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0

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS ................................................................................................. 2

NOTAS BIOGRÁFICAS ............................................................................................. 3

PREFÁCIO ................................................................................................................. 5

OS INTELLIGENCE STUDIES NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ..................... 8

A MINHA PASSAGEM PELAS INFORMAÇÕES E SEGURANÇA......................... 22

BREVE HISTÓRIA DAS INFORMAÇÕES EM PORTUGAL NO PÓS 25 DE ABRIL


................................................................................................................................. 31

A IMPORTÂNCIA DA ACTIVIDADE OPERACIONAL NAS INFORMAÇÕES ........ 43

A AMEAÇA TERRORISTA DO HEZBOLLAH ........................................................ 56

O CONTROLO REMOTO DO MAR: SISTEMAS DE RASTREIO DO TRÁFEGO


MARÍTIMO ............................................................................................................... 81

INTELLIGENCE-LED POLICING NOS BAIRROS PROBLEMÁTICOS ................ 111

UM OLHAR SOBRE OS THINK TANKS ............................................................... 134

TENDÊNCIAS ACTUAIS DA ESPIONAGEM ECONÓMICA................................. 149

A INTELIGÊNCIA COMPETITIVA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS ....................... 159

ANEXO ................................................................................................................... 176

SEMINÁRIO DE INTELLIGENCE .......................................................................... 176

ÍNDICE REMISSIVO .............................................................................................. 178

1
AGRADECIMENTOS

Ao Professor Catedrático João Bilhim, Presidente do Instituto Superior de


Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa e do Centro
de Administração e Políticas Públicas (CAPP), pelo apoio que de imediato
manifestou à criação do Grupo de Investigação em Intelligence (GII) no seio deste
Centro, recentemente classificado como Excelente pelo painel externo de
avaliadores internacionais mandatados pela Fundação de Ciência e Tecnologia.

Aos conferencistas do Seminário de Intelligence, sem os quais obviamente


este nunca se poderia ter tornado realidade, pelos excelentes contributos e por toda
a disponibilidade e simpatia sem excepção que pessoalmente me manifestaram. Aos
co-autores do presente livro, nos quais se incluem alunos da disciplina de
Informações Estratégicas dos mestrados em Relações Internacionais e em
Estratégia do ISCSP, um agradecimento reforçado.

A todos os participantes no Seminário, ao longo de dezasseis conferências,


numa média geral de cinquenta por sessão, constituindo uma agradável surpresa
para a organização, pela presença e elevado interesse e envolvimento nos debates.

Aos Contra-Almirante António Silva Ribeiro (Professor Catedrático Convidado


do ISCSP) e Dr. Filipe Bacelar, membros do GII, pelo apoio prestado na elaboração
da mailing list essencial para o arranque do Seminário.

Ao Dr. Bruno Marques, mestrando em Estratégia no ISCSP e membro do GII,


e também conferencista do Seminário, pelo apoio prestado na organização do
presente livro e em especial pela elaboração do Índice Remissivo.

Por último mas não menos importante, ao Dr. Gil Alves, mestrando em
Relações Internacionais no ISCSP e membro do GII, sempre presente, por todo o
empenho e eficiência manifestados na organização, grafismo e promoção do
Seminário, o qual muito lhe deve do seu sucesso. Para o Gil, um forte abraço.

2
NOTAS BIOGRÁFICAS

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa


 Doutor em Economia pela Universidade Lusíada de Lisboa
 Professor Auxiliar Agregado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da
Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP-UTL)
 Presidente do Conselho Científico do Observatório de Segurança, Criminalidade e
Terrorismo (OSCOT).

Armando José Dias Correia


 Capitão-De-Fragata
 Chefe da Divisão de Comunicações e Serviços da Direcção de Tecnologias de
Informação e Comunicação da Marinha
 Licenciado em Ciências Militares Navais, pela Escola Naval
 Mestre em Informática pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
 Mestrando em Estratégia no ISCSP-UTL

Bruno Miguel de Almeida Marques


 Licenciatura em Relações Internacionais (Especialização em Segurança e
Informações) no ISCSP-UTL
 Mestrando em Estratégia no ISCSP-UTL
 Investigador Auxiliar do Grupo de Investigação em Intelligence e em Estratégia do
Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do ISCSP-UTL

Fernando Duarte Pina da Silva Ramos


 Coronel de Cavalaria na situação da Reforma
 Licenciatura em Ciências Militares (Cavalaria)
 Ex-Comandante dos Grupos Operacionais (Segurança de AE e PE) do Regimento de
Lanceiros
 Ex-Adjunto do Chefe da Repartição Operacional da Divisão do Informações do
Estado-Maior General das Forças Armadas

3
João Ricardo Dias de Sousa Carvalho
 Licenciatura em Ciências Policiais
 Oficial do Departamento de Formação da Direcção Nacional da Polícia de Segurança
Pública

Pedro Borges Graça


 Professor Auxiliar e Vice-Presidente do Conselho Pedagógico do ISCSP-UTL
 Coordenador do Grupo de Investigação em Intelligence do CAPP do ISCSP-UTL
 Ex-Director de Departamento do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e
Militares

Pedro Serradas Duarte


 Oficial da Marinha de Guerra na situação de Reforma
 Licenciado em Ciências Militares Navais
 Ex-Chefe da Repartição Operacional da Divisão de Informações (DINFO) do Estado-
Maior General das Forças Armadas

Ramiro Ladeiro Monteiro


 Professor Aposentado do ISCSP-UTL
 Ex-Funcionário dos Serviços de Coordenação e Centralização de Informações de
Angola
 Ex-Director-Geral do Serviço de Informações de Segurança

4
PREFÁCIO

Os intelligence studies (estudos de intelligence ou de inteligência ou de


informações) e os correlativos security studies (estudos de segurança) encontram-se
internacionalmente consagrados há já alguns anos como áreas interdisciplinares de
investigação e ensino, especialmente nas universidades americanas e britânicas.

Com efeito, os intelligence studies tiveram singularmente origem na CIA, logo


após a 2ª Guerra Mundial, por iniciativa de Sherman Kent, um professor de História
da Universidade de Yale que acabara de prestar serviço militar no então secreto e
inovador Office of Strategic Services (OSS). Os Estados Unidos da América tinham
criado o OSS durante a guerra para potenciarem a produção de informações
militares, face à globalização do conflito, recrutando para o efeito professores e
investigadores nas universidades, seguindo o modelo britânico da 1ª Guerra
Mundial. O célebre “Laurence da Arábia”, por exemplo, originalmente arqueólogo,
especialista no Médio Oriente, e posteriormente autor da extraordinária obra “Os
Sete Pilares da Sabedoria”, foi um produto desse modelo da military intelligence
britânica na qual radica o Security Service (MI5) e o Secret Intelligence Service (MI6)
que neste ano de 2009 comemoram um século de existência.

Terminada a 2ª Guerra Mundial, Sherman Kent voltou à Universidade,


escreveu o livro “Strategic Intelligence for American World Policy”, ainda hoje uma
referência nesta área, e consequentemente implantou na recém-criada CIA a
metodologia da investigação científica praticada na Universidade, na confluência da
História com as Ciências Sociais aplicadas às relações internacionais. A sua
principal premissa era a de que os Estados Unidos estavam perante uma nova
ordem internacional em formação, uma nova conjuntura internacional globalizada no
que respeitava ao seu interesse nacional, com novos desafios e requisitos a que o
modelo das informações militares do OSS já não se adequava. Daí que tenha
adjectivado de strategic o termo intelligence, definindo-o enquanto conceito
operacional aplicado à análise das relações internacionais, em busca de
conhecimento e capacidade prospectiva, e indutor de um sistema integrado de
produção de informações de apoio à tomada de decisão da política externa
americana a nível mundial.

5
Mas na sequência da implantação deste renovado sistema de intelligence de
aplicação civil - integrando organização, processo e produto – Sherman Kent, como
universitário que era, reproduziu na CIA preocupações de índole universitária como
o estudo e a reflexão sobre a complexidade da realidade e a procura da verdade dos
factos. Isto levou-o à criação e dinamização de uma publicação periódica interna,
secreta, e que assim se manteria até ao fim da Guerra Fria, designada Studies in
Intelligence, na qual directores, técnicos, analistas e operacionais debatiam
problemas relacionados com a organização, o processo e o produto, visando a
melhoria e optimização do sistema.
Seria pois esta dinâmica que, cerca de uma geração depois, ao longo dos
anos 70, seria transplantada progressivamente para um conjunto de universidades
através de um programa de cooperação com a CIA no sentido de serem colocados
aí, como professores convidados, analistas especializados em determinadas áreas
temáticas e geográficas, e também através da contratação de alguns deles
entretanto reformados. A definição e delimitação académica dos intelligence studies
como área de estudos interdisciplinar firmar-se-ia assim no aparecimento de revistas
científicas especializadas, na criação de departamentos universitários para o efeito
ou na inclusão noutros já existentes no âmbito das ciências sociais, e, sobretudo no
campo das Relações Internacionais, no seu reconhecimento efectivo por parte da
International Studies Association. Com a queda do Muro de Berlim e principalmente
o 11 de Setembro a área dos intelligence studies tem vindo a expandir-se de forma
exponencial, abrangendo também Portugal.
De facto, em Portugal a área tem vindo a configurar-se sobretudo após o 11
de Setembro, e neste momento a sua autonomia universitária, concretamente no
domínio das Relações Internacionais, ainda se encontra em processo de afirmação
quanto à definição e delimitação do objecto de estudo e correspondente
metodologia.1 A disciplina de Informações Estratégicas leccionada no ISCSP nos
mestrados em Relações Internacionais e em Estratégia é também um contributo
nesse sentido, sendo de esperar que surjam dissertações em qualquer um destes
mestrados que precisamente sustentem o desenvolvimento e consolidação da área.

1
Cfr: (2009) Pedro Borges Graça, Os Estudos de Informações e de Segurança na Universidade, in Manuel
Valente (Coord.), Urbanismo, Segurança e Lei, Tomo II, Coimbra, Instituto Superior de Ciências Policiais e
Segurança Interna / Livraria Almedina, pp. 15-29; (2004) Pedro Borges Graça, Metodologia da Análise nas
Informações Estratégicas, in Adriano Moreira (coord.), Informações e Segurança. Estudos em Honra do
General Pedro Cardoso, Lisboa, Prefácio, pp. 429-438

6
Foi também com este objectivo de expansão da área dos intelligence studies
em Portugal que foi criado o Grupo de Investigação em Intelligence do Centro de
Administração e Políticas Públicas do ISCSP, a partir do qual se organizou o
designado Seminário de Intelligence nos anos lectivos de 2008-2009 e 2009-2010.2
Em abono da verdade, é de referir que a ideia original radica no Intelligence Seminar
da Universidade de Cambridge, promovido por Christopher Andrews, professor de
História e um dos principais cultores dos intelligence studies no Reino Unido e
também historiador oficial do MI5 no contexto das comemorações do centenário
deste serviço.
O presente livro é uma consequência directa deste Seminário, reunindo
algumas das comunicações aí apresentadas e também alguns trabalhos elaborados
para a disciplina de Informações Estratégicas dos mestrados em Relações
Internacionais e em Estratégia do ISCSP. O objectivo principal é pois efectivamente
o de contribuir para expansão da área dos intelligence studies na Universidade em
Portugal, e portanto a série de estudos aqui apresentada é multifacetada quanto ao
objecto, contemplando também a componente da segurança interna. Na verdade, no
mundo globalizado das relações internacionais e da pluralidade de ameaças em que
vivemos, a segurança externa e a segurança interna são a face de uma mesma
moeda que, na óptica dos Estados, e particularmente de Portugal, podemos
porventura melhor articular e operacionalizar cientificamente sob o conceito de
Segurança Nacional.

Pedro Borges Graça


Coordenador
Grupo de Investigação em Intelligence
CAPP-ISCSP

2
Ver Anexo, com a lista e referências das dezasseis conferências realizadas.

7
OS INTELLIGENCE STUDIES NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Por Pedro Borges Graça

Se procurarmos os fundamentos do conceito de segurança, provavelmente


veremos que se perdem na noite dos tempos, e teremos de apelar aos
conhecimentos da Etologia para os compreendermos no quadro da sobrevivência
das espécies e dos comportamentos animais inatos do Homem. Não é difícil
imaginar, por exemplo, os pitecantropos (isto é, os homo erectus) há 500 mil anos a
começarem a dominar o fogo e assim poderem aumentar a sua segurança
abrigando-se nas cavernas e expulsando daí os animais que as ocupavam.
A racionalização do conceito de segurança na Antiguidade, na tradição
cultural que nos está mais próxima, veiculada pelo latim, traduziu portanto essa
condição psicológica e física do Homem como securitas, ou seja, tranquilidade de
espírito e desnecessidade de cuidados. Mas etimologicamente o duplo sentido de
securitas aponta também o desleixo, o descuido e a indiferença. Duas faces da
mesma moeda que sugerem a idéia de que a tranquilidade da segurança se
constrói com a intranquilidade permanente do combate à insegurança, presente no
vocábulo associado de securis, que significa machado, e no étimo cura, cuja
polissemia revela cuidado, tratamento, direcção, administração, guarda e vigia.
Podemos afirmar que ao longo da História a reflexão teórica associada ao
conceito de segurança – que é na verdade universal - se centrou na forma mais
extrema de insegurança que é a guerra. Daqui decorreu, não obstante os novos
princípios de convivência internacional após a 2ª guerra mundial, a necessidade de
se enquadrar essa reflexão no modelo científico e pedagógico da Universidade –
uma invenção maior da Humanidade -, de modo a obter-se conhecimento sobre a
dinâmica da segurança, integrada na evolução complexa da realidade social e das
ameaças que esta inevitavelmente produz. Em suma, ganhar-se organização e
eficácia no combate à insegurança.
Os Estados Unidos foram sem dúvida pioneiros no estudo da segurança na
Universidade, tendo concentrado a sua atenção nas relações internacionais com a
designada national security. Só recentemente é que o mesmo nível de atenção foi

8
dado à homeland security, após o marco histórico do 11 de Setembro, o qual
continua ainda a ser a causa fundamental das mudanças em curso neste domínio
com impacto social, algumas ainda não vislumbráveis, por exemplo no campo
tecnológico, como as invenções que estão neste preciso momento a acontecer em
empresas como a original In-Q-Tel, que é publicamente reconhecida como
propriedade da CIA e é um case study na Business School da Universidade de
Harvard.
Mas o estudo universitário da segurança nos Estados Unidos, traduzido em
ensino e investigação, começou, por ser verdadeiramente original, fora do quadro
dos departamentos de Relações Internacionais e de Estratégia das universidades
onde se passou a cultivar a national security. Precisamente, isso aconteceu com a
criação da CIA nos anos 40, logo após a 2ª guerra mundial, e teve como principal
protagonista e impulsionador um Professor de História da Universidade de Yale,
Sherman Kent, que é na verdade o precursor da moderna mentalidade internacional
dos estudos de informações (intelligence studies) e de segurança (security studies)
na Universidade e demais instituições de ensino superior.3 Sherman Kent
desenvolveu em concreto o estudo da intelligence como condição sine qua non da
segurança, e de facto, epistemologicamente, não é possível imaginar a organização
e a prevenção eficaz desta - seja externa, interna ou pública - sem o contributo das
informações.
Ex-analista durante a 2ª guerra mundial do Office of Strategic Studies (OSS),
o famoso serviço de informações militares americano durante o conflito, Sherman
Kent ficou insatisfeito com o tradicional tratamento das informações na perspectiva
militar e considerava que a nova ordem mundial apresentava factores de
insegurança, vindos do leste da Europa e da Ásia, que requeriam neste domínio um
novo tipo de abordagem por parte dos Estados Unidos. Publicou assim o livro
Strategic Intelligence for American World Policy, em 1949, ainda hoje a principal
referência sobre a função da análise nas informações que suportam os centros da
tomada de decisão. Com efeito, Sherman Kent foi o inventor dos relatórios diários
para o Presidente dos Estados Unidos, que ainda hoje se mantêm sob a
responsabilidade do Director of National Intelligence, mas, sobretudo, no que diz
respeito à Universidade, foi o criador no seio da CIA da revista Studies in

3
Cfr. Jack Davis, Sherman Kent and the Profession of Intelligence Analysis, in Occasional Papers, Vol. 1, nº
5, Nov.02, The Sherman Kent Center for Intelligence Analysis/Central Intelligence Agency.

9
Intelligence, a qual não só introduziu e dinamizou as preocupações científicas e
académicas na organização – colocando dirigentes, analistas, operacionais e
técnicos a debaterem problemas conjuntos de eficiência - como desencadeou o
aparecimento progressivo na Universidade das áreas dos intelligence studies e
security studies, que nos últimos anos têm vindo também a ganhar espaço no
ensino superior português. Para se ter uma idéia do potencial de influência da
Sudies in Intelligence, note-se que no ano em que comemorou 50 anos, em 2005,
apresentava como balanço 1200 artigos de 1000 autores, muitos dos quais, nos
últimos 15 anos, exteriores à chamada intelligence community.4
A grande abertura da revista ao público deu-se a seguir à queda do Muro de
Berlim, em 1992, com a publicação do 1º número inteiramente não-classificado, e
isto estimulou ainda mais os estudos de informações e de segurança, na sequência
do chamado “Officer in Residence Program” que a CIA lançou a partir de 1985,
colocando analistas especializados nas universidades americanas, como
professores, para leccionarem disciplinas já existentes ou criadas para o efeito
directamente relacionadas com os problemas da national security.
A ponte para a Universidade ficaria reforçada a partir desses anos de 80-90
com elementos dos serviços de informações entretanto desvinculados ou
reformados que seriam contratados como professores. Ultrapassando as fronteiras
dos Estados Unidos, a tendência geral ocorrida foi no sentido de os estudos de
informações serem dinamizados na Universidade por académicos que de algum
modo tiveram experiência profissional nessa área. Para referir somente dois dos
actuais e mais conceituados professores e autores, veja-se o caso de Bruce
Berkowitz nos Estados Unidos e de Michael Herman no Reino Unido.
Este movimento, chamemos-lhe assim, seria ainda na mesma altura também
reforçado com um conjunto de revistas académicas especializadas, instrumentos
essenciais de motivação e divulgação da investigação universitária em qualquer
domínio científico, como o International Journal of Intelligence and
CounterIntelligence, a Intelligence and National Security, o Security Studies e o
Security Journal.
Os estudos de informações e de segurança na Universidade estão assim a
expandir-se, e, hoje, começando pelos Estados Unidos, para além da investigação,

4
Cfr. Nicholas Dujmovic, Fifty Years of Studies in Intelligence, in Studies in Intelligence, Vol.49, nº 4, 2005
(unclassified edition), Central Intelligence Agency.

