transformações no tipo básico podem ocorrer refletindo demandas sociais
de cada momento ou mudanças de estilo com o passar do tempo. A mais obser-
vada alteração constitui no acréscimo na lateral, cujas dimensões permitem o
estacionamento de um automóvel. Nesta mudança, que conta com a cobertura
de uma só água, a fachada incorpora o espaço de garagem. Outra possibili-
dade de alteração do tipo básico ocorre quando há acréscimo de pavimento.
Geralmente, tem-se no pavimento superior varanda lateral sobre a garagem. O
telhado pode também apresentar inclinações em 4 águas, com telhas cerâmicas
ou platibanda na fachada frontal, refletindo influência do estilo eclético. Todas
essas transformações podem ser observadas na figura 5 e estabelecem a análise
do processo tipológico.

158
Figura 5: Croqui do processo tipológico A
Fonte: Desenho das autoras, 2015.

Outra transformação do tipo básico recorrente no bairro refere-se à localiza-


ção da porta principal na fachada frontal; as demais características permanecem
semelhantes. As testadas dessas residências variam de 10 a 12 metros. Seu
posicionamento no lote possui um pequeno afastamento frontal e afastamentos
laterais, sendo um deles mais largo. Em algumas edificações ocorre o acréscimo
de um alpendre frontal e anexo para garagem. E o telhado em quatro águas,
com telhas cerâmicas, pode apresentar platibanda, como se observa na figura 6.

Figura 6: Croqui do processo tipológico B


Fonte: Desenho das autoras, 2015.

159
Destaca-se também a ampliação da testada, com dimensões compreendi-
das entre 12 e 15 metros, sem afastamentos frontais e laterais ou de reduzidas
dimensões e, geralmente, com afastamento frontal. Quando há acréscimo de
pavimento, ocorre no segundo o aparecimento da varanda frontal. O telhado
apresenta inclinação de 2 ou 4 águas, em telha cerâmica, como ilustra a figura 7.

Figura 7: Croqui do processo tipológico A, B e C.


Fonte: Desenho das autoras, 2015.

A análise do processo tipológico permite reconhecer as manifestações cultu-


rais que incluem os modos de vida dos habitantes de determinada localidade,
materializadas nas edificações com o passar do tempo. Apresenta, portanto,
uma síntese sociocultural morfologicamente traduzida no ambiente urbano.
Os tipos especializados, com funções específicas, se diferenciam do conjunto
formado pelos tipos residenciais na malha urbana e serão abordados a seguir
em razão de seus vínculos com as rotas, nós e pólos.

Rotas, nós e pólos


À semelhança dos estudos elaborados por Pereira Costa e Gimmler Netto
(2015) em Ouro Preto, os tipos especializados foram representados na área de
expansão em Tiradentes por edifícios religiosos estrategicamente distribuídos
nos pontos mais visíveis da cidade. Eles se tornam marcos de referência na
paisagem urbana devido à sua função, monumentalidade e localização geográ-
fica. Essas autoras estabelecem que cada tipo especializado corresponde a uma
função decorrente da sua própria posição específica no organismo urbano.

160
“Um tipo especializado nodal sempre forma um raio de influência que se
afasta do ponto central. O conjunto formado pelo tipo especializado e sua área
de influência constitui um módulo nodal” (Pereira Costa e Gimmler Netto,
2015, p. 201). Quando se amplia a escala, tem-se o módulo urbano composto
por vários pólos nodais de menor grau de influência.
As dimensões transformativas da cidade não perdem a consistência
modular inicial que tendem a reestruturar as nodalidades preexistentes
em módulos maiores. A lógica do processo formativo do módulo para o
todo reforça a sua aplicação particular e implica uma hierarquia global
(PEREIRA COSTA; GIMMLER NETTO, 2015, p. 202).

De certo modo, este conceito se aproxima do conceito de elementos primá-


rios de Rossi: “um conjunto de elementos determinados que funcionam como
núcleos de agregação” (ROSSI, 2001, p. 115) que participam da evolução da
cidade no tempo de maneira permanente. O caráter público dessas tipologias
garante a identificação de sua presença no território, caracterizando processos
de transformação da paisagem.
Utilizando este conceito, pode-se identificar na área de estudo um tipo de
edificação que se enquadra nesta definição e que pode ser instrumento para
análise dos nós e das rotas do tecido urbano do bairro Cuiabá. O primeiro grupo
são os monumentos, “construção, obra de arquitetura ou escultura destinada a
transmitir à posteridade a recordação de um grande homem ou feito; ou obra
de arquitetura considerável para sua dimensão ou magnificência; ou construção
que recobre uma sepultura’’ (LAMAS, 2004, p.102).
Na Morfologia Urbana, os nós são as interseções decorrentes do cruza-
mento de vias e expressam a qualidade de um ponto ao interconectar duas rotas
ou criar a junção entre uma rota e outra. O pólo, por sua vez, é considerado
o elemento inicial de uma rota externa que proporciona a implantação das
edificações paralelas ao longo de uma rota matriz, de acordo com Pereira Costa
e Gimmler Netto (2015).

161
Para Muratori (1959), este sistema se faz por rotas estabelecidas, denomi-
nados: 1) Rota Matriz, aquela composta por logradouros pré-existentes ao
conjunto arquitetônico edificado; 2) Rota Edilícia Planejada, que se constitui a
partir de rotas criadas em função de uma edificação ou localidade, geralmente
perpendiculares à rota matriz, e compostas por logradouros abertos após a
implantação do conjunto edificado; e 3) Rota de Conexão, que se faz através
de arruamentos que unem percursos existentes aos planejados. A identificação
dos percursos de base auxilia na compreensão da formação das quadras e de
seu parcelamento, e ainda permite a escolha da área a ser efetuada a leitura
tipológica, para a formação e identificação das séries tipológicas e, consequente-
mente, a configuração do ambiente construído (ESPÍRITO SANTO, 2006). ”
Assim, foram identificadas as três rotas estruturantes (Matriz, Edilícia
Planejada e de Conexão), além de sete nós e de um nó de influência, destacado
pela implantação do tipo especializado com funções religiosas, que constitui
elemento marcante na paisagem (Figura.8). Segundo Pereira Costa e Gimmler
Netto (2015), no tecido urbano estruturado por uma Rota Matriz ocorre a
formação de nodalidades pontuais, localizadas linearmente ao longo do eixo de
estabilidade da Rota Matriz nos cruzamentos com as Rotas Edilícias Planejadas.
Quando há a implantação de tipos especializados nesses cruzamentos, essas
modalidades pontuais tendem à polarização. No entanto, para a formação de
um pólo é necessária a congregação de diversas atividades em um conjunto de
edificações especializadas, o que não é observado no recorte em estudo. Além
das sete nodalidades pontuais identificadas no recorte, um nó de influência
diferencia-se por não ser vinculado à Rota Matriz, contudo apresenta um tipo
especializado nodal que produz um raio de influência no tecido urbano.

162
Figura 8: Rotas e Nós na Área de Estudo
Fonte: Base da PMT/MG, 2014, elaborado pelas autoras, 2015.

A Rota Matriz de acesso a Prados (Figura. 8) é um trecho da Estrada


Real, nomeada na atualidade como Rua Alvarenga Peixoto. “O acesso ao
núcleo inicial da cidade de Tiradentes era feito através da estrada que leva até
Prados chegando ao centro através de sua porção leste, no Largo das Forras.”
(SALGADO, 2007, p. 34).
Observa-se ao longo da rota matriz o surgimento de diversas rotas edilí-
cias planejadas, originando novos quarteirões urbanos ainda em formação.
O traçado desses quarteirões é variado, de acordo com o desenvolvimento de
cada uma das ocupações que ali se implantam. Alguns desses parcelamentos
possuem traçado ortogonal sobre o relevo de encostas, sem levar em conta
as características topográficas locais. Outros seguem a lógica da topografia,
gerando quarteirões e lotes mais adaptados às declividades naturais do terreno.
Apesar de ser uma rota implantada desde a fundação da cidade, a ocupação
ao longo do trajeto é recente, estimulada pelo desenvolvimento do turismo em
Tiradentes e em Bichinho, distrito de Prados. A implantação de condomínios

163
e loteamentos de tipologias variadas é voltada para todo tipo de público, das
classes mais baixas até as privilegiadas. Esta área está sendo ocupada por edifi-
cações direcionadas ao turismo e, muitas vezes, remete sua forma a elementos
estéticos do período colonial e seguem a lógica da melhor visada para o centro
histórico e para a Serra de São José.
A Rota Edilícia Planejada (Figura. 9) conecta a Rota Matriz, de acesso a
Prados, à Capela de Santo Antônio da Canjica (Figura.10), construção original
do século XVIII.

Figura 9: Rota Matriz e Edilícia Planejada configurando o acesso à Capela de Santo Antônio da Canjica
Fonte: Base da PMT/MG, 2014, elaborado pelas autoras, 2015.

Ainda que não mantenha integralmente a sua originalidade - tendo passado


por intervenções -, conserva as feições semelhantes às das igrejas do centro
histórico, representando um tipo especializado diferente do restante das edifi-
cações contemporâneas encontradas na área de estudo. Este tipo constitui o
único exemplar especializado da área que exerce um raio de influência no tecido
urbano do bairro Cuiabá.

164
Figura 10: Capela de Santo Antônio da Canjica
Fonte: Filipo Tardim, 2014.

Historicamente, esta capela exerce influência na conformação dos tecidos


urbanos de expansão local, já que pode ser considerada como monumento da
“área de produção” da cidade de Tiradentes. Portanto, este tipo especializado
estabelece uma nodalidade de influência e sua preservação, vinculada à forma-
ção do núcleo histórico, contribui para o desenvolvimento do eixo nordeste
de expansão contemporâneo, principalmente orientado pela Rota Matriz de
origem colonial.

Conclusão
A análise tipo-morfológica em setor de expansão urbana contemporânea
fornece ao pesquisador acesso ao acervo construído, mediante o estudo do
processo de formação e desenvolvimento das formas construídas da cidade,
seguindo uma visão historicista de identificação de suas transformações. Isso
permite o reconhecimento das características que sintetizam aspectos socio-
culturais materializados na forma urbana contemporânea e orientam a escolha
de onde e como intervir no ambiente antrópico.

165
A definição do recorte de estudo, formado por quatro bairros que
constituem o eixo de expansão nordeste da cidade de Tiradentes na contem-
poraneidade, demonstrou que os aportes teóricos e metodológicos da Escola
Italiana de Morfologia Urbana contribuem para reconhecimento dos elementos
morfológicos em diferentes escalas e da avaliação de seus processos transfor-
mativos ao longo do tempo.
Os bairros Canjica, Cascalho, Cuiabá e Parque das Abelhas, conformam
diferentes tecidos urbanos. Os três primeiros se desenvolvem organicamente
por meio da estruturação de rotas e pela formação de quarteirões, adaptados à
topografia e aos recursos hídricos. No Parque das Abelhas, ocorre a implantação
de tecido em malha ortogonal, onde o relevo é mais plano.
Para as aplicações tipo-morfológicas, o bairro Cuiabá foi escolhido por
apresentar o eixo de desenvolvimento territorial denominado de Rota Matriz,
que ligava o Centro Histórico de Tiradentes ao de Prados, desde o período
colonial. E que na contemporaneidade ainda estrutura a expansão urbana de
Tiradentes nesta direção. No bairro Cuiabá, a identificação do tipo básico
revelou uma arquitetura residencial que apresenta adaptações devido às deman-
das sociais de diferentes momentos. O processo tipológico demonstrou as
principais transformações do tipo básico, destacando as ampliações e acréscimo
de pavimentos, com a adição de alpendres, varandas e garagens.
Um único tipo especializado foi identificado, sem vinculação direta com
a rota matriz, porém acessado por uma rota edilícia planejada. E, nesta confi-
guração morfológica, a nodalidade exerce influência sobre os novos tecidos
urbanos. Já ao longo da rota matriz de origem colonial, são estabelecidas sete
nodalidades, demonstrando que esta antiga rota assume importante papel de
eixo de expansão urbana contemporâneo. As atividades de comércio e servi-
ços voltadas para o turismo estão migrando para esta rota, assim como os
novos loteamentos. Este eixo de expansão pode ser relacionado tanto com o
crescimento do turismo no distrito de Bichinho quanto pela visão panorâmica
privilegiada que esta área tem do núcleo histórico e da Serra de São José.

166
A cidade como artefato humano, obra de arte por excelência, é um processo
de evolução contínua. O estudo proposto pela Escola Italiana de Morfologia
Urbana parte da investigação de componentes da cidade para se alcançar a
compreensão dos processos de transformação em uma abordagem multiescalar.
Deve-se, portanto, ressaltar que o estudo proposto neste capítulo não se esgota
em si mesmo, abre-se para novas leituras, releituras e possibilidades de análise.

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169
A análise da Paisagem de Tiradentes
através dos Espaços Livres
Helga Maria Costa Freitas Pompeu
Mirelli Borges de Medeiros
Paula Balli Cury
Renata Pedrosa Barbosa
Marieta Cardoso Maciel

Considerações iniciais

Este trabalho apresenta as alterações, permanências e potencialidades da


paisagem urbana a partir do estudo dos espaços livres públicos na cidade de
Tiradentes, Minas Gerais. Para elucidar tais questões, abordam-se os aspectos
que constituem a noção de paisagem.
A paisagem é um fragmento do ambiente em constante alteração, consti-
tuída por elementos físicos (clima, ventos, relevos, solo e recursos hídricos),
biológicos (flora e fauna) e antrópicos (produtos das ações humanas), conforme
o conceito do geógrafo francês Georges Bertrand (1972):
A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados.
É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação
dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos
que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um
conjunto único e indissociável, em perpétua evolução.

Corrobora também a noção estudada por Conzen (1966), em que a paisa-


gem urbana é composta por três categorias sistemáticas da forma: o plano
urbano (o sistema viário e o padrão de parcelamento do solo associado), o
tecido urbano (quadras e lotes com os tipos edilícios semelhantes) e o padrão
de uso e ocupação (do solo e das edificações). As paisagens urbanas históricas
modificam-se pelos processos de acumulação, transformação e substituição.

170
Tais alterações se dão pela necessidade de adaptação das comunidades urbanas
(sociedade) com seus arranjos econômicos, refletindo em distintas variações
funcionais e geográficas. O desenvolvimento histórico produz a acumulação de
formas na paisagem urbana. Tal fenômeno se aplica às edificações, ao plano da
cidade e aos espaços livres (PEREIRA COSTA; GIMMLER NETTO, 2015).
Interessa compreender, a partir dessas noções de paisagem, a função dos
espaços públicos livres de edificações, tais como logradouros, largos, praças,
parques e elementos geográficos originais, que são lugares de fruição do tecido
urbano. Eles são importantes para o desenvolvimento da sociabilidade local e
se relacionam de alguma forma com elementos físicos e biológicos, de modo
a articulá-los estabelecendo um sistema.
O município de Tiradentes, localizado na região Centro Sul do Estado de
Minas Gerais, Brasil, na zona geográfica denominada Campos das Vertentes,
possui área total de 83,047 km2 e encontra-se a uma altitude máxima de 1.362
metros e mínima de 894 metros. Atualmente, conforme o censo IBGE 2010,
a população é de 6.961 habitantes, sendo 1.585 residentes em área rural e
5.376 na área urbana.

Figura 1: Localização de Tiradentes


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes_(Minas_Gerais)

171
A região denominada Campos das Vertentes possui relevo constituído por
planalto cristalino rebaixado, onde os “mares de morros” ocupam grande maioria
do espaço geográfico e são presentes nas vertentes côncavo-convexas. Em função
da alta pluviosidade, das características geo-hidrográficas descritas e da rede de
drenagem, esta região experimenta uma pequena suavização no relevo ao longo
de seu trajeto. Em sua parte baixa, possui planícies de inundação geradas pelo
acúmulo dos sedimentos erodidos à montante e pela menor inclinação das
vertentes. Seu clima é classificado como semi úmido, apresentando em torno de
quatro a cinco meses secos por ano, com temperaturas médias anuais por volta
de 18,5º C. Esta região possui uma elevada taxa de endemismo vegetal, sendo
um continuum entre Mata Atlântica, Cerrado e matas de Araucária, composto
originalmente em especial pela Mata Atlântica (UPGRH GD2, 2007).
O distrito sede de Tiradentes situa-se entre a Serra de São José e o Rio
das Mortes e está entre os vinte e nove municípios que compõem a Bacia
Hidrográfica Vertentes do Rio Grande, onde se originam inúmeras nascentes
que formam os rios Grande, Doce e Paraíba do Sul. O Rio das Mortes, que
nasce entre Barbacena e Senhora dos Remédios, é um dos afluentes do Rio
Grande. O Córrego Santo Antônio atravessa a sede do município no sentido
noroeste-oeste, paralelo à Serra de São José, onde se encontram suas nascentes,
indo desaguar no Rio das Mortes.
A Serra de São José constitui um dos referenciais geográficos do município
e se estende de Tiradentes a Prados; corta o território em sentido nordeste-oeste
(Figura 2), constituindo uma barreira entre as terras situadas ao norte e o distrito
sede, localizado ao sul (FJP, 1981, p.7). Em 1989, a serra foi declarada Área
de Proteção Ambiental, constituindo-se em uma Unidade de Conservação,
pois estava ameaçada pelo desmatamento, pela caça, pela mineração, pelos
incêndios, pelos loteamentos e pela agricultura.

172
Figura 2: Município de Tiradentes
Fonte: Práxis Projetos e Consultoria Ltda, modificado pelas autoras, 2015.

Tendo em vista os condicionantes apresentados, serão abordados elementos


formadores da paisagem contemporânea do distrito sede a partir da avaliação
ambiental, com ênfase na relação dos espaços livres de edificação e de uso
público, da infraestrutura e do uso do solo urbano.

Sinopse histórica
Com a descoberta do ouro de aluvião no ano de 1702, João de Siqueira
Afonso fundou o arraial de Santo Antônio. No ano de 1718, tornou-se a Vila
São José do Rio das Mortes. Em 1860, a sede municipal foi elevada à categoria
de “cidade” e, após a Proclamação da República, passou a ser chamada cidade
de Tiradentes.
É no contexto da mineração do século XVIII que se identificam as
principais influências sobre a formação da cidade. Segundo Vasconcellos (1968,
p. 84), as cidades mineiras são “determinadas espontaneamente pela mineração;

173
consolidam-se pelo comércio e desenvolvem-se pelo artesanato”.
As cidades do período colonial se caracterizam pela ocupação às margens
dos cursos d’água. Em Tiradentes, o núcleo urbano inicial - sede do município
- concentra-se ao longo do Córrego Santo Antônio. As igrejas, com seus largos
e o percursos entre elas, até hoje, são os principais elementos de conexão e
ocupação do território. Corrobora com esta percepção a afirmação do arquiteto
e pesquisador Nestor Goulart Reis Filho (2006, p.24), de que a “rua existia
sempre como um traço de união de um conjunto de prédios e por eles era
definida espacialmente”.
Os lotes foram distribuídos ao longo das vias com testadas estreitas e
grandes profundidades. As edificações eram implantadas nas testadas dos
mesmos com a área vegetada ao fundo. Segundo Reis Filho (2006, p.22),
“nossas vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências
construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os
limites dos terrenos”.

Figura 3: Ocupação dos lotes no Centro Histórico de Tiradentes


Fonte: Google Maps, 2016.

174
As praças, nas cidades coloniais, eram os “lugares da festa”. Pode-se dizer
que eram o espaço da reunião, da coletividade e da sociabilidade; o lugar em
que “se realizavam as cerimônias cívicas e toda sorte de festividades, religiosas e
recreativas, e serviam ainda aos mercados e às feiras.” (SANTOS, 2008, p.74).
Nas praças estavam inseridas as principais edificações: a Igreja Matriz, a casa
de Câmara e Cadeia, as casas dos governantes e o pelourinho. Em Tiradentes
nota-se a presença de praças de formas irregulares, localizadas nos largos frontei-
riços às igrejas, sendo possível verificar na figura 3 a Praça Lourival S. Rios, em
frente à Igreja Matriz de Santo Antônio.
Em meados do século XVIII, encerra-se o Ciclo do Ouro
e as povoações mineiras procuram novas formas de renda. Tiradentes sofre
neste período um esvaziamento com expressiva migração para o meio rural, e
direciona-se às atividades agropecuárias que existiam em paralelo à mineração.
No final do século XIX, com a instalação da hoje denominada
Ferrovia Centro Atlântica – antiga Estrada de Ferro Oeste Minas (EFOM)
- paralela ao Rio das Mortes, é possível verificar o desenvolvimento da malha
urbana na porção sul – entre o centro histórico e o Rio das Mortes (Figura 4).

Figura 4: Mapa com o trajeto da EFOM, destaque para o caminho entre Tiradentes e São João del Rei
Fonte: Centro-Oeste Ferrovias, 1927.

175
No início do século XX, algumas casas foram demolidas, pois estavam
em ruínas e desvalorizadas: apenas 30% da população se manteve na cidade
(IBGE, 2010), não havendo alteração no tecido urbano1 preexistente (parce-
lamento, edificações e rede de vias). Neste período, diversos fatores políticos e
socioeconômicos foram responsáveis pelo esvaziamento das cidades no Estado
de Minas Gerais2 .
O conjunto histórico foi tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - SPHAN, em 1938, preservando o traçado das vias públicas,
o casario, as edificações religiosas e civis (Figura 5).

Figura 5: Uma das ruas do Centro Histórico


Fonte: LaP, 2019.

Em 1950, a população de Tiradentes chegou a 3.727 habitantes. Em 1970,


o município possuía 5.818 habitantes, sendo 74% na sede, o que caracteriza
uma nova migração, agora no sentido inverso, do campo para a cidade. Nos
anos seguintes, assistimos a uma valorização da área urbana e intensa ocupação
das áreas lindeiras ao núcleo central setecentista.

1 De acordo com o arquiteto e urbanista Philippe Panerai (2006, p.77-78): “O tecido urbano é constituído pela
superposição ou imbricação de três conjuntos: a rede de vias; os parcelamentos fundiários; as edificações.”
2 Segundo Dulci (1999, p.70), “o quadro internacional, a situação do Brasil sob o Estado Novo gerou desloca-
mentos sociais que se verificavam na própria região.”