10
existe já formação especializada nas mais reputadas instituições, também no
ensino superior militar, em todos os níveis: licenciatura, pós-graduação, mestrado e
doutoramento. A oferta abrange inclusivamente o domínio do e-learning, como no
caso da Universidade de Michigan, onde graduados e profissionais podem obter por
esta via um certificado em homeland security.5 E, no agora tão propalado em
Portugal MIT, que de facto possui um dinâmico Security Studies Program, é
possível assistir nesta área aos designados Cursos de Verão, estando já
anunciados para 2008 um sobre Tecnologia e Inovação e outro sobre Bioterrorismo,
temas que indicam tendências prioritárias das preocupações actuais e a urgência
da antevisão de respostas às ameaças de natureza informática e biológica que
impendem de imediato sobre americanos e europeus.
Ora, precisamente em Portugal assistimos neste momento a uma dinâmica
de crescimento dos estudos de informações e de segurança no ensino superior e
universitário. Segundo o Instituto de Defesa Nacional, que para o efeito levou a
cabo um projecto de investigação entre 2005 e 2006, a Segurança e Defesa no
ensino superior em Portugal cobre 31 estabelecimentos de ensino, 8 institutos, 151
cursos, 575 disciplinas, 23 unidades de investigação e 31 periódicos. Parece-me
todavia que este inventário é discutível, não desmerecendo o esforço e a base de
dados constituída, porquanto o conceito da pesquisa traduz uma enorme amplitude,
cobrindo, por exemplo, no que respeita aos cursos, desde os bacharelatos dos
fuzileiros e dos mergulhadores até às licenciaturas em serviço social e
comunicação social, e no que respeita às disciplinas, desde as ideias políticas no
mundo ocidental até à cidadania e participação política. Um exemplo, afinal, dos
problemas que a diversidade disciplinar nesta área pode causar, e que suscita a
proposta da emergência de uma “abordagem supradisciplinar” para o efeito.
A realidade dos estudos de informações e de segurança em Portugal é mais
restrita, denotando contudo uma vitalidade significativa, que aproximadamente é a
seguinte: temos já disciplinas leccionadas nos níveis de licenciaturas, mestrado e
MBA [na Universidade Católica e na Universidade Técnica de Lisboa, em concreto
no Instituto Superior de Economia e Gestão e, aqui no ISCSP, nos mestrados em
Estratégia e em Relações Internacionais; temos dois cursos de mestrado (na
Academia Militar e na Universidade Nova de Lisboa) e cursos de pós-graduação,

5
http://homelandsecurity.msu.edu/

11
nomeadamente no ISCSP e no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança
Interna (ISCPSI), e, no resto do país, pelo menos no Instituto Politécnico de
Setúbal, na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes, no Instituto Superior de
Ciências da Informação e Administração, em Aveiro, e na Universidade Lusíada do
Porto; temos principalmente duas revistas - a Politeia do ISCPSI, e a Segurança e
Defesa, fruto da iniciativa da sociedade civil juntamente com o Observatório de
Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, com ligações à Universidade e
ao SIRP; e temos assistido ainda à proliferação de conferências e seminários,
particularmente nos últimos dois anos.
Toda esta dinâmica, muito recente, indica que a nossa sociedade está em
processo de aquisição de conhecimento e de maior consciência da relação entre
segurança e insegurança, começando obviamente pelos envolvidos na formação.
No ISCSP, para dar um exemplo concreto, a especialidade em segurança e
informações do mestrado em relações internacionais tem, desde o ano lectivo
passado, quando funcionou pela primeira vez, uma boa procura por parte dos
estudantes. Sente-se que há um interesse generalizado por estas áreas de
estudos, um empenho especial e entusiasmado nos trabalhos que estão a ser
desenvolvidos, e, agora, resta esperar pelas dissertações, cujos temas são
seleccionados pelos estudantes no uso da liberdade de escolha a que têm direito,
no mais puro espírito universitário, para se avaliar o potencial desta formação. No
entanto, já se notam preocupações vincadas de investigação, como por exemplo a
do ciberterrorismo, fenómeno que, numa análise ainda provisória da situação,
requer em Portugal uma atenção urgente, pois não existe qualquer orientação ou
plano estratégico nacional contra esta ameaça.6
Com efeito, a frente de ameaças à segurança de pessoas e bens é hoje tão
vasta e complexa como a frente das respostas possíveis e incertas. Não temos
evidentemente aqui tempo nem capacidade para tratarmos deste problema em
profundidade aceitável, mas podemos vislumbrar que, para além dos seus próprios
programas de formação e investigação, a Universidade e demais instituições do
ensino superior, com projectos individuais ou colectivos, eventualmente em

6
Cfr. Paulo Soska Oliveira, Ciber-terrorismo, uma ameaça global ou media sound-byte?, Relatório de
Estágio da Licenciatura em Relações Internacionais, ISCSP, Novembro de 2007, policopiado, 51 p. (trabalho
desenvolvido a partir da disciplina de Informações Estratégicas, a funcionar no corrente ano lectivo de 2007-
2008, na sequência da reforma de Bolonha, como unidade curricular do Mestrado em Relações
Internacionais)

12
consórcio ou em rede com outras instituições, pode aliviar a carga dos serviços de
informações e das forças de segurança no que respeita à produção de informações
OSINT (isto é, Open Source Intelligence).

* * *

A etimologia de intelligence aponta-nos em latim o verbo intellego, ou seja,


perceber, compreender, discernir, aperceber-se, notar, dar-se conta de, reconhecer;
e aponta também interlego, ou seja, colher entre, entrecolher. O étimo é portanto
lego, cuja polissemia é ampla: ler, reunir, colher, escolher, examinar, percorrer,
seguir as pegadas de, seguir de perto, revistar, tirar, tomar, apoderar-se de, roubar,
escutar, espiar.7
Como é evidente, o conceito de intelligence incorpora ainda hoje este
conjunto de significados. De facto, a sua utilização na língua inglesa é antiga,
registada pelo menos desde os séculos XV-XVI como sinónimo de recolha de
notícias e informações, inclusivamente por agentes secretos8, prática aliás
conhecida desde tempos imemoriais. Nos séculos XVII e XVIII está pois muito
presente no ambiente das guerras que assolaram a Europa, e no século XIX, para
além de associada às informações militares, intelligence refere-se também às
notícias e informações que vão sendo recebidas dos exploradores embrenhados no
interior da África, como nos casos de Livingstone e de Speke e Grant.9
A noção de intelligence ficou assim historicamente associada, de forma
quase exclusiva, à realidade das relações externas ou internacionais dos Estados,
muito marcadas óbviamente por situações de guerra. Noção, aliás, antiga e de
muito longa duração histórica no que toca, por exemplo, à componente da
espionagem, já assinalada no Antigo Testamento ou em Heródoto 10, ou ainda, de
forma elaborada, em A Arte da Guerra, no século IV a. C, do chinês Sun Tzu,
divulgado entre nós pelo General Pedro Cardoso.11

7
Cfr. António Gomes Ferreira, Dicionário de Latim-Português, Porto, Porto Editora, s/d, pp. 608, 613 e 655;
e tb José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 3 Vols., ed. Confluência /
Horizonte, Lisboa, 1967 (1ª ed. 1952).
8
Cfr. The Oxford Universal Dictionary Illustrated, 2 Vols, Oxford, The Clarendon Press, 1968, Vol I, p. 1022.
9
Cfr. Latest Intelligence from Dr. Livingstone and His Party in Central Africa, in Proceedings of the Royal
Geographical Society of London, Vol. 5, Nº 3 (1860-1861), pp. 128-131; e Latest Intelligence from the
Expedition to the Sources of the Nile under Captains Speke and Grant, idem, p. 127.
10
Cfr. Jean-Pierre Alem, L’ Espionnage et le Contre-Espionnage, Paris, Presses Universitaires de France,
1980, p. 6
11
Cfr. Sun Tzu, A Arte da Guerra, Lisboa , Editorial Futura, , 1974

13
Mas a definição de intelligence é ainda hoje objecto de problematização
entre os especialistas no meio académico e nos serviços de informaçõesA literatura
sobre este assunto não escasseia e é consensual quanto ao facto de o termo se
referir tanto à organização como ao processo e ao produto, seguindo ainda a noção
introduzida por Sherman Kent em 1946. O debate encontra-se porém inserido numa
problemática mais ampla que é a da teoria da intelligence, e note-se que esta tem
vindo sobretudo a desenvolver-se na área anglófona, particularmente nos Estados
Unidos. Dois trabalhos de referência sobre esta matéria são Wanted: A Definition of
“Intelligence” e Toward a Theory of Intelligence.12
O primeiro é da autoria de Michael Warner, então membro do“History Staff”
da CIA - actualmente “Chief Historian” do Office of the Director of National
Intelligence (ODNI) -, e foi publicado na revista académica desta organização que,
meio século após o seu lançamento, se mantém como a mais antiga e
incontornável referência na área dos Intelligence Studies. Escrevendo em 2002,
Michael Warner partiu da premissa de que ainda nenhum autor tinha elaborado
uma teoria das informações, afirmando que isso ocorria porque não existia
nenhuma “definição aceitável de intelligence” (“accepted definition of intelligence”).13
Propôs-se por isso com este ensaio fazer uma análise das definições apresentadas
pelos principais autores de referência, assim como pela legislação americana e
comissões parlamentares e relatórios oficiais, com o objectivo de elaborar ele
próprio uma que, conforme afirmava, “pudesse ajudar o crescente número de
académicos neste campo e pudesse também ajudar a Intelligence Community em
vários aspectos” (“could assist the growing number of scholars who study the field
and might ultimately help the Intelligence Community in several respects”).14 No
final, na sequência da compilação de uma série de definições entre 1946 e 2002,
apresentou pois a sua própria, a qual, porém, excessivamente redutora, na verdade
não acrescentou qualquer novidade à formulação tradicional do conceito:
“Intelligence é a actividade secreta do Estado para compreender ou
influenciar entidades estrangeiras” (“Intelligence is secret, state activity to
understand or influence foreign entities”)15.

12
Michael Warner, op. cit.; AAVV, Toward a Theory of Intelligence, Santa Monica/Arlington, RAND
Corporation, 2006.
13
op. cit., p.1
14
idem, p. 9
15
idem, p. 8

14
O segundo trabalho é especialmente importante porque se trata de um
“workshop” organizado pela National Security Research Division da RAND
Corporation, por encomenda do Director of National Intelligence (DNI), a nova
entidade criada em 2005 pelo presidente dos Estados Unidos, na sequência do 11
de Setembro, para coordenar a designada “intelligence community”, isto é, o
sistema de informações americano que é composto por dezasseis serviços militares
e civis.16 Nesse momento, há menos de três anos, em Junho de 2005,
precisamente na altura da instituição do DNI, tratava-se de fazer um ponto de
situação sobre a organização da produção de informações nos Estados Unidos,
com o objectivo de reestruturar o sistema, e portanto começou-se pelo princípio,
que é o das ideias e dos conceitos. Para o efeito, juntaram-se quarenta
especialistas americanos e europeus, a debaterem o tema, provenientes dos
serviços de informações e das universidades e “think-tanks”. As conclusões foram
várias, mas ressaltou a observação de que era necessário investigar mais a
fronteira entre as informações externas e as internas, situação percepcionada nos
Estados Unidos como, alegadamente, mais sensível que nos outros países por
17
força das preocupações com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Uma zona, sem dúvida, de cruzamento entre a segurança externa e a segurança
interna que tem vindo a estimular a nível internacional, face à frente de ameaças,
reorganizações integradas dos sistemas de informações, inclusivé em Portugal, e
que colocam questões complexas à ética democrática, porventura mais facilmente
abordáveis em ambiente universitário que estatal, por universitários sem vínculos
estatais. Por outro lado, constatou-se que não existe uma “teoria americana de
intelligence” (“american theory of intelligence”)18; o que existe é um entendimento
internacional semelhante do que é a intelligence, definível, enquanto processo,
como a metodologia de obtenção e tratamento de informação, secreta e não-
secreta, para servir os Estados na formulação das suas políticas externas e no
confronto com as ameaças às suas respectivas seguranças internas e externas, e

16
Os links dos membros da intelligence community constantes no site do ODNI (Dez07) são: Força Aérea;
Exército; Marinha; Marines; Guarda Costeira; CIA; FBI, DIA (Defense Intelligence Agency); DOE (Department
of Energy); DHS (Department of Homeland Security); DOS (Department of State); Treasury; DEA (Drug
Enforcement Administration); NGO (National Geospatial-Intelligence Agency; NRO (National Reconnaissance
Office; NSA (National Security Agency). [http://www.dni.gov/who_what/members_IC.htm]
17
idem, p. 31.
18
AAVV, Toward a Theory of Intelligence, op. cit., p. 30

15
também cada vez mais para servir entidades não-estatais, como empresas,
organizações não-governamentais ou mesmo movimentos terroristas.19
Ora, em Portugal existe este mesmo entendimento do que é a intelligence,
mas a sua tradução literal para a língua portuguesa como inteligência não tem
conseguido sobrepôr-se à tradicional utilização do termo informações nos meios
militares desde os anos 50-60 do século passado, nem captou de facto a simpatia
dos locutores, como lembra o Major-General Renato Marques Pinto ao observar
que “ainda não conseguimos ressuscitar a velha palavra portuguesa ‘inteligência’
com o sentido de conhecimento, compreensão”.20
Em Portugal, vingou de facto como sinónimo o termo informações, e o
adjectivo estratégicas que lhe foi entretanto associado, após o 25 de Abril, denota
não só uma influência e conexão inicialmente militar, que as distingue das
informações operacionais e das tácticas, mas também, como consta na primeira lei-
quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), de 5 de
Setembro de 1984, a ideia de que o Estado estabelece que a sua actividade
externa é diversa da actividade interna das informações de segurança. Ao lado do
Serviço de Informações de Segurança (SIS), foi então formalmente criado o Serviço
de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), o qual, após reformulação da sua
missão, só seria de facto implantado cerca de 10 anos depois sob a designação de
Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM).
Na verdade, a intelligence em Portugal foi impulsionada pelo General Pedro
Cardoso (falecido em 2002), principal responsável pela instituição do SIRP. O mote
por si acarinhado enquanto símbolo da actividade das informações era “adivinhar
perigos e evitá-los”, extraído do Canto VIII de “Os Lusíadas” de Luís de Camões.
Este mote seria inscrito no SIEDM, instituído em 1995, com competências
exclusivas na área das relações internacionais, às quais, a partir daí, ficou pois
associado em Portugal o conceito de informações estratégicas. Na verdade, a
utilização registada deste conceito por Pedro Cardoso remonta, pelo menos, aos
anos 70, como é evidente no capítulo “A Actividade Diplomática e as Informações”
do seu livro editado em 1980, reunindo um conjunto de artigos que publicara na

19
ibidem
20
Renato Marques Pinto, Os Militares e as Informações (Em Memória do General Pedro Cardoso), in
Adriano Moreira (Coord.), Informações e Segurança. Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, Lisboa,
Prefácio, 2004, (pp.471-489) p. 473. (O Major-General Renato Marques Pinto é um dos mais antigos cultores
das informações em Portugal)

16
revista Nação e Defesa desde 1976, os quais por sua vez viriam a servir de base à
criação do SIRP.21 Aliás, o conceito de informações estratégicas encontrava-se já
inscrito nos anos 60 no manual de informações da 2ª repartição do Estado-Maior do
Exército, que, no contexto da Guerra Colonial, traduzia em grande medida a mais
actual doutrina americana na matéria. Pedro Cardoso era porventura o mais antigo
cultor das informações em Portugal, possuindo uma vasta biblioteca nesta área
onde constavam, por exemplo, obras clássicas como Strategic Intelligence and the
Shape of Tomorrow de William McGovern (Chicago, Foundation for Foreign
Affairs/Henry Regnery Company, 1961) ou Strategic Intelligence Production de
Washington Platt (New York, Praeger, 2ª ed.,1962).22
Parece pois consensual a observação de que, como parte liderante do
processo, a influência do General Pedro Cardoso terá sido determinante na
transposição do inglês strategic intelligence para o português informações
estratégicas. Através desta tradicional linha de estudo e aplicação, o conceito de
informações estratégicas ficou pois em Portugal associado às relações
internacionais, e é fundamentalmente por essa razão que no ISCSP foi adoptado o
termo Informações Estratégicas para designar essa unidade curricular aqui
leccionada. Na verdade, desde que não se desvirtue a objectividade dos conceitos,
parece desejável a utilização, sempre que possível, de termos portugueses, não só
por uma questão de identidade cultural mas também de coesão lusófona e
projecção internacional de Portugal. Não é pois de descurar a possibilidade de vir a
projectar-se consensualmente a utilização do termo “inteligência” na área lusófona,
termo esse que se encontra já divulgado em Angola e no Brasil.

* * *

A relevância actual da investigação e ensino específico dos Intelligence


Studies nas Relações Internacionais e a sua autonomia enquanto área de estudos
interdisciplinar é pois um facto, agregados, consoante os casos e critérios próprios
institucionais, aos mais diversos departamentos universitários, desde os de

21
Pedro Cardoso, As Informações em Portugal, Lisboa, Instituto da DefesaNacional, 1980, p. 197.
22
Cfr. Pedro Borges Graça, Metodologia da Análise nas Informações Estratégicasin Adriano Moreira
(Coord.), Informações e SegurançaEstudos em Honra do General Pedro Cardoso, op. cit., (pp.429-438) pp.
429-430.

17
Relações Internacionais aos de História e de Economia, passando até, como ocorre
por exemplo em Espanha, pelos de Biblioteconomia e Documentação.

Hoje, a complexidade crescente da chamada globalização integra uma


pluralidade de actores estatais e não-estatais. Só no que respeita aos Estados, as
informações, concretamente as estratégicas, são um instrumento vital da tomada
de decisão ao mais alto nível governamental, face ao grau e variedade tanto de
ameaças como de desafios decorrentes da evolução da conjuntura internacional. O
objectivo principal da intelligence ou informações estratégicas (ou, se se quiser,
externas) é pois a excelência do conhecimento do que está a acontecer e da
correspondente capacidade prospectiva.

Neste contexto, não deixa de ser sintomático que as duas grandes potências
da Guerra Fria - Estados Unidos e Rússia (ex-URSS) -, tenham neste momento
uma predominância de elementos com vasto curriculum associado directamente
aos serviços de informações nos respectivos núcleos duros da tomada de decisão
governamental com respeito às relações internacionais. Nos Estados Unidos, é o
pai do próprio Presidente Bush, seu conselheiro principal, embora informal, e são o
Director of National Intelligence, General Mike McConnell, o qual informa
diariamente o Presidente logo pela manhã, o Deputy Secretary of State,
Embaixador John Negroponte, e o Secretary of Defense, Robert Gates. Na Rússia,
como é bem conhecido, é o próprio Presidente Putin e o seu círculo mais próximo
de relações políticas e pessoais, tendo este ainda recentemente, por exemplo, em
Outubro de 2007, nomeado para a presidência da Comunidade de Estados
Independentes o General Sergei Lebedev, o qual passou para essa posição vindo
da função de Director-Geral do SVR, o actual serviço de informações estratégicas
russo, sucessor directo da famosa componente externa do KGB.

Na verdade, a tomada de decisão na política externa dos Estados é


principalmente informada pelos ministérios dos negócios estrangeiros e pelos
serviços de informações, mas, sobretudo desde o 11 de Setembro, estes têm vindo
gradualmente a ganhar proeminência em relação àqueles. A diplomacia apresenta
hoje a tendência de estar cada vez mais concentrada na representação e
negociação, quer bilateral quer multilateral, enquanto que a intelligence tem vindo a
intensificar a informação diária dos governos sobre o ambiente internacional,
possuindo um amplo campo de actividade sistematicamente secreta onde

18
desempenha um papel relevante a cooperação e diplomacia secreta específica
entre os serviços de informações.
O britânico Michael Herman, uma referência no campo dos Intelligence
Studies, para demonstrar a relevância crescente dos serviços de informações nas
relações internacionais, aponta pois o peso relativo destes nos orçamentos do
Reino Unido e dos Estados Unidos da América. Segundo as suas palavras:

“O Reino Unido gasta agora bastante mais na intelligence que na diplomacia,


e cerca de um vigésimo dos custos da Defesa. Os Estados Unidos gastam
mais, tanto em termos absolutos como proporcionalmente: gastam muitíssimo
mais que na diplomacia, e cerca de um décimo do seu orçamento da Defesa –
um número elevado que reflecte o critério orçamental americano relativamente
às informações militares tácticas e que reflecte também o alto custo dos
satélites de intelligence”. 23

Isto não significa que os ministérios dos negócios estrangeiros perderam


completamente a utilidade na informação dos governos, uma vez que os diplomatas
continuam a ter acesso a informação não pública, relevante, nos ambientes em que
se movimentam próximos dos núcleos do poder. Essa informação, segundo Michael
Herman, referindo o caso inglês, corresponde porém somente a cerca de 20% da
actividade das embaixadas neste domínio24; e esta é em geral transmitida
verbalmente de forma parcelar, integrada em análises de situação subjectivas
depois vertidas em relatórios escritos, das embaixadas para a sede, na perspectiva
tradicional do chamado sistema de cifra. O resultado é a produção de informação
política e económica por uma parte interessada e activa no processo decisório da
política externa, situação potenciadora de “bias”, ou seja, de análises parciais de
informação, conscientes ou inconscientes, destinadas a influenciar esse mesmo
processo decisório. Pelo contrário, os serviços de informações têm vindo a
desenvolver, no último meio século, uma metodologia científica específica de
tratamento sistemático de informação que visa disponibilizar retratos tão fiáveis
quanto possível da realidade, sendo instrumentos imparciais e independentes de

23
Michael Herman, Intelligence Services in the Information Age. Theory and Practice, London/Portland,
Frank Cass Publishers, 2001, p. 31
24
idem, p. 35.

19
apoio à tomada de decisão política a partir de técnicas e especialidades entretanto
desenvolvidas como a SIGINT (Signals Intelligence ou a GEOINT (Geospatial
Intelligence). Mesmo assim, porém, esta metodologia não é invulnerável ao
fenómeno do “bias” (isto é, da manipulação ou parcialidade das informações), como
se verificou recentemente no caso das (inexistentes) armas de destruição em
massa do Iraque. Mas é certo, não obstante a sua dimensão e gravidade, que este
caso do Iraque é uma excepção à regra do trabalho metódico quotidiano dos
serviços de informações.

O lugar dos Intelligence Studies nas relações internacionais encontra-se


portanto hoje bem firmado, em especial face à ameaça terrorista, e,
concomitantemente, os estudos de informações (intelligence studies), com os
correlativos estudos de segurança (security studies), estão a desfrutar de um
crescente interesse e acelerada expansão na Universidade.

Note-se, na esteira dos Estados Unidos, a acentuada expansão dos


Intelligence Studies no Reino Unido, em especial desde o 11 de Setembro, que
muito provavelmente antecipa as tendências actuais neste campo a nível europeu.
O último e mais completo retrato da situação foi realizado há cerca de 3 anos por
Paul Maddrel, professor do departamento de International Politics da Universidade
de Wales, um dos centros britânicos mais dinâmicos no ensino e investigação da
especialidade. O inventário regista um conjunto de 15 universidades nas quais se
ensina e investiga Intelligence, envolvendo cerca de 1000 estudantes de
bacharelato, 130 de mestrado e 65 de doutoramento, e mais de 30 professores e
investigadores.

Os cultores tradicionais das Relações Internacionais estão porém ainda a


digerir lentamente esta entrada de rompante dos Intelligence Studies no seu campo
de estudo e a diversidade complexa de questões que a correlativa abordagem
inevitavelmente transporta para o até aqui consagrado objecto das Relações
Internacionais.

Por exemplo, Christopher Andrew, um dos mais antigos autores da


especialidade, reputado professor de História da Universidade de Cambridge e
director do prestigiado Cambridge Intelligence Seminar, e também historiador oficial
do MI5, aponta – e passo a citar - “a dificuldade de adaptação das tradicionais
noções das relações internacionais e da história política à consideração da

20
informação agora disponível sobre o papel dos serviços secretos nessas mesmas
relações internacionais”.
Com efeito, os Intelligence Studies nas Relações Internacionais,
particularmente no caso singular da abordagem britânica, estão a dinamizar a
emergência do duplo conceito de “secret state” (“estado secreto”) e “secret world”
(“mundo secreto”) como o objecto de estudo maior da especialidade. Tendo em
conta que hoje a transparência é um valor democrático crescentemente afirmado,
muito provavelmente, no futuro, esta realidade repercutir-se-á no ambiente das
relações internacionais, se não em termos políticos, pelo menos em termos teóricos
e analíticos.
Note-se que, na prática, aquele duplo conceito já foi formalmente
“legitimado” (repito: “legitimado”) pelos Estados Unidos da América ao anunciarem,
em 13 de Outubro de 2005, a criação, no quadro da Intelligence Community, do
designado National Clandestine Service, tutelado pela CIA e com responsabilidade
de desenvolver as operações de HUMINT fora do território americano. Na verdade,
tratou-se de reestruturar o antigo departamento de operações da CIA, na sequência
das críticas e propostas formuladas após o 11 de Setembro. Mas repare-se também
que a ênfase assumidamente colocada na componente “clandestina” desse serviço
anuncia uma renovada postura secreta na sobreposição das operações
clandestinas às cobertas. As operações cobertas são as que, em diferentes níveis
de segredo, se desenrolam sob uma determinada “cobertura”, isto é, sob uma
fachada que não corresponde completa ou parcialmente à realidade, envolvendo
pessoas, grupos ou instituições. Porém, pela sua natureza, as operações
clandestinas são as que envolvem um maior grau de segredo, concretamente
porque são planeadas à margem do direito internacional e do dos países-alvo, e,
tradicionalmente, podem servir para derrubar governos e levar a cabo raptos e
assassinatos, utilizando quer agentes quer forças especiais.
Este, para concluir, é somente um exemplo, sem dúvida desafiante do ponto
de vista académico, do que é a perspectiva dos Intelligence Studies, neste caso
aplicada às relações internacionais, e também uma pequena amostra do caminho
que há ainda a percorrer em Portugal nesta área de estudos interdisciplinar.

21
A MINHA PASSAGEM PELAS INFORMAÇÕES E SEGURANÇA

Por Fernando Silva Ramos

Quando me foi sugerida a minha participação neste Seminário,


imediatamente percebi que ela não poderia ser uma lição sobre Segurança Física,
Segurança Pessoal ou Pesquisa Coberta, áreas a que especialmente me dediquei
na minha passagem pelas Informações e Segurança. Dado que os presentes têm
de uma forma geral conhecimento total sobre as matérias, na maioria dos casos
maiores do que os meus, procurarei relatar pelo seu ineditismo ou caricato
situações e acontecimentos em que eu tive a oportunidade de tomar parte. Peço
desculpa se esta minha opção veio defraudar as vossas expectativas, mas qualquer
dúvida que já tenham ou venham a ter espero que venha a ser esclarecida no final
se eu souber e puder responder.
Ao falar-vos da minha passagem por essa área sinto-me como estivesse no
”Conta-me como foi”, telenovela que a RTP está a passar aos domingos, sem a boa
música que a acompanha e com as limitações impostas pelo segredo de Estado,
apesar de a minha saída do EMGFA já ter ocorrido há 23 anos.
A minha entrada no Mundo das Informações e Segurança deu-se pela porta
da Segurança de Altas Entidades. A verdadeira entrada, porque embora eu já
tivesse chefiado uma 2ª Repartição, não posso considerar que essa situação
tivesse qualquer semelhança com o trabalho que mais tarde desenvolvi nas
Informações.
No ano de 1974, com a queda da PIDE/DGS e com as Forças de Segurança
sem credibilidade, as Altas Entidades socorreram-se de elementos das Forças
Armadas para garantirem a sua Segurança Pessoal.
A Presidência da República, no consulado do General António de Spínola,
rapidamente se apercebeu que esses elementos precisavam de ser devidamente
treinados. Assim, foi contactada a Embaixada Britânica que através do Adido Militar
providenciou a deslocação de uma equipa do SAS (Special Air Service) para
ministrar o curso de Protecção de Altas Entidades. Entretanto o General Spínola
deixou a Presidência em 30 de Setembro e foi já com o General Costa Gomes

22
como Presidente que se iniciou o curso frequentado por uma equipa com um
capitão e 3 sargentos, destinada ao Presidente da República, uma equipa com 4
civis oriundos da LUAR e destinada ao 1º Ministro. Para futuros cursos e
destinados a instrutores foram nomeados para frequentar o curso um Capitão e um
Sargento do Regimento de Lanceiros nº2, um Sargento do Regimento de Cavalaria
da GNR e um Subchefe da PSP. O Regimento de Caçadores Paraquedistas onde
decorreu o curso nomeou um Oficial e um Sargento para assistirem. Nomeados
ainda condutores, um da PR, um da GNR, um da PSP e dois do Exército.
Foi o meu primeiro contacto, de uma longa série, com as técnicas e métodos
de instrução dos britânicos que me impressionaram de uma forma
extraordinariamente favorável. O curso decorreu durante o mês de Novembro de
1974 em Tancos e também na primeira quinzena de Dezembro no IAEM e em
Mafra, sob a égide da Escola Militar de Informações da 2ª Divisão do Estado-Maior
General das Forças Armadas, sendo esta chefiada pelo Brigadeiro Pedro Cardoso.
Terminado o curso surgiu a 1ª missão ainda antes de os instruendos
seguirem aos seus destinos, com excepção de 2 sargentos da PR e da equipa do
PM, que foi a segurança dos Presidentes dos ML na Cimeira do Alvor. Esta missão
correu bastante bem e foi um treino complementar importante para todos nós.
Após esta missão marchei para a PR aonde eu era destinado e onde estive
somente um mês e meio por ter sido necessário iniciar o primeiro curso nacional e
terem-me nomeado para o dirigir. Este curso efectuado em Fevereiro e Março de
1975, bem como um outro em Agosto e Setembro decorreram em Mafra no
CMEFED.
Estes cursos foram frequentados por militares dos 3 ramos, militares da GNR
e agentes da PSP.
Entre estes 2 cursos foi necessário providenciar segurança a Altas Entidades
estrangeiras que visitavam o País. Isto proporcionou-nos missões inesquecíveis,
principalmente pelo clima político que se vivia na altura tendo a possibilidade de
assistir a momentos históricos e alguns anedóticos.
Foi objecto da nossa protecção a cosmonauta soviética Valentina
Tereshkova que se fazia acompanhar por uma assistente, uma intérprete e um
sujeito de função indefinida, mas que podemos considerar que se tratava de um
“colega” nosso do KGB. A visita que durou uma semana foi organizada pelo MDM e
numa manhã no miradouro da Serra da Pilar as militantes do Porto pareciam uma
23
galinhas tontas a quererem captar as atenções da Valentina para tudo. O nosso
“colega” ao ver a minha preocupação com o cumprimento do programa dirigiu-se a
mim em bom português e disse: - Capitão. Nós somos democratas, somos pelo
centralismo democrático, mais centralismo do que democrático. De maneira que o
capitão manda e nós vamos!
Uma delegação militar romena chefiada pelo General Ion Coman foi por nós
protegida na visita que decorreu no mês de Junho e dentre as muitas situações
curiosas seleccionei um episódio ocorrido na visita à EPI. À saída esperava-nos um
grupo folclórico romeno que o EME, entidade que convidou, organizou,
acompanhou e dirigiu a visita havia desencantado algures, (nessa altura, como para
recuperar o tempo perdido, passeavam-se pelo país os mais diversos grupos
folclóricos, corais, culturais e outros vindos dos países de leste). O grupo folclórico
estava expectante e todos muito embaraçados perante uma tão importante
personagem do ditatorial regime romeno e o General avançou então até eles e
disse-lhes qualquer coisa que nós não ouvimos bem e não percebemos, tendo de
imediato o grupo rompido em alegres e fortes aplausos, ficando nós com enorme
curiosidade em saber o que o General lhes havia dito ou prometido. O intérprete
que era um português que tinha vivido a sua infância na Roménia onde o pai era
cônsul ou embaixador explicou-nos imediatamente o que o General disse ao grupo
e provocado tão grande aplauso. O que é que estão à espera para aplaudir o vosso
General?
Prestámos também segurança a uma delegação militar cubana de alto nível,
chefiada pelo General Senen Casas Reguero tendo a visita sido organizada pela 5ª
Divisão do EMGFA. Durante a visita à Siderurgia a CT quis falar com a delegação e
percebeu-se imediatamente que não queriam mais do que ouvir da boca do
General cubano a aprovação para a distribuição de armamento aos trabalhadores.
O diálogo, traduzido pela intérprete Ana Silva Pais (Annie), foi hilariante. CT: -
Queríamos perguntar aos nossos camaradas cubanos, (aqui foram interrompidos
pela Annie que os emendou para companheiros), retomando a CT: - Queríamos
perguntar aos nossos camaradas companheiros… (depois de algumas insistências
nas correcções a Annie desistiu dos companheiros) …se quando foi da invasão da
Baía dos Porcos, (nova interrupção mais violenta da Annie e correcção para Praia
Girón, porquanto Baía dos Porcos era o nome de código da CIA) ao que a CT: -
…na invasão da Baía dos Porcos da Praia Girón… às comissões de trabalhadores
24
e Comités de Defesa da Revolução foram distribuídas armas e depois mantidas em
permanência. Este hilariante diálogo terminou com o General cubano a esclarecer
num tom nada amistoso de que as armas estavam nas mãos das FAR que o Povo,
CT’s e CDR’s apoiavam totalmente, desfazendo assim o sonho de ter armeiros e
arrecadações de MG na Siderurgia.
Também acompanhámos a visita do Secretário Geral do PAIGC Aristides
Pereira, que foi recebido como Chefe de Estado o que provocou por grande parte
do Corpo Diplomático a recusa em estar presente em recepções e cerimónias em
homenagem ao Secretário Geral dum partido político, o que obrigou ao pessoal da
segurança a sentarem-se na mesa de honra do jantar no Palácio da Ajuda
oferecido pelo Presidente da República para que a mesa não tivesse tantas
brancas.
Em Outubro de 1975 foi ministrado em Luanda um curso ao Corpo de Polícia
de Angola, o que foi um bocado bizarro atendendo à conjuntura local e ao ambiente
que se vivia. Foi mais um episódio com características inacreditáveis e pitorescas
até porque a selecção do pessoal para frequentar o curso seguiu critérios
desconhecidos e deficientes.
Em 25 de Novembro o Coronel Renato Marques Pinto é nomeado para
Chefiar o Serviço Director e Coordenador das Informações do Conselho da
Revolução que em Maio desse ano havia substituído as principais funções de
recolha e análise das informações da 2ª Divisão do EMGFA e a que nós através do
Departamento de Instrução passáramos a pertencer. Por uma série de
circunstâncias o Cor Marques Pinto, que não me conhecia, achou que eu era
fundamental para fazer parte da sua equipa no SDCI. Apesar de ainda ter
procurado recusar o convite com o forte argumento de que pretendia regressar ao
meu Regimento (de Polícia Militar) a atravessar na altura uma situação difícil, mas
não consegui deixar de acabar por seguir o Coronel Marques Pinto.
Durante o resto de 1975 e 1976 procurou-se normalizar o SDCI, proceder à
sua extinção e revitalizar em sua substituição a 2ª Divisão do EMGFA. Foi uma
altura em que desempenhei as mais diversas funções, mas com a criação em 1976
do Departamento Técnico que era o órgão de pesquisa coberta e que era chefiado
por um amigo de longa data, dei o meu apoio no seu levantamento e instalação e
comecei a ficar de tal maneira ligado ao novo departamento que acabei por fazer
parte dele.
25
Como todos sabem a pesquisa coberta abarca a Vigilância, as Operações
Técnicas e os Agentes. Então o que fiz eu durante 9 anos nessa área da pesquisa
coberta? Dediquei-me à instrução, montagem da rede de rádio, apoio em geral á
Chefia e às Operações Técnicas e aos Agentes.
Como devem calcular não posso divulgar aqui muitas das operações
desenvolvidas, nem pormenores que certamente seriam do interesse de muitos de
vós. Algumas das operações são ainda hoje um segredo muito bem guardado para
muitos dos membros desse Departamento Técnico. Porque nós tínhamos uma
filosofia de disciplina de segredo muito grande. O princípio da “necessidade de
conhecer” era seguido à risca e contrariamente ao que foi dito aqui no primeiro dia
do seminário, o “need to know” tem um carácter negativo. Precisa mesmo de saber,
muito bem, senão não.
A época em que o Departamento foi criado propiciava uma grande coesão
entre os seus membros e compreensão interna para a forma de funcionamento. A
existência de um inimigo real e em alguns casos poderoso e perigoso dava-nos
essa união. Esse inimigo consubstanciava-se em grupos terroristas (bombistas
nacionais e grupos internacionais), (embora me pareça que agora foi descoberto
que o terrorismo começou em 11 de Setembro de 2001), acções de espionagem e
de subversão.
Aliás, o pessoal foi todo escolhido a dedo, numa base de confiança, entre
militares e civis praticamente todos retornados, principalmente de Angola e que
tinham prestado serviço nos SCCIA, de que o Cor Marques Pinto havia sido chefe.
Não havia nomeações partidárias, nem filiados em partidos e ninguém queria dar
nas vistas nem deixar cair relatórios para a imprensa. Mesmo o que se pretendia é
que ninguém falasse de nós, que nos desconhecessem, que não soubessem que
nós existíamos e se alguém quisesse colher os louros de alguma coisa, que
fizessem o favor e estivessem à vontade para se servirem.
Mas não poderei deixar-vos sem vos contar um ou outro episódio desses
tempos. Em meados de 1983 foi-nos comunicado, pela PSP ou talvez pela GNR,
que um grupo de indivíduos de origem estrangeira não definida estava acampado
perto de uma povoação da zona do pinhal. Suspeitava-se que pudessem estar
envolvidos em negócios de droga ou terrorismo. A zona era muito difícil porque
meter uma equipa a trabalhar na área era objecto de desconfiança geral e
consequente detecção não permitindo executar qualquer trabalho. Foi então
26
decidido enviar um indivíduo de grande capacidade “armado” em caixeiro-viajante.
Chegado à povoação instalou-se na única pensão existente que era gerida por um
casal que não deu sinais de grande simpatia para com o forasteiro. Após o jantar na
pensão o nosso homem instalou-se em frente à televisão juntamente com o dono
da pensão que com grunhidos desviou todas as tentativas de estabelecer conversa
por parte do nosso homem. Este ao ver o caminho que as coisas estavam a tomar
deixou-se levar pelo programa da televisão considerando que a abordagem da
situação por aquele lado estava perdida. Estávamos no tempo, praticamente, do
canal único de televisão e que terminava a horas decentes de o povo honesto e
trabalhador ir para a cama.