176
Desde fins do século XX, o incremento da atividade turística trouxe para
a cidade uma nova dinâmica socioeconômica. As edificações da área central
sofrem alterações físicas e de uso, tornando-se então pousadas, restaurantes e
comércio. Tiradentes foi alvo de um processo de reurbanização que salientou
mais os aspectos econômicos do que propriamente os demográficos. Guardadas
as distâncias históricas, geográficas e culturais, tal fenômeno repercutiu em
outros contextos, perpetuando diretrizes de conservação que excluíram a
população tradicional.
A área de comércio e serviços da cidade voltada para a atividade turística
está localizada no centro histórico. Em feriados e em eventos realizados ali,
observam-se impactos na circulação dos usuários e moradores, principalmente
em virtude do grande afluxo de veículos nas ruas características do período
setecentista. A falta de locais apropriados para estacionamento e acessos reforça
a urgência de um planejamento da mobilidade urbana e da acessibilidade.

Espaços Livres Públicos em Tiradentes


A área de estudo compreende o espaço delimitado pelos vértices de um
triângulo imaginário começando, a oeste, pela Praça Padre José Bernardino,
passando, a sul, pela Praça da Estação, fechando a figura geométrica, a leste,
pelo bairro Parque das Abelhas. Nessa área serão identificados as ruas, becos,
praças, largos, considerados espaços livres de edificação de uso público, os
elementos geográficos e sua relação com os espaços edificados.
Os elementos pesquisados situam-se no interior do perímetro indicado,
atravessando o Rio das Mortes, seguindo pelas proximidades do Córrego Santo
Antônio até o Chafariz e a Serra de São José (Figura 6). São eles: A partir da
análise dos mesmos serão apontadas as diretrizes para melhoria da qualidade
ambiental urbana.

177
Figura 6: Espaços Livres Públicos analisados em Tiradentes
Fonte: Laboratório da Paisagem da UFMG, LaP, modificado pelas autoras, 2015.

A análise morfológica se vale do planejamento, do tecido e do uso do


solo urbano. Estes estão vinculados por meio de um princípio hierárquico. Os
tecidos urbanos tendem a refletir o padrão da estrutura fundiária dos inves-
timentos passados, porém, segundo Lefebvre (2001, p. 19), o tecido urbano
vai além das bases físicas.
Ele é o suporte de um “modo de viver” mais ou menos intenso ou
degradado: a sociedade urbana. Na base econômica do “tecido urbano”
aparecem fenômenos de uma outra ordem, num outro nível, o da vida
social e “cultural”. Trazidas pelo tecido urbano, a sociedade e a vida
urbana penetram nos campos.

A partir de tais condições, observa-se que a utilização dos recursos naturais


da região causou grandes transformações no meio ambiente, evidenciando-se

178
que os ciclos econômicos reduziram a vegetação original a um pequeno percen-
tual. Primeiro a mineração, especialmente de ouro, depois a pecuária extensiva e
a agricultura intensiva, e, mais recentemente, a formação de grandes monocul-
turas e o surgimento dos novos loteamentos (UPGRH GD2, 2007).

• Praças e largos
No período colonial, a praça se apresentava com destaque na conformação
do espaço urbano por concentrar as edificações religiosas e administrativas.
Segundo Yázigi (1996, p. 94), “seu significado perdura até os nossos dias nas
cidades do interior cujas igrejas matriz ainda possuem importante papel na
vida cotidiana”. O que é possível verificar na área de estudo é que esses espaços
permanecem e ainda permitem a reunião de pessoas.
Segundo Almeida (2005), no passado, o espaço público tinha uma função
bem definida, o lugar do encontro, tanto pela localização do chafariz como
por ser parte do deleite da população. Ainda segundo essa autora, o ponto de
vista a partir dos espaços públicos - e não das edificações - gera uma visão de
paisagem específica. Podemos perceber que esta paisagem permanece presente
em boa parte, apesar das descaracterizações decorrentes do rompimento da
estrutura inicial de ocupação do sítio. Concordamos com a afirmação de que
o entendimento de paisagem pressupõe a integração dos seres humanos com o
meio ambiente, do qual participam como resultado da acumulação da história.
A Escola Inglesa de Morfologia Urbana analisa alguns parâmetros como
transformações e permanências, forma e tempo, ou períodos morfológicos.
Conzen (1966) anota que são os grupos sócio-geográficos que acrescem novas
conformações sobre a área ocupada e que somente algumas dessas formas substi-
tuem as antigas, sendo que toda paisagem cultural torna-se uma “materialização
do espírito da sociedade”.3
O gráfico 1 apresenta a proporção entre as áreas de praças e largos inseridas
no tecido urbano em estudo - indicado pelo perímetro anteriormente citado.

3 CONZEN, M.R.G. Alnwick, Northumberland: a study in town-plan analysis, 1960, p.6 -7.

179
A análise permite verificar que apenas 4% da área total corresponde a esses
elementos. Os novos loteamentos, por sua vez, também espelham a inobser-
vância da proporcionalidade entre espaços livres públicos e aqueles destinados
ao uso privado.

Gráfico 1: Proporção de praças e largos em relação à área urbana


Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

A Praça Padre José Bernardino encontra-se implantada em cota mais


elevada em relação à via, possui ampla área gramada e algumas árvores no adro
do Santuário da Santíssima Trindade (Figura 7). Seu largo tem calçamento
de lajes de pedra e calçadas estreitas com equipamentos urbanos - postes de
iluminação pública e canteiros - ocupando parte da área destinada ao pedestre.
As edificações que se desenvolvem no entorno da igreja são, em sua maioria,
de características residenciais, porém algumas tiveram seu uso alterado tornan-
do-se pousadas. Apresentam-se com pavimento único, telhado cerâmico de
duas águas, implantadas no alinhamento frontal do lote e sem afastamentos
laterais, as aberturas são voltadas para a via e para os fundos dos lotes - quintais.

180
Figura 7: Largo do Santuário da Santíssima Trindade e a Praça Padre José Bernardino
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

O Largo das Mercês é um espaço público que possui em seu entorno


algumas edificações do período inicial de ocupação que tiveram seu uso alterado,
convertendo-se em restaurantes e espaços comerciais. Configura-se como um
lugar de aglomeração (Figura 8), mas não oferece condições adequadas ao uso
para os frequentadores em virtude da ausência de mobiliário urbano como
bancos, lixeiras, bocas de lobo, iluminação pública adequada, entre outros.

Figura 8: Largo das Mercês


Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

181
A estação ferroviária se mantém até os dias atuais em funcionamento; para
isso seu uso foi adaptado essencialmente à demanda de passeios turísticos. Em
sua conformação espacial, a alteração verificada se apresenta nos espaços livres
que, inicialmente, não possuíam passeios e pavimentação posteriormente foram
instalados (Figura 9).

Figura 9: Dois períodos de tempo distintos da Estação Ferroviária de Tiradentes


Fonte: Queiroz, 2010, p.21; Google Earth, 2015.

Em um dos pontos elevados do sítio está implantada a Capela de São


Francisco de Paula (Figura 10), de onde é possível avistar a Igreja Matriz de
Santo Antônio. Pode-se interpretar esse espaço como ponto focal. Como anota
Cullen (2009, p. 28), “o ponto focal (seja coluna ou cruz) define a situação,
surge como uma confirmação; ele é o símbolo da convergência”.

Figura 10: À esquerda, Capela de São Francisco de Paula vista a partir da Matriz de Santo Antônio: à
direita, Matriz de Santo Antônio vista a partir da Capela de São Francisco de Paula
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

182
Paralelamente à serra localiza-se a Rua do Chafariz, onde se encontra o
Chafariz São José (Figura 11), marco urbano edificado em 1749 pela Câmara
Municipal: “originalmente atendia a três funções: abastecer com água potável a
população, pela parte da frente; servir como suporte para as lavadeiras locais e
servir de bebedouro aos animais” (IEPHA, 2012). Segundo Vasconcellos (1968,
p. 112), uma tipologia que se assemelha às existentes em Ericeira, em Portugal,
com a bica para consumo de água pela população e “com suas extensões para
lavagem de roupa”. Por outro lado, Suzy de Mello (1985, p. 218) afirma que
“o Chafariz de São José e Serra é também exemplo de solução única, tanto nas
Minas como no Brasil”.

Figura 11: Chafariz São José. À esquerda, imagem da primeira metade


do século XX e à direita, no ano 2015.
Fonte: Queiroz, 2010; Arquivo das autoras, 2015.

O Chafariz conserva sua ambiência e sua relação com o entorno. Dentre


as funções preservadas, encontra-se o uso da água para o consumo humano,
sua função simbólica e de espaço de sociabilidade.
O gráfico 2 apresenta a relação das áreas de cada um dos largos e praças
presentes no perímetro em estudo. Os grandes espaços abertos nem sempre
correspondem aos espaços de maior fruição e apropriação, por sua localização
e proximidade, ou não, das áreas de maior interesse cotidiano e turístico.

183
Gráfico 2: Proporção entre as áreas públicas de largos e praças
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

• As pontes e o Córrego Santo Antônio


Em Tiradentes, alguns dos problemas ambientais, com repercussão sobre
o patrimônio cultural e natural, são: a precariedade do esgotamento sanitário
e pluvial; a deficiência nos sistemas de coleta e tratamento de lixo; a poluição
das águas e o assoreamento dos mananciais que abastecem as comunidades
que habitam essas áreas, o que permite constatar a ineficiência do saneamento
básico.
Próximo ao Largo das Mercês, pode-se perceber que o Córrego Santo
Antônio está saturado de matéria orgânica. O despejo do esgoto - a céu aberto
- das unidades residenciais, comerciais e pousadas acontece ao longo de quase
toda a extensão do córrego, desde as áreas próximas ao Chafariz de São José até
seu encontro com o Rio das Mortes. (Figura 12). Buscando minimizar ou até
mesmo eliminar estes problemas, foram previstos no ano de 2012 um sistema
de coleta de efluentes e a instalação de uma Estação de Tratamento de Esgotos
(ETE) no bairro Várzea de Baixo, às margens da linha férrea que passa pelo
município. Estas obras ainda se encontram paralisadas4.

4 Por meio de uma portaria do Ministério Público Federal foi instaurado, em junho de 2012, inquérito civil que
apurasse se “a construção da Estação de Tratamento de Esgotos, pela COPASA, poderá afetar a ambiência do
seu centro histórico e levar a conseqüências danosas também com relação à operação ferroviária turística que
ali ocorre” (Procuradoria da República em São João del Rei, 2012).

184
Figura 12: Córrego Santo Antônio na sede do município de Tiradentes
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

Por se tratar de sítio com formação anterior à legislação ambiental vigente,


diversas edificações não atendem aos afastamentos mínimos em relação aos
cursos d›água, encontrando-se implantadas às margens do Córrego Santo
Antônio que teve suprimida a mata ciliar em vários trechos de seu percurso
(Figura 12). No entanto, sabe-se que a manutenção da mesma é de suma
importância para a oxigenação das águas, evitando assoreamentos e extinção
das espécies nativas. A partir dessas observações propõe-se como diretriz de
intervenção a despoluição do rio, oxigenação da água com a criação de cascatas,
retorno da mata ciliar (em áreas específicas), reinserção da fauna e flora no curso
d’água. Além disso, são necessários caminhos delimitando os espaços de uso
e fruição pública e privada. Ainda no perímetro estabelecido limitado pelos
cursos d’água - Rio das Mortes e Córrego Santo Antônio-, encontra-se a ponte
sobre o Rio das Mortes, asfaltada e com fiação elétrica aérea. A mesma possui
um alargamento para uso da população local. De acordo com Mello (1985, p.
206), “as pontes se constituíram em pontos de convivência urbana, pois não só
permitiam a segura travessia de córregos e ribeirões como, dispondo de bancos
em sua parte central, ofereciam aprazíveis locais para descanso e conversa.” Esta
característica se apresenta como uma das permanências de uso desses locais.

185
Figura 13: Ponte sobre o Córrego Santo Antônio
Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

• Ruas e becos
O desenho da malha urbana caracteriza-se pela informalidade e até
mesmo pela “cordialidade” tão presente nas cidades do ciclo do ouro em
Minas Gerais. As vias, abertas nos primeiros anos de formação da sede de
Tiradentes, possuíam calçamento de pedra, larguras que variavam de 7 a 10
metros, acompanhando as curvas de nível e gerando longas quadras que não
possuíam passeios. As edificações geralmente se instalavam no alinhamento
dos lotes com aberturas ritmadas e voltadas para as vias.
No início do século XX, a alteração dos meios de transporte e também
dos hábitos da população fez com que fossem instalados passeios estreitos e
outros equipamentos urbanos tais como lixeiras, postes e sistema de captação
de águas pluviais, porém ainda incipientes.
Na área de estudo, as ruas estreitas têm calçamento de pedras que, em
alguns casos, sofreram alterações, tendo sido ora asfaltadas, ora em que
o piso original foi substituído por outro material (Figura 5). Os passeios
estreitos e mal conservados são em alguns casos difíceis de serem utilizados,

186
pois os postes da rede elétrica e a colocação de vegetação para sombreamento
ocupam parte considerável dos mesmos. O casario ainda permanece sem
afastamento e com as aberturas voltadas para as vias.
As acumulações de formas ao longo do tempo tornaram-se atributos
morfológicos fundamentais da paisagem cultural refletindo sua história.
Analisando o mapa (Figura 14), percebemos que alguns quintais já foram
ocupados com edificações e mantêm pouca área verde, salvo exceções nas
proximidades da Igreja de Santo Antônio, onde alguns lotes ainda mantêm
ampla área vegetada.

Figura 14: Figura fundo: planta do Centro Histórico de Tiradentes, sem escala
Fonte: Produzido pelas autoras, 2015.

Conzen (1966) destaca que o desenvolvimento da cidade, em conjunto


com a história e a cultura da região na qual ela está assentada, é representado
no arranjo físico dos espaços edificados. Em Tiradentes, é possível verificar o
surgimento de novas edificações com conformação espacial dotada de muros

187
altos, afastamentos frontais, instaladas ao longo de novas vias que mantêm em
sua configuração a ausência de passeios, apesar da caixa viária se apresentar com
a delimitação dos mesmos (Figura 15). Percebe-se, a partir daí, a alteração na
forma de apropriação em relação ao tecido urbano preexistente.

Figura 15: Via pavimentada em pé de moleque e a demarcação do passeio


Fonte: Arquivo das autoras, 2015.

Diretrizes para a qualidade ambiental dos Espaços Livres


Públicos em Tiradentes
Nesse estudo, que se desenvolveu por meio da análise morfológica, aponta-
ram-se diretrizes que indicam: recuperação do valor simbólico do Córrego Santo
Antônio como elemento de ligação dos espaços livres públicos; reconhecimento
da função social de praças e largos; adequação do mobiliário e infraestrutura aos
usos contemporâneos. Além dessas, percebe-se que, para alcançar a melhoria

188
da qualidade ambiental urbana, também é possível valorizar os atributos do
município por meio de trilhas ambientais que reforcem as características locais
compondo um plano interpretativo5.
Para Murta e Goodey (1995), as rotas interpretativas que interligam sítios
e monumentos teriam a função de expor informações históricas ou contem-
porâneas podendo “despertar a conscientização sobre a história ou fatos mais
recentes do tecido urbano, bem como planos de desenvolvimento e renovação
pretendidos para o local” (MURTA; GOODEY, 1995, p. 55). Ainda, segundo
os autores, as trilhas teriam papel fundamental ao comporem espaços de uso
coletivo de pedestres e ciclistas nos ambientes urbanos em que o automóvel
domina. Dessa forma, seria possível induzir a recuperação de parques, jardins
urbanos e margens de rios por meio da revitalização desses espaços públicos.
As igrejas, seus largos e percursos, juntamente com outras edificações que
poderiam ser identificadas pela alusão de seus usos contemporâneos, podem
estabelecer, por meio das rotas interpretativas, uma conexão que permita a leitura
das camadas de história. Os pontos focais como a Capela de São Francisco
de Paula e a Igreja Matriz de Santo Antônio se afirmam como referência ao
compor a rota interpretativa. As nascentes na Serra São José que deságuam
no Córrego Santo Antônio e alimentam o Chafariz de São José conformam
também essas rotas. São proposições de ações do presente estudo que apontam
diretrizes para uma revitalização urbana em Tiradentes, pois “a importância de
lugares públicos agradáveis deve ser enfatizada, e o centro da cidade reconhecido
como o centro cultural e econômico, um ponto de vitalidade na cena urbana”
(MURTA; GOODEY, 1995, p. 38).
Conforme anota o documento da UNESCO (2008), para a revitalização
urbana é necessária forte vontade política como vetor principal nos locais de
interesse histórico. Para isso é preciso alcançar um equilíbrio satisfatório entre as
leis de desenvolvimento econômico e as necessidades e direitos dos habitantes,
almejando a melhoria da cidade como um bem de interesse público.
5 MURTA; GOODEY (1995, p. 19): “A interpretação é um processo de adicionar valor à experiência de um
lugar, por meio da provisão de informações e representações que realcem sua história e suas características
ambientais.”

189
O principal papel de gestores, representantes locais e suas equipes é
“orientar as estratégias de revitalização colocando os habitantes no coração do
processo, à medida que tentam compensar, por meios apropriados a inevitável
pressão de preços dos imóveis e pessoas que se deslocam para fora do distrito”
(UNESCO, 2008).

Conclusão
A Morfologia Urbana, como método de análise proposto, evidencia a
importância de abordar o processo do desenvolvimento urbano sem dissociar
o plano da cidade, a estrutura do edifício e o uso da terra. Para adaptações da
cidade aos novos usos deve-se compreender o processo histórico no qual se
fundam as relações simbólicas.
Alguns dos problemas detectados como deficiência no saneamento básico,
falhas na mobilidade e acessibilidade, falta de equipamentos urbanos adequa-
dos podem ser melhor solucionados com revisão e aprimoramento das leis e
adoção de uma gestão participativa. Ao traçar algumas diretrizes que visam
resgatar o valor simbólico do Córrego Santo Antônio, como a despoluição das
águas - através da coleta e tratamento dos despejos -, propõe-se a criação de um
ambiente compatível com as atividades turísticas que regem a economia local,
possibilitando um desenvolvimento social, econômico e ambiental.
A valorização das tradições locais respeitando o espaço urbano e o tecido
colonial existente é de fundamental importância para manter a cidade como
ponto atrativo para a prática de projetos culturais diversos, desde eventos gastro-
nômicos até festivais de cinema e arte. O crescimento da cidade é inevitável
e não pode ser refreado; é importante, portanto, que se consiga desenvolver
na população um sentido de pertencimento local, aflorando as qualidades
espaciais e naturais do sítio.

190
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193
Estudo das Faixas de Hiato Urbano na
evolução morfológica de Tiradentes
Karin Schwabe Meneguetti
Henrique Vianna Lopes Teixeira
André Alves Jacomini
Helena Rosmaninho Alves

Introdução

A morfologia urbana estuda o meio físico da forma urbana, os processos


e as pessoas que o formataram. Com uma estreita relação com o planeja-
mento das cidades, interage com uma ampla gama de disciplinas (REGO;
MENEGUETTI, 2011). Moudon (1997) afirma que as pesquisas em
Morfologia Urbana estudam a manifestação de ideias e intenções na medida
em que elas tomam forma no chão e moldam as cidades. Deste modo, a análise
morfológica deve examinar os componentes elementares da forma urbana:
edificações, jardins, ruas, parques e monumentos. “O modo como cada um
destes elementos urbanos se cristalizou e conforma o tecido da cidade é efeti-
vamente o objeto da morfologia urbana” (REGO; MENEGUETTI, 2011).
Um tipo de elemento amplamente reconhecido na morfologia é a Faixa
de Hiato Urbano. Esta unidade ilustra claramente o pensamento morfológico
e o seu potencial como uma contribuição ao desenho urbano. Por conta da
sua capacidade ecológica e, principalmente, de sua articulação com a estrutura
histórico-geográfica da cidade, os hiatos urbanos são elementos fundamen-
tais para o desenvolvimento de um planejamento holístico na qualificação e
controle da expansão urbana (MENEGUETTI, 2015).
Este trabalho tem início com a apresentação da história do município de
estudo, desde seu surgimento em 1702 pela exploração aurífera na capitania
de Minas Gerais até o século XXI. A contextualização histórica do município

194
é seguida por uma apresentação do conceito conzeniano de “fringe belts”, sua
aplicação em cidades brasileiras sob o nome de “faixas de hiato urbano” e sua
utilização como método de análise urbana em Tiradentes/MG. Através de
trabalho de campo, foram identificados e mapeados os hiatos urbanos da cidade
e, em seguida, através de análise cartográfica e histórica, foram classificados
como faixas de hiato urbano interna, intermediária e externa. Com o objetivo
de verificar a relação entre os hiatos e o desenvolvimento do município ao
longo do tempo, foram identificados os usos históricos e atuais encontrados
nessas áreas.
Por fim, este trabalho teve o objetivo de demonstrar como as faixas de hiato
urbano apresentam potencial, do ponto de vista ecológico e paisagístico, para
o planejamento urbano de Tiradentes, tendo em vista principalmente a falta
de espaços livres públicos fora do centro histórico da cidade.

Desenvolvimento
Nos primórdios da Capitania de Minas,1 a região hoje denominada
Tiradentes era um caminho usado pelos paulistas atraídos pelo ouro e pedras
preciosas existentes no Rio das Mortes. Em 1702, um grupo de garimpeiros
fundou o Arraial de Santo Antônio do Rio das Mortes, que posteriormente
teve seu nome modificado para Arraial Velho, para diferenciar-se do Arraial
Novo do Rio das Mortes. Em 1718, o Arraial foi elevado a Vila de São José
del Rey. A Vila sobreviveu da exploração do ouro e da produção de gêneros
alimentícios.
A razão do nome Tiradentes se dá por ser a terra natal de Joaquim José da
Silva Xavier, importante personagem da Inconfidência Mineira – movimento
de resistência à cobrança de impostos realizado pela Coroa Portuguesa. A
adoção do nome ocorreu por sugestão de Antônio da Silva Jardim,2 e data de
06 de dezembro de 1889.
1 A capitania de Minas Gerais foi uma divisão administrativa do Brasil Colonial criada em 2 de dezembro de
1720, a partir da cisão das capitanias de São Paulo e Minas de Ouro. Sua capital era Vila Rica.
2 Antônio da Silva Jardim (1860-1891) foi um ativista político brasileiro. Formado em Direito, defendeu princi-
palmente a causa dos escravos. Foi o mais atuante propagandista da República.