Esse momento chegou sem qualquer conversa até ali e o Hino Nacional
irrompeu pelo ecrã da TV; o dono da pensão pôs-se imediatamente de pé em
rigoroso sentido, no que foi seguido também de imediato pelo nosso homem.
Enquanto decorria o hino rapidamente procurou agarrar a situação e assim que o
hino acabou voltou-se para ele e disse: Meu amigo deixe-me que o cumprimente e
felicitá-lo e por verificar que aqui no interior do Pais ainda há um verdadeiro
Português cheio de patriotismo, respeitador dos mais venerados símbolos
nacionais, o Hino e a Bandeira Nacional.

A conversa foi estabelecida de imediato com direito a umas bebidas


oferecidas. E o nosso homem então no auge dos elogios e do calor das bebidas
achou o momento propício de atacar: É exactamente de homens como o senhor
que o país está a precisar, porque perderam-se os valores nacionais e fomos
invadidos pela ralé internacional. Depois de acordarem sobre estas verdades
indiscutíveis foi-lhe pedido o seu parecer sobre aquele grupo de estrangeiros que
andava ali pela zona. O pedido foi imediatamente satisfeito com a manifesta alegria
em saber que ainda havia pessoas que se preocupavam em controlar a
malandragem. E uma operação que se afigurava muito difícil acabou por terminar
com êxito graças a este operacional de mão cheia.

Vou ainda falar-vos de uma operação que na altura foi muito sensível mas
infelizmente diversos episódios com ela relacionados já vieram a lume em jornais,
livros e na internet. Das informações estratégicas as nossas preocupações eram a
Espanha, o Magrebe e os PALOP e destes principalmente Angola e Moçambique.
Nestes os partidos de inspiração marxista dominavam e em Portugal um partido

27
político monopolizava e filtrava as relações com eles, pelo que a nossa
aproximação a essas áreas fez-se através das oposições, a UNITA e a RENAMO.

Em 1977 uma das situações financeiras preocupantes para o país era


Cabora Bassa. A Resistência Nacional Moçambicana ia destruindo os postes de
suporte das linhas de transporte de energia para a África do Sul não havendo assim
rendimentos para amortizar a dívida e os encargos nacionais andavam nessa
altura, se bem me lembro, na ordem dos 40 milhões de contos por ano. Essa
situação obrigou-nos a contactar a RENAMO, como mais tarde se passou a chamar
a Resistência, para tentarmos chegar a uma plataforma de acordo e também a uma
base de informações sobre Moçambique.

Os nossos contactos iniciaram-se com o Dr. Evo Fernandes, representante


da RENAMO em Portugal numa altura em que a Resistência estava baseada na
Rodésia. Mais tarde os contactos foram alargados ao Orlando Cristina que dirigia a
Resistência na Rodésia bem como a Voz da África Livre. A vinda de Afonso
Dhlakama, Presidente da RENAMO, a Lisboa permitiu-nos também estabelecer
contacto e trocar impressões com ele. Desde o início os contactos connosco foram
do mais cordial possível e decorreram num clima que se podia caracterizar de
amizade. Quando chegou a altura de nós pedirmos para não derrubarem os postes
de Cabora Bassa a resposta foi quase imediata de que sim, mas foi proposta aqui
uma compensação, que a nós também nos agradou porque os tornava mais
dependentes de nós. Foi então acordado que iríamos pedir autorização para lhes
pagar 500 contos por mês. Era uma soma irrisória comparada com os encargos
mensais com a amortização de Cabora Bassa. Mas o nosso Governo não autorizou
com a justificação de que isto era uma manobra dos militares para comprometer o
Governo!

Apesar desta falha clamorosa o nosso relacionamento com a RENAMO


continuou bem, tendo até sido pedido que aqui em Portugal fizéssemos um
programa especial de treino de Comando e Liderança para o Presidente Afonso
Dhlakama. Esta proposta partiu do Orlando Cristina que queria diminuir a influência
sul-africana sobre o Presidente. Foi uma opção difícil e complicada pois qualquer
falha ou fuga de informações podia ser muito grave para nós. A Renamo era
apresentada em Portugal sem qualquer simpatia como um bando de bandidos
armados e a fotografia do Afonso Dhlakama já tinha sido publicada nos jornais.

28
Essa operação foi organizada e desencadeada em Novembro de 1982. O
segredo que a envolveu foi tão grande de que de toda a Divisão só 6 pessoas
souberam que Afonso Dhlakama estava cá e destas só três sabiam exactamente
onde estava. Evo Fernandes, representante da Renamo em Portugal só soube da
estadia do Presidente do seu Movimento no final da mesma.
Foi um mês de intensa actividade e com resultados muito bons, de tal forma
que o Afonso pediu que fizéssemos um curso abreviado durante 2 semanas para 4
dos seus Generais aproveitando a deslocação ao Congresso de Março de1983 na
RFA. Este congresso decorreu em Tannenfeld no norte da RFA e a ele assistiram
os elementos vindos do interior, da África do Sul, Quénia, EUA, França, Portugal e
RFA, onde reside uma grande colónia de moçambicanos e alguns deles antigos
militantes da Frelimo, Fumo, Gumo, etc. Como membros de conselho do Presidente
também estivemos presentes neste congresso em que ficaram definidas as
estruturas da Renamo com o Orlando Cristina como Secretário-geral.
A seguir a este congresso os 4 Generais e o Afonso, embora este só cá
tivesse ficado os primeiros dias, no caminho de África vieram para Portugal e
repetiram-se os cuidados de segurança, só que desta vez o número de
participantes obrigou a maiores cuidados. Foi uma estadia sem problemas de maior
mas de muito trabalho.
Toda esta actividade no seio da Renamo começou a dar uma importância
muito grande àquilo que o Orlando Cristina chamava a componente portuguesa.
Isto causou alguns problemas com os sul-africanos e Orlando Cristina começou a
recear que viesse a ter algum percalço ou acidente, o que veio a acontecer na noite
de 17 de Abril de 1983 quando na “farm” perto de Pretória onde vivia, um tiro
disparado pela janela do quarto atingiu Orlando no pescoço com perfuração do
pulmão e diversos vasos. Transportado por nós ao hospital mais próximo acabou
por ali falecer pouco depois de lá ter dado entrada.
Na “farm” além do Orlando e família viviam também os elementos recuados
do “staff” da Renamo e pessoal da rádio Voz da África Livre. Pessoal que saia do
interior de Moçambique para qualquer finalidade na África do Sul também parava
por ali. Era este o caso dum dos irmãos Bomba, piloto da Força Aérea
Moçambicana e que havia desertado para a Renamo e que oficiosamente acabou
por ser indiciado com o autor do disparo contra Orlando. A morte de Orlando
acabou por travar a componente portuguesa e deu origem à subida de Evo
29
Fernandes para Secretário-geral da Renamo. Por estranha coincidência
exactamente cinco anos depois desta morte, no dia 17 de Abril de 1988 Evo
Fernandes foi assassinado na zona da Figueira do Guincho pela Frelimo.

Embora as ligações com a Renamo se tivessem mantido após a morte de


Orlando Cristina o “tampão” sul-africano começou a dificultar os contactos entre a
Divisão e a Renamo. Entretanto deu-se a minha saída da Divisão e o regresso ao
Exército pelo que esta operação que continuou e com alguma intensidade deixou
de ser do meu conhecimento.

Esta longa operação com a Renamo e com os seus contornos irregulares e


fantásticos com actividade nos 2 continentes deu-nos momentos de grande
satisfação, além de muito trabalho, perigo e algum stress e foi um trabalho de uma
pequena equipa generosa e dedicada.

Foi o trabalho com pessoas, agentes e contactos, que me deu a maior


alegria de me ver envolvido com emoções, alegrias, tristezas e os mais diversos
estados de alma que servem para nos sentirmos vivos. Julgo que o trabalho de
gabinete não me poderia ter dado dar alguma vez as verdadeiras sensações e
adrenalina do mundo das informações.

Principalmente a empatia e por vezes a grande amizade que se estabelece


com os agentes é uma coisa extraordinária e que me foi uma vez definido num
curso em Londres desta forma: - é preciso não perder o norte e manter a cabeça
fria porque por vezes o “case officer” e o agente “fall in love”.

Passados mais de oito anos sobre a minha saída da Divisão estava eu


internado no Hospital na sequência de um enfarte de miocárdio, quando com
alguma surpresa minha vejo entrar no quarto para me visitar a minha melhor agente
de sempre e me disse: - “Sabe, isso foi o somatório de todas as coisas”.

30
BREVE HISTÓRIA DAS INFORMAÇÕES EM PORTUGAL NO PÓS 25
DE ABRIL

Por Ramiro Ladeiro Monteiro

Quando eclodiu a Revolução de 25 de Abril de 1974, que extinguiu o regime


político do Estado Novo, apenas os militares dispunham de um serviço de
informações integrado na estrutura orgânica do Estado Maior General das Forças
Armadas, a 2ª Divisão, mais conhecida por DINFO, que deu lugar, em 23 de Março
de 1975, ao Serviço Director e Coordenador de Informações (SDCI).
“A imagem deixada pelo SDCI, que o público confundia com a 5ª Divisão por
haver uma parte desta no edifício Grão-Pará, era má. Além de ser um serviço de
informações, transformou-se num fórum de reuniões de tomada de decisões
político-militares”25. Foi, porém, muito curta a existência do SDCI – seis meses
apenas – porquanto foi desactivado em 26 de Novembro pelo Brigadeiro Renato
Marques Pinto, o oficial general que, em seguida, reactivou a 2ª Divisão do
EMGFA, departamento de informações que chefiou durante dois anos e que, a
partir de Junho de 1977, passou a chamar-se DINFO (Divisão de Informações).
Em 1977, o Presidente da República, General Ramalho Eanes, criou um
grupo de trabalho, presidido pelo General Pedro Cardoso, “para estudar a
legislação e a organização de um serviço de informações [civil] de coordenação e
centralização, a nível nacional. O grupo realizou um trabalho importante mas não
houve vontade política para aceitar o desgaste da promulgação da legislação
adequada”26.
A mais conhecida, entre as várias versões produzidas, foi a que propunha a
criação, na dependência da Presidência da República, de um serviço único de
informações com a designação de Serviço de Informações da República (SIR), o
que nunca se concretizou.
No campo das informações civis permanecia o vazio, facto a que não eram
estranhos os estigmas herdados do anterior regime político. Não havia, pois,

25
Major General Renato Marques Pinto, in As Informações na Idade da Informação, Separata da Revista Militar,
Abril, 2001.
26
General Pedro Cardoso – As Informações em Portugal, in “Estratégia”, vol.I, ISCSP, Lisboa, pp.55 a 73.

31
condições subjectivas favoráveis à criação dos serviços de informações civis
adequados à defesa de um Estado de direito, à semelhança do que sucedia nos
demais países de regime democrático.
Estávamos perante uma situação algo paradoxal, uma vez que desde
Fevereiro de 1975 a Abril de 1977 vinham ocorrendo acções violentas (mais de
uma centena) perpetradas, na sua quase totalidade, pela chamada “Rede Bombista
do Norte”, conotada com a “extrema-direita”. Apesar de estas acções terem
provocado quase só danos materiais por via do rebentamento de engenhos
explosivos – apenas foram identificadas três vítimas mortais, entre as quais
Maximiano de Sousa, o conhecido “Padre Max” – o certo é que configuravam actos
de terrorismo, cuja prevenção é uma das atribuições tradicionalmente cometidas
aos serviços de informações.
Todavia, a esta onda de violência outra se seguiu, com repercussões
emocionais bem mais gravosas na sociedade portuguesa. Referimo-nos às “Forças
Populares 25 de Abril” que se assumiram como “organização unitária da classe
operária”, tendo como objectivo estratégico a construção do socialismo e, a partir
deste, de uma sociedade sem classes.
Tendo iniciado a sua actividade em 20 de Abril de 1980, com o rebentamento
de 102 petardos um pouco por todo o país e a difusão simultânea de um
comunicado, intitulado “Manifesto ao Povo Trabalhador”, relativo ao “projecto
político global” que se propunha concretizar, a organização das FP 25 de Abril
desencadeou intensa actividade terrorista, de 1980 a 198627, executando mais de
300 acções violentas (mais de 40 por ano). Uma boa parte dessas acções (um
terço, aproximadamente) traduziu-se em assaltos a estabelecimentos bancários, a
tesourarias da Fazenda Pública e a viaturas de transporte de valores, para
angariação de fundos financeiros, e as restantes contra variados alvos, visando,
selectivamente, o patronato (empresas, empresários e dirigentes), postos e
militares da GNR, agentes da Polícia Judiciária e da PSP e, ainda, algumas
instituições que constituíam símbolos do capitalismo, como foram os casos das
instalações da Embaixada dos EUA, em Lisboa, e da NATO, em Oeiras, ambas

27
Porque a maioria dos operacionais já haviam sido presos, foram esporádicos os atentados depois desse ano e
até 1991. Num deles (1987) foi assassinado o agente da P.J., Álvaro Militão.

32
atacadas com granadas de morteiro. O número de vítimas mortais e de feridos, nos
atentados das FP 25, ascendeu a cerca de quarenta.
A situação agravou-se, ainda mais, pela repercussão ocasionada na
comunidade internacional, com a actuação de três grupos terroristas provenientes
do exterior e cujos atentados ocorreram no período de actividade das FP 25.
Dois deles pertenciam à ARA (Exército Revolucionário Arménio): o primeiro,
em Julho de 1982, assassinou um diplomata turco, em Linda-a-Velha; o segundo,
constituído por 5 elementos, atacou, em Julho de 1983, a Embaixada turca, em
Lisboa, ocasionando dois mortos28.
O outro grupo, constituído por 3 elementos da Organização Terrorista de Abu
Nidal, sediado na Líbia, actuou no Algarve, em 10 de Abril de 1983. Penetrando nas
instalações do Hotel de Montechoro, no Algarve, onde decorria o XVI Congresso da
Internacional Socialista, assassinou o representante da Organização para a
Libertação da Palestina, o médico Issam Sartawi.
Estes dados objectivos evidenciaram a vulnerabilidade de Portugal ao
terrorismo e os riscos que este representava para a consolidação da democracia. A
opinião pública portuguesa perturbou-se perante a passividade das autoridades,
apesar das frequentes reuniões do Gabinete de Crise e apesar de o Governo,
presidido pelo Dr. Mário Soares, beneficiar do apoio de uma confortável maioria
parlamentar resultante da coligação PS e PSD (Bloco Central).
Além do previsto desmantelamento das FP 25 de Abril, após a conclusão
das investigações da Polícia Judiciária, algo havia a fazer, em termos preventivos,
contra o terrorismo.
Quem tomou a iniciativa foi o então Ministro da Administração Interna, Eng.º
Eduardo Pereira, que começou por solicitar às Forças e Serviços de Segurança um
relatório circunstanciado sobre a actividade terrorista em Portugal, após a
Revolução de 25 de Abril, e perspectivas quanto à sua possível evolução.
Na qualidade de Director Geral dos Serviços de Estrangeiros29, coube-nos
também a nós satisfazer o pedido do Ministro da tutela, empenhando-nos

28
Os cinco terroristas da ARA atacaram a Embaixada e ocuparam a residência do embaixador, junto ao mesmo
edifício, fazendo dois reféns: a mulher do encarregado de negócios e o seu filho. Na sequência do tiroteio
desencadeado pela pronta intervenção do GOE (Grupo de Operações Especiais da PSP), morreu um dos
terroristas. Os restantes terroristas morreram em consequência de uma explosão por eles provocada na
residência, que também provocou a morte de um operacional da PSP e da mulher do diplomata, vítima do
sequestro.
29
Cargo de que tomámos posse em 18 de Dezembro de 1981, após convite formulado pelo então Ministro da
Administração Interna, Eng.º Ângelo Correia, com a incumbência de reorganizar o Serviço de Estrangeiros

33
totalmente na investigação e fundamentação da resposta, cujas conclusões e
perspectivas não eram nada tranquilizadoras.
Soubemos, posteriormente, que foram tidas como pertinentes e que a
exposição a seguir feita em reunião do Conselho de Ministros levou o Primeiro-
ministro, Dr. Mário Soares, a convidar o Vice-1º Ministro, Prof. Mota Pinto e o
Ministro da Administração Interna, Eng.º Eduardo Pereira a apresentar, na mesma
sede, e com urgência, uma proposta sobre as medidas a tomar na luta contra o
terrorismo.
Com a urgência requerida, aqueles membros do Governo sugeriram que
fossem criados os serviços de informações, dando-se seguimento a uma iniciativa
do governo anterior, presidido pelo Dr. Francisco Pinto Balsemão.
Para o efeito foi designada uma Comissão, presidida pelo Prof. Mota Pinto, e
constituída por vários membros, entre os quais um representante do Ministério da
Defesa, o Chefe da DINFO, o então Brigadeiro António Gonçalves Serôdio, e, entre
outros, eu próprio, em representação do Ministro da Administração Interna, Eng.º
Eduardo Pereira. Foi fácil a missão da comissão uma vez que se limitou a
aperfeiçoar um projecto antes elaborado no Ministério da Defesa, com a
colaboração directa da DINFO, herdeira da experiência militar nesta área e a única
organização sólida existente no País, depois do 25 de Abril de 1974. Recordo
apenas as duas sugestões que, na altura, formulei e que julgo oportuno trazer
agora à colação por despertarem ainda algum interesse:

- A primeira referia-se ao Conselho Superior de Informações que aparecia, no


projecto, desprovido de qualquer suporte para o funcionamento do Conselho e sua
articulação com os três serviços de informações de cuja orientação dependiam,
lacuna que foi por todos reconhecida. Assim nascia um órgão de assessoria
permanente ao Conselho Superior de Informações – a Comissão Técnica de
Informações, constituída pelos directores do Serviço de Informações Estratégicas
de Defesa (SIED), do Serviço de Informações Militares (SIM) e do Serviço de

através de uma lei orgânica que garantisse a assunção do controle de pessoas pelos postos de fronteira, função
atribuída transitoriamente à Guarda Fiscal, após a extinção da PIDE/DGS. Apesar da forte resistência da Guarda
Fiscal e da Tutela (Ministério das Finanças) conseguimos fazer aprovar, em Conselho de Ministros, a Lei
orgânica, que criou o SEF nos moldes actuais. Mas, porque se manteve a resistência do Ministério das Finanças,
a sua implantação só foi possível muito depois da minha saída e mercê da entrada em vigor do regime de livre
circulação de mercadorias na União Europeia, o que reduziu substancialmente os impostos aduaneiros, abrindo
caminho à extinção da própria Guarda Fiscal e à sua substituição por uma simples Brigada Fiscal, integrada na
GNR.

34
Informações de Segurança (SIS) e presidida por uma entidade que, após retoques
na Assembleia da República, viria a denominar-se “Secretário Geral da Comissão
Técnica”, designação menos apropriada (em função da natureza das competências
atribuídas ao cargo) do que duas outras então aventadas: a de Secretário Geral do
Conselho Superior de Informações ou a de Secretário Geral do Sistema de
Informações da República Portuguesa, ambas mais abrangentes e mais adequadas
à arquitectura do sistema de informações (o SIRP).

- A segunda sugestão tinha a ver com a estrutura orgânica do Sistema de


Informações da República Portuguesa (SIRP) a qual, constituída por três serviços
de informações, se afigurava algo pesada, dispendiosa e até desproporcionada
relativamente à dimensão do País e dos interesses a defender. Dois serviços
seriam suficientes: o Serviço de Informações Militares (SIM) que, com a designação
de DINFO, já existia e constituía aliás a cúpula dos serviços de informações
militares dos três ramos das Forças Armadas, para a produção das informações
necessárias ao cumprimento das suas missões específicas; e um outro serviço,
civil, com uma estrutura orgânica única, responsável pela produção de informações
de interesse para a segurança do Estado, nas duas vertentes – interna e externa.
Esta sugestão não foi acolhida, em virtude dos alegados riscos que, em
democracia, comporta a concentração das informações. Razões que ainda hoje
persistem numa minoria do universo político português e cujos elementos se opõem
à tese dos que defendem a fusão do SIS (Serviço de Informações de Segurança)
com o SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa).

A proposta de lei dos serviços de informações, enviada pelo Governo à


Assembleia da República, era acompanhada de uma outra – a lei de segurança
interna – esta elaborada no Ministério da Administração Interna sob a orientação do
Ministro, Eng.º Eduardo Pereira. O debate simultâneo, pela Assembleia da
República, destes dois diplomas justificava--se pela complementaridade que a “lei
da segurança interna” viria a desempenhar em relação às funções de segurança
cometidas a um dos serviços de informações – o SIS – que integra os dois órgãos
de consulta e coordenação nela criados: o Conselho Superior de Segurança
Interna, presidido pelo Primeiro-Ministro, e o Gabinete Coordenador de Segurança,

35
também na directa dependência do Primeiro Ministro ou, por delegação, do Ministro
da Administração Interna30.
Na proposta de lei de segurança interna atribuía-se ao SIS, à semelhança do
que acontece em serviços homólogos de países amigos, competência para a
execução do controlo das comunicações (escutas telefónicas) mediante autorização
judicial, facto que, na Assembleia da República, gerou fortes reacções negativas
por parte da oposição e mesmo de alguns deputados do “Bloco Central”, com a
correspondente ressonância nos meios de comunicação social.
A polémica suscitada fez concentrar a atenção dos deputados mais radicais
no debate da lei da segurança interna, de tal modo que o diploma sobre a criação
dos serviços de informações, considerado inicialmente o mais sensível, acabou por
ser aprovado na generalidade e na especialidade sem reparos de monta, enquanto
a lei da segurança interna não passou da fase de apreciação na generalidade,
registando-se uma certa passividade da maioria parlamentar do “Bloco Central”,
compreensível, no entanto, perante uma conjuntura visivelmente desfavorável. Esta
a razão do desfasamento temporal entre a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-
Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa) e a Lei de
Segurança Interna, aprovada a 28 de Abril de 1987, no primeiro governo do Prof.
Aníbal Cavaco Silva31.
Convidado pelo Ministro de Estado e da Administração Interna, Eng.º Eurico
de Melo, tomei posse, em 21 de Fevereiro de 1986, do cargo de director do recém-
criado Serviço de Informações de Segurança (SIS). Por coincidência, nesse mesmo
mês, o General Pedro Cardoso tomaria posse do cargo de Presidente da Comissão
Técnica do Sistema de Informações da República Portuguesa. Iniciávamos, assim,
a partilha de uma missão comum no universo das informações, uma partilha em
termos de cooperação institucional, entre todos os membros da Comissão Técnica.

30
Nos termos do art. 1º da Lei n.º 20/87, “a segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado para
garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e
contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos
e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. Aplicando-se esta lei ao SIS,
este serviço pode e deve produzir, a montante, informações de interesse para que as forças e serviços que
exercem funções policiais (GNR, PSP, PJ, SEF e Polícia Marítima) possam cumprir as missões acima
enunciadas. Porém, vem a propósito referir que esta interpretação não tem sido pacífica, visto tal actividade não
constar expressamente das atribuições da lei-orgânica do SIS, o que condiciona, naturalmente, a actuação deste
organismo. Atribuições mantidas pela Lei n.º 8/91, de 01 de Abril.
31
A Lei 20/87 (Lei de Segurança Interna), foi publicada em 12 de Junho e o n.º 3 do seu artigo 18º determina
que a execução do controlo das comunicações é da exclusiva competência da Polícia Judiciária. Este receio está
hoje bastante esbatido, havendo no seio do actual governo quem advogue a atribuição da mesma competência
aos serviços de informações, pelo menos, na área do combate ao flagelo do terrorismo.

36
Na primeira reunião do Conselho Superior de Informações, realizada em
Junho de 1986, sob a presidência do Primeiro-Ministro, submeti à apreciação deste
órgão a questão seguinte. Dois dos três serviços de informações partiam do zero,
em termos organizativos: o SIS, com cerca de quatro meses de vida, estava ainda
numa fase embrionária; em relação ao SIED aguardava-se a nomeação do director.
Que fazer? Organizar simultaneamente o SIS e o SIED, correndo-se o risco de
nenhum deles se consolidar em tempo útil, ou não activar o SIED enquanto o SIS
não alcançasse um nível organizativo satisfatório. Foi aceite esta última hipótese e
o Conselho entendeu que, para prevenir eventuais desaires, o SIS permaneceria
em “regime de instalação” durante o período de tempo considerado suficiente para
poder iniciar a sua actividade operacional em segurança. Tal responsabilidade viria
a ser assumida a partir do final de 1987, após decisão tomada pelo Conselho
Superior de Informações, na sua reunião de 9 de Novembro de 1987, mas o SIED
não foi activado durante o governo do Prof. Cavaco Silva, passando o SIM (DINFO)
a substituí-lo no desempenho das suas atribuições.
Foi na reunião do Conselho Superior de Informações, de 10 de Maio de
1989, que pela primeira vez se reflectiu sobre o modelo de sistema de informações
que a Lei 30/84 consagrou e “que só é seguido pelas grandes potências e que
outros países amigos mais modestos têm um sistema de informações apenas com
dois serviços, cometendo alguns deles aos militares a informação estratégica”.
Na reunião do mesmo Conselho, de 7 de Março de 1990, o General Joaquim
Chito Rodrigues, então responsável pelo Serviço de Informações Militares (SIM),
apresentou o estudo de que havia sido incumbido, segundo o qual a missão do
SIED seria atribuída ao SIM, “ficando o SIRP a ser constituído apenas por dois
serviços: o SIS e o que o autor designava por SIMED, Serviço de Informações
Militares e Estratégicas de Defesa”32.
Sem querer retirar o mérito do modelo proposto no aludido estudo, a nossa
discordância, então manifestada em sede da Comissão Técnica, partia de dois
pressupostos: ou o SIMED seria integrado no EMGFA, como acontece no Modelo
Belga33, não se justificando neste caso um serviço de informações exclusivo das
Forças Armadas (DINFO ou 2ª Divisão) e então, sim, teríamos apenas dois serviços

32
General Joaquim Chito Rodrigues, in “Os Instrumentos para a Luta Anti-Terrorista ─ Avaliação das Condições
de Exercício do Sistema de Informações da República”, Revista Militar, Abril, 2002, pp. 219 a 242.
33
Major-General Renato Marques Pinto, ob. cit.

37
de nível nacional, ainda que contrariando eventualmente o espírito da Lei-Quadro
do SIRP; ou o SIMED, embora com a missão de servir as Forças Armadas,
funcionaria autonomamente e em pé de igualdade com o outro serviço do SIRP (o
SIS), mas nesta hipótese parecia-nos pouco provável que as Forças Armadas
prescindissem de um serviço de informações próprio, cúpula dos serviços de
informações dos três Ramos das Forças Armadas e, assim sendo, continuaríamos
a ter três serviços de informações, embora um deles ─ o militar ─ fora do SIRP. Só
passados cerca de cinco anos foi alterado o sistema através da Lei nº4/95 de 21 de
Fevereiro, mas não exactamente nos termos propostos no aludido estudo. Com
efeito:

a) Manteve-se o SIS sem alterações.


b) Extinguiu-se “formalmente” o SIM, que já antes fora substituído pela DIMIL (D.L
nº48/93). Esta, tal como a DINFO (antes 2ª Divisão), constitui um serviço
exclusivamente militar, para o cumprimento das missões específicas das Forças
Armadas34.
c) O SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa deu lugar ao SIEDM
(Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares) e não ao SIMED
(Serviço de Informações Militares e Estratégicas de Defesa) na versão inicialmente
proposta. Da junção das informações estratégicas militares resultou, a favor do
SIEDM, uma mais valia na prospecção estratégica, que é, ao invés, prejudicada
pela sobreposição gerada com a DIMIL, no atinente à estratégia e segurança
militares, podendo constituir uma fonte de conflitos de competência,
designadamente na produção de informações externas, e de equívocos
susceptíveis de especulação na opinião pública, de que é exemplo a confusão do
SIEDM com a “Secreta Militar”. Tendo em conta, pois, que o SIM não era mais que
a DINFO, mantiveram-se os Serviços de Informações: o SIS, o SIEDM e a DIMIL,
embora esta seja um órgão de Estado-Maior no quadro do Centro de Operações
das Forças Armadas (COFAR) e, portanto, fora do SIRP.

34
O D.L n.º 48/93, de 26 de Fevereiro aprova a nova lei orgânica do EMGFA, criando a Divisão de Informações
Militares (DIMIL) como órgão de Estado–Maior, em substituição da DINFO, que se manteria em funções até à
publicação da Lei nº4/95. A este propósito, diz o Major-General Renato Marques Pinto: cria-se o SIEDM “para
substituir o nado-morto SIED de há 11 anos atrás, e retira-se o SIM do SIRP”; Ob. Cit..

38
Esta situação alterou-se, porém, com a nova estrutura orgânica do Sistema de
Informações, criada pela Lei n.º 4/2004 de 06 de Novembro, adiante objecto de
reflexão.

Na reunião plenária da Assembleia da República, de 31 de Outubro de


200135, e na sequência do 11 de Setembro nos EUA, o Primeiro Ministro, Eng.º
António Guterres, referindo-se à evolução desejável do Sistema de Informações da
República, definiu “três princípios para a sua reforma”. Primeiro princípio: não deve
haver um único serviço de informações, excluindo, portanto, a fusão do SIS com o
SIEDM (agora SIED)”; segundo, “os serviços de informações não podem passar a
assumir a natureza de polícias de investigação criminal”; terceiro, “a melhor
arquitectura do sistema implica a coordenação dos dois serviços por uma
autoridade nacional de informações, nomeada pelo Primeiro Ministro e dele
directamente dependente”, acentuando também que “o Conselho Superior de
Informações, de natureza inter-ministerial, deverá ter um papel decisivo de
coordenação política”. Os princípios aqui definidos, quanto “à evolução
desejável do Sistema de Informações”, confirmam a ideia, anteriormente expressa,
de que a fusão do SIS com o SIED, aceitável em termos de eficácia e economia de
recursos humanos e financeiros, é rejeitada por alguns segmentos do universo
político, sobretudo das áreas da esquerda e extrema esquerda, sob a alegação de
que a concentração das informações ainda é prejudicial ao aprofundamento e
consolidação da democracia;
A coordenação das informações ─ sobretudo as relativas a áreas relevantes
e abrangentes, estrutural e conjunturalmente, numa ou mais vertentes ─ é positiva
e parece ter sido inspirada no Modelo Britânico, que dispõe de um órgão de
coordenação, denominado “Joint Intelligence Committee (JIC)”, que faz o
processamento final de informações sobre assuntos bem definidos, podendo assim
fornecer ao Primeiro Ministro, de quem depende directamente, informações
integradas e não apenas na perspectiva sectorial de cada serviço 36. Em Portugal
envolveria um risco: o de se poder transformar num novo serviço de informações, o
que além de tendencialmente conduzir à indesejada concentração, tornaria o
sistema mais complexo e dispendioso. Aliás, tais funções seriam igualmente

35
Diário da Assembleia da República, Iª série, nº19, de 2 de Novembro de 2001.
36
Major-General Renato Marques Pinto, Idem, Ibidem.