195
A história de Tiradentes divide-se em três momentos distintos: o primeiro,
a exploração intensa do ouro; o segundo, a queda da exploração do ouro e
esquecimento da cidade; e finalmente, a reinvenção de Tiradentes através da
exploração do turismo. Essa terceira fase não deixa de ser uma consequência do
tombamento realizado na década de 1930 pelo SPHAN - Serviço Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. A cidade, talvez pela recessão enfrentada após
o ciclo do ouro, talvez pelo crescimento da cidade vizinha de São João del Rey,
manteve suas características iniciais bem conservadas. Há exemplares bem
conservados da arquitetura civil e sacra do século XVIII. Junto a esses edifícios
encontramos muitos dos que chamamos de hiatos urbanos.

As Faixas de Hiato Urbano


Entre períodos de avanço e estagnação da economia, e, consequentemente,
crescimento da malha urbana, são localizados, na periferia das cidades, usos
institucionais ou usos diferenciados do padrão residencial, conformando
faixas irregulares com menor densidade construtiva e maior variedade de usos.
Estes elementos foram denominados por Conzen (1969) como “fringe belts”.
Segundo esse autor, sua formação ocorre de forma espontânea e induzida por
uma linha de fixação, rodoviária ou ferroviária.
Com a pressão do crescimento urbano, as grandes glebas, ocupadas por
usos e ocupação diferenciados na periferia, são anexadas ao contexto urbano,
originando um fringe belt interno à cidade. A sucessão de períodos de expansão
e estagnação econômica na dinâmica urbana resulta em faixas mais ou menos
contínuas, em padrões de quase-anéis sucessivos, que foram classificados como
fringe belts internos, externos e em alguns casos intermediários, a depender da
quantidade de ciclos de expansão e estagnação pelos quais a cidade em questão
passou. Segundo M. G. R. Conzen (2004), a maior diversidade de usos dos
fringe belts em relação aos tecidos residenciais confere maior variedade à paisa-
gem. Além disso, eles apresentam menor densidade de construções em lotes
maiores, muito em função das demandas associadas aos usos institucionais,
como cemitérios, escolas e clubes.

196
Durante bons momentos econômicos o capital privado está mais
disponível e, por conseguinte, a construção residencial é mais extensa
e incorpora a maior parte das novas periferias urbanas. Durante as
quedas econômicas, o capital privado é escasso enquanto o público
permanece mais disponível e, consequentemente, mais desenvolvimentos
institucionais (incluindo melhorias na infraestrutura), particularmente
aqueles que requerem parcelas de terra grandes e baratas, têm a
oportunidade de se acumular na franja urbana.” (CONZEN, 2009, p.
xx, tradução nossa).

O termo “Faixas de Hiato Urbano” foi adotado com a tradução do inglês


“fringe belts”, que, por sua vez, foi traduzido por Conzen (1969) do termo origi-
nal em alemão “Stadtrand Zone”, termo primeiramente utilizado por Herbert
Louis, em 1936 (CONZEN, 2009). Diferente da proposta original, no Brasil
a aplicação dessa teoria apresenta diferenças em relação às cidades inglesas.
Não se formam anéis concêntricos, mas faixas irregulares, aproximando-se da
expressão “Faixa de Hiato Urbano”.
O conceito de Faixas de Hiato Urbano foi aplicado com sucesso em
estudos em cidades brasileiras planejadas, como Belo Horizonte (SIMÃO,
2012) e Maringá (MENEGUETTI, 2015) e a cidade colonial de Ouro Preto
(PEREIRA COSTA; GIMMLER NETTO, 2015). À luz desses trabalhos
desenvolvemos uma análise e aplicação das Faixas de Hiato Urbano para a
cidade colonial de Tiradentes, com o objetivo de apresentar possibilidades de
seu uso como potencialidades ambientais e ecológicas em políticas de plane-
jamento urbano no que tange à reflexão de Sigríður Kristjánsdóttir (2007):
“O conceito de faixas de hiato urbano é uma forma eficiente de se esclarecer
o desenvolvimento de uma cidade e de identificar as produções físicas de
diferentes períodos como reflexo de fases do desenvolvimento cultural”.
A aplicação em Tiradentes representa uma tentativa, uma vez que as carac-
terísticas das cidades coloniais mineiras do século XVIII as diferenciam tanto
das cidades inglesas, onde o conceito foi originalmente aplicado, quanto das
cidades brasileiras planejadas Belo Horizonte e Maringá.

197
Aplicação da teoria no caso de Tiradentes
As Faixas de Hiato Urbano em Tiradentes foram identificadas tendo em
vista o desenvolvimento do núcleo urbano em quatro principais períodos de
tempo: a concepção da cidade até a metade do século XIX; a sua expansão
seguindo o vetor sul dada até 1939; o crescimento a partir das principais formas
de acesso à cidade até 1980, sendo os que ligam a Barbacena, Prados, São João
del Rei, Águas Santas e Gritador; e o desenvolvimento mais regular da malha
urbana até 1999, como pode ser observado na figura 1.

Figura 1: Expansão do Núcleo Urbano de Tiradentes


Fonte: Mapa elaborado pelos autores sobre base cadastral da Prefeitura Municipal de Tiradentes, 2015.

O recorte estabelecido para o estudo das Faixas de Hiato Urbano concentrou-se nas
áreas periféricas ao centro da cidade, que materializam primordialmente os dois primeiros
períodos históricos.

198
O primeiro período, de 1702 até a metade do século XIX, é o ciclo de
maior extração aurífera. É importante ressaltar essa questão econômica do
período analisado, uma vez que ela está fortemente ligada à expansão urbana e
à formação de hiatos urbanos no decorrer do tempo, em virtude das oscilações
do poder econômico e construtivo de uma cidade (CONZEN, 2009). Nesse
momento são construídas as igrejas, as irmandades, os cemitérios e os largos
próximos às edificações religiosas. Whitehand (1972b) confirma que um tipo
de edificação que comumente busca as regiões periféricas para sua instalação
é o de destinação religiosa, o que é bastante frequente no tecido urbano de
Tiradentes devido à forte presença católica nas cidades coloniais brasileiras. É
possível que nestes largos houvesse uma intensa movimentação de comerciantes
tropeiros e das próprias negras de tabuleiro que comercializavam quitandas.3
O segundo período ocorreu da segunda metade dos oitocentos até 1939.
É um momento emblemático por duas razões que devem ser consideradas: a
liberdade dos escravos e o tombamento da cidade como patrimônio histórico
nacional. No caso especifico da Abolição da Escravidão, devemos entender que
os negros agora livres precisariam de um local para se estabelecer. Com certeza,
este espaço não seria o mesmo ocupado pelos brancos ou por negros alforriados
há mais tempo e cuja condição financeira fosse melhor. Os recém-libertos,
de um modo geral, estabeleciam-se nas periferias das áreas ocupadas, criando
novos núcleos urbanos com características semelhantes aos núcleos iniciais
das cidades. Essa ocupação replica as características coloniais nos imóveis,
respeitadas as diferenças econômicas. Com o passar do tempo, as distâncias
sociais vão diminuindo e a expansão urbana ultrapassa os limites estabelecidos
pelas mudanças culturais. A queda do garimpo empobrece a cidade que, sem
muitos recursos financeiros, sofre com a estagnação do crescimento. Durante
as primeiras décadas do século XX, Tiradentes preserva suas características
morfológicas, não evidenciando nenhum grande crescimento.
Também no início do século XX surge em todo o mundo a preocupação
em se preservar o patrimônio nacional, o que contribuiu para a permanência
desses elementos na malha urbana.
3 Doces e gulodices da culinária doméstica, geralmente à base de farinha, expostos em tabuleiro.

199
Classificação das Faixas de Hiatos Urbanos
A identificação dos hiatos urbanos em Tiradentes, tanto no levantamento
in loco quanto na análise cartográfica, foi confrontada com o desenvolvimento
do núcleo urbano da cidade, a fim de se estabelecer relações com os períodos
de formação desses espaços. Como pode ser observado no mapa da figura 2,
as Faixas de Hiato Urbano se localizam majoritariamente na periferia da malha
urbana configurada no início da formação da cidade até a metade do século
XIX, entremeando parcelamentos das épocas posteriores.

Figura 2: Hiatos Urbanos em relação à expansão do núcleo urbano de Tiradentes


Fonte: Base Cadastral da Prefeitura Municipal de Tiradentes e trabalho em campo,
elaborado pelos autores, 2015.

Tanto o tipo de parcelamento quanto os usos e ocupação atuais dos lotes


permanecem distintos da malha urbana residencial. São lotes de grandes dimen-
sões, com baixa densidade e grande área permeável, na maioria dos casos, e
usos como chácaras, indústrias, galpões de armazéns, largos e adros, instituições
públicas, equipamentos ligados à infraestrutura (Figura 3).

200
Figura 3: Usos dos Hiatos Urbanos de Tiradentes
Fonte: Mapa elaborado pelos autores com base no trabalho de campo, 2015.

Classificando-se as faixas de hiatos a partir das denominações teóricas de


interna, intermediária e externa desenvolvidas por Conzen (2009), temos que
Tiradentes detém uma faixa de hiato bastante reconhecível, a interna, que
circunda o centro histórico da cidade e possui uma estrutura quase consolidada
(Figura 4). É de se esperar que a Faixa de Hiato Interna (Inner Fringe Belt) seja a
mais estabelecida e que acompanhe as formações urbanas iniciais, incorporando
estruturas e espaços que foram criados, como a Matriz de Santo Antônio e o
Largo das Forras. Na porção sul da faixa é possível identificar uma linha de
fixação composta pelo Rio das Mortes, que serve como uma barreira natural ao
avanço da cidade e que fomenta o estabelecimento de hiatos. Essa faixa é plural,
no que diz respeito à variedade de usos perpetuados nos espaços identificados,
que englobam destinação residencial, comercial, religiosa, administrativa e de
lazer, em virtude da localização central e de destaque em relação ao restante da
cidade, fomentando a diversificação dos usos (Figura 3). É típico de faixas de
hiato urbano mais consolidadas terem baixa densidade de ocupação mesclado

201
com variabilidade de uso do solo (WHITEHAND, 1972a), como pode ser
observado na faixa interna de Tiradentes (Figuras 3 e 4).

Figura 4: Classificação das Faixas de Hiatos Urbanos


Fonte: Mapa elaborado pelos autores com base no trabalho de campo, 2015.

A Faixa de Hiato Intermediária (Middle Fringe Belt) encontra-se não


consolidada e dispersa, sendo interrompida por parcelamentos residenciais
mais recentes nas partes ao leste do centro e pelas barreiras naturais que estão
presentes na porção norte e sul da cidade, a Serra de São José e o Rio das
Mortes, respectivamente. Esses tipos de impedimento de origem natural e física
são atrativos para tecidos urbanos diferentes das malhas predominantes que
formam as faixas de hiatos, por impedirem ou atrasarem a expansão urbana
(KRISTJANSDOTTIR, 2007). Os usos estabelecidos nos hiatos dessa faixa
não são diversos, se resumindo à atividade comercial e ao lazer.
A Faixa de Hiato Externa (Outer Fringe Belt) é composta pelos hiatos em
espaços de expansão mais recente, que possuem usos comercial, administrativo
e de lazer. A faixa é bem esparsa e não contínua, tendo sua porção sul também
associada ao Rio das Mortes, que funciona como uma linha de fixação natural.

202
Conclusão
A escola inglesa de morfologia urbana, utilizando principalmente a teoria
conzeniana, prevê a possibilidade da aplicação dos conceitos, terminologia e
fundamentos desenvolvidos em qualquer cidade, independente da sua época de
formação (CONZEN, 2009). O estudo aqui apresentado serve como exemplo
de que é possível delimitar as faixas de hiato em Tiradentes, mesmo com as
suas particularidades e características diferentes das cidades utilizadas para o
desenvolvimento da teoria por Conzen, mostrando que o desenvolvimento
morfológico da cidade e a concepção dos hiatos urbanos estão relacionados à
sua história e às principais marcas e acontecimentos históricos, como o tomba-
mento patrimonial em nível nacional.
As faixas de hiato urbano identificadas não são contínuas e são constan-
temente cortadas pela malha urbana predominante; essa questão pode ser
relacionada com o fato de que a expansão da cidade não ocorreu de forma
radial e sim seguindo os principais vetores de acesso. Outra tendência que pode
ser observada resguarda o tamanho dos lotes dos hiatos, sendo que os maiores
detêm o uso comercial, atrelado à forte ação das madeireiras, e ao residencial,
que se relaciona com a tradição de chácaras, enquanto os menores possuem
usos mais diversificados e mais próximos ao centro.
Esses lotes, em sua maior parte com grande área permeável e vegetada,
contribuem significativamente para a infiltração das águas pluviais e manutenção
de habitats para a fauna local. Ainda, a possibilidade de inserir atividades públi-
cas como lazer e recreação nas Faixas de Hiato Urbano reforça a necessidade da
permanência desses elementos para o desenvolvimento urbano mais sustentável.
As informações extraídas a partir da teoria das faixas de hiatos urbanos
servem como base para um pensamento e concepção de políticas públicas e de
intervenções urbanas mais adequadas às características do desenvolvimento da
cidade e contextualizadas com as reais demandas e necessidades específicas de
Tiradentes. Dessa forma, é possível a proteção responsável dessas áreas por sua
importância histórica, social e ambiental, e para a garantia da manutenção das
qualidades propiciadas.

203
Referências
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1932- 1998. Edited by Michael P. Conzen, 2004.

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205
Caracterização dos Espaços Livres nas
Faixas de Hiato Urbano na paisagem de
Tiradentes
Marieta Cardoso Maciel
Karina Machado de Simão
Natália Achcar Monteiro Silva
Júlio César Souza Belo

Introdução

A análise dos espaços livres de Tiradentes tem como eixo de investigação


as Faixas de Hiato Urbano na paisagem da cidade. Os espaços livres são
importantes na paisagem urbana, pois além de gerarem maior permeabilidade
no solo, garantindo qualidade ambiental no lugar, criam ambiências saudá-
veis e agradáveis ao bem estar do indivíduo e permitem ainda socialização e
trocas de informação entre as pessoas, aumentando, assim, a fruição urbana.
Em relação à conceituação, Magnoli (1982, p.48) afirma que “o espaço
livre é todo espaço não ocupado por um volume edificado ao redor das
edificações a que as pessoas têm acesso”. Portanto, o que define a diferença
entre um espaço edificado e um livre de edificação é a ausência de estrutu-
ras construídas que configurem recintos ou ambientes cobertos e fechados,
isto é, a ausência de paredes e tetos. E ressalta que os espaços livres possuem
funções que podem ser classificadas como: produção de recursos; proteção de
recursos naturais e culturais; sanitárias e sociais; segurança pública; corredores
ecológicos e áreas destinadas à expansão urbana. Além disso, muitas vezes,
diferentes funções podem permear em um mesmo espaço livre.
Ainda de acordo com a autora, os espaços livres podem ser permeáveis
de diferentes formas: permeabilidade física com deslocamento livre ou com

206
restrições (controle), se os espaços forem acessíveis; permeabilidade visual
ou sem acesso físico, quando os espaços são visíveis e não acessíveis; e de
percepção, quando são perceptíveis e não visíveis. Já Pereira Costa et al. (2011)
afirmam que os espaços livres estão diretamente vinculados à mobilidade e
ao cotidiano da população, tanto nas ruas e nas calçadas, em especial como
naqueles públicos e privados. A articulação entre espaços livres e edificados
configura e qualifica a forma urbana, organizando seus diversos tecidos que
resultam na paisagem urbana.
Magnoli (2006) considera que a paisagem urbana é resultante da presença
e permanência humanas que acontecem sobre o suporte físico-ambiental
(sistemas geológico e climático), gerando ocupações físico-espaciais e socio-
culturais – ações antrópicas -, que conformam os espaços da cidade, sejam
edificados ou livres de edificações. Segundo a autora, a lógica própria dos
processos antrópicos se apresenta por expressões físicas (parcelamentos,
escavações, plantações, construções, edificações, etc.) condicionadas pelos
processos ambientais (geologia e clima, solo, relevo, vegetação e sol, água e
ventos). Nesse contexto, a paisagem urbana resulta dessas expressões físicas
humanas sobre o suporte ambiental em espaços edificados e espaços livres.
Para Macedo, (1999) a paisagem pode ser considerada como produto por
ser resultado de processos sociais de ocupação e gestão de um lugar e como
sistema (grifo nosso), já que ações sobre ela resultam em reações corresponden-
tes. O autor ainda atribui à paisagem três qualidades: ambiental, “que mede a
possibilidade de vida e sobrevida de todos os seres vivos e das comunidades”;
funcional, “que avalia o grau de eficiência do lugar” em relação ao funcio-
namento da sociedade; e estética, “que apresenta valores com características
puramente sociais, atribuídas pelas comunidades humanas a algum lugar,
em um momento do tempo”. Essas três categorias fornecem instrumentos
de análise para que indivíduos ou a coletividade possam agir sobre o espaço,
com o intuito de promover a qualidade de vida, pois permitem integrar uma
visão sintética das intervenções de acordo com as características do lugar.

207
No entanto, Macedo et al. (2009a) consideram que, no espaço urbano,
devido ao adensamento da população e de edificações, da complexidade e
da intensificação da divisão do trabalho e dos conflitos sociais, a valorização
dos espaços livres na cidade, muitas vezes, é deixada em segundo plano.
Nesse sentido, a caracterização dos espaços livres nas faixas de hiato urbano
contribui para a ampliação das possibilidades ao relacionar esses elementos
morfológicos ao crescimento urbano.
A linha mestra nos estudos das faixas de hiato urbano é a Escola Inglesa
de Morfologia Urbana, desenvolvida pelo geógrafo alemão M.R.G. Conzen
(1960), que explica os fenômenos urbanos por meio das sucessivas expansões
da cidade. Os primeiros estudos foram desenvolvidos por Herbert Louis em
Berlim (1936) e aplicados por Conzen em Alnwick, na Inglaterra. Esse estudo
é reportado aos países europeus e americanos. No Brasil, ainda há poucos
trabalhos que tratam desse tema, como os de Pereira Costa et al. (2009),
Simão, (2012) e Meneguetti (2013).
Recentemente, pesquisadores brasileiros contribuíram para as discus-
sões sobre os conceitos das faixas de hiato urbano. Estudos realizados no
Laboratório da Paisagem do Departamento de Urbanismo - Escola de
Arquitetura/UFMG localizaram as faixas de hiato urbano em Belo Horizonte/
MG e outras cidades do entorno, e concluíram que, embora apareçam de
forma descontínua na malha urbana, elas são representantes dos ciclos do
crescimento urbano. Nestas faixas, a densidade urbana é rarefeita e extensas
áreas vegetadas podem ser observadas e constituem, portanto, potenciais
recursos à qualificação da paisagem urbana.
As faixas de hiato urbano são compostas por elementos morfológicos,
geralmente, de baixa densidade com amplos espaços livres e reduzidas edifica-
ções. A vinculação do espaço livre se dá pela sua alta proporção em relação aos
espaços edificados, pelo uso social e pela função ambiental. Esses elementos
morfológicos têm características físicas como extensas áreas vegetadas, rede
viária esparsa com baixa incidência de vias radiais e com baixa penetrabilidade

208
de veículos. São exemplos desses elementos morfológicos: cemitérios, parques,
equipamentos militares, colégios, campus universitários, hospitais, sanatórios,
campos de golfe, campos de futebol, monastérios, entre outros.
Esses aportes conceituais foram utilizados na pesquisa elaborada na cidade
de Tiradentes para identificar as características dos elementos morfológicos
das faixas de hiatos urbanos. O objetivo é reconhecer o potencial desses
espaços para a qualificação ambiental, funcional e estética da paisagem.

Identificação das Faixas de Hiato Urbano em Tiradentes


A ocupação das Faixas de Hiato Urbano se dá ora de forma contínua à
aglomeração urbana, ora na forma de tentáculos, que se irradiam ao longo de
um eixo. O seu aparecimento se vincula quase sempre à ocupação posterior
à implantação de um eixo ferroviário, rodoviário, um corpo d’água, que são
denominados linhas de fixação, de acordo com Conzen (2008).
Em Tiradentes, de acordo com Meneghetti et al. (2015), foram identi-
ficadas três faixas de hiato urbano: interna, intermediária e externa, cujas
localizações na cidade são ilustradas na figura 01. A Faixa de Hiato Urbano
Interna se concentra no centro da cidade, próxima às igrejas e ao Ribeirão
Santo Antônio, uma linha de fixação, que induziu a ocupação nas suas
margens (CONZEN, 1960). Neste espaço já se verifica maior fragmentação
da Faixa de Hiato Urbano Intermediária, localizada no limite oeste da sede
urbana do município de Tiradentes, mais distantes das igrejas e do centro
(Largo das Forras). A Faixa de Hiato Urbano Externa é verificada próxima à
ferrovia, considerada como uma linha de fixação no limite sul da área urbana
do município.

209
Figura 1: Unidades da Faixa de Hiato Urbano em Tiradentes
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Caracterização dos espaços livres identificados nas Faixas de


Hiato Urbano em Tiradentes
Visando analisar a possibilidade de transformação ou de manutenção das
Faixas de Hiato Urbano para a criação de diretrizes para melhoria da qualidade
ambiental de Tiradentes, serão avaliadas as características: tipo de uso do solo
e da edificação, taxa de ocupação e permeabilidade e sua importância para a
manutenção dos espaços livres inseridos nos elementos morfológicos que as
constituem.