39
desempenhadas se o sistema fosse constituído por um único serviço civil. Bastaria
que o Director Geral do serviço único se rodeasse de uma pequena equipa de
técnicos superiores para desempenhar essas funções. No entanto, o modelo a que
nos referimos não foi implantado durante o segundo mandato do Eng.º António
Guterres.
Entretanto, em meados de 2004, o Governo do Dr. Durão Barroso, favorável
à tese de fusão dos serviços de informações civis, elaborou um projecto de lei que,
a ser aprovado pela Assembleia da República, manteria o Serviço de Informações
Militares (a DIMIL) para as informações necessárias ao cumprimento das missões
das Forças Armadas e à segurança militar e procederia à fusão dos dois serviços
de informações do SIRP (SIS e SIED), num único serviço com a designação de
“Serviço de Informações Estratégicas e de Segurança (SIES)”, responsável pela
pesquisa e tratamento das informações necessárias à segurança externa e interna
do Estado. A vantagem de um serviço único seria melhorar a eficácia e reduzir os
recursos humanos e financeiros, seguindo o exemplo de outros países europeus,
tal como a Bélgica, a Espanha, a Holanda, a Itália e a Suíça.
No preâmbulo deste projecto salientava-se: “Ponderados os vários
argumentos a favor de um ou dois serviços de informações, entendeu-se que, nesta
altura, para reequacionar o SIRP teremos de passar pela concentração das
informações de segurança propriamente ditas e das informações estratégicas de
índole não estritamente militar num serviço único, directamente dependente do
Primeiro Ministro, por ser esta a estrutura que melhor corresponde aos novos
desafios, decorrentes do fim da Guerra Fria e do agravamento do fenómeno do
terrorismo transnacional, e de todas as formas de criminalidade organizada àquele
associado“. Como se previa, em face da tese defendida na Assembleia da
República pelo Primeiro Ministro Eng. António Guterres, após o atentado terrorista
perpetrado nos EUA, em 11 de Setembro de 2001, tese que era contrária à fusão
dos dois serviços de informações civis (SIS e SIED), não estavam ainda reunidas
as condições necessárias para se obter a concordância do PS sobre esta matéria,
pelas razões, aliás, por nós referidas no nº 3, alínea b) desta exposição.
Como consequência, tendo sido este o modelo adoptado pelo actual
governo, chefiado pelo Eng. José Sócrates, o sistema de informações (SIRP),
constituído pelo SIS e pelo SIED, passou a ser coordenado, técnica e
hierarquicamente, por uma entidade – o Secretário Geral – directamente
40
dependente do Primeiro Ministro e com categoria equiparada a secretário de
estado, cujas atribuições, na prática, retiraram aos aludidos serviços a autonomia
de que gozavam anteriormente, sem os benefícios que adviriam de um serviço
único, em termos de eficácia e economia de recursos.

O novo modelo do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP)


foi materializado recentemente pelo Governo, através da Lei Orgânica n.º 4/2004,
de 06 de Novembro, que alterou a Lei-Quadro n.º 30/84, de 05 de Setembro, antes
referida. Resumidamente, este sistema cujos organismos têm a natureza de
serviços públicos é constituído pelos dois serviços já existentes: o Serviço de
Informações Estratégicas e de Defesa (SIED) e o Serviço de Informações de
Segurança (SIS) e difere do Sistema inicial, criado pela citada Lei n.º 30/84, por
este incluir um terceiro, o Serviço de Informações Militares (SIM), hoje designado
por Divisão de Informações Militares (DIMIL).

Os dois serviços de informações civis, que mantêm inalteráveis as suas


competências iniciais (Lei n.º 30/84), dependem agora, directamente, de um
Secretário Geral, equiparado a Secretário de Estado sob a tutela do Primeiro
Ministro, e a quem compete, entre outras atribuições de ordem específica, “conduzir
superiormente, através dos respectivos directores gerais, a actividade do Serviço
de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e do Serviço de Informações de
Segurança (SIS), bem como exercer a sua inspecção, superintendência e
coordenação, em ordem a assegurar a efectiva prossecução das suas finalidades
institucionais. E na dependência directa do Secretário-Geral ficam as estruturas
comuns, a ambos os serviços, criadas nas áreas de gestão administrativa,
financeira e patrimonial, integradas em quatro departamentos: a) recursos
humanos; b) finanças e apoio geral; c) tecnologias de informação; d) segurança.

Concluindo, o sistema actual, assim descrito, poderá evoluir, num futuro mais
ou menos próximo, para o modelo de serviço único, mais eficaz e menos
dispendioso, tal como foi por nós sugerido, aquando da elaboração da proposta de
lei que criou o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), em 1984,
e que foi retomado, sem sucesso, pelo governo do Dr. Durão Barroso, em 2004.
Por outras palavras, à semelhança de outros países da União Europeia, Portugal
passaria a ter, na área das informações, apenas dois serviços: de um lado, um
serviço único resultante da fusão do SIS com o SIED, para a prevenção da

41
segurança interna e externa do País; do outro lado, um serviço de informações
militares (a DIMIL, sucessora da DINFO) para apoio das Forças Armadas.

42
A IMPORTÂNCIA DA ACTIVIDADE OPERACIONAL NAS
INFORMAÇÕES

Por Pedro Serradas Duarte

O tema que concretamente me foi proposto – A Importância da actividade


Operacional nas Informações – é dentre todos os que podem estar incluídos no
tema genérico da Intelligence aquele, que para mim, constitui o aspecto mais
característico e especifico de um serviço de informações.
Fazer análises baseadas essencialmente em fontes abertas, não justifica a
existência de um serviço de informações bastando para tal um gabinete de estudo
ou o recurso a uma Universidade, que se obterá por certo os mesmos ou melhores
resultados com um dispêndio de dinheiro muito inferior. Por outro lado, duvido que
algum caso de terrorismo ou espionagem tenha sido resolvido através da
informação aberta.
Para falar em actividade operacional nas Informações e para mais facilmente
se entender a sua evolução histórica importa olhar para o que existiu antes da
reactivação, após o 25 de Novembro de 1975, da 2ª DIV/EMGFA mais tarde
designada por DINFO, nome que acabou por ser o que perdurou.
Antes do 25 de Abril a PIDE/DGS, organismo de carácter de polícia política
limitava – se à quase exclusiva perseguição dos adversários políticos do regime
que designava por inimigos e que na óptica da altura, constituíam uma ameaça à
segurançainterna do Estado. A componente de informações era muito reduzida e
mesmo depois do início da Guerra Colonial manteve-se muito apagada com
excepção do plano táctico onde teve alguma acção de relevo. A verdade é que
quase nada se sabia sobre as intenções e planos dos nossos adversários bem
como desconhecíamos as suas capacidades e as suas limitações. Chegámos a
tentar comprar mísseis antiaéreos para enfrentarmos, na Guiné, eventuais ataques
aéreos, quando o nosso adversário não tinha meio aéreos nem estava em
condições de os vir a ter.
Em simultâneo, e apesar da sua ineficácia no campo da Intelligence, a PIDE
tentou sempre bloquear a possibilidade de aparecer qualquer serviço de

43
informações que operasse especialmente no exterior, tal como alguns sectores da
estrutura militar o pretenderam.
Ao mesmo tempo existiam as 2ª Divisão dos Estados-Maiores de cada um
dos Ramos que se limitavam a um papel de análise geopolítica, muito limitada e
deficiente, baseada quase unicamente em fontes abertas (jornais, revistas e rádios)
nacionais e estrangeiras. Aqui tenho de chamar a atenção para o facto de na época
existir uma apertada censura à comunicação social e como tal as 2ª Div. ao
fazerem as suas análises baseadas em revistas e jornais estrangeiros não
censurados acabavam por apresentar analises que as chefias militares não seriam
capazes de fazer através da leitura dos jornais nacionais e estrangeiros que
estavam disponíveis ao cidadão comum.
Nesse tempo a análise geopolítica abrangia quase todos os países do
mundo, mesmo aqueles com os quais Portugal não tinha qualquer tipo de relação,
nem era presumível que viesse a ter.
A partir do início da guerra em África a rotação dos quadros foi sempre tão
grande que não permitiu a criação e formação de uma escola e de uma linha de
pensamento sobre informações. A formação de quadros no campo da Informação
limitava-se quase em exclusivo a um plano teórico elementar, fugindo sempre a
abordar com um mínimo de profundidade aquilo que é essencial nas informações
que é a pesquisa e as suas operações.
No plano táctico, em África, as informações tiveram algum desenvolvimento
sem no entanto ter sido criada uma estrutura capaz de uma pesquisa eficaz e
continuada.
No plano técnico a CHERET (serviço do Exército com responsabilidades,
entre outras, de intercepção e escuta de comunicações) teve alguma actuação mas
também sem grandes consequências. Aqui talvez mais por culpa do adversário que
na época utilizava poucos meios de comunicação rádio.
Em meados dos anos 60, primeiro em Angola e posteriormente em
Moçambique foi criado um serviço designado por Serviço Coordenador e
Centralizador de Informações com carácter provincial na dependência do
Governador-geral e com antenas em cada um dos distritos, antenas essas que
respondiam perante o Governador do Distrito. A ideia era passar a haver um
serviço que coordenasse a actividade, no campo das informações, da estrutura da
PIDE e da militar. Claro que o resultado foi nulo já que nem a PIDE nem os militares
44
reconheciam qualquer competência a esta organização para desempenhar o papel
que lhe quiseram atribuir.
No final os SCCI acabaram a apoiar os Governadores de Distrito na sua
acção de protecção civil já que estes não tinham qualquer acção no plano militar. O
SCCI efectuou notáveis estudos antropológicos sobre os povos de Angola que
espero sinceramente que não se tenham perdido, mas como é evidente não é para
isto que serve um serviço de informações.
Em resumo, até ao 25 de Abril existia em Portugal uma polícia política que
algumas vezes assumia um limitado papel de serviço de informações. Um serviço
de informações militares que era essencialmente um órgão de leitura da
comunicação social das Chefias Militares e um chamado Serviço Coordenador de
carácter regional, que não coordenava nada e se limitava a uma pesquisa virada
para o estado das populações.
Com o 25 de Abril a PIDE foi extinta. Os SCCI extinguiram-se com a
descolonização e as F.A. viram-se com a responsabilidade de assumir sozinhas a
produção de informações em todas as suas vertentes. Para o efeito foi criada a 2ª
Divisão do EMGFA também conhecida pela 2ª divisão da Ajuda por funcionar em
algumas salas do palácio e que devido às convulsões políticas da época durou
pouco mais de um ano. Para suceder-lhe foi criado o SDCI (Serviço Director e
Coordenador de Informações) dando satisfação a uma quase obsessão nacional de
querermos coordenar tudo mesmo antes de os serviços atingirem um grau de
profissionalismo e maturidade que justifique uma coordenação.
Este serviço criado por Decreto-Lei tentava em certa medida seguir o
exemplo da estrutura e actuação do KGB voltando ao conceito do inimigo interno (o
reaccionário ou mesmo o contra revolucionário) e como tal ao da segurança interna.
Se a 2ª DIVISÃO da Ajuda durou pouco mais de um ano o SDCI nem isso
durou e com o 25 de Novembro foi extinto e a 2ª Divisão do EMGFA reactivada,
agora a funcionar nas instalações herdadas do SDCI, na Rua Castilho.
Esta reactivação trazia no entanto uma novidade em relação ao passado, era
a criação de um Departamento autónomo exclusivamente dedicado às operações
de informações ou dito de outra maneira à pesquisa.
No inicio de 1976 a situação no plano nacional caracterizava-se por alguma
instabilidade ainda resultante do “Verão quente” de 1975 e de todo o PREC, com
especial relevo para uma operação bombista conduzida por grupos de extrema-
45
direita que para além de destruir viaturas pertencentes a pessoas seleccionadas de
acordo com critérios pouco claros sob o conceito genérico de estarem ligadas à
“esquerda” levou a efeito um atentado contra a embaixada de Cuba (22ABR1976)
de que resultou a morte de duas pessoas, a eventual responsabilidade pelo
homicídio do Padre Max, nunca provado e um atentado contra a torre de radar do
Aeroporto de Lisboa que só por decisão do operacional que chefiou a operação não
teve maiores consequencias já que a ordem que tinha recebido era de colocar o
engenho explosivo no átrio de passageiros. Esta campanha bombista amplificada
pela forma como a comunicação social relatava os factos, criou um clima de
crispação se não mesmo de medo na sociedade portuguesa que obrigava a uma
actuação imediata sob pena da situação evoluir de forma descontrolada.

No plano internacional Portugal tinha acabado de dar a independência às


suas antigas colónias sendo a relação com estes novos países vital para Portugal.
Acresce que no caso de Angola e de Moçambique havia uma guerra civil em curso
com o envolvimento de potências estrangeiras que afectava directamente cidadãos
nacionais e seus bens ao mesmo tempo que distorcia a visão que as autoridades
políticas portuguesas tinham desses países através dos normais canais
diplomáticos e de suas posições ideológicas e pré concebidas.

Agora que ia começar a actuar um departamento de operações dirigido á


pesquisa e que era urgente o inicio da sua actividade e não havendo tempo para
grandes debates mais ou menos académicos, a questão que se colocava era a de
saber qual o papel dum serviço de informações, que tipo de informações íamos
trabalhar e quais os limites da nossa actuação.

Para responder a estas questões vou ter de usar um estilo telegráfico já que
o tempo disponível não me permite alongar muito. Mesmo correndo o risco de
simplificar demasiado julgo importante responder às questões que suscitei para
enquadrar a actuação do Departamento.

Comecemos pela última, limites de actuação. O serviço não seria nunca um


órgão policial e como tal todos os dados por si recolhidos nunca poderiam servir
como elemento de prova em processos criminais, mas sim como base de trabalho e
apoio da investigação criminal ou como base e origem de análises geoestratégicas
de difusão muito restrita.

46
Quanto à segunda questão direi que um serviço de informações é um serviço
do Estado destinado à recolha e análise de informações recorrendo essencialmente
a métodos específicos e discretos.
Finalmente para que serve. No plano estratégico, apoia com a sua actividade
a tomada de decisão política do Governo obtendo dados que não estão disponíveis
aos órgãos de estado responsáveis pela condução da Politica externa. Dadas as
limitações de recursos deve focar a sua atenção nas regiões, países ou actividades
em que o governo tem obrigação e capacidade de tomar decisões autónomas sem
estar condicionado à política comum de espaços ou alianças onde o País esteja
integrado.
No plano da segurança a acção deve incidir na detecção dos agentes da
ameaça de terrorismo, de espionagem e de subversão. A definição da NATO sobre
o que é segurança indica claramente que é a situação em que um Estado se
encontra quando protegido contra as ameaças acima referidas. Esta definição
objectiva e precisa indicava claramente o caminho e era este que iríamos seguir.
As operações de pesquisa de Informações podem ser feitas quer recorrendo
a meios humanos quer a meios tecnológicos e aparecem referidas como HUMINT,
ELINT, SIGINT etc.
No plano das operações recorrendo a meios humanos uma das
componentes essenciais são os agentes recrutados com vários objectivos e
controlados pelos chamados “case officers” traduzido para português por Oficiais de
caso. Falar de agentes, recrutamentos, motivações e técnicas de controlo é um
mundo fascinante que ultrapassa em muito o âmbito desta minha apresentação.
Em simultâneo têm de existir equipas de vigilância que como o nome indica
exercem a sua acção sobre alvos específicos ou em apoio dos “case officers” ou de
operações técnicas.
Depois temos as operações de carácter técnico conduzidas por pessoal
altamente especializado e que envolvem um quase infinito número de
possibilidades que acompanham toda a evolução tecnológica.
Haverá sempre que ter em conta que nada substitui a existência de agentes
e que deverá ser sempre através do HUMINT que se obterão as mais importantes
informações.
Tomando o fio à descrição cronológica que vinha fazendo, recordo que no
início do ano de 1976 Portugal vivia um clima de forte agitação em consequência de
47
atentados bombistas que iam ocorrendo um pouco por todo o Pais levados a efeito
por grupo de extrema-direita. A pressão exercida sobre o Departamento para obter
resultados era enorme e recrutar agentes no meio da extrema-direita com acesso à
rede que levava a efeito os ataques bombistas foi o primeiro e mais importante
passo. Felizmente e em curto tempo tal foi possível e de tal modo que, quando em
Agosto de 1976 a PJ do Porto prendeu Ramiro Moreira, a DINFO já tinha uma ideia
clara das formas de actuação desse grupo.

Com o recrutamento de agentes neste meio acabámos por detectar a


existência de um outro grupo que tencionava levar a efeito um atentado contra as
mais altas entidades do país, colocando uma bomba debaixo do estrado onde
essas entidades iam assistir à parada militar na Avenida da Liberdade.
Inesperadamente, como acontecia muitas vezes nesta actividade, fomos alertados
que alguns elementos dessa organização sem nome, iam à zona da Batalha buscar
alguns quilos de explosivo e detonadores roubados numa pedreira. Em pouco mais
de uma hora foi montada uma operação de vigilância de forma a ficarmos a
conhecer onde seriam guardados os referidos explosivos. Nada nos garantia que os
nossos agentes fossem capazes de nos vir a dar a conhecer esse detalhe
essencial. A ameaça não permitia correr riscos.