Uso do solo
Considerando que Tiradentes é uma cidade turística, verificou-se a grande
quantidade de chácaras, hotéis e comércio classificados como faixas de hiato
urbano. O caráter comercial do município é fator decisivo sobre a prevalência
do uso privado do solo. A cidade, considerada espetáculo, oferece ao turista
diversão, tranquilidade e facilidade, havendo escassez de espaços livres públicos

210
para os moradores. A relação e sua localização nas faixas de hiato urbano podem
ser observadas na figura 2.

Figura 2. Usos público e privado do solo dos elementos morfológicos


das Faixas de Hiato Urbano em Tiradentes
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Observa-se que a maioria dos elementos morfológicos são privados, como


pousadas e hotéis, a exemplo do Hotel Santíssimo (Figura. 3). Poucos são
públicos, como as praças (Praça da Estação), largos (Largo das Forras, Largo
do Ó e Largo do Chafariz (Figura. 4) e a estação rodoviária.

Figura 3: Hotel Santíssimo Figura 4: Largo do Chafariz


Fonte: Arquivo dos autores, 2015. Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

211
O caráter privado do uso do solo é um fator negativo para a manutenção
dos espaços livres vinculados aos elementos morfológicos, pois apresentam
maior tendência à transformação decorrente de demandas individualizadas.
Embora nas leis urbanísticas vigentes em Tiradentes haja exigência de áreas
de permeabilidade e recuos, o controle da sua aplicação nem sempre ocorre.

Uso da edificação
O uso das edificações foi classificado, de acordo com levantamento em
campo, como comercial, industrial, institucional, lazer, residencial turismo e
lotes vagos. (Figura. 5).

Figura 5: Uso das edificações das unidades da faixa de hiato urbano em Tiradentes
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Nas faixas de hiato identificadas, observa-se uma variedade de uso das


edificações. No centro histórico não há espaços livres de grandes dimensões;
este fenômeno é devido à formação colonial dos centros urbanos e, consequen-
temente, à concentração comercial e de serviços que o município oferece. Os
grandes espaços livres são de domínio da rede hoteleira, que se configura em
todas as faixas de hiato urbano. As igrejas, setor administrativo, comércio e

212
residências também se encontram nas três faixas de hiatos urbanos. Os elemen-
tos morfológicos inseridos na Faixa de Hiato Urbano Intermediária são de
uso industrial, como madeireiras (Figura. 6). Já o pólo industrial (indústrias
de manufaturados, galpões de madeireiras etc.) se localiza na faixa de hiato
externa, principalmente nas proximidades da ferrovia.

Figura 6: Madeireira
Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

Taxa de ocupação
Algumas características dos elementos morfológicos das Faixas de Hiatos
Urbanos são a baixa densidade e a maior quantidade de espaços livres em relação
às áreas edificadas. O espaço livre está relacionado à taxa de ocupação, ou seja,
quanto menor a taxa de ocupação, maiores os espaços livres.
O estudo dos espaços livres dos elementos morfológicos permite identi-
ficar a densidade e a relação espaço livre/espaço edificado destes nas faixas de
hiato urbano em que estão inseridos. Para identificar essas relações, foram
utilizados foto interpretação e cálculo de área dos espaços livres e edificados.
Dessa forma, os elementos morfológicos das Faixas de Hiato Urbano foram

213
classificados em três categorias: até 30% da área livre de edificações; de 30%
a 50% da área livre de edificações; e mais de 50% da área livre de edificações
(PEREIRA COSTA et al., 2009).
A maioria (90%) dos elementos morfológicos das três faixas de hiato
urbano tem mais de 50% de áreas livres (Figura. 7). Identificaram-se apenas
quatro com área livre entre 30% e 50%, sendo três delas (Matriz de Santo
Antônio de Tiradentes, rodoviária e escola municipal) na faixa de Hiato Urbano
Interna, o que pode ser justificado pela ocupação inicial no centro histórico.
O outro elemento morfológico se localiza na Faixa de Hiato Urbano Externa,
próximo à Praça da Estação e à ferrovia e apresenta uso institucional.
Não foi identificado nenhum elemento morfológico com menos de 30%
de área livre, o que ressalta a sua potencialidade para a criação de diretrizes
específicas para manutenção desses espaços na paisagem urbana.

Permeabilidade
Para definir a permeabilidade utilizamos os preceitos da LUOS/96 DE
BELO HORIZONTE, que conceitua permeabilidade como a “área dotada
de vegetação que contribua para o equilíbrio climático e propicie alívio para o
sistema público de drenagem urbana” (Belo Horizonte, 1996, Art. 50, Subseção
V). Como 90% dos elementos morfológicos das Faixas de Hiato Urbano
possuem espaço livre ocupando mais de 50% da sua área de implantação,
é esperado que a maioria desses espaços seja permeável, contribuindo para
a melhoria do clima, da drenagem e da qualidade de vida dos habitantes da
área de estudo.
Desta forma, visando tal análise, os espaços livres foram classificados como
permeáveis ou impermeáveis, de acordo com a fotointerpretação da imagem
aérea das unidades da faixa de hiato urbano em estudo (Figura. 7).

214
Figura 7: Permeabilidade das unidades da Faixa de Hiato Urbano em Tiradentes
Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Apenas dois elementos morfológicos das faixas de hiato urbano contêm


espaços livres impermeáveis: a escola estadual localizada na Faixa de Hiato
Urbano Interna e um espaço com uso comercial na Faixa Urbana Intermediária.
Tiradentes se destaca pela grande quantidade de áreas verdes, todavia sem
grande volume de arborização. Há presença de grama e arbustos que compõem
o paisagismo das áreas que são apropriadas como hotéis. As ruas centrais, por
ocupação no período colonial, são compostas pela técnica “pé-de-moleque”,
que é uma pavimentação semipermeável. Fora do centro histórico é visível a
presença de pavimentação impermeável para atender o tráfego de veículos. Não
se verifica relação da classificação das faixas e dos usos quanto à permeabilidade
do solo. A alta permeabilidade dos espaços livres das faixas de hiato urbano é
um potencial para a criação de diretrizes para a manutenção desses espaços e
qualificação ambiental da paisagem.

215
Figura 8: Calçamento em “pé-de-moleque”
Fonte:Taveira, 2020.

Diretrizes para a manutenção das Faixas de Hiato Urbano


para a estruturação espacial da paisagem de Tiradentes
O estudo das Faixas de Hiato Urbano contribui para que sejam indicadas
diretrizes urbanas de intervenção para esses espaços de forma a utilizar as suas
potencialidades, seja para preservar os espaços livres, seja para integrar a área
urbana ao seu entorno.
Então, faz-se necessária a proposta da manutenção das Faixas de Hiato
Urbano e das características de seus elementos morfológicos, principalmente
no que diz respeito à manutenção das extensa área de espaços livres permeáveis,
cuja área edificada não deve ser aumentada.
A manutenção dos seus espaços livres pode contribuir para a melhoria
ambiental da cidade em diversos aspectos: físico (conforto microclimático,
regularização hídrica, estabilidade dos solos e controle da poluição sonora,

216
atmosférica e hídrica), biológico (controle da redução da biodiversidade,
revegetação de áreas inertes e recuperação de habitats naturais) e territorial
(conexões ecológicas, conforto ambiental e minimização da poluição visual).
Propõe-se a criação de corredores verdes que podem ser formados pelos
elementos morfológicos das faixas de hiato urbano associados a outros espaços
livres públicos como o sistema hídrico municipal, os passeios e a arborização
viária.

Figura 9: Diretrizes para as unidades da Faixa de Hiato Urbano em Tiradentes


Fonte: Elaborado pelos autores, 2015.

Além disso, os corredores também podem formar uma rede de rotas alter-
nativas de uso múltiplo (para pedestres, bicicletas ou montaria), que conectam
as pessoas aos espaços livres e aos equipamentos públicos e das Faixas de Hiato
Urbano em Tiradentes.
No estudo do lugar foram identificadas hortas urbanas comunitárias
(Figura. 10), que podem representar uma importante forma de conexão e
manutenção dos corredores verdes, propiciando socialização e interação das
pessoas entre si e delas com os espaços livres.

217
Figura 10: Horta Comunitária identificada em Tiradentes
Fonte: Arquivo dos autores, 2015.

Conclusão
As características das Faixas de Hiato Urbano identificadas em Tiradentes
são positivas, considerando a melhoria da qualidade ambiental: extensos espaços
livres e permeáveis. Foram estabelecidas diretrizes, como a manutenção das
Faixas de Hiato Urbano, principalmente dos seus espaços livres, considerando
que, quando bem conservados e cuidados, eles contemplarão todas as suas
funções sociais, estéticas e ambientais, caracterizando-se como parte signifi-
cativa da paisagem urbana para o habitante e para os turistas, congregando e
sintetizando a vida na cidade.
A manutenção dos espaços livres também pode contribuir para a melhoria
de problemas ambientais comuns nas cidades: a erosão e o deslizamento de
encostas, a poluição e o assoreamento de rios, lagos e canais, que produzem
inundações e enchentes em época de chuva. Os espaços livres também podem
amenizar problemas como a poluição do ar, pouco percebida pelo conjunto da
população, e a sonora, que por vezes limita e desvaloriza o uso e a ocupação do
solo em áreas lindeiras às grandes vias. Daí a importância da permeabilidade
do solo e da sua conservação na paisagem urbana.

218
Portanto, as intervenções urbanas devem buscar a qualificação da paisagem,
considerando todos os aspectos que condicionam a conservação dos recursos,
de modo a não comprometer a capacidade das futuras gerações de prover suas
necessidades e a sustentabilidade ambiental.

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Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.

220
SIMÃO, Karina Machado de Castro; PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga. O papel
da legislação na transformação das faixas de hiato urbano no perímetro da Avenida
do Contorno/Belo Horizonte/MG. Anais ANPUR, v. 16, n. 1, 2015.

OLIVEIRA, Vitor; MONTEIRO, Claudia. As origens da morfologia urbana e a


geografia alemã. Revista de Morfologia Urbana, n. 37, v.2, p. 2-4, 2014.

221
O impacto da legislação na paisagem
urbana de Tiradentes
Marina Salgado
Edilson Borges de Barros Filho
Vanessa Taveira de Souza
Priscila Schiavo Gomes da Costa
Cibele Moura Ferreira
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Introdução

Discussões sobre a existência de planos são frequentes na história do


planejamento urbano brasileiro. Historiadores e sociólogos foram pioneiros
na pesquisa sobre as origens do planejamento colonial, estabelecendo
comparações entre princípios para o assentamento dos núcleos urbanos
empreendidos por portugueses e espanhóis nas Américas (HOLANDA,
2014; FREYRE, 1933). Esses aportes se mantiveram como dogmas por
muito anos. Gradualmente, em outras informações sobre a existência de um
planejamento inicial português, Delson (1979) e Reis (1968) desmistificam a
ideia do semeador preconizada por Holanda (2014) e outros sobre a origem
rural dos núcleos brasileiros. E tem-se, então, como ideia corrente, a noção
da existência de um planejamento das cidades sob domínio colonial.
Além disso, é nítido o reconhecimento da importância dada aos caminhos
de acesso que configuram as principais rotas de entrada e saída dos assenta-
mentos, respeitando, em geral, as cotas de nível do terreno. Esses caminhos
em via de regra nas ocupações tornam-se a via principal dos arraiais e, poste-
riormente, das futuras cidades. Este aspecto foi regulamentado mais tarde pela
legislação que orientava a ocupação das comunidades em “sítios saudáveis,

222
próximos de rios e de fontes de água boa, com terreno propício e a pouca
distância das minas de ouro” (BOXER, 1969, p.147).
Se há a constatação de um plano urbano no período colonial para as cidades
brasileiras, em contraste, verifica-se que, a partir do século XIX, os modelos
vigentes são regidos por normas administrativas. Como exemplo, tem-se a
elevação de núcleos a vilas, porém, sem referência ao planejamento formal ou
o estabelecimento de normas urbanas, apenas a exigência de uma praça rodeada
por uma Igreja Matriz e uma casa de Câmara e Cadeia (LIMA JR., 1968).
No final do século XIX, também as cidades vão gradativamente recebendo
normas higienistas que, no início do XX, se transformam em códigos urbanís-
ticos e se consolidam como planos urbanos.
É também nesta ocasião, final do século XIX, que a insatisfação com o
regime administrativo em vigor leva à busca por novas ideologias e modos
de governar que culminam na implantação da República, conduzida pela
ideologia positivista. E, para reafirmar o novo modelo republicano, elege-se
um arquétipo que simboliza a construção de uma nova capital para o estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte (REIS FILHO, 1968). Esses modelos reforçam
e influenciam posições opostas às tradicionais, consideradas retrógradas e
alinhadas aos ideais dos antigos colonizadores (PEREIRA COSTA; PERNA,
2014, p. 57-82). A partir desta experiência, seguem-se outras nas quais se
reproduzem modelos modernistas para a implantação de novas cidades,
como por exemplo, Goiânia, Brasília, Ipatinga, Ouro Branco, sem contar
as inúmeras construídas no norte do Paraná (REGO, 2009) Tocantins e
Pará (REGO, 2019), além de pequenas vilas para abrigos de operários de
companhias estatais e privadas (GUERRA, 2008).
Nos meados do século XX, também, comunidades intelectuais e artísticas
assumem as características coloniais remanescentes como ícones do patrimônio
cultural da sociedade brasileira. Essas unem-se em um movimento pela busca
de uma identidade cultural e identificam nos conjuntos oitocentistas expressões
da genuína civilização brasileira e, assim, reavaliam o estilo barroco (PEREIRA
COSTA; CASTRIOTA; SALGADO, 2011). Em 1933, os primeiros passos de

223
preservação histórica tornam várias cidades coloniais monumentos nacionais
decretados por lei.
Tem-se, então, até meados do século XX, a implantação de modelos de
companhias industriais, modelos de cidades jardins e códigos de obras que
regulam o crescimento das cidades com influência higienista, leis de preser-
vação e controle nas cidades consideradas detentoras de patrimônio histórico
cultural (TEIXEIRA et al., 2019).
Ao longo do desenvolvimento urbano do século XX, a crescente expansão
das cidades brasileiras e o descontrole nas ocupações das principais metrópoles
exigem outros procedimentos oficiais (CUSTÓDIO, 2004). Culminam com
a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), com
diretrizes, e tem-se efetivamente, a partir dos anos de 1960, o que inaugura a
prática dos planos urbanos e da sua disseminação em metrópoles brasileiras.
Para Feldman (2010), os onze anos de existência do SERFHAU, implantado
no regime militar, podem ser vistos como a institucionalização do urbanismo
e do planejamento urbano no Brasil.
Esta instituição proporciona a efetivação de órgãos estaduais, metropo-
litanos e municipais para elaboração de planos diretores à criação de “órgãos
permanentes de planejamento e desenvolvimento local”. Como fruto do regime
de exceção, havia o condicionamento de concessão de recursos para as cidades
que formulassem os seus planos diretores. Como consequência, os planos
diretores proliferam e possibilitam um processo de formação e capacitação
de profissionais que, embora tenha envolvido a administração pública e a
universidade, ocorre majoritariamente nas empresas privadas de consultoria.
Os planos diretores do período redundam, no que Carlos Nélson Ferreira dos
Santos (1984) denomina como um amontoado de páginas contendo leis e
recomendações, raramente aplicadas e sequer compreendidas pelos profissionais
das prefeituras.
Se a efetividade da aplicação dos planos diretores não é percebida nos
primeiros anos, os produtos a eles aliados, como as leis de uso e ocupação do
solo, as normas de parcelamento contidas na lei 6766/1979 e as inúmeras

224
resoluções consolidam o instrumento como a principal ferramenta de controle
do desenvolvimento urbano nacional.
A importância da aplicação do instrumento como indicativo de princípios
de desenvolvimento urbanístico está contida nos artigos 29, 30 e 31 do 4º
capítulo da Constituição Federal de 1988. Normas referentes ao ordenamento
territorial, pelo planejamento e controle do uso do solo urbano, foram poste-
riormente detalhadas na Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto das
Cidades, no qual o artigo 41 determina às cidades com mais de vinte mil
habitantes desenvolverem um plano diretor.
Para Villaça (1999), é o plano que, a partir de um diagnóstico científico
da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do
município e de sua região, apresentaria um conjunto de propostas para o
futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos
usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamen-
tais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas
definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal
(VILLAÇA, 1999, p.238). Esse autor, ao analisar em retrospecto as propostas
de planejamento urbano realizadas no país, distingue vários interesses por
parte dos planejadores, conforme as fases por ele assinaladas no contexto
brasileiro (BARROS FILHO, 2018a). Essas fases correspondem a quatro
momentos: a primeira, acoplada aos Planos de Embelezamento (1875-1930),
englobaria as cidades de Belo Horizonte e Goiânia; a segunda aos Planos de
Conjunto (1930-1965); a terceira aos Planos de Desenvolvimento Integrado
(1965-1971); a quarta aos Planos sem Mapas (1971-1992). Após 1992, pode
ser constatado que os planos passaram a absorver instrumentos de planeja-
mento urbano previstos pela Constituição de 1988, a partir da aprovação
do Estatuto das Cidades em 2001.
Para Maricato (2013), os mais recentes planos diretores expõem a reali-
dade urbana complexa, a cujas Leis de Uso e Ocupação do Solo e Código de
Obras “são adicionados mecanismos que buscam valorizar a função social da
propriedade, ganhar coletivamente com a dinâmica do mercado imobiliário e
225
oportunizar distintas associações entre o público e o privado”, dentre outros.
No entanto, após a realização de inúmeros projetos de planos diretores e
a sua revisão nos anos posteriores, esses revertem na realidade do dia a dia do
urbanismo brasileiro.
Se, por um lado, eles destacam esses aparatos legais que proporcionam aos
municípios ferramentas fundamentais para a construção de cidades melho-
res e mais justas, por outro lado expõem as consequências da sua gestão na
maioria das cidades brasileiras e revelam a ineficácia de sua realização em
inúmeros municípios brasileiros. A maioria dos 5.000 municípios que abrigam
cerca de 80 por cento da população brasileira está sob um caótico processo
de urbanização e que, a partir da Constituição de 1988, torna-se responsá-
vel pela implementação das políticas do planejamento urbano. Grande parte
deles, porém não possui sequer um profissional qualificado nos seus quadros
administrativos para exercer a gestão urbana. Isto leva à adoção de políticas
de planejamento inadequadas, o que tem resultado no controle ineficaz da
expansão urbana e na proliferação de assentamentos de risco. Soluções resul-
tantes do planejamento imediatista para resolver demandas políticas trazem
consequências para a população em geral, bem como impactos para o meio
ambiente, o que leva a outro cenário, muito aquém das bem-sucedidas experi-
ências do urbanismo brasileiro (PEREIRA COSTA, 2010).
Aldo Rossi (1980) afirma que todas as cidades possuem planos e, muitas
delas, inclusive, crescem mediante planos. Tiradentes demonstra essa assertiva,
que pode ser observada desde a sua criação, de acordo um traçado colonial
oitocentista, posteriormente reconhecida por lei, pelo Serviço do Patrimônio
Histórico Federal - SPHAN, hoje IPHAN - como passível de salvaguarda
nacional. Pelas qualidades culturais há o estabelecimento de um plano diretor
e uma lei de uso do solo específicos elaborados também pelo órgão de proteção
ao patrimônio em conjunto com autoridades locais. Finalmente, pela situação
excepcional prevista no Estatuto das Cidades para municípios com menos
de 20.000 habitantes, com características enquadradas no art. 41 da Lei

226
10.257/01, integrantes de áreas de especial interesse turístico; tem-se o plano
diretor e suas leis complementares elaboradas em 1997 e aprovadas em 2015.
Assim, percebe-se que, em Tiradentes, a paisagem cultural resultante das ações
econômicas sociais políticas e urbanísticas se encontra subdividida em legisla-
ções específicas que refletem três períodos que exigiram a adoção de normas
para o seu controle e desenvolvimento.
Este capítulo expõe, em ordem cronológica, esses instrumentos e analisa
o seu impacto na paisagem urbana e na qualidade de vida da sua população.

1. A Legislação Urbana de Tiradentes


1.1 A implantação colonial e os princípios ordenadores
Tiradentes, como qualquer núcleo urbano implantado no período colonial,
estrutura-se por meio de eixos que se conectam às principais áreas mineradoras,
cujo desenvolvimento é baseado na adaptação do tecido urbano ao sítio natural
(SALGADO, 2007). Assim, percebe-se a naturalidade com que a cidade se
desenvolveu no início de sua ocupação, seguindo alguns princípios básicos
elaborados pela Coroa Portuguesa.
Porém, ao longo do século XX, discussões acadêmicas sobre as caracterís-
ticas do urbanismo colonial ibérico sustentaram uma rígida dicotomia entre a
malha geométrica adotada pelo império espanhol em suas vilas e os aglomerados
“caóticos” implantados pela Coroa Portuguesa. A partir da metade daquele
século, entretanto, novas abordagens trataram de amenizar e até mesmo dirimir
essa pretensa dicotomia, através do reconhecimento de padrões urbanísticos
que se repetiam em cidades lusitanas, demonstrando que tais aglomerados não
eram propriamente caóticos (BARROS FILHO, 2018b).
Essas discussões sobre a inexistência de planejamento no Brasil levaram
Roberta Marx Delson (1979) a investigar os princípios das novas cidades para
o Brasil colonial e o que se deslumbra em seu trabalho é que o fazer das
cidades no país não apenas seguiu um padrão clássico, mas também teve uma
ideologia definida e uma simbologia eficiente (PEREIRA COSTA, 1980). Por

227
esse viés, Delson provocou um embate das interpretações feitas até então por
Holanda (1936) e Robert Smith (1969), ainda pautadas na interpretação sobre
um urbanismo colonial português desprovido de regras claras de implantação
urbana. Segundo a autora, as propostas ideológicas dos portugueses foram
influenciadas pelas ideias do Absolutismo e do Iluminismo, cujo tecido urbano
das cidades coloniais brasileiras reflete a interpretação portuguesa de beleza,
sofisticação, progresso em sua grade barroca e edificações. Eles podem ser
observados a partir da criação de Mariana, Minas Gerais e centro de mineração.
“Devem ser usados assentamentos retilíneos independentemente das desvanta-
gens que possam ser para as edificações já existentes na área. Devem manter as
ruas largas e ladeadas por casas de desenho semelhante” (DELSON, 1979, p. 4).
Há depoimentos que, para que isto ocorresse, várias demolições foram feitas
para manter as casas em ordem. A prática foi seguida (em 1721) por Raphael
Pires Pardinho, o Ouvidor-Geral da Capitania de São Paulo, quando viajou
para o sul para corrigir o alinhamento frontal de várias cidades usando o cordel.
O conjunto de correções tentou estabelecer uma regra geral que seria: “No
futuro as ruas seriam de cordel, as casas não seriam mais construídas no mato,
mas deveriam ser concentradas na própria cidade mesmo unindo-se umas às
outras (para evitar ataques de índios). Como último passo, Pardinho ordenou
a desobstrução da malha urbana em frente à Matriz para criar uma ampla e
espaçosa avenida que conduzia à igreja” (PEREIRA COSTA, 1980. p 14).
A casa é novamente mencionada no caso em preenchimento “Se a casa de
uma nova moradia estiver situada junto ao povoado que já lá se encontra em
caso de ruína, deve ser reconstruída de forma a conferir-lhe o perfil e perspectiva
equivalentes a uma nova casa com desenho semelhante” (PEREIRA COSTA,
1980. p 14)
A ideia formalista estabelece princípios para a praça principal. “A praça
deve ser suficientemente grande para não sofrer o defeito de ser atrofiada
quando a cidade tiver que crescer mais do que o esperado” (PEREIRA
COSTA, 1980. p 16)

228
A Igreja Matriz deverá estar na praça principal, assim como a casa de
Câmara e Cadeia (prédio administrativo com a cadeia no subsolo) e o bloco
de casas novas deverá ser paralelo à praça. O princípio que organiza o espaço
é também pela observância das normas ditadas pela Igreja Católica, pois havia
a recomendação para a construção de uma capela no local mais destacado do
assentamento. O espaço à frente desta capela seria deixado livre, para construção
de um cruzeiro, configurando um terreiro (MARX, 1991).
Segundo Bittencourt (1999), a capela tem a função de estruturar visual-
mente o espaço urbano, porque se implanta no ponto mais visível da povoação.
Desta forma, atua como “ponto focal” que integra os caminhos, o casario e as
ruas. À medida que vão surgindo arraiais, as torres das capelas e igrejas criam
referências visuais que orientam o deslocamento dos viajantes.
Os princípios gerais podem ser resumidos nos seguintes aspectos: aqueles
relativos à seleção dos novos assentamentos do interior do país, que deveriam
ser implantados em sítios constituídos em locais com bom clima, boa terra
para cultivo, proximidade de rios com água e abundância de peixes; os que
demonstravam preocupação com a implantação de equipamentos urbanos
como segue: o piquete e o matadouro devem ser construídos à distância para
que o mau cheiro não ofenda os moradores.
Esses princípios podem ser observados na paisagem urbana de Tiradentes,
que reproduz aspectos de uma vila oitocentista, singela. A uniformidade do seu
casario contínuo, alinhado à testada dos lotes (CAMPOS, 2006, p.35), pode ser
fruto da iniciativa do uso do cordel e do controle português (DELSON, 1979).
Sobre a singularidade e singeleza da paisagem urbana, Sylvio de Vasconcellos
(1980 p.43 ), depõe:
O conjunto urbano figura cenário, a propósito, construído para encantar.
É concentrado e diminuto como um trecho escolhido da história. Não se
estende em linha reta como as demais povoações mineiras, enrodilha-se.
É quase uma rua só, formando um quadrado.

É este cenário que, em 1938, foi definido como patrimônio histórico e


cuja legislação é o próximo objeto de análise.

229
1.2 Tiradentes como Patrimônio Nacional
A cidade de Tiradentes possui tombamento como Conjunto Arquitetônico
e Urbanístico pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -
SPHAN, atual IPHAN -, por meio do processo n. 66-T de 1938. O decreto-lei
n. 25 de 1937 é o marco legal dessa proteção. Conjectura-se que o órgão
de proteção não considerou o potencial do núcleo urbano como passível
de expansão urbana e crescimento, visto que a área apresentava estagnação
econômica no início do século XX (BARROS FILHO et al., 2019).
O tombamento de conjuntos urbanos, naquele momento, fazia-se sem
maiores detalhamentos de estudos ou de justificativas embasando o conceito
que induziu à proteção da cidade. Em um contexto no qual o “tomba-se
naturalmente” abarcava a justificativa do processo, os gestores municipais
viam-se desamparados de qualquer auxílio, por parte da instituição de tutela do
patrimônio, sobre quais procedimentos tomar frente à extensa área protegida.
Uma vez que, em 1938, o tombamento era feito sem perímetros pré-definidos
e critérios claros para intervenções em bens acautelados (BARROS FILHO,
2018a).
Após o período de decadência que perdurou por mais da metade do século
XX, a cidade de Tiradentes torna-se objeto de intervenções visando à preserva-
ção do patrimônio, inicialmente pela criação de fundações, como a Fundação
Rodrigo Mello Franco de Andrade, instituída em 1970, e a Sociedade Amigos
de Tiradentes (SAT), como apresenta Bonuti (2017). A autora expõe a atuação
dessas entidades como pioneiras na divulgação e preservação da paisagem cultu-
ral. Dessa ação, outros empreendimentos tendo como objeto a desvalorização
dos imóveis do núcleo antigo, proporcionaram a apropriação massiva do centro
por novos moradores oriundos de grandes centros, transformando a cidade em
um local repleto de novos valores estéticos e econômicos. Consequentemente,
outras áreas de expansão surgem e exigem ações de preservação e normatização
tanto das novas construções no centro histórico quanto na periferia.
O IPHAN se viu impelido a se posicionar sobre esse problema de acaute-
lamento da área tombada, aliada às pressões urbanas e de regulamentação cada

230
vez mais recorrentes e das distinções na atuação da prefeitura municipal em
seu próprio solo urbano (BARROS FILHO et al., 2019).
A primeira tentativa nesse sentido se deu entre as décadas de 1980 e 1990,
quando foi implementada a metodologia de leitura e apreensão de centros
históricos denominada Inventário Nacional de Bens Imóveis em Sítios Urbanos
(INBI-SU). Essa metodologia visava à apreensão de todas as facetas de um
sítio urbano, perpassando por levantamento histórico, análise do processo de
formação urbana, inventário de todas as edificações da área tombada, assim
como por outros estudos que contemplaram aspectos físicos e paisagísticos do
sítio. A partir dos dados coletados e levantados, foram desenvolvidos mapas
temáticos destacando o centro urbano pelos aspectos de volumetria, tipologia
arquitetônica, estrutura viária, topografia, uso e ocupação do solo.
Tiradentes foi a cidade pioneira na aplicação da metodologia INBI-SU
pelo IPHAN. A partir da consulta aos Fundamentos do INBI-SU aplicados
em Tiradentes (IPHAN, 1997), foi constatado que a premissa principal do
inventário estava pautada no estabelecimento de normas e critérios de atuação
para o sítio urbano, por meio de levantamentos de campo físico-arquitetôni-
cos, entrevistas socioeconômicas e consultas a fontes documentais primárias
e secundárias.
Em uma base cadastral da CEMIG, no final da década de 1970, foram
adicionados dados sobre áreas dos lotes, taxas de ocupação, forma das quadras,
distribuição interna das plantas das edificações, gabaritos, usos e estado de
conservação. Eles permitiram uma leitura inicial sobre a forma de ocupação do
território, com indicação sobre especialização das áreas, adensamentos, espraia-
mentos, presença de vazios e ocupação inadequada nas margens de córregos.
Em um segundo momento, foi feito o estudo sobre o processo de ocupa-
ção urbana do território. A escassa documentação disponível do século XVIII
exigiu a incorporação da leitura pautada na arqueologia histórica, com lotes
selecionados do núcleo setecentista para a obtenção de informações específicas
sobre cada um (IPHAN, 1997). Esse método incorporou a pesquisa histó-
rica, que resultou em um registro dos antigos caminhos, datação de igrejas,

231
configuração de ruas mais antigas, décimas urbanas do século XIX e outras
informações sobre a ocupação do solo urbano.
Destarte, constatou-se que “Tiradentes teve sua forma urbana consolidada
no século XVIII, cuja primeira conformação urbana foi adotada como base
de referência para todas as ações subsequentes naquele território, sejam elas
no sentido de negá-la, transformá-la ou reproduzi-la” (IPHAN, 1997, p. 10).
O emprego desta base urbana - como fonte inicial de estudos - permitiu a
delimitação da área de atuação do IPHAN, sob a perspectiva histórica como
orientação dos trabalhos na identificação e definição de áreas consideradas
“preservadas” no período de elaboração do INBI-SU, “identificando as formas
de sua produção, as transformações dos seus usos, detectando-se o que perma-
neceu, os vestígios das formas que cederam lugar a outras e também os vazios
que deixaram marcas no território” (IPHAN, 1997, p. 12).
Apesar de não ter sido conceituado pelos realizadores do inventário nacio-
nal, esse modo de interpretação se assemelha ao método da Morfologia Urbana
(BARROS FILHO et al., 2019), no qual ocorre o estudo da forma de uma área
urbanizada, tratando-a como “um produto físico das ações da sociedade sobre
um determinado território, cujas análises estão intrinsecamente relacionadas
a construções, edificações, parcelamentos e áreas livres” (PEREIRA COSTA;
GIMMLER NETTO, 2015, p. 31).
Análises morfológicas específicas também foram desenvolvidas em comple-
mentação à perspectiva histórica, com estudos sobre as características formais
do sítio histórico de Tiradentes e dados sobre traçado, parcelamento, ocupa-
ção do solo e tipologia arquitetônica. Foram esses dados que possibilitaram
a identificação de manchas com períodos morfológicos e o estabelecimento
de valores a se preservar e parâmetros para as transformações físicas a que o
conjunto está sujeito, tendo em vista as premissas básicas do trabalho, pautadas
na preservação da ambiência urbana e histórica da cidade. A partir desse estudo,
foi desenvolvido, em 1997, um plano normativo para Centro Histórico de
Tiradentes (BARROS FILHO et al., 2019).

232
2. A expansão após a década de 1980
Nas décadas de 1960 e 1970, a cidade sobreviveu ao que Campos (2006)
denomina de “período de transição”. O artesanato de prata foi a atividade
econômica que iniciou o processo de recuperação da cidade, mas foi o turismo,
ainda incipiente na época, que alavancou de vez esse processo. A cidade atraía
turistas devido à sua tranquilidade, culinária e à boa preservação de seu acervo
histórico (SCHIAVO et al., 2015).
A partir da década de 1980, o turismo se consolidou como a principal
atividade econômica de Tiradentes, porém a criação de eventos passou a ser
o principal atrativo da cidade, situação que perdura até os anos de 2022. Na
década de 1990, essa atividade se intensificou ainda mais, apoiada nas ideias
de “cidade mercadoria” e “city marketing”, citadas em Campos (2012), que
tratam a cidade como um produto a ser vendido. Os festivais de cinema e
gastronomia estão entre os principais acontecimentos de Tiradentes, mas a
cidade promove outros eventos de menor porte, semanalmente. Muitos deles
não têm nenhum vínculo com sua história, mas atraem muitos turistas, de
modo que durante os mesmos há incremento expressivo da população. Essa
invasão periódica de turistas provocou alterações na dinâmica da cidade, como
a substituição de usos no centro histórico, a expulsão da população original
para a periferia e uma acelerada expansão urbana. Salgado (2007), em sua
monografia, identifica e caracteriza cada um desses eixos de expansão, que
serão descritos resumidamente a seguir:
2.1 Expansões a partir dos anos 1980 até 1999
I. Eixo Oeste: traçado da Rua Frei Veloso nos anos 1980 e desenvolvi-
mento do Bairro Pacu na década de 1990. Grandes quarteirões com traçado
orgânico, ocupados apenas nas bordas. Ocupação semelhante à do centro, com
predominância de residências de 1 pavimento, edificações sem recuo lateral e
a presença de comércio de artesanato e pousadas.

233
II. Eixo Leste: Bairro Cuiabá. Possui duas zonas distintas, uma próxima ao
núcleo histórico, mais adensada, com edificações na testada dos lotes; outra,
mais afastada, com adensamento reduzido e características rurais (chácaras
com pequenas produções agrícolas, criação de gado e grandes áreas verdes).
Ambas possuem traçado orgânico adaptado à topografia; a passagem de uma
para outra acontece de forma gradual.
III. Eixo Norte: Bairro Cascalho. Ocupação espontânea, com amplos
quarteirões e grandes lotes, proporcionando muita área verde. Terreno em
aclive, em cota mais elevada que o centro, sendo que o traçado viário acompa-
nha os desníveis do terreno. Predomínio de residências de 1 pavimento com
afastamento e ocorre também a presença de pousadas.
2.2 Expansões a partir de 1999
IV. Eixo Nordeste: Bairro Parque das Abelhas, cujo parcelamento data
de 1995, havendo ocupação recente. Apresenta traçado regular, ortogonal,
com quarteirões e lotes de menor dimensão, o que o diferencia do restante
da cidade. As edificações, porém, são grandes e de alto padrão, de arquitetura
contemporânea e com afastamentos e muros. Apresenta arborização expressiva
e pouca presença de comércio e serviços. Como a topografia é plana e a cota
de terreno é baixa, não interfere na paisagem do núcleo histórico.
V. Eixo Sudoeste: Bairro Mococa. Quarteirões pequenos em relevo
acidentado, não apresentando espaços livres. Apresenta traçado mais rígido,
ocasionando ruas íngremes e algumas em saída. Seu padrão de ocupação é
mais baixo, com predomínio de edificações residenciais de 1 pavimento. A
torre de comunicação é um marco na paisagem do bairro, mas devido à cota
do terreno mais baixa, não é muito vista do centro.
VI. Eixo Sudeste: Bairros Alto da Torre e Várzea de Baixo. Apresenta duas
barreiras físicas, o Rio das Mortes e a linha férrea, que os deixam isolados do
restante da cidade. Assentamento da população de baixa renda expulsa do
núcleo central. Como se situa em cota mais elevada, provoca contraste com o
centro histórico na paisagem da cidade.

234
Na figura 1 tem-se um mapa síntese da expansão urbana de Tiradentes.
Figura 1: Ocupação Cronológica de Tiradentes
Fonte: Prefeitura Municipal de Tiradentes, 2014; Campos, 2006, adaptado por Schiavo et al., 2015.

3. As leis e a relação com o processo de expansão


3.1 Plano normativo para o Centro Histórico de Tiradentes de 1997
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em
uma revisão do primeiro esboço de diretrizes resultantes do INBI-SU (ainda
na década de 1980), propôs em 1997 critérios e normas para a proteção do
sítio histórico de Tiradentes incluindo a seguinte área:
“O perímetro definido, para efeito dos critérios e normas determinadas
no presente instrumento, abrange o núcleo setecentista mais densamente
ocupado, sendo referência básica para a preservação, as antigas áreas de serviço
desse núcleo, os caminhos de acesso à cidade – entrada e saída, ligação com
as áreas de exploração do ouro e demais produções – e ainda, o eixo de
expansão da cidade consolidado em função da implantação da estrada de
ferro” (IPHAN, 1997, p.40).

235
Seguindo estes critérios, a cidade foi dividida em 8 setores de acordo
com a sua estrutura urbana e com a história de ocupação de cada um. As
normas e critérios têm como princípio: a manutenção da lógica de ocupa-
ção e desenvolvimento da cidade - o modo como os lotes se subdividem, a
formação das quadras, as relações entre as áreas mais densamente ocupadas
e as tradicionalmente menos ocupadas - garantindo, ao mesmo tempo, o
predomínio das edificações mais antigas na paisagem e o que resta do cinturão
verde contíguo ao traçado urbano tradicional (IPHAN, 1997, p.40-41). A
figura 2 apresenta as 8 zonas contidas no perímetro urbano.

Figura 2: Setores de preservação estabelecidos pelo INBI/SU


Fonte: IPHAN, 1997.

Este Setor compreende o traçado urbano tradicional, ou seja, os principais


eixos de consolidação do núcleo setecentista de Tiradentes, onde se concen-
tram as edificações mais antigas. É, portanto, historicamente, a área mais
densamente ocupada que, na sua relação com a paisagem natural, tornou-se
responsável pela série de atividades locais, socioeconômicas e culturais, princi-
palmente as vinculadas ao turismo. O Largo das Forras, embora adensado nos

236
últimos 30 anos, foi incluído neste Setor por já ter se incorporado à imagem
tradicional do sítio histórico.
3.2 As normas gerais para os setores
A primeira diretriz apresentada neste documento relata as “regras gerais
para todos os setores”, onde no item VI discorre sobre os projetos de novas
edificações e acréscimos:
Para os projetos de obras novas ou de acréscimos com áreas
significativas, que possam interferir na visibilidade e ambiência dos
monumentos tombados individualmente, ou que possam comprometer
a vegetação do lote, deverá ser apresentado estudo específico referente
à sua interferência na paisagem, com montagem sobre fotos tomadas de
pontos importantes da cidade.

A partir desta diretriz. observa-se a importância atribuída ao monumento


isolado, às ambiências individuais em detrimento da preservação do edifício e
seu entorno, da paisagem urbana, como relatado anteriormente.
3.3 Normas específicas para o núcleo histórico, parcelamento -
desmembramento e remembramento - Setor 1
Este setor representa na cidade a marca da ocupação orientada pela inter-
venção do órgão nacional de preservação que, diferente do que se faz hoje,
recomendou durante muito tempo a reprodução das características arquitetô-
nicas setecentistas como forma de preservação.
O desmembramento é permitido para lotes com área superior a 1.200 m²,
o que resulta em um lote mínimo de 600m², sendo a testada mínima de 10m
e a profundidade mínima de 40m. Além disso, aos lotes que possuírem frente
para duas ruas, especificamente a rua Direita e a rua Ministro Gabriel Passos,
será permitido o desmembramento de lotes com área mínima de 1.000m²,
sendo que os lotes com área de 600m² deverão estar voltados para a rua Direita
e o de 400m² para a outra rua citada (IPHAN, 1997, p.44)
Estas normas pressupõem um estudo morfológico da evolução do parce-
lamento para, por meio deste, definir a dimensão do lote padrão existente no
núcleo histórico, verificando assim a viabilidade do desmembramento de lotes
237
com área de 1.200m². Estes estudos, porém, não foram apresentados, o que
poderá elucidar a escolha de tal metragem de lotes e sua possível aplicabilidade
– o que é comprovado na estrutura urbana existente.
O item 18 discorre sobre as normas de afastamentos frontal e lateral de
uma ocupação nova:
18 - Deverá ser respeitado o afastamento frontal de no mínimo 10m,
com exceção dos trechos das ruas Ministro Gabriel Passos, Frei Veloso
e Frederico Ozanan, incluídos no Setor 1, onde o afastamento frontal
será no máximo de 3m. Quando os lotes tiverem duas frentes, ou
seja, abrindo para dois logradouros, o afastamento de 10m deverá ser
respeitado nas duas testadas. Nos terrenos que fazem divisa com outros
lotes, o afastamento posterior poderá ser reduzido para 5m. Para as
áreas de afastamento frontal é recomendado o plantio de vegetação, não
devendo ocorrer usos que afetem o sentido de área livre pretendido para
essas áreas, tais como estacionamento em toda sua extensão, guarda de
materiais de construção, etc.

Nas laterais, o afastamento deverá totalizar no mínimo 3m, que serão


distribuídos segundo as conveniências do projeto, respeitando-se as
seguintes condições: caso a edificação encoste em uma das laterais,
deverão ser garantidos 3m livres na outra lateral; caso a edificação seja
afastada das duas laterais, o menor afastamento permitido será de 1m.
São exceção a essa de afastamento lateral as edificações em lotes com
largura inferior a 6m, nos quais as edificações poderão encostar nas duas
laterais, e os lotes com largura entre 6m e 9m, nos quais os afastamentos
poderão ser inferiores a 3m, desde que estudos de implantação sejam
previamente submetidos ao IPHAN, que deverá avaliar a proposta diante
de sua relação com a vizinhança imediata e no contexto paisagístico.
Nos lotes que fazem esquina com logradouros, o afastamento lateral será
obrigatório (IPHAN, 1997, p.44).

Esta diretriz não considera os aspectos morfológicos do núcleo histórico


de Tiradentes, desrespeitando a paisagem urbana aí existente, à medida que a
obrigatoriedade desses afastamentos acarreta uma quebra na estrutura urbana
presente no centro. A figura 3 ilustra as características morfológicas do centro
histórico.

238
Figura 3: Rua Direita
Fonte: LaP, 2019.

Esta estrutura apresenta-se de forma coesa – como apresentado anterior-


mente no estudo morfológico– no qual todas as edificações estão implantadas
na testada do lote, formando um conjunto harmônico a partir do qual a rua
é delimitada.
Na figura 4 são elaboradas simulações sobre os aspectos contidos na Lei e
os impactos na paisagem urbana.

Figura 4: Croqui de quarteirão do centro histórico


Fonte: Elaborado por Salgado, com base em Monumenta, 2001.

239
As condições de desmembramento analisadas anteriormente para o Setor
1 - núcleo histórico - não consideram a forma urbana consolidada no local. O
quarteirão demonstrado na figura 4 apresenta lotes estreitos e profundos que
possuem frente tanto para a rua Direita quanto para o beco do Rosário. As
edificações encontram-se implantadas na testada do lote sem recuos laterais,
liberando assim os fundos para quintais arborizados.
Se a proposta de desmembramento fosse realizada neste quarteirão, ocorre-
ria um problema significativo para a paisagem do núcleo histórico. Este diz
respeito à perda da relação “espaço construído e espaço vazio” no qual se percebe
uma distinção marcante entre estes – o espaço construído está concentrado Na
testada do e os espaços vazios estão ocorrendo nos quintais, além de largos e
praças em meio ao casario. Esta relação garante a configuração de uma paisagem
harmoniosa e respeitosa com o meio ambiente, proporcionando qualidade
ambiental ao espaço. Com o desmembramento, isso seria perdido, pois os
quintais seriam substituídos por edificações.

Figura 5: Croqui de quarteirão do núcleo histórico, aplicação do desmembramento.