Foi uma das primeiras grandes operações da vigilância envolvendo elevado


número de pessoas e viaturas, que terminou em Lisboa com a localização exacta
do local de armazenamento dos explosivos. A partir desse momento estávamos na
fase de investigação criminal e o assunto foi entregue à PJ que infelizmente perdeu
o controlo dos explosivos sem no entanto haver o risco de o atentado ser levado a
efeito, já que o grupo ao sentir-se identificado dispersou tentando dentro do
possível evitar ser preso. Após um ano de imenso trabalho foi possível determinar
novamente a localização desses explosivos. Dessa vez não houve falhas e foram
todos apanhados.

Apesar de estarmos a alcançar alguns resultados – as bombas da extrema-


direita tinham parado e não se admitia que pudessem vir a reaparecer -estávamos
conscientes que a nossa preparação era insuficiente para fazer frente a outro tipo
de agentes de ameaça e dessa forma havia que realizar formação e treino. A sorte
acompanhou-nos e tivemos a oportunidade de ser treinados por um dos melhores
serviços do mundo – o SI de segurança de Israel.

48
A nossa capacidade de vigilância e de controlar agentes estava a atingir um
nível profissional muito aceitável o que nos permitia olhar para novas situações com
alguma tranquilidade. No horizonte começava a despontar a ameaça da extrema-
esquerda, primeiro com o PRP/BR e mais tarde com as FP25ABR.
Se no caso do PRP/BR não tenho qualquer dúvida em afirmar que todo o
trabalho de pesquisa foi essencialmente feito pela DINFO já no caso das FP25ABR
essa pesquisa já foi feita em simultâneo com a PJ, que como órgão de investigação
criminal ia assumindo logicamente um papel preponderante. A DINFO cada vez
mais ia operando sobre alvos colaterais e sobre as relações internacionais do
grupo.
Foram anos negros de terrorismo em Portugal com varias dezenas de
atentados bombistas, vários homicídios ou tentativas de homicídio para já não falar
dos inúmeros assaltos a bancos com o recurso sistemático a enorme violência.
Felizmente que a situação não mais se repetiu.
A nível interno do Departamento, tínhamos chegado à conclusão de que era
necessário fazer cada vez mais análise dos elementos que iam sendo recolhidos,
não para difusão exterior generalizada, mas sim para podermos continuar a
actividade operacional de forma planeada e continuada e apoiar a investigação
criminal. Para este efeito e para não haver confusões nem conflitos internos,
criamos uma secção de análise operativa e um arquivo operacional onde eram
guardados todos os dados que enviávamos à sede (Restelo) e também os que por
razões de segurança e operacionais não enviávamos.
Um serviço de informações vale o que valer o seu arquivo ou memória
histórica.
Um dos mais importantes operacionais das FP-25 só foi capturado muito
depois da operação de ORION (19 de Junho de 1984) graças ao arquivo existente
na DINFO que o tinha detectado alguns anos antes, num funeral – os terroristas
também comentem erros.
Para divulgação exterior à DINFO bastou a apresentação de um estudo
sobre a estrutura, a capacidades e limitações da organização, intenções futuras e
possibilidade de as levarem a efeito. Posso garantir que este estudo foi feito em
Março de 1982, sem recurso a nenhuma fonte aberta e se o tivesse feito só teria
errado, dado o nível de falta de informação existente na comunicação social. A

49
divulgação foi feita a seis ou sete pessoas que pelas suas funções tinham
necessidade de conhecer.
Entretanto tinha-nos sido solicitado pelos SI Belgas a nossa colaboração na
investigação de um caso de espionagem envolvendo um diplomata português. Essa
colaboração levou-nos a ter de operar em território belga em conjunto com os
nossos colegas desse país. A operação decorreu muito bem e a nossa capacidade
operacional foi propagandeada pelos Belgas junto dos serviços de informação de
outros países europeus, o que nos abriu portas até ai fechadas.
Claro que esta aceitação tinha o seu preço que se traduzia por um número
cada vez maior de solicitações de colaboração o que implicava um esforço
acrescido da nossa parte mesmo quando os objectivos não eram do nosso
interesse imediato. Desde controlo de movimentos de membros do IRA, à procura
do Mengels que alguém tinha visto em Portugal, à constante denúncia da presença
de Carlos no nosso pais para além doutras que agora não interessa referir, de tudo
ia aparecendo.
Recordo um caso curioso em que no final de um dia perto da hora do jantar
recebi o telefonema de um SI pedindo a nossa intervenção urgente, dado que um
cidadão português tinha em seu poder os planos completos de uma base aérea no
Deserto do Neguev e os ia entregar no dia seguinte na embaixada de um país
árabe. O tempo obrigava a falar pelo telefone mesmo correndo o risco de ser
escutado pois tínhamos de perceber donde provinha tal noticia e qual o seu grau de
credibilidade. O risco de provocações é uma constante na vida de um serviço.
A condição para nos envolvermos era de podermos falar a sós com a fonte e
assim foi. A conversa foi convincente e preparamos a operação para essa noite já
que era nessa noite que tínhamos que reaver os planos. Este tipo de acção
inopinada, preparada em pouco tempo com pessoal sempre disponível a qualquer
hora do dia ou da noite tinha-se tornado uma rotina na nossa actividade.
Com os meios desviados de outras operações em curso e com o pessoal de
folga foi possível juntar os meios necessários para a operação, que não podia ter
falhas dado que não havia outra oportunidade. Foram chamados dois “case officer”
pois ia ser necessário falar com a pessoa alvo da nossa acção e as equipas de
vigilância não estavam para isso preparadas. O que tínhamos era a identificação da
pessoa e o local onde estava a trabalhar naquele momento – um bar em Lisboa.
Seria preciso agora acompanhá-lo até à sua residência ou local onde ia pernoitar
50
que desconhecíamos e posteriormente, através do diálogo, convence-lo a entregar
os planos. Dado que a pessoa em causa actuava isoladamente e não tinha
antecedentes criminais esperávamos que não fosse muito difícil o diálogo.
O difícil era segui-lo à noite em Lisboa sem ele se aperceber, pois caso
contrário podia assustar-se e fugir, podendo inclusive fazer qualquer disparate com
consequências. Por outro lado, porém não podíamos ser muito defensivos e correr
o risco de o perder pois não havia segunda oportunidade.
Ao fim de algumas horas de espera começou o seguimento acabando por nos levar
ao local da residência sem problemas.
Depois foi a abordagem à porta de casa seguida de um longo diálogo na rua
com vista a convence-lo a entregar o que tinha em seu poder, os “case officer”
tiveram sucesso e o nosso alvo concordou em entregar tudo o que tinha.
Às 4 da manhã tudo estava terminado e tínhamos em nosso poder os planos
completos de uma base aérea com muito mais pormenor que alguma vez podíamos
ter imaginado.
Entretanto, e com a diminuição da actividade terrorista de origem nacional e
das suas ligações internacionais foi possível focar mais a atenção na ameaça de
espionagem que existia e se tinha desenvolvido desde o momento que tínhamos
estabelecido relações diplomáticas com os países do Pacto de Varsóvia.
O sucesso da nossa actuação permitiu a detecção de algumas operações de
espionagem com a consequente expulsão dos seus intervenientes.
Se no campo de terrorismo os agentes da ameaça actuavam baseados em
convicções ideológicas com frequente recurso à violência, na espionagem os
agentes da ameaça eram profissionais altamente treinados sem que houvesse
qualquer recurso à violência.
A estrutura das representações diplomáticas desses países era composta
por diplomatas genuínos, técnicos, administrativos e por oficiais pertencentes aos
serviços de informações. No caso concreto da União Soviética tínhamos uma
representação que no seu conjunto rondaria a centena e meia de pessoas das
quais uma percentagem não inferior a 20/30% pertencia ao KGB ou ao GRU.
A primeira tarefa que tinhas de desenvolver era determinar quem era quem.
Se a ajuda dos nossos aliados era importante estava no entanto longe de ser
suficiente para nos permitir seleccionar os alvos que requeriam a nossa atenção
especial.
51
Só uma observação continuada dos comportamentos, das relações sociais
entre os vários funcionários, a liberdade de movimentos e toda uma serie de outros
indícios permitiam ter uma ideia da estrutura em Portugal de cada uma das
organizações. Sempre que possível alguns dos nossos oficiais de informações
frequentavam os mesmos lugares que os soviéticos para através de um contacto
pessoal aprender um pouco mais.

Para além disto era preciso verificar as rotinas de cada indivíduo identificado
como sendo do KGB ou do GRU de modo a tentarmos obter uma indicação de uma
actividade que se repetisse dentro de padrões constantes pois era um indício de
uma actuação clandestina. Finalmente observávamos e registávamos qualquer
comportamento anómalo tentando procurar uma explicação para esses
comportamentos.

Não me vou alongar neste tema por que o tempo escasseia e também por
que o não devo fazer. Não posso no entanto deixar de referir uma operação em que
durante um largo período de tempo conseguimos controlar um agente duplo que
pela sua inteligência e nível cultural nos permitiu ficar a conhecer muito do
comportamento do KGB no nosso País, saber os seus receios, verificar as suas
tácticas no terreno, observar os seus truques e acima de tudo ficar a conhecer o
que sabiam a respeito da DINFO, que curiosamente temiam.

Não é segredo para ninguém que um agente do KGB ou GRU antes de se


encontrara com os seus agentes portugueses eram capazes de andar mais de três
horas a deambular por Lisboa usando diversos meios de transporte e apoiados por
colegas que tentavam verificar se havia vigilância por parte da DINFO. Podem
compreender o quanto era difícil controlarmos estes movimentos sem sermos
detectados, mas era este jogo.

Sabíamos também que as nossas comunicações eram escutadas e na


época ainda não havia sistemas de cifra de voz de pequena dimensão o que nos
obrigava a recorrer a praticas e truques para os enganar ou desviar a sua atenção.

No fundo era uma actividade que obrigava a grande planeamento, astúcia e


capacidade de improvisação, associado à consciencialização que tínhamos de
estar sempre atentos a presença de qualquer soviético que cruzasse o nosso
caminho.

52
Mas, não eram só os Soviéticos que espiavam em Portugal. Tivemos casos
com checos, com Polacos e outros. Era o normal em qualquer capital europeia
especialmente de países da Nato.
No plano das Informações Estratégicas e tal como disse no inicio as nossas
atenções focalizavam-se essencialmente nos chamados PALOP. As guerras civis
em Moçambique e Angola obrigavam a um esforço de pesquisa em várias
direcções no sentido de termos uma imagem o mais real possível da realidade.
Através dos canais diplomáticos e mesmo da comunicação social não era possível
obter esta imagem já que o estado de guerra e a política ditatorial em cada um dos
países distorcia completamente a realidade. O caminho era, mais uma vez o
recurso às capacidades específicas que um serviço deve ter recrutando agentes e
fazendo a ligação ao movimento com quem a diplomacia estava impedida de falar.
Sobre Moçambique a brilhante conferência feita pelo Cor. Silva Ramos foi
elucidativa e suficiente, assim limito-me a referir Angola. A questão de Angola tinha
duas vertentes diferentes e de abordagem distinta, se bem que simultânea.
Por um lado, constituía um problema a nível de segurança, já que a DISA
actuava em Portugal e como tal era necessário controlar a sua actividade para que
a mesma não colidisse com os interesses nacionais nem pusesse em causa a
segurança nacional. Poderei afirmar que verdadeiramente tal nunca aconteceu,
apesar de algumas actuações em relação aos seus cidadãos em Território
Nacional, serem questionáveis.
Noutro plano a necessidade que existia de conhecermos a situação real em
Angola o que levou a que entre outras medidas entrássemos em contacto com a
UNITA.
Nesses contactos feitos a vários níveis da estrutura do movimento, íamos
conhecendo o que se passava no terreno visto pelo lado deste movimento, as suas
expectativas para o futuro, as capacidades e limitações reveladas e ao mesmo
tempo controlávamos mais de perto a sua actividade em Portugal o que não tinha
acontecido até ai e tentávamos garantir a todo o custo que os Portugueses no
terreno não eram molestados ou que o no mínimo as suas vidas não eram postas
em risco. Sempre deixamos claro que qualquer acto deliberado da UNITA
atentatório da vida de cidadãos portugueses fosse a que pretexto fosse, seria
retaliado da nossa parte pondo em causa toda a estrutura da UNITA na Europa.

53
Com o passar do tempo e com um aprofundamento desse relacionamento
optamos por pôr directamente em contacto com o principal Analista do sector
África, estes dirigentes, quando vinham a Portugal, de forma a reduzir o trabalho de
escrita dos “case officer” e permitir um dialogo mais directo. Em consequência
desses contactos e devido ao alargamento da visão que tinha dos problemas, este
analista conseguia colocar quesitos mais objectivos, orientando a pesquisa de
forma mais precisa.
Este Oficial de Informações que sem dúvida era o maior especialista em
assuntos relacionados com as nossas antigas colónias não transitou para o SIEDE
por razões que nunca consegui entender. Se calhar não era amigo das pessoas
certas.
A nossa pesquisa começava igualmente a recorrer a um tipo de agente muito
comum em França e nesse país é conhecido por “Honorable Correspondent”.
Alguém que tem acesso legitimo a determinado local ou actividade e que de uma
forma não remunerada e não sistemática se dispõe a colaborar com um SI desde
que este garanta o completo sigilo dessa relação de forma a não afectar a sua
actividade legítima.
Agora que abordei diversos aspectos de operações de pesquisa de
informações através de meios humanos gostaria de abordar de uma forma muito
sucinta a questão das operações técnicas.
Em primeiro lugar considero que as operações técnicas, qualquer que seja o
meio a que se recorra são sempre um complemento essencial das operações de
HUMINT.
Em segundo lugar, chamo a atenção que em Portugal todas as operações de
pesquisa recorrendo a meios técnicos ou são de duvidosa legalidade ou mesmo
ilegais.
Em terceiro lugar, elas têm de ser feitas sob pena dos serviços serem
incapazes de responder às suas responsabilidades e obrigações.
Assim, julgo chegado o tempo de o País passar a dar aos seus Serviços de
Informações capacidades acrescidas, como forma de garantir a eficácia da sua
segurança dentro de parâmetros de controlo que assegurem a idoneidade da
actuação. Prefiro que esse controlo seja exercido por pessoas eleitas por voto
popular a ser feito por pessoas não eleitas e que não representam mais do que si
próprias ou quando muito a uma corporação. Penso que chegou o tempo de acabar
54
com complexos do passado e de estarmos a afectar a nossa democracia, pondo
em causa a idoneidade daqueles que elegemos.

55
A AMEAÇA TERRORISTA DO HEZBOLLAH

Por Bruno Almeida Marques

1. – Nota Introdutória

A queda do Muro de Berlim e a consequente desintegração da União


Soviética fizeram desaparecer as grandes ameaças que pesavam sobre o Ocidente
desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Em 2001, o Mundo foi surpreendido pelo ataque
terrorista às Torres Gémeas, o que voltou a condicionar as políticas de segurança e
defesa e a alterar a ordem internacional, devido ao reconhecimento da existência
de uma nova ameaça desterritorializada e disseminada – o terrorismo.
O espectro do terrorismo envolve uma miríade de organizações com diversas
matrizes e objectivos. Mas, no post 11 de Setembro, tem-se verificado que a maior
concentração de energias se tem focalizado na rede terrorista Al-Qaeda,
esquecendo-se outros grupos terroristas transnacionais como o Hezbollah que,
representa, numa primeira esfera, uma ameaça real a Israel e, numa segunda
esfera, uma ameaça ao espaço que Adriano Moreira operacionalmente define como
Euromundo. Neste sentido, o ex-Secretário de Estado norte-americano Richard
Armitage identificou o Hezbollah como o “A-team of terrorism” e chamou a atenção
de que “o seu tempo chegará”37. Como teremos oportunidade de ver, o Hezbollah é,
hoje em dia, um grupo terrorista com forte expressão mundial e detém capacidades
inigualáveis.
Pretende-se, pois, com este trabalho analisar a rede terrorista do Hezbollah
caracterizando a organização, apresentando a localização das suas células
operacionais e explicitando as actividades em que estão envolvidos. Explicaremos
ainda a necessidade que os grupos terroristas têm de criar uma rede transnacional.
Para isso, foi feito um estudo de carácter qualitativo com recurso à análise de
fontes abertas de informações como relatórios e outros documentos
desclassificados, bem como artigos de peritos proeminentes nesta área de estudo.

37
LEVITT, Matthew, Hezbollah: Financing Terror Through Criminal Enterprise, The Washington Institute for Near
East Policy, Washington, 2005 in http://www.washingtoninstitute.org/html/pdf/hezbollah-testimony-05252005.pdf,
consultado em 17 de Janeiro de 2009

56
2. – Identificação e Descrição

O Hezbollah é um movimento islâmico shiita. Fundado no Irão em 1973,


ganhou maior centralidade no Líbano após a sua invasão por Israel em 198238. Nos
últimos anos temos assistido a uma forte expansão do grupo e, actualmente, há
registos da sua presença pelo mundo inteiro, mantendo células espalhadas pelos
cinco continentes39.
Tendo em conta as acções em que está envolvido podemos considerar que
actua em três arenas distintas: libanesa, palestiniana e global40. Desde o seu
estabelecimento, tem perseguido uma agenda estratégica centrada em políticas
subversivas contrárias a Israel e aos EUA, assim como contra a Europa. Este
terrorismo está aliado com uma grande rede internacional de colaboradores
recrutados principalmente, mas não obrigatoriamente, na vasta comunidade shiita-
libanesa no estrangeiro que é fundamental para manter células prontas a actuar
nas diversas zonas do Mundo e para o próprio financiamento da organização. A par
desta realidade mais radical, o Hezbollah é uma força política importante no Líbano,
tendo criado uma rede de serviços sociais de apoio à sociedade libanesa,
conseguindo gerir de forma astuta a sua ideologia ao contexto político em que está
integrado, tendo-se integrado com sucesso nas instituições libanesas.
Ao longo dos anos, o Hezbollah tem vindo a evoluir de movimento ideológico de
resistência armada para participante activo do sistema político libanês o que de
acordo com Howard Meehan resultou num esforço organizacional no sentido de
conseguir fontes de financiamento e no desenvolvimento de um enquadramento
analítico para determinar como e onde são conduzidas as operações de colecta de
fundos para o desenvolvimento das suas actividades41.