Fonte: Elaborado por Salgado, com base em Monumenta, 2001

Além disso, a aplicação da norma de afastamento frontal de 10m e lateral


de 3m não condiz com a estrutura morfológica presente no núcleo histórico,

240
como comprovado na simulação realizada anteriormente; assim, as normas
analisadas apresentam-se inadequadas para a situação existente.
Pela argumentação apresentada, pode-se perceber que as propostas defendi-
das pelo IPHAN em 1997 desconhecem a estrutura urbana e a sua aplicação no
centro histórico, podendo provocar impactos que levarão à perda da qualidade
urbana existente na cidade. Em seguida, observam-se as normas relativas para
áreas de expansão urbana.

4. As leis e a relação com o processo de expansão


No período de formação da cidade, a expansão urbana seguia o fluxo das
atividades: as rotas comerciais, os acessos a outros povoados, o curso d’água, a
topografia e as edificações públicas e religiosas que definiam o traçado viário.
As edificações seguiam a estética barroca, sem afastamentos e buscando um
equilíbrio de cheios e vazios (SCHIAVO et al., 2015)
Já no século XX, o espaço urbano passa a sofrer maior influência da legis-
lação urbana. O tombamento do centro histórico em 1938, por exemplo, ao
limitar alterações nessa área, pressiona a cidade a se expandir para a periferia,
pressão essa reforçada no fim do século XX, em decorrência da atividade turís-
tica. Para Salgado (2007), a lei 6766/79 de Parcelamento do Solo, ao definir o
tamanho dos lotes e quarteirões, determina um parcelamento mais rígido em
algumas zonas de ocupação mais recente, ignorando a topografia e questões
da paisagem. “No bairro Alto da Torre, o parcelamento demonstra que esta
questão foi observada: um traçado regular sobre um espaço de relevo aciden-
tado, não sendo este considerado como aspecto fundamental no projeto de
loteamento, gera ruas íngremes que afetam diretamente o núcleo histórico”,
diz. Para Campos (2012), a falta de um Plano Diretor é um dos sérios e
comprometedores problemas de Tiradentes. Por isso, certas descaracterizações já
ocorreram, como as imitações de estilo, chamadas de “pastiches” pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN. Os autores concor-
dam que a legislação urbana de Tiradentes muitas vezes tende a ir contra as

241
próprias características da cidade, como, por exemplo, ao instituir afastamentos
em edificações novas no centro histórico, fruto de desmembramentos de lotes,
onde historicamente não há afastamentos ou ao estipular lotes mínimos de
500m2 no bairro Alto da Torre, que é um bairro voltado para a população de
baixa renda. Percebe-se dessa forma, um desacordo entre a proposta das leis e
a realidade da cidade (SCHIAVO et al., 2015).
As autoras acima mencionadas refletem que as normas relativas ao patrimô-
nio, como as estabelecidas na revisão do IPHAN de 1997, ainda não abrangem
a questão da paisagem urbana, ficando ainda restritas à ideia de monumento
isolado e sua ambiência individual. Nas zonas externas ao perímetro histórico,
por exemplo, não há diretrizes que englobam a preservação da paisagem ou o
diálogo dessas áreas de expansão com o núcleo tombado.
A respeito do Plano Diretor, a Lei Orgânica Municipal previa sua implan-
tação desde 2006, uma vez que o plano diretor é obrigatório para todas as
cidades “integrantes de áreas de especial interesse turístico, aprovado em 2015.
O Plano Diretor é o instrumento que define as diretrizes de desenvolvimento
da cidade e estipula também seu macrozoneamento e parâmetros urbanísticos,
influenciando de maneira direta – positiva ou negativamente – a conformação
do espaço urbano, sua preservação e/ou transformação. O macrozoneamento
proposto no Plano Diretor de Tiradentes de 2015 e as diretrizes referentes à
região de estudo serão expostos e analisados a seguir.

5. Plano Diretor Participativo do município de Tiradentes -


PDP/Tiradentes
O Plano Diretor de Tiradentes, aprovado pela lei complementar de
01/2015, estabelece as diretrizes de desenvolvimento do município elaborado
pela Fundação João Pinheiro e o Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes
(IHGT), tendo a prefeitura municipal como interveniente.
Na apresentação elaborada pelos órgãos acima mencionados, tem-se a
informação de que o plano diretor é resultante de construção coletiva visando

242
o desenvolvimento municipal, tendo como premissas a sustentabilidade
ambiental e social; a articulação entre a proteção ao patrimônio histórico,
cultural e ambiental à dinâmica econômica e o usufruto dos benefícios do
desenvolvimento para todos os cidadãos. Reforçam que a participação é a
ferramenta própria para consolidar o acordo e o compromisso de todos com
o bem-estar coletivo e o interesse público, em prol dos objetivos colocados. E
afirmam que estes estão em consonância com a Constituição da República,
a Constituição do Estado de Minas Gerais e a Lei Orgânica do município de
Tiradentes, “na busca por um território unido pela solidariedade, justiça e paz”.
(TIRADENTES, 2015)
Para fazer cumprir as intenções acima elencadas, onze capítulos do plano
detalham as políticas como diretrizes do desenvolvimento local. O primeiro
capítulo é sobre a paisagem de Tiradentes e especifica as características físicas
e bióticas por meio da sua localização e ocupação. Aspectos relacionados ao
clima, geologia, relevo, hidrografia, vegetação e a definição do abastecimento de
água e do esgotamento sanitário que compreendem a paisagem do município
constam nesta primeira parte.
O segundo capítulo trata da demografia e dos aspectos sobre crescimento
populacional como indicadores demográficos. O terceiro capítulo apresenta
a evolução histórica do município e os períodos que antecederam o tomba-
mento como patrimônio histórico nacional e a sua evolução para um cenário
turístico. No quarto capítulo, tem-se a dimensão físico-territorial na qual as
questões relativas ao uso e ocupação do solo nas áreas urbanas e rurais, à
mobilidade e à acessibilidade são os aspectos em tela. Há uma análise dos
planos já realizados, bem como os instrumentos jurídicos existentes, tanto
com relação à preservação de sítios históricos quanto à legislação municipal.
Em continuidade ao aspecto físico territorial tem-se no capítulo quinto, a
discussão sobre as questões ambientais que detalham as preocupações sobre
aspectos relativos ao meio físico, o meio biótico, o biológico e ecossistemas
naturais como constam nas recomendações do Decreto lei nº 99.274, de 06
de junho de 1990 (CONAMA, 1990). Nesta resolução também constam

243
definições sobre os aspectos econômicos, porém no PDP de Tiradentes estes
são parte do capítulo seis. Como o turismo é um dos fatores que tem contri-
buído para o desenvolvimento econômico e social de Tiradentes, o assunto
é discutido no sétimo. Aspectos referentes à cultura, esporte e lazer constam
do oitavo, enquanto as questões relativas ao desenvolvimento social são parte
do nono. O capítulo dez trata das questões relativas à segurança e defesa civil.
Finalmente o décimo dispõe sobre o ambiente institucional da política urbana
e o diagnóstico institucional da estrutura organizacional da prefeitura. Como
se observa, todos os aspectos exigidos pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001, denominada o Estatuto das Cidades, constam no documento, porém
neste artigo vamos analisar os capítulos 03 e 04, pela contribuição que podem
trazer aos aspectos morfológicos futuros da paisagem urbana.
No capítulo 03, a equipe apresenta e reconhece o patrimônio histórico da
cidade e destaca as pesquisas e contribuições tanto acadêmicas quanto institu-
cionais e esclarece que o foco da análise reside no período pós anos de 1930,
quando a cidade é declarada patrimônio cultural nacional. Os responsáveis
justificam a análise pela transformação ocorrida em sua dinâmica urbana,
econômica e social desde então. A descrição da evolução urbana da cidade
destaca os fatos que condicionam, gradativamente, a transformação da paisa-
gem urbana. Elencam as ações das forças comunitárias, econômicas, políticas
e sociais que institucionalizaram, destacando conceitos como valorização da
homogeneidade do conjunto colonial, entendido como valor de integridade.
O plano diretor do município define no artigo 50 que o território munici-
pal é dividido em Zona Urbana, (ZU) Zona Rural (ZR) e Zona de Proteção
Ambiental (ZPA). Os requisitos da sua regulamentação estão contidos nos
anexos I a XXI da Lei complementar no 5/15, de 16 de dezembro de 2022, que
dispõem sobre o zoneamento e o uso e ocupação do solo do município. De
acordo com o macrozoneamento, são apresentados no anexo III estabelecidas
as zonas urbanas localizadas na sede municipal, a segunda Águas Santa e Brás
de Pina, como também o distrito de Elvas incluindo as regiões de Banquinho
e Bananal e o distrito de Caixa D’água da Esperança.

244
O plano diretor do município define também no capítulo I sobre o
zoneamento urbano, que é objeto desta análise a definição de oito zonas,
nomeando-as como:

1. Zona histórico cultural (ZCH)


2. Zona residencial mista (ZRM)
3. Zona econômica mista (ZEM)
4. Zona especial de interesse social (ZEIS)
5. Zona de expansão urbana (ZEU)
6.Zona de Proteção Ambiental (ZPA)
7. Zona especial de interesse Urbanístico (ZEIU)
8. Zona especial de interesse Urbanístico Ambiental (ZEIUA)

É também definido no parágrafo O do artigo 6 e acrescenta outras zonas


de interesse cultural nos distritos municipais no inciso I. No inciso II há uma
inovação referente à criação do polígono de visadas da paisagem natural, que
corresponde ao alinhamento de cumeadas que define a abrangência das visadas
a partir do conjunto histórico-cultural da sede municipal, as quais objetivam a
preservação da paisagem natural que integra o entorno desse conjunto histó-
rico-cultural. É também definida a proibição da supressão da vegetação no
interior do polígono de visadas da paisagem natural, com exceção aos lotes
que serão edificados, que deverão observar as taxas de ocupação permitidas.
O mapa que apresenta o zoneamento aprovado pela lei de 05/02/2015 traz
a mesma distribuição de zonas proposta pela equipe do IPHAN em 1997,como
se observa nas figuras 6 e 7.

245
Figuras 6 e 7: Mapa comparativo entre a lei de 1997 e 2015.
Fonte: Tiradentes, 2015, elaborado por LaP, 2022.

246
A sobreposição dos mapas das duas propostas permite constatar que o
zoneamento da Lei de 05/01/2015 se assemelha ao zoneamento proposto
pelo IPHAN, em 2007, com exceção de algumas áreas da zona 07, que
foram suprimidas, como também todas receberam novas classificações.
O perímetro do Setor 01 nomeado pelo IBI/SU corresponde exatamente
ao da Zona Histórico Cultural (ZCH), o objeto de análise quanto às normas
de uso, ocupação e parcelamento do solo.
As tabelas 1 e 2 resumem os parâmetros legais que normatizam o
parcelamento do uso e ocupação do solo no município de Tiradentes.
5.1 Lei complementar no2 /15, de 16 de dezembro de 2015
Essa lei, que dispõe sobre a ordenação da expansão territorial urbana do
município de Tiradentes e dá outras providências, refere-se ao parcelamento
do solo. No anexo II, que define as tabelas de áreas e testadas mínimas de
lotes por zona, tem-se que na Zona Histórico Cultural não é permitido o
parcelamento do solo, exceto o disposto no anexo II. Percebe-se que não
há avanços em relação ao analisado por Salgado em 2007. O que pode ser
aferido também é que as zonas históricas devem permanecer congeladas
como se encontram no momento da aprovação da lei, o que pode estimular
parcelamentos clandestinos pela inadequação dos parâmetros das realidades
sociais locais.
Uma exceção, que consta na nota 01, permite o desmembramento de
lotes de 2.400 m2 no lado oposto ao ribeirão Santo Antônio, na rua Custódio
Gomes, com lote mínimo de 1.200 m2, sem definição de profundidade
mínima. A figura 08 ilustra o local analisado.

247
Figura 08. Rua Custódio Gomes e áreas lindeiras ao Ribeirão Santo Antônio
Fonte: Google Earth, 2020.

A princípio, essa exceção parece-nos contraditória, uma vez que


as áreas lindeiras aos cursos d’água são consideradas zonas de proteção
ambiental e devem manter faixas non aedificandi ao longo do curso d’água.
Encontram-se também em desacordo com a própria lei que, no artigo 4º
nos incisos II, III e IV, esclarecem sobre a proibição de parcelar áreas que
prejudicam o patrimônio cultural e ambiental. O inciso III diz que toda
a área do município se encontra na zona de amortecimento do Refúgio
Estadual da Zona Silvestre Libélulas da Serra São José (REVS), que por
sua vez, está sobreposta à APA São José. Finalmente, tem-se no inciso IV as
notas sobre a proibição que possam causar sobrecarga aos ecossistemas nos
quais os parcelamentos em áreas de proteção, sem infraestrutura instalada
vem poluindo há anos o córrego Santo Antônio e, não obstante recomen-
dações sobre medidas a serem apresentadas pelos investidores, a realidade
não demonstra que isto está sendo considerado.

248
No entanto, pela observância da legislação, o lote mínimo de 1.200m2
a ser implantado no local deve obedecer a um recuo frontal de 10 metros.
Como as normas restringem o seu desmembramento no lado oposto ao
ribeirão Santo Antônio, o recuo possibilita a observância dessas, o que
se presume que as exceções constituem estímulos para implantação de
equipamentos de hospedagem de pequeno e médio porte.
5.2 Lei Complementar no 5 /15, de 16 de dezembro de 2015
No anexo XII, tem-se as disposições referentes aos usos que, nas
zonas histórico culturais são permitidos usos residenciais nas modalidades
unifamiliar e multifamiliar horizontal. A atividade econômica de pequeno
porte é liberada, enquanto as demais são aceitas mediante avaliação (médio
porte); as de grande porte não são admitidas. É admitido o uso misto
enquanto o institucional não o é.
Não se observam modificações relevantes entre os parâmetros urbanísticos
contidos no Plano normativo para o Centro Histórico de Tiradentes de 1997
e a Lei Complementar no2/15, de 16 de dezembro de 2015.
Em relação aos parâmetros sobre a ocupação, o artigo 6o acrescenta outras
zonas de interesse cultural nos distritos municipais no inciso I.
Com relação ao uso nas zonas histórico culturais são permitidos usos
residenciais, nas modalidades unifamiliar e multifamiliar horizontal, cujos
demais parâmetros constam na tabela apresentada a seguir.

249
Tabela 1: Parâmetros de uso do solo
Fonte: Tiradentes, 2015.

A atividade econômica de pequeno porte é liberada, enquanto as demais


são aceitas mediante avaliação (médio porte) e as de grande porte não são
admitidas. É admitido o uso misto enquanto o institucional não o é.
A tabela 2 apresenta os parâmetros relativos à ocupação do solo no anexo
VIII.

250
Tabela 2: Parâmetros de ocupação do solo
Fonte: Tiradentes, 2015.

Com relação à ocupação, observa-se que as normas repetem também


o estipulado nas normas do Plano normativo para o Centro Histórico de
Tiradentes de 1997 e que foram analisadas no item 3.
A análise desses parâmetros revela também o desconhecimento de padrões
morfológicos e as características da paisagem urbana, que, analisadas em 2007
por Salgado, alertaram sobre a perda de caráter do centro histórico, o que não
foi levado em consideração. Apenas as notas de número 1 a 5 trazem algumas
exceções que demonstram o conhecimento do caráter da paisagem urbana,
porém permitir recuos em áreas caracterizadas por edificações contínuas no
alinhamento da rua é contribuir para a quebra do caráter morfológico dessa
paisagem histórica.

251
Este aspecto, no entanto, não refletiu nas normas de uso e ocupação do solo
que condicionaram a quebra da unidade das sequências das fachadas, (definidas
como séries de acordo com preceitos da escola Italiana de Morfologia Urbana)
de preenchimento dos muitos lotes e espaços ainda vagos por unidades de feição
discordante do casario colonial (CANIGGIA; MAFFEI, 2001).
Embora entendida como um prejuízo com o risco da descaracterizações
que deveriam ser evitados com posturas mais rigorosas de controle das novas
construções, este aspecto continua presente nas leis de uso e ocupação do solo
no centro histórico. Nessas, prevê-se o recuo de 10 metros nas testadas, fator
analisado e alertado por Salgado (2007) e Campos (2012), que não foram
levados em consideração.
Percebe-se pelo apresentado que as mesmas normas contidas nas páginas
12.,13, 14 e 21, 23, 25 se repetem e que o plano diretor e as suas leis comple-
mentares referendam o projeto de lei de 1997.
Com relação às leis de uso e ocupação do solo referentes às novas inserções
no centro histórico, padrões diferenciados foram modelos estimulados pelo
PDP. Desde 2010, foi observado um boom construtivo que se proliferou nas
regiões de entorno da área central de Tiradentes, pela construção indiscrimi-
nada de condomínios residenciais com dimensões superiores a 1.000 metros
quadrados (BARROS FILHO et al., 2019). Os autores comentam sobre as
consequências dessas expansões em paralelo ao desenvolvimento de posturas
municipais referentes ao Plano Diretor e à Lei de Uso e Ocupação do Solo pela
prefeitura local. Nesse ensejo, foram propostos projetos de lei incorporando o
Código de Obras, o Código de Posturas e uma normatização de Parcelamento
(ano de 2015). Com esse novo cenário legislativo, obras de ocupação do entorno
referentes à execução de condomínios passaram a estar em sobrestado pelo
IPHAN, que desenvolve estudos para uma completa normatização de diretrizes
para atuação na área tombada e sua respectiva área de entorno desde 2018.
De toda a forma, um problema ainda avistado na cidade se refere à atribui-
ção conjunta dos poderes municipal e federal na preservação de seu acervo

252
patrimonial, que têm aprovado sistematicamente glebas e parcelamentos desti-
nados a condomínios. Estes novos modelos incorporados à malha tradicional
não contribuem para a preservação da homogeneidade do conjunto colonial,
menos ainda para o valor da sua integridade.
No tocante à preservação do patrimônio, as sugestões do plano diretor
foram, em sua maior parte, direcionadas para a reconstituição ou valorização
da homogeneidade do conjunto colonial, entendido como valor de integridade.
A possibilidade de preenchimento dos muitos lotes e espaços ainda vagos por
unidades de feição discordante do casario colonial era entendida como um
prejuízo e os riscos da descaracterização deveriam ser evitados com posturas
mais rigorosas de controle das novas construções.
Por outro lado, o incentivo turístico contendo aportes e privilégios para
implantação de atividades no centro histórico privilegiam empreendedores
com exigências reduzidas de compromisso ambiental. As redes clandestinas de
esgoto que despejam os resíduos sólidos no Córrego Santo Antônio refletem o
descompromisso com a sustentabilidade e qualidade de vida que seria uma das
razões da execução do PDP, baseado na exceção contida no capítulo VII que
versa sobre o turismo sustentável do Plano Diretor do Município de Tiradentes.
Todas essas análises elencadas revelam que as leis e os planos ainda são
relegados a um modelo hipotético cujos aparatos legais proporcionam aos
municípios ferramentas fundamentais para a construção de cidades melhores e
mais justas; por outro lado, expõem as consequências da sua gestão na maioria
das cidades brasileiras e revelam a ineficácia de sua realização em inúmeros
municípios brasileiros, sendo Tiradentes apenas um deles.

6. Possíveis diretrizes para a regulamentação da Paisagem


urbana de Tiradentes
Apresentam-se a seguir, algumas diretrizes e conceitos que deveriam
nortear intervenções urbanísticas em áreas que são detentoras de patrimônio
histórico cultural.

253
A primeira sugestão é de que todo o território da cidade seja reconhecido
como uma paisagem. A conceituação de Macedo (1999) sobre paisagem reflete
a importância de se propor normas e critérios conscientes da história da forma-
ção da cidade e sua dinâmica ao longo do tempo:
[...] a paisagem é considerada, então, como um produto e como um
sistema. Como um produto porque resulta de um processo social e
ocupação e gestão de determinado território. Como um sistema, na
medida em que, a partir de qualquer ação sobre ela impressa, com certeza
haverá uma reação correspondente, que equivale ao surgimento de uma
alteração morfológica parcial ou total (MACEDO,1999 p.13)

Outro aspecto significativo é sobre a morfologia urbana e a constatação de


que a forma da cidade é composta por tecidos urbanos. Estes são definidos como
o conjunto de edificações : semelhantes com relação à implantação, volumetria,
estilo e construídos na mesma época (CANIGGIA; MAFFEI, 2001).
A segunda diretriz seria, então, a elaboração de um estudo morfológico
com a identificação dos diversos tecidos urbanos da cidade. A definição destes
tecidos possibilita a elaboração de normas e critérios que refletem os índices
da ocupação existente e suas possíveis transformações, não considerando a
cidade como um todo estático e uniforme. Além disso, em cada tecido urbano
é necessária a identificação dos tipos principais que caracterizam esta ocupação,
compostos pelos lotes, quarteirões, tanto nas suas dimensões quanto na sua
forma no espaço (CONZEN, 1960).
A partir do estudo acima, deverá ser analisado o tipo mais recorrente em
cada tecido, ou seja, o “modelo ideal” que reflete o existente, a “radiografia”
de um modelo desenvolvido para aquele local. Esta identificação possibilitará
a elaboração de normas visando à preservação da unidade da cidade, pois
deste modelo poderão ser feitas simulações que indiquem as densidades
possíveis e como serão implantadas no espaço, considerando aspectos relativos
à volumetria e possíveis interferências no núcleo histórico. Identificadas as
densidades, definem-se, então, as leis de uso e ocupação do solo condizentes
com a realidade da cidade.

254
Para se analisar o meio ambiente urbano e preservar as visadas de interesse
histórico é necessário o reconhecimento do processo morfológico da cidade
que irá colaborar principalmente no planejamento e elaboração de projetos
direcionados à paisagem sem que a história e a identidade de seus habitantes
sejam esquecidas.
Se as normas e os critérios para o sítio histórico de Tiradentes não possuírem
uma base de estudo aprofundado, como sugerido, em pouco tempo a imponente
paisagem da cidade será descaracterizada como um todo. Neste sentido, a carta
de Ouro Preto relata sobre a questão da intervenção no patrimônio:
deve superar a abordagem histórico-estilística e ser trabalhada dentro
de uma concepção que integre as questões socioeconômicas, técnicas,
estéticas e ambientais, devendo-se considerar qualquer intervenção
sobre o patrimônio como uma ação sobre o presente e uma proposta
para o futuro.1

7. Conclusão
A análise apresentada identificou as principais deficiências contidas nas
normas e critérios do IPHAN de 1997, que se baseiam no reconhecimento da
estrutura urbana existente naquele período. A proposição para a implantação
de novos modelos de parcelamento e suas modalidades – desmembramento e
remembramento–, bem como modelos de uso e ocupação do solo, desconhece
as características dos tipos morfológicos existentes no mesmo período.
Observa-se que a paisagem urbana de Tiradentes é valiosa dentro do
contexto mineiro, pois é representante da vila colonial de Minas Gerais. Porém,
o que se percebe é o processo de adensamento urbano, populacional e constru-
tivo, além da regulamentação urbana insuficiente, que a todo instante propicia

1 Com esse novo cenário legislativo, obras de ocupação do entorno referentes à execução de condomínios pas-
saram a estar em sobrestado pelo IPHAN, que desde 2018 está desenvolvendo estudos para uma completa
normatização de diretrizes para atuação na área tombada e sua respectiva área de entorno. Portanto, a atuação
premente sobre a expansão do entorno urbano de Tiradentes torna-se concentrada pelo poder público muni-
cipal, sem interação direta com o órgão federal de proteção do patrimônio cultural. Portanto, esse é um pro-
blema ainda avistado na cidade referente à atribuição conjunta dos poderes municipal e federal na preservação
de seu acervo patrimonial, posto que não tem ocorrido uma coadunação dessas posturas de gerenciamento do
patrimônio local, principalmente no tocante aos bens de entorno.

255
descaracterizações na paisagem do núcleo histórico de Tiradentes. A especulação
imobiliária e a marcante presença da mídia enfatizando o “cenário elitista” da
cidade colaboram neste aspecto.
A agressão dessas transformações tem sido reforçada pelo descaso da
administração pública com relação à manutenção da paisagem urbana. Este
aspecto é claramente percebido nas normas e critérios elaborados pelo IPHAN,
apresentados anteriormente, visto que não abordaram de modo aprofundado
o aspecto morfológico da cidade para o desenvolvimento desses respectivos
parâmetros normativos. Como visto anteriormente, o estudo morfológico se
vinculou mais à definição dos valores a se preservar do que à realização de uma
leitura interpretativa sobre o plano urbano e de seu potencial de preservação.
Silva (1997, p. 04) relata a ação dos agentes públicos e suas posturas frente
ao Planejamento Regional e a Política Ambiental: “Eles interferem nas confi-
gurações do território e nos processos que as produzem, demonstrando que,
apesar de não se constituírem como planos paisagísticos, resultam na criação
de novas paisagens.”
Assim, percebe-se a importância que os municípios desempenham na
preservação do patrimônio ambiental urbano, pois são eles os responsáveis
pela elaboração dos planos diretores e das leis de uso e ocupação do solo que
regulamentam e orientam o desenvolvimento da cidade.
Portanto, devido a este dinamismo característico da paisagem urbana,
não se pode impedir o desenvolvimento da cidade e sua renovação, porém
deve-se orientá-lo para que o meio ambiente urbano cresça de forma equili-
brada, fazendo com que os interesses econômicos de determinadas classes não
prevaleçam sobre a coletividade.
Para se analisar o meio ambiente urbano e preservar as visadas de interesse
histórico é necessário o reconhecimento do processo morfológico da cidade
que irá colaborar principalmente no planejamento e na elaboração de projetos
direcionados à paisagem sem que a história e a identidade de seus habitantes
sejam esquecidas.

256
Assim, o presente capítulo sugere ações que apontam para a conscienti-
zação da importância da paisagem e da sua preservação. Sugere-se ainda que
este estudo seja aprofundado a fim de criar critérios de avaliação da qualidade
da paisagem urbana, o que também facilitará a elaboração das leis de uso e
ocupação do solo de muitas cidades históricas brasileiras.

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262
Impactos do turismo na Serra de São
José e rios e córregos de Tiradentes
Maria Manoela Gimmler Netto
Pedro Silva
Maria Thereza Fonseca
Laiza Tadim Pascoal
Maria Rita Scotti
Maria Cristina Villefort Teixeira
Staël de Alvarenga Pereira Costa

Introdução

A implantação da indústria turística no mundo tem sido uma crescente


e viável atividade pelo seu retorno econômico, reduzido impacto poluente
e pela geração de empregos (PAIM, 2018). De acordo com a Organização
Mundial do Turismo (OMT), a cadeia produtiva do turismo é composta por
52 atividades econômicas, que, no Brasil, constituíam, em 2018, 797.972
empresas formalizadas, sendo 90% delas micro e pequenas. Essas empresas
geraram 114.139 empregos, que são distribuídos nos setores de transporte,
meios de hospedagem, alimentação, locação de veículos, agências de viagem,
cultura e lazer. Considerando o potencial de recursos naturais do país, este
setor representa uma alternativa concreta de investimento e retorno conhecido
como uma indústria sem chaminés e sem poluição.
Essa indústria representou uma atividade lucrativa e crescente tanto no
mundo como no Brasil até o advento da epidemia causada pelo Coronavírus,
que modificou de forma abrupta o perfil crescente e sucessório dessa atividade
econômica. Se, anteriormente, os números demonstravam um perfil crescente
de investimentos, a retomada do setor tem sido lenta e mesmo excludente,
na qual estudos realizados pela FGV (2020) estimam a perda para o setor em
torno de 21,5% no biênio.

263
Se para a atividade turística internacional ou nacional, em geral, os efeitos
se mostravam catastróficos, as perdas nas economias locais de pequenas cidades
foram muito mais expressivas porque essas se estruturavam em empresas familia-
res e reduzido aporte financeiro para aguardar a retomada das atividades.
Este artigo foca nos resultados que ocorreram pela implantação da atividade
turística na cidade histórica de Tiradentes, Minas Gerais, objeto de discussão
deste trabalho. Ela foi objeto de investimentos turísticos que trouxeram retornos
econômicos pela implantação de serviços de hospedagem, alimentação e geração
de empregos expressivos nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, observam-se
impactos significativos na sua dinâmica social, pelo efeito da gentrificação e
de impactos ambientais na sua paisagem urbana e natural.
Depoimentos obtidos dos governantes locais expressam a necessidade
do planejamento para a retomada da atividade turística local, indicando a
preocupação pela diminuição da mão de obra e das atividades comerciais.
No entanto, seria oportuno desenvolver outras estratégias diferenciadas e este
trabalho discute essas estratégias, tais como a recuperação do Córrego Santo
Antônio, elemento da paisagem e piscina natural. Da mesma forma, as trilhas
na Serra de São José deveriam ser estruturadas adequadamente com a inserção
do usuário e da população local como guardiões deste patrimônio.

Figura 1: Centro Histórico de Tiradentes


Fonte: LaP, 2020.

264
Os métodos utilizados são produtos de estudo de caso na cidade, objeto de
trabalho de campo pela equipe do Laboratório da Paisagem/EAUFMG, durante
os anos de 2017 e 2019. Esses feitos no território consolidam o conhecimento,
produto de reflexões e da vivência dos pesquisadores ao longo de suas carreiras
profissionais e acadêmicas sobre o local. Fontes secundárias encontradas sobre
o turismo em Tiradentes estão em Campos (2006, 2012), Salgado (2007) e
Guimarães (2010). Sobre a atividade turística e políticas de turismo foram
consultados Ariza da Cruz (2005) e Santos e Silveira (2007), aportes essenciais
para reflexões e conclusões sobre as atividades turísticas.
Este texto se subdivide em seções que apresentam a cidade de Tiradentes e
as características cênicas da sua paisagem, seguidas por relatos e reflexões sobre
o gerenciamento da atividade no local. Os impactos sobre a paisagem – tanto
sob a perspectiva ambiental como patrimonial – estão na última parte, que traz
sugestões sobre políticas públicas, numa visão ampliada de gestão da paisagem
para novos estudos e novas abordagens.

As distintas características paisagísticas de Tiradentes


Tiradentes é uma cidade histórica desenvolvida a partir da exploração do
ouro no século XVIII e integra o circuito turístico da Estrada Real1, no trecho
do Caminho Velho, que compreende o Campo das Vertentes reunindo São
João del Rei, Tiradentes, Prados e Barbacena. O município possui o perímetro
urbano delimitado como de interesse de preservação cultural, instituído pelo
Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, do SPHAN, atual IPHAN.
Como todas as cidades coloniais mineiras, Tiradentes tem no turismo um
fator de desenvolvimento econômico que busca empreender atividades que
utilizam as características ambientais e cênicas da paisagem urbana histórica
como produto turístico.

1 A Estrada Real é a maior rota turística do Brasil, destino com mais de 1.600 quilômetros de vias que passam
por dezenas de cidades e povoados em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O percurso foi idealizado para
refazer caminhos coloniais, preservar o patrimônio, destacar a história e ajudar na revitalização de pequenos
vilarejos espalhados pelas regiões que fazem parte do roteiro. Fonte: https://institutoestradareal.com.br/2022.

265
A cidade possui características cênicas diferenciadas que assinalam a
sua escolha como destino turístico de grande parcela da população. Dentre
várias, destaca-se sua implantação colonial oitocentista cuja forma urbana se
adapta ao sítio natural, numa encosta cuja declividade vai se espraiando do
alto da crista até um vale cortado por um córrego, o córrego Santo Antônio
(BARROS FILHO; PEREIRA COSTA, 2019). É no vale e nas áreas de
menor declividade que o plano urbano se implanta, embora as primeiras
ocupações tenham se desenvolvido nos platôs mais altos que foram se distri-
buindo em eixos que direcionaram as vias paralelas para as áreas menos
íngremes, próximas ao fundo de vale.
Dessa solução urbana tem-se uma excepcional qualidade paisagística, criada
pela inserção de um corpo d’água na malha urbana que serpenteia o casario e as
vias. O efeito criado pelo córrego entre lotes, edificações e vegetação ribeirinha
é uma característica única, dentre todas as cidades históricas mineiras, pois, ao
contrário dos outros núcleos que são influenciados pelos costumes portugueses
e que escondem os corpos d’água no fundo dos lotes como depósito de lixo
e esgoto, isto não ocorria em Tiradentes. E o pequeno córrego corre paralelo
a uma das vias principais e conecta as duas margens por pontes de pedra,
produzindo efeito cênico e bucólico, como ilustra a figura 2.

Figura 2: O córrego na paisagem urbana do centro histórico de Tiradentes


Fonte: Netto, 2015.

266
O casario uniforme de um a dois pavimentos é outra característica cênica
da paisagem, que se implanta no alinhamento dos lotes e cria um continuum
construtivo, às vezes entremeado por edifícios institucionais e igrejas, vislum-
brados por perspectivas que remetem ao pequeno povoado coeso, suportado
ambientalmente pela serra São José, como se observa na figura 3. Esta serra é
uma barreira topográfica e um balneário com inúmeras nascentes, cachoeiras
e poços na sua encosta. A crista da serra foi também o eixo que permitiu o
deslocamento dos viajantes, que se tornaram os primeiros ocupantes do lugar.

Figura 3: Casario colonial e a Serra de São José


Fonte:Acervo dos autores. 2015.

Este núcleo, preservado por legislação federal, se manteve relativamente


inalterado pelo reduzido desenvolvimento econômico, cuja população, de
3.700 habitantes à época, vivia, em sua maioria, no campo, tendo como meio
de sobrevivência as atividades agropecuárias (PAULA et al., 2020). Porém
as estratégias políticas e os investimentos desenvolvimentistas provocaram
a sua transformação pelo incentivo turístico a partir dos anos de 1980
(CAMPOS, 2006).

267
Para este autor (2012), o turismo é o principal organizador do espaço de
Tiradentes e o patrimônio tem sido apropriado como fator de atratividade. E,
sobretudo, como recurso mercadológico de valorização e reafirmação do espaço.

A estratégia desenvolvimentista e o incentivo turístico para


Tiradentes
Várias atividades conjuntas e concatenadas empreendidas por diversos
segmentos sociais e econômicos produzem a transformação da cidade que,
na década de 1980, passa a ser o cenário de novelas de época da Rede Globo
de televisão. O casario descuidado, porém íntegro, leva a sua aquisição por
forasteiros que vislumbram novas formas de angariar capitais e se tornam
co autores responsáveis pela transformação da cidade (NEVES et al., 2014).
A primeira consequência é a mudança dos habitantes nativos, que alienam
suas edificações no centro histórico e buscam outros bairros distantes para
moradia, configurando tendências de gentrificação (CAMPOS, 2013). No
casario tradicional há investimentos e um processo de enobrecimento da
área, com valorização imobiliária e reduzida ocupação de moradores. Tem-se,
então, um cenário vazio, ocupado esporadicamente, e alguns apropriados
para atividades turísticas, de gastronomia e comércio. Outro efeito de
transformação se consolida por meio de eventos culturais, sendo alguns de
renomada notoriedade nacional, tais como o Festival de Gastronomia e a
Mostra de Cinema, que atraem uma quantidade significativa de turistas
concentrados em certas épocas do ano (TIRADENTES,2022).
O êxito da atividade turística traz a implantação de uma nova via paralela
à rua principal e nela são construídos restaurantes e comércio local, conforme
a figura 4, para atender aos inúmeros turistas: em uma proporção de 29
turistas por habitante (PAULA et al., 2020).

268
Figura 4: Via anexada ao plano urbano colonial no centro histórico
Fonte: Acervo dos autores, 2015.

A busca de investimentos turísticos é incentivada pelo poder público,


que vislumbra retorno econômico por meio de impostos e advoga que este
traz a preservação cultural e o empoderamento da população local.
Como consequência da gentrificação, tem-se, antes de 2020, uma
cidade cenário, que se transforma em lugar de modalidades culturais
promovidas por incentivos turísticos. Esses eventos e festivais atraem nos
finais de semana inúmeras pessoas e atividades que produzem significativos
impactos socioambientais na paisagem local, muitas vezes desconsiderados
(GUIMARÃES, 2010).

O impacto do turismo nas distintas características paisagísticas


de Tiradentes
As políticas públicas adotadas pelas autoridades locais, estaduais e federais
que promovem o turismo buscam retorno imediato e não investem em infraes-
trutura e saneamento básico (CAMPOS, 2006). Isso afeta o cenário bucólico
do casario, que revela incongruências, pois, apesar de todo o incentivo turístico
e desejo de explorar o patrimônio da paisagem cultural como valor mercado-
lógico, há perdas ambientais e socioespaciais.
269
O córrego Santo Antônio, por exemplo, recebe o esgoto dos empreen-
dimentos implantados nas suas margens, como se observa na figura 5, que,
desta forma, repete a função de todos os corpos d’água das cidades coloniais
– corredor para escoamento de águas servidas de esgoto comercial e doméstico
(LAP, 2019). O sistema de coleta de esgotos atende 78% da área da sede munici-
pal. O problema é que “essa rede coletora conduz os despejos diretamente ao
ribeirão Santo Antônio e rio das Mortes, sem qualquer tipo de tratamento”
(TIRADENTES, 2014, p. 17). O agravante deste fato é que este corre no
centro da cidade, assim como no fundo dos quintais, o que degrada ainda mais
a paisagem urbana e o seu desfrute, afetando a própria atividade turística em
médio prazo (LAP, 2015).

Figura 5: Esgoto lançado diretamente no córrego Santo Antônio


Fonte: Acervo dos autores, 2015.

O impacto se deu não só na área urbana, mas também na área rural e


naquelas preservadas da Serra de São José (PAULA et al. 2020). A Serra de São
José, um paredão composto por rochas que abrigam nascentes, poços e cacho-
eiras, alberga também uma vegetação da Floresta Estacional Semidecidual de
grande importância biológica com elevada riqueza de espécies vegetais e animais
(ALVES; KOLBEK, 1994; DRUMMOND et al., 2005) o que permitiu ser

270
caracterizada como área de proteção ambiental (Figura 6) . A Apa Estadual da
Serra de São José foi criada em 1990 com 4.758 há através do decreto 30.934
de 16 de fevereiro de 1990.

Figura 6: Limites da Área de Proteção Ambiental (APA) Serra de São José


Fonte: IGA, 2013.

Devido à sua beleza cénica e grande número de nascentes e cachoeiras,


tornou-se um eixo importante do ecoturismo, sendo um dos principais desti-
nos de visitantes que percorrem as suas trilhas. E nesta atividade os turistas
deixam resíduos sólidos, causando a degradação de ecossistemas frágeis, perda
da biodiversidade, compactação dos solos resultante do pisoteamento, perda
da cobertura vegetal e do solo, aceleração de processos erosivos, entre outros
(SILVEIRA JUNIOR, 2020). A preservação e o uso adequado deste patrimô-
nio ambiental tornam-se especialmente significativos mediante o fato de que
85% da bacia do Rio das Mortes não apresentam vegetação nativa (LADEIRA
et al., 2019).
271
A trilha conhecida como Trilha do Carteiro, de grande importância histó-
rica, é uma das principais, circundando o monumento geoturístico da Serra de
São José, que recebe o maior impacto de degradação pela sobrecarga. Tendo em
vista o número de turistas que têm utilizado a Serra São José para o Ecoturismo,
é imperiosa a sua proteção e, para tanto, uma avaliação técnica do grau de
preservação e do grau do impacto do turismo no uso da APA é imprescindível.
Dentre os impactos causados pelo uso intenso das trilhas na Serra São José,
destaca-se a fuga da fauna.
[...] Estima-se que a região abriga cerca de 120 espécies de libélulas, o
que representa quase 50% de todas as espécies conhecidas em Minas
Gerais e cerca de 18% das espécies encontradas no Brasil. Também
podem ser encontradas na serra cerca de 240 espécies de aves, 80 de
orquídeas e, pelo menos, nove espécies de mamíferos ameaçados de
extinção (TIRADENTES, 2014, p.122).

Além disso, a crescente expansão urbana e a aplicação deficiente das políti-


cas públicas têm desconsiderado a ambiência e a necessidade da preservação
do casario no alinhamento, observadas na lei de uso de ocupação do solo
(SALGADO, 2007). Essa lei incentiva recuos de 10 metros para as novas
construções, o que contribui para a desvalorização da qualidade urbana, o que
interfere na continuidade do casario. Da mesma forma, as políticas de expan-
são urbana também desconsideram o impacto de novas construções sobre a
fruição do patrimônio cultural (LAP, 2019). A implantação de condomínios
fechados na área de preservação, por outro lado, estimula a perda da preser-
vação cultural local.
Em suma, os impactos ambientais e patrimoniais parecem repetir ações
que aconteceram durante a exploração do ouro, a prática da terra arrasada
(SOARES, 2006). Em 2022, tem-se o mesmo comportamento de extrair e
retirar do município toda a sua riqueza, promovendo por algum período retor-
nos financeiros e, em troca, deixando passivos ambientais às vezes irreversíveis.
Santos e Silveira (2001) definem esses espaços como territórios usados,
o espaço efetivamente apropriado pela sociedade e empresas. Neste sentido,

272
para Ariza da Cruz (2005), esse território usado confronta-se com o território
negligenciado por políticas públicas, de efeito imediato.
Após a pandemia de Covid 19 houve necessidade de promover planejamento
e estratégias para a retomada turística do município. Foram empreendidas ações
para treinamento de mão de obra, incentivos fiscais e políticas urbanas. Embora
destacado, tanto no Plano Diretor quanto na lei de uso do solo local, as ações
de saneamento básico para despoluição do córrego Santo Antônio permanecem
inalteradas (OLIVEIRA, 2008; TIRADENTES, 2015).
Políticas públicas deveriam incorporar o uso social do córrego saneado e
paisagisticamente projetado como espaço livre urbano qualificado, com respon-
sabilidade ambiental para torná-lo ainda mais um fator turístico. Estratégias
sustentáveis para uso de trilhas da serra com a definição de capacidade de carga,
preservação ambiental e treinamento de mão de obra local como guias turísti-
cos promoveriam a educação dos usuários para a manutenção do patrimônio
natural com repercussões na qualidade de vida da população.
Essas ações, porém, exigem dos empresários, dos políticos locais e da
população em geral mudança de atitudes e responsabilidade socioambiental.
Mais do que isso, demandam políticas públicas e sua aplicação com sustenta-
bilidade em médio prazo em detrimento do lucro imediato.

Considerações Finais
O turismo como atividade econômica é detentor de qualidades que podem
promover o desenvolvimento econômico, empoderamento da população e
preservação do patrimônio natural e cultural. Nas cidades históricas, este
setor tem sido impulsionado pela preservação do patrimônio arquitetônico e
urbano, mas, ao mesmo tempo, a sua exploração como produto cultural traz
prejuízos à paisagem. A busca pelo lucro imediato tem provocado impactos
ambientais nos quais o sítio natural e a paisagem urbana são os mais afetados.
As consequências inadequadas desta prática na cidade de Tiradentes elencam
os passivos que têm afetado sua qualidade ambiental, sua população e sua

273
sustentabilidade. Concluímos que medidas de responsabilidade e compro-
misso ambiental devem ser incorporadas nas políticas públicas e nas ações dos
empreendedores para garantir que as atividades econômicas sejam compatíveis
com resultados sustentáveis.

Referências Bibliográficas
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mountains (Campo Rupestre) in Brazil. Vegetatio, 113, p. 125-139, 1994.

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y=0-wxMXMNTRvXVm_DJf0GqTZw . Acesso em: 02 jun. 2022.

276
Autores

André Alves Jacomini


Arquiteto e Urbanista (Universidade Federal de Minas Gerais). Especialista em Lighting
Design pelo IPOG (2020). Arquiteto (Atiaîa Lighting Design, Arquiteto e Lighting
Designer (2021-atual).
ajacomini@ymail.com

Artur Magnani Figueiredo


Cientista Social pela Universidade Federal de Minas Gerais: Bacharelado (2006) e
Licenciatura (2007). Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável
(MACPS) pela EA/UFMG (2017). Bolsista da CAPES (até 2017). Professor de
Sociologia 2022). Supervisor Administrativo do Programa Projovem Urbano no
GAME/FAE/UFMG (2019-2012). Secretário Técnico Executivo do Plano Municipal
de Habitação de Contagem (2012). Possui experiência com pesquisa quantitativa e
qualitativa, com a aplicação e análise de surveys, entrevistas, grupos focais, entre outras.
arturpjurbano@gmail.com

Charles Moraes de Lima


Historiador pela Universidade Norte do Paraná (2010). Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo pela UNA Betim (2022). Pós Graduando em História da Arquitetura
(Faculdade Metropolitana/SP). Membro do Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural de Betim (2004-2008, 2013-2021). Superintendente e Diretor de Patrimônio
Cultural e Diretor do Museu Histórico de Betim (2004-2008, 2013-2016). Membro
do ICOMOS e Coordenador do Núcleo-MG do ICOMOS/BR. Membro dos GT de
Mudanças Climáticas e de Patrimônio Imaterial. Coordenador do Fórum das Entidades
de Defesa do Patrimônio Cultural, Núcleo-MG (2020-2022). Pesquisador sobre a
história de Betim nos Coletivos IMPHIC e Por Onde Anda.
intrusus@gmail.com

277
Cleysi Mara Pinto de Souza
Arquiteta e Urbanista pela Universidade de Itaúna (2007). Especialista em Design de
Ambientes e Cultura pelo Centro Universitário Metodista Isabela Hendrix (2010).
Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável-PACPS/UFMG (2017).
Atua na área de projetos arquitetônicos residenciais e comerciais em Pará de Minas e
região (2008 a atual). Presidente do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do
Município de Pará de Minas. Professora da Faculdade Pitágoras, unidade Divinópolis
(2016 a 2020).
cleysisouza@yahoo.com.br

Débora Dark Coelho Meirelles


Arquiteta e Urbanista pela Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP). darkcruzeiro@yahoo.com.br

Edilson Borges de Barros Filho


Arquiteto e Urbanista (UFMG). Especialista em Revitalização Urbana e Arquitetônica
pela UFMG (2012). Especialista em Gestão de Projetos de Restauro Arquitetônico pelo
CECI/UFPE (2013). Especialista em Urban Heritage Strategies pela Erasmus Rotterdã
(2021). Mestre Profissional pelo IPHAN (2018). Doutorando em Ambiente Construído
e Patrimônio Sustentável pela UFMG. Arquiteto e Urbanista, coordenação de projetos
de restauro arquitetônico (2010-2016). Arquiteto e Urbanista, mestrando profissional
pelo Escritório Técnico do IPHAN em Diamantina (2016-2018). Arquiteto e Urbanista
na gestão de Planos de Ação de Emergência para Barragens, segundo legislações estadual
e federal (2018-2022).
arquediu@gmail.com

Gisela Barcellos de Souza


Arquiteta e urbanista (Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Mestre em
Projet Architetural et Urbain (Université de Paris VIII, 2004). Doutora em História e
Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela FAUUSP, com período sanduíche

278
em Pontifícia Universidad Católica de Chile (2013). Professora no Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá (UEM) (2005-2016).
Professora do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG na
graduação e no Programa de Pós-graduação em Patrimônio Sustentável e Ambiente
Construído (PPG-ACPS) (2016-atual). Sua tese de doutorado recebeu o primeiro
lugar no 28º Prêmio Museu da Casa Brasileira com Menção Honrosa no Prêmio Capes
de Tese (2014). Publicou o livro Tessituras híbridas: encontros latino-americanos em
arquitetura e o retorno à cidade. Atua principalmente nos seguintes temas: Projeto
Urbano, História do Urbanismo e História da Urbanização.
gisela.barcellosdesouza@gmail.com

Guanaeli Matias de Mendonça da Silva


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo-UFES. Especialista
em Reabilitação Arquitetônica Urbanística pela Universidade Nacional de Brasília-
UNB (2012). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e
Patrimônio Sustentável-PACPS/UFMG (2017). Atua profissionalmente desde 2010
no setor de Serviços e Obras da Universidade Federal de Viçosa no Campus de Rio
Paranaíba-UFV/CRP, desenvolvendo atividades inerentes à Arquitetura nas suas diversas
escalas de trabalho.
guanaeli@gmail.com

Helena Rosmaninho Alves


Bacharel e Licenciada em História pelo Centro Universitário de Belo Horizonte -
UniBh (2004). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais - PUCMinas (2020). Mestre em Ambiente Construído Patrimônio Sustentável
pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2017). Doutora em Ambiente
Construído Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
(2022). Atuação profissional em desenvolvimento de políticas públicas no norte de
Minas Gerais (2007-2022).
helena.rosmaninho@gmail.com

279
Helga Maria Costa Freitas Pompeu
Arquiteta e Urbanista pela UFMG (1995). Especialista em Urbanismo pela Escola
de Arquitetura/UFMG (2000). Bacharelado (2007) e Licenciatura (2012) em Artes
Plásticas pela Escola Guignard/UEMG. Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio
Sustentável pelo PACPS/UFMG (2016). Doutorado em Ambiente Construído e
Patrimônio Sustentável pelo PACPS (em andamento). Diretora Criativa do Dáhlia
Estúdio Criativo (2018-atual). Profissional autônoma no desenvolvimento e implantação
de projetos arquitetônicos (1995-atual). Integrante do Laboratório da Paisagem, Escola
de Arquitetura, UFMG (2014-atual). Integrante do ArCHE - Art, Conservation &
Heritage Science, UFMG (2018-atual). Professora do curso de graduação em Arquitetura
e Urbanismo, n Escola de Arquitetura/UFMG (2015-2016).
helgapompeu@hotmail.com

Henrique Vianna Lopes Teixeira


Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Ambiente
Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG (2020). Sócio fundador da Métrika
Arquitetura e Urbanismo (2017-atual). Arquiteto júnior em Oficina da Casa (2017-
2020). Professor Voluntário vinculado ao Departamento de Projetos na Escola de
Arquitetura da UFMG (2020-2021). Professor do Programa de Pós Graduação em
Arquitetura da Paisagem IEC-PUCMinas (2021-2022). Atua na área de paisagem
urbana, planejamento regional, patrimônio cultural, projeto arquitetônico e projeto
urbanístico, morfologia urbana, experiência urbana e neurociências aplicadas à
arquitetura e à paisagem.
hvianna.arq@hotmail.com

Janaína Mourão Freire


Geógrafa pela Universidade de Brasília-UNB (2010). Mestre em Geografia pela
Universidade Federal de Goiás (2013). Doutora em Geografia - UNB (2016). Professora

280
Fundadora da EducaEthos (2019-atual). Professora Visitante Universidade de Stanford
- Graduate School of Education (2018). Professora do curso de Geografia no UnIBH-
Campus Estoril (2013-2019). Professora Substituta do curso de Geografia, Universidade
Federal de Goiás - Campus Jataí (2011-2012).
janainamourao@gmail.com

Júlio César Souza Belo


Técnico em Edificações pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais-
CEFET (2015). Pesquisador em consultoria de recrutamento e seleção de executivo
(2022).
juliocsbelo@gmail.com

Karin Schwabe Meneguetti


Arquiteta e Urbanista (UFPR). Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP
(2007). Pós-doutora pela UFMG (2013) e pela University of Portsmouth-Inglaterra
(2018). Docente de Graduação e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
(Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Maringá),
Coordenadora do Programa Associado UEM/UEL de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo.
ksmeneguetti@uem.br karinschwabe@gmail.com

Karina Machado de Simão


Arquiteta e Urbanista (Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas
Gerais). Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (2012). Doutora em Arquitetura e
Urbanismo pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (2020).
Pesquisadora do Laboratório da Paisagem da Escola de Arquitetura da Universidade
Federal de Minas Gerais (2008-2012). Pesquisadora do Observatório de Conflitos
Urbanos de Belo Horizonte da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas
Gerais (2012-2022). Docente do curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo no

281
Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (2013-2022). Docente do curso de
Pós Graduação em Arquitetura da Paisagem da PUCMinas (2022).
karinamdcs@yahoo.com.br

Laiza Tadim Pascoal Maciel


Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisadora do Laboratório da Paisagem (LaP) da Escola de Arquitetura da UFMG.
laizatadim@hotmail.com

Larissa Podshivaloff Bertú Penna


Arquiteta e Urbanista pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas
Gerais. Integrante da equipe do Laboratório da Paisagem entre 2015 e 2018. Atua
como arquiteta na área de projetos imobiliários, residenciais e decoração desde 2018.
larissabertu@live.com

Luciana Araujo Bonuti


Arquiteta e Urbanista (UFMG). Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2017). Especialização em
Gestão e Conservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto Federal de Minas Gerais
(2022). Arquiteta na Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Prefeitura de
Belo Horizonte, 2018 - atual). Professora Assistente na Especialização em Conservação e
Gestão do Patrimônio Cultural (PUC Minas, 2021- atual). Chefe do Escritório Técnico
do IPHAN em Tiradentes/MG (Tiradentes, 2016 a 2018). lubonuti@gmail.com

Luciana de Assis Lage


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994). Mestre no
Programa de Pós graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da
Universidade Federal de Minas Gerais (2017). Atuação como arquiteta em seu próprio
escritório (2000-atual).

282
luciana_lage_arq@hotmail.com

Maíra Araújo Cândida


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Viçosa (2013). Mestre em
Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas
Gerais (2017). Doutoranda no Programa de pós-graduação Ciencias en Ecología y
Desarrollo Sustentable, El Colegio de la Frontera Sur, em cotutela com o Programa de
Pós-graduação em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará. maira.candida@
yahoo.com.br

Márcia Regina Escorteganha


PósARQ/UFSC-Programa Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo/UFSC (2016).
Pós-Doutorado pela NTUA- National Technical University of Athens-Grécia (2017).
Doutorado PósARQ/UFSC-Programa Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-
Universidade Federal de Santa Catarina / Cotutela IERP-Institut des Études Régionales
et du Patrimoine-Université Jean Monnet (Saint-Étienne, FRANCE) (2014). Master
Européen Erasmus Mundus- MacLands. Master of Cultural Landscapes Maclands,
Gestão de Paisagens Culturais-Université Jean Monnet de Saint Étienne (Saint Étienne/
Università Federico II di Naples/Universität von Stuttgart (2010). Master Universitario
di Livello in Materiali e Tecniche Costruttive per il Recupero del Paesagio Culturale
Mediterraneo”-Universitä degli Studi di Napoli Federico II, Nápoli-Itália (2011). Mestre
PósARQ /UFSC-Programa Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-UFSC (2007).
marciaescorteganha@gmail.com

Marcos Felipe Sudré Saidler


Graduado em Arquitetura e Urbanismo (UNIBH). Design (UEMG) e Comunicação
Social (PUC-Minas). Doutor (2015) e Mestre (2010) pelo Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Professor do Departamento de Urbanismo
da Escola de Arquitetura da UFMG.
sudresaidler@gmail.com

283
Maria Cristina Villefort Teixeira
Arquiteta e urbanista (UFMG). Mestre em Geografia e Organização Humana do Espaço
pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996). Doutora em Planejamento Urbano
e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Professora Titular
Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio
Sustentável da Universidade Federal de Minas Gerais (PACPS). Pesquisadora do
Laboratório da Paisagem da EA-UFMG.
mcrisvt@gmail.com

Maria Manoela Gimmler Netto


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). Mestre em
Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG (2014). Doutora pelo
mesmo programa (2020). Pesquisadora do Laboratório da Paisagem (LaP) da Escola
de Arquitetura e Urbanismo da UFMG e integrante do Grupo de Pesquisa/CNPq
em Desenho Ambiental, (2012-atual). Professora no ensino superior de Arquitetura e
Urbanismo no Centro Universitário UniBH (2014-2016) e como convidada na Escola
de Arquitetura e Urbanismo na UFMG em períodos (2014-atual). Docente e membro
da equipe da elaboração do projeto pedagógico do curso de Pós-Graduação denominado
Especialização em Arquitetura da Paisagem na PUC Minas (2020-2022).
manoelagnetto@gmail.com

Maria Rita Scotti Muzzi


Professora do Departamentto de Botânica /ICB/ UFMG. Bacharel em Ciências
Biológicas (UFMG). Mestrado em Biologia do Solo (ICB/UFMG). Doutorado em
Biologia do Solo (UFRJ). Pós-doutorado em Ciências Ambientais e Recuperação
Ambiental (Universidade de Lisboa e Universidad de Salamanca). Linha de pesquisa
em Recuperação Ambiental. Coordenação do Grupo de Estudos para Recuperação
Ambiental da UFMG/CNPq-Grupo Gera, atuando em diferentes projetos de
recuperação rural e urbana com varias publicações na área de conhecimento.
mritascottimuzzi@gmail.com

284
Maria Thereza Fonseca de Souza
Arquiteta e Urbanista pela Universidade de Itaúna (2016). Especialista em Sistemas
Tecnológicos e Sustentabilidade Aplicados ao Ambiente Construído pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2019). Mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio
Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais (2020-atual).
Atuação profissional: Prefeitura Municipal de Itatiaiuçu, estagiária entre 2014 a 2016.
Grupo de Estudos em Recuperação Ambiental (GERA) UFMG, estagiária, desde 2021.
mariatsfonseca@gmail.com

Marieta Cardoso Maciel


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971). Doutora em
Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo (1999). Professora Titular
da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na
área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Paisagismo, Planejamento Urbano e
Espaços Livres Públicos, atuando nos seguintes temas: paisagem, arquitetura, ambiente
urbano, espaço público e gestão.
marietamaciel@gmail.com

Marina Salgado
Arquiteta e Urbanista (PUC/Minas). Especialista em Revitalização Urbana e
Arquitetônica pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG (2007). Mestre em
Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas
Gerais-UFMG (2010). Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal
de Minas Gerais-UFMG (2017). Professora efetiva do curso de Arquitetura e Urbanismo
da PUCMinas. Coordenadora da Pós-graduação em Arquitetura da Paisagem - IEC/
PucMinas. Pesquisadora do Laboratório da Paisagem (LaP) da Escola de Arquitetura
da UFMG.
ms.marinasalgado@gmail.com

285
Mirelli Borges de Medeiros
Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997). Especialista
em Plantas Ornamentais e Paisagismo pela Universidade Federal de Lavras (2007).
Especialista em Sistemas Tecnológicos e Sustentabilidade Aplicados ao Ambiente
Construído pela UFMG (2013). Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio
Sustentável pela UFMG (2016). Doutoranda em Ambiente Construído e Patrimônio
Sustentável pela UFMG (em curso). Arquiteta e Urbanista (Vale, coordenação de projetos
(2 anos). Arquiteta e Urbanista (Pólis Arquitetura, projetos de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo (2 anos), Professora/estágio docente (Escola Arquitetura UFMG, disciplina
PFLEX Parques e Praças (2 anos). Arquiteta e Urbanista (Prefeitura de Belo Horizonte
URBEL e SUDECAP, Projetos Arquitetura e Urbanismo, estudos de viabilidade (1 ano).
mirelliarq@gmail.com

Natália Achcar Monteiro Silva


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Uberlândia (2008). Doutora em
Arquitetura e Urbanismo pela UFMG (2021). Mestre em Ambiente Construído e
Patrimônio Sustentável pela UFMG (2014). Especialista em Docência no Ensino
Superior e Gestão Educacional pelo Izabela Hendrix (2016). Especialista em Reabilitação
Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística pela UnB (2011). Professora na
Pós-graduação em Arquitetura da Paisagem - PUCMinas, online (2021 - atual).
Professora Adjunta nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design de Interiores e
Coordenadora do Escritório Modelo no Campus Cristiano Machado - Unibh, Belo
Horizonte/MG (2014-2016 / 2022 - atual).
natyachcar@gmail.com

Paula Balli Cury


Arquiteta pela Faculdade Metodista Izabela Hendrix (1994). Especialização em
Revitalização Urbana e Arquitetônica pela EA-UFMG (2007). Mestre em Ambiente
Construído e Patrimônio Sustentável (PACPS)EA-UFMG (2016). Professora assistente
do Instituto Mineiro de Educação e Cultural - UNI-BH S/A (2013-2019). Professora

286
Voluntária na Escola de Arquitetura da UFMG (2014-2019). Sócia diretora da
empresa Cury Capute Arquitetura Ltda (2013-atual), atuando em: Projeto Urbano
de revitalização das vias do “Clube da Esquina”, Bairro Santa Teresa, BH-MG (2019)
Arquitetura Hospitalar, Arquitetura Residencial, Arquitetura de Interiores.
pballicury@gmail.com

Pedro Silva
Turismólogo pela PUCMinas (2014). Especialista em Gestão Pública pela Universidade
Estadual de Minas Gerais (2018). Mestrando do Programa em Ambiente Construído e
Patrimônio Sustentável da Universidade Federal de Minas Gerais (2021-atual). Atua há
8 anos com elaboração e execução de projetos culturais. Consultor de políticas públicas
de turismo (2014-atual). Sócio Fundador da Associação de Turismo de Brumadinho
e Região (2017). Membro da Diretoria Executiva do Circuito Turístico Veredas do
Paraopeba (2021-2023). Turismólogo da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura
de Brumadinho e Presidente do Conselho Municipal de Turismo (2018-atual).
pedro.turismobrumadinho@gmail.com

Priscila Schiavo Gomes Pereira


Arquiteta e Urbanista pela UFMG (2018). Mestranda no Programa de Pós-Graduação
em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável-PACPS/UFMG. Tem experiência
na área de Urbanismo, com ênfase em Paisagem, Morfologia Urbana e Sistema de
Espaços Livres. Atua na área de construção civil (gestão de projetos e execução de obras);
elaboração de mapas temáticos a partir de ferramentas de geoprocessamento de dados;
desenvolvimento e diagnósticos e projetos de integração urbano-ambiental.
priscila_schiavo@hotmail.com

Renata Pedrosa Barbosa


Arquiteta e Urbanista pela UFMG (2017). Artista plástica pela UFMG (2004). Designer
de Ambientes pela UEMG (2001). Especialista em Design de Móveis (UEMG 2006).
Professora efetiva de educação superior na Escola de Design da Universidade do Estado

287
de Minas Gerais (2019-atual). Professora de Arte na Prefeitura de Belo Horizonte
desde (2008-atual). Ilustradora de quatro livros infantis pela Páginas Editora (2018-
2020). Como graduanda de Arquitetura: Bolsista da Capes pelo programa Ciência Sem
Fronteiras no Politecnico di Torino/Itália (2013-2014). Bolsista de Iniciação Científica
no LaP-EAUGMG (2014-2016). Bolsista da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa
(FUNDEP) no Plano de Requalificação de Área Industrial da Reframax Engenharia,
Santa Luzia, Minas Gerais (2013) e no projeto de Internato Rural na comunidade
quilombola de Candeias, Conceição do Mato Dentro/MG (2013).
recapedrosa@gmail.com

Rubens Amaral
Arquiteto e Urbanista. Especialista em Licenciamento Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável pelo Centro Universitário de Brasília-UniCeub (2012). Mestre em Ambiente
Construído e Patrimônio Sustentável pelo PACPS-UFMG (2015). Doutorando em
Arquitetura e Urbanismo, pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura
e Arquitetura e Urbanismo - UnB. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura da Paisagem pela PUCMinas (2020-atual). Diretor de Habitação da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (2017 a 2019). Assessor de
Planejamento Estratégico da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (2016-2017).
amaral.arqbr@gmail.com

Simone de Almeida Ramos


Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Bolsista da CAPES. Comunicóloga, atuante nas áreas de patrimônio
cultural, políticas públicas e educação patrimonial.
simonepatrimonio@gmail.com

Simone Marques de Sousa Safe


Simone Safe é licenciada em Arquitetura e Urbanismo pela PUCMinas (1999).
Especialista em estrutura metálica pela FAMIH (2000). Especialista em Planejamento

288
Ambiental Urbano pelo IEC/PUCMinas (2003). Mestre em Ambiente Construído
e Patrimônio Sustentável pela EAUFMG (2015). Doutoranda na Pós Graduação da
Geografia/UFMG (2020-atual). Docente na Universidade Internacional de Rabat
(2020-atual), na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2015-atual) e na Pós
graduação Arquitetura da Paisagem do IEC/PUCMinas (2021-atual). Realiza pesquisa
junto a investigadores internacionais na área de Paisagem Urbana Histórica e turismo
sustentável e dedica-se à área de ciências sociais aplicadas com ênfase em Paisagem,
Morfologia Urbana e Saúde Urbana.
simonemssafe@gmail.com

Simone Machado Lasmar


FUNARBE - Fundação Artístico Cultural de Betim
simonelasmar@ig.com.br

Staël de Alvarenga Pereira Costa


Arquiteta e Urbanista Escola de Arquitetura - Universidade Federal de Minas Gerais.
Master of Arts on Urban Design pelaOxford Brookes University. Doutora em Estruturas
Ambientais Urbanas Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo. Professor
Titular da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordena o Grupo de Pesquisa
em Desenho Ambiental do CNPq. Vice-Presidente da Rede Lusófona de Morfologia
Urbana desde 2015.
staelalvarenga@gmail.com

Vanessa Taveira de Souza


Arquiteta e Urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Conservadora e Restauradora de Bens Culturais Móveis pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Artes pela Escola de Belas Artes da UFMG.
Doutoranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de
Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Integrante dos Grupos de Pesquisa Laboratório
da Paisagem e Imagem e Preservação certificados pelo CNPQ. Atualmente é professora

289
no curso de Pós-graduação em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis
Eclesiásticos do Instituto de Educação Continuada (IEC-PUCMinas).
vanessaarquitetarestauradora@gmail.com

Vitor Oliveira
Arquiteto pela FAUP (1999). Mestre em Planejamento e Projeto do Ambiente Urbano
pela FEUP (2004). Doutor em Engenharia civil pela FEUP (2009). Agregado em
planejamento do território (2022). Professor na ULP (2012-atual). Pesquisador no
CITTA (2002-atual). Presidente do International Seminar on Urban Form/ISUF (2021-
atual) e da Rede Lusófona de Morfologia Urbana (2017-atual). Editor associado da
Revista Urban Morphology (2020-atual).
vitorm@fe.up.pt

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