38
GLOBAL SECURITY, Hizballah in http://www.globalsecurity.org/military/world/para/hizballah.htm, consultado
em 13 de Dezembro de 2008
39
COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, Hezbollah (14 Fevereiro 2008) in http://www.cfr.org/publication/9155/,
consultado em 13 de Dezembro de 2008
40
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, Junho 2003 in http://www.terrorism-
info.org.il/malam_multimedia/English/eng_n/pdf/heazbollah_p1.pdf, consultado em 10 de Janeiro de 2009
41
MEEHAN, Howard V., Terrorism, Diásporas And Permissive Threat Environments. A Study Of Hizballah’s
Fundraising Operations in Paraguay and Ecuador, Naval Postgraduate School, Califórnia, 2004 (Disponível em:
http://www.fas.org/irp/world/para/hizb-fund.pdf, consultado em 15 de Janeiro de 2009)

57
3. – Rede Mundial do Hezbollah

Nos últimos anos, o Hezbollah tem vindo a desenvolver e a diversificar a sua


posição geoestratégica, bem como as fontes do seu financiamento através da sua
rede global que, é uma das mais bem organizadas e estruturadas de entre todas as
redes terroristas.
De acordo com diferentes fontes, a rede transnacional do Hezbollah permite-
lhe angariar um financiamento suplementar, que é uma ambição do grupo em
reduzir a sua dependência em relação ao financiamento proveniente do Irão. Este
financiamento suplementar inclui a colecta de donativos no Líbano e nos países
onde se encontram elementos da diáspora libanesa, principalmente membros da
comunidade shiita e membros do Hezbollah (o que não é imperativo); actividades
económico-financeiras legais e ilegais; actividades criminosas no Líbano e em
países onde existem células operacionais; orçamento de Estado do Líbano, entre
outras de menor relevância42.

3.1. – Os Estados Patrocinadores: Irão e Síria

A relação próxima entre o Irão e a Síria com o Hezbollah foi criada a partir da
combinação de factores ideológicos, domésticos e regionais. Contudo, de acordo
com as análises mais recentes, o Hezbollah tem vindo a crescer e, ainda que
grande fatia do seu financiamento tenhas estas duas origens, o grupo está cada
vez mais autónomo43.
Do ponto de vista do Irão, a consolidação do Hezbollah no Líbano é um
grande sucesso na realização da doutrina de exportação da Revolução Islâmica e,
em termos figurados, é visto como o ponta de lança na luta contra Israel e contra os
interesses ocidentais. Dado o fulgor que o grupo apresenta, a liderança iraniana
acredita mesmo que está imune a qualquer ataque com origem em Israel44.
Mais de metade do financiamento do Hezbollah tem origem no Irão,
mediante dois canais principais: a partir de instituições governamentais,

42
Idem, ibidem
43
RABIL, Robert G., Has Hezbollah’s Rise Come at Syria’s Expense?, Middle East Quarterly, Fall 2007, Vol.
XIV, Nº4, pp 43-51 in http://www.meforum.org/article/1755, consultado em 22 Janeiro de 2009
44
ZISSER, Eyal, The Threat Posed by Hezbollah, Middle East Forum, Filadélfia, 26 de Novembro de 2002 in
http://www.meforum.org/article/533, consultado em 22 de Janeiro de 2009

58
nomeadamente através da Guarda Revolucionária (representada pelas Brigadas al-
Quds) e do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano (através das embaixadas
de Beirute e Damasco); e, a partir de instituições semi-governamentais,
nomeadamente fundações de caridade com sede em Teerão45.
Sistematizando, o apoio/”cooperação” Irão – Hezbollah compreende o
seguinte46:
 Apoio militar no que respeita ao treino e planeamento de estratégias
subversivas;
 Fornecimento de armas de elevada qualidade, fundamentalmente por via
aérea;
 Suporte financeiro.

O grupo depende ainda do apoio político e militar sírio 47:


 Fornecimento indirecto de armamento. A Síria funciona como entreposto, já
que os carregamentos vindos do Irão aterram em Damasco e daí é que
entram em território libanês, pois, muitos dos directores das instituições que
garantem um transporte seguro do armamento incluem oficiais libaneses pró-
sírios como o General Jamil Sayyed (Chefe do Departamento Geral de
Segurança) ou o General Raymond Azar (Chefe dos Serviços de
Informações Militares)48;
 Fornecimento directo de armamento fabricado na Síria;
 A nível da propaganda, a Síria esforça-se por apresentar o Hezbollah como
uma organização de resistência legítima, negando o facto de serem uma
organização terrorista;
 Patrocínio de pelo menos 30 ataques terroristas só durante a invasão de
Israel ao sul do Líbano em 2003.

O apoio destes dois países ao Hezbollah fica a dever-se a vários objectivos


estratégicos: o reforço do eixo radical iraniano-sírio no Médio Oriente; o
enfraquecimento de Israel; reforçar a influência do eixo no Líbano; reforçar o poder

45
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, op.cit.
46
Idem,Ibidem
47
Idem, ibidem
48
RABIL, Robert G., op.cit.

59
dos movimentos islâmicos no seio da Autoridade Palestiniana; e, sabotar os
acordos que visam o Líbano e a Autoridade Palestiniana e que são incompatíveis
com os seus interesses. Os dois Estados são ainda unânimes a considerar o
terrorismo como um meio de acção face às pressões exercidas sobre os seus
regimes49.
Assim, pode-se afirmar que o Hezbollah mantém uma relação simbiótica com
o eixo iraniano-sírio, obtendo financiamento e apoio para levar a cabo as suas
actividades, enquanto o eixo se vai reforçando estrategicamente.

3.2. – África

A organização recebe também um importante apoio da diáspora muçulmana


shiita de origem libanesa em África. A partir destas comunidades, constituídas por
centenas de milhares de pessoas, o Hezbollah consegue obter milhões de dólares
por ano, ao mesmo tempo que cria mecanismos para que essas famílias se
mantenham participativas no seu país de origem. Para além disso, no seio destas
comunidades, o Hezbollah dedica-se ainda ao recrutamento e utiliza os Estados de
destino como locais de treino, de difusão dos seus ideais e, como localizações de
potenciais ataques fora do território libanês50. De acordo com o serviço de
informações israelita, nos últimos anos tem-se verificado um forte fluxo de jovens
do Uganda e de outros países africanos em direcção às universidades de Teologia
iranianas como meio de recrutamento e treino para as fileiras do Hezbollah. Como
aliás foi confirmado no final de 2002 com a prisão de Shafi Ibrahim 51. Este
confirmou que, juntamente com um grupo de estudantes africanos viajou para o
Irão para estudar teologia na Universidade Razavi, onde viria a ter formação na
área da intelligence e sabotagem. Aos estudantes, foram dadas novas identidades,
dinheiro, meios de comunicação e formação na área da recolha de informações,

49
ERLICH, Reuven, La Syrie Comme Support Stratégique du Hezbollah et du Hamas La Syrie Comme Support
Stratégique du Hezbollah et du Hamas, Institut du Renseignement – Centre d’Études du Terrorisme, 3 de Agosto
de 2006 in http://www.terrorism-info.org.il/malam_multimedia/fr_n/pdf/syria_strategy_f.pdf , consultado em 22
Janeiro de 2009
50
FARAH, Douglas, Hezbollah’s External Support Network in West África and Latin America, International
Assessment and Strategy Center, 4 Agosto de 2006 in
http://www.strategycenter.net/research/pubID.118/pub_detail.asp, consultado em 23 de Janeiro de 2009
51
Líder da célula operacional do Irão e possivelmente do Hezbollah no Uganda

60
tendo em vista os interesses norte-americanos e ocidentais no Uganda e em outros
países52.
Actualmente, estima-se que existam cerca de 120 000 libaneses nos países
da África Ocidental, a maioria envolvida em negócios de importação - exportação53,
crendo-se que seja na Costa do Marfim, seguida do Senegal onde se concentram
as actividades do Hezbollah54.
Thomas Smith alerta para o facto de ser destas bases terroristas que se
conduzem as operações terroristas pelo Mundo, sendo que a Europa com uma forte
percentagem de imigração e tendo apenas o Mediterrâneo como barreira, é um alvo
extremamente vulnerável55.
Segundo David Radcliffe, os grupos terroristas “precisam de espaço para
treinar, espaço para operar e espaço para recrutar. Precisam de um refúgio onde
saibam com algum grau de certeza que não serão esmagados pelas forças
militares”56. Ora, África é um espaço geográfico particularmente atractivo para os
terroristas produzirem, recolherem, lavarem e transferirem fundos sem grandes
dificuldades ou obstáculos. Tal é verdade particularmente para o Hezbollah o que
pode ser justificado pela longa presença da comunidade libanesa shiita no território
que se identifica na sua maioria com a ideologia propagada pela organização; pela
existência de uma larga comunidade shiita libanesa abastada no território; pela
ineficácia das instituições jurídico-legais de muitos dos países africanos; forte
presença de grupos islâmicos extremistas; e, a inexistência de forças de segurança
e de intelligence locais firmes e com meios suficientes para combater as ameaças
que os grupos terroristas comportam57.
A recolha de fundos em África é feita utilizando uma grande diversidade de
métodos58:

52
LEVITT, Matthew, Hizbullah’s African Activities Remain Undisrupted, op.cit.
53
RABASA, Angel et.al, Beyond al-Qaeda: The Outer of the Terrorist Universe, RAND Corporation, 2006 in
http://www.rand.org/pubs/monographs/2006/RAND_MG430.pdf, consultado em 27 de Janeiro de 2009
54
RABASA, Angel et.al, Beyond al-Qaeda: The Outer of the Terrorist Universe, op.cit.
55
FARAH, Douglas, Hezbollah’s External Support Network in West África and Latin America, op.cit.
56
News24, Terrorism in África”to climb”, News24, África do Sul, 29 de Agosto de 2006 in
http://www.news24.com/News24/Africa/News/0,,2-11-1447_1990145,00.html, consultado em 28 de Janeiro de
2009
57
PHAM, J. Peter, Strategic Interests: Hezbollah’s African Network, World Defense Review, 10 de Agosto de
2006 in http://worlddefensereview.com/pham081006.shtml, consultado em 25 de Janeiro de 2009
58
LEVITT, Matthew, Hizbullah’s African Activities Remain Undisrupted, The Washington Institute for Near East
Policy, 1 de Março de 2004 in http://www.washingtoninstitute.org/templateC06.php?CID=463, consultado em 23
de Janeiro de 2009

61
 Donativos da Comunidade Shiita Libanesa: Um relatório dos serviços de
informações israelitas sobre as operações de financiamento do Hezbollah na
Costa do Marfim, Senegal, Congo e África do Sul, chega à conclusão que a
organização, só por este meio, consegue obter centenas de milhares de dólares
por ano59. De acordo com a imprensa árabe os 2 milhões de dólares perdidos na
queda do voo 141 da Union Transport Africaines em 25 de Dezembro de 2003,
representavam as contribuições regulares que o grupo recebe da comunidade
shiita libanesa. Estes fundos são angariados, acumulados e transferidos, na sua
maior parte, a coberto de instituições de caridade, sendo que alguns dadores
participam nestes esquemas de financiamento conscientemente, enquanto
outros o fazem inconscientemente. Por outro lado, o Hezbollah utiliza também o
mecanismo do correio humano, ou seja, anualmente, a organização notifica
comerciantes/empresários de origem shiita libanesa acerca da contribuição
expectável a terem para com a organização, tendo em conta o volume de
negócios efectuados. Após esta notificação, um operacional sénior da
organização viaja pela região recolhendo as denominadas “taxas” e regressa a
Beirute. Estes “donativos” são na sua maior parte recolhidos em dinheiro de
forma a evitar o sistema bancário e financeiro formal. Este modelo de
angariação de fundos demonstra um grande grau de penetração, organização e
interesse desta rede de financiamento60.
 Máfia: O Hezbollah serve-se de pequenas células para obter fundos dos
membros da comunidade, nomeadamente, membros mais abastados ligados ao
comércio que resistem às notificações da organização, através da extorsão e da
violência.
 Comércio Ilegal de Diamantes: Há evidências de que o Hezbollah obtém uma
fatia significativa de fundos a partir do conflito dos diamantes na Serra Leoa,
Libéria, Congo e, possivelmente em Angola61. Um relatório do serviço de
informações belga de 2000 refere que há indicações de que as conexões

59
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, op.cit.
60
FARAH, Douglas, Hezbollah’s External Support Network in West África and Latin América, op.cit.
61
Idem, ibidem

62
libanesas mencionadas no contrabando de diamantes, estão também envolvidas
nos processos de lavagem de capitais e no mercado da droga62.
Actualmente, o comércio ilegal de diamantes em África é largamente controlado
por muçulmanos shiitas de origem libanesa leais ao Hezbollah que, a título de
exemplo, têm em funcionamento um centro em Freetown que, providencia
serviços sociais, ao mesmo tempo que está ligado ao tráfico de gemas fora do
país63. Mas, é na Serra Leoa que o tráfico de diamantes é mais lucrativo para o
Hezbollah. Desde o fim da Guerra Civil em 2002, os traficantes libaneses
restabeleceram-se no país e, hoje em dia, na região de Kono a maioria dos
negociantes são libaneses. Apesar, da grande maioria estar licenciada, há
indícios de que também se dedicam ao tráfico ilícito como por exemplo Aziz
Nassour e Samih Osailly – simpatizantes da organização – condenados por
tráfico ilícito de diamantes através da sua empresa sediada em Antuérpia - ASA
Diam, na Bélgica em 200364.
 Empresas de Fachada: Existem famílias simpatizantes/militantes do Hezbollah
que se dedicam em exclusivo a negócios ilícitos a coberto de pequenas
empresas.
 Comércio Corrupto: Algumas famílias shiitas libanesas patrocinadoras do
Hezbollah negociam com os governos locais a concessão de monopólios de
importação, tentando, desta forma, monopolizar certos nichos de mercado
ligados aos bens essenciais.

3.3. – América do Sul: A Tríplice Fronteira

Há muitos anos que é nesta região, onde o Paraguai, a Argentina e o Brasil


fazem fronteira, que muitos dos grupos terroristas desenvolvem a sua actividade.
Na região vivem cerca de 25 000 descendentes de famílias sírias, libanesas e
palestinianas, sendo que a maior parte pertence à comunidade shiita libanesa.
Algumas das organizações terroristas do Médio Oriente, particularmente o

62
GLOBAL WITNESS, For a Few Dollars More: How Al-Qaeda Moved into the Diamond Trade, Global Witness,
Abril 2003 in http://www.globalwitness.org/media_library_detail.php/109/en/for_a_few_dollars_more, consultado
em 23 Janeiro 2009
63
FARAH, Douglas, Hezbollah’s External Support Network in West África and Latin América, op.cit.
64
Idem, ibidem

63
Hezbollah, foram detectadas na zona pelo menos desde os anos 80, onde se
estabeleceram tendo como vantagem a extensiva rede de imigrantes de origem
libanesa que residia na área. A seguir ao Médio Oriente, esta área geográfica é
considerada o mais importante centro de financiamento do terrorismo de matriz
islâmica. Esta situação deve-se à permeabilidade da fronteira entre os três países e
ao intenso volume de pessoas e bens que diariamente transita pela zona, o que
atrai grupos criminosos e terroristas, daí albergar uma das redes de mercado negro
mais activa no Mundo. Adicionalmente, a relativa facilidade com que se procede à
lavagem de capitais e a transferência dos mesmos para outros países constitui um
forte incentivo para a criação de bases operacionais na zona65.
A Ciudad del Este é conhecida como o epicentro do crime organizado e do
terrorismo, andando ambos de mãos dadas propiciando alianças estratégicas entre
os mesmos66. Na sua maioria a cidade é dominada por homens de negócios de
origem árabe (partidários de vários grupos terroristas do Médio Oriente), membros
dos cartéis de droga colombianos e mexicanos, as máfias chinesa e russa e ainda o
grupo criminoso japonês Yakusa, o que faz da cidade um importante centro do
tráfico de drogas e o contrabando de armas e outros bens e a contrafacção.
Apesar do referido, é difícil estimar o dinheiro actualmente transferido para
os grupos terroristas a partir desta zona, desde logo, porque é difícil distinguir a
quantidade de dinheiro enviado por via das remessas legais, das contribuições
enviadas para financiar o terrorismo. Ainda assim, um relatório do serviço de
informações paraguaio de 2005 refere que, cerca de 20 milhões de dólares são
recolhidos anualmente, para financiar o Hezbollah e o Hamas67.
De seguida estão enumeradas as actividades do Hezbollah na zona68:
 Contrabando, Mercado Negro e Operações de Lavagem de Dinheiro:
São a principal fonte de rendimento do Hezbollah nesta zona. Em 2002, um
dos líderes do Hezbollah na zona - Sobhi Mahmoud Fayad foi condenado
devido a evasão fiscal, tal como Assad Ahmad Barakat. Barakat é o co-
proprietário de um dos maiores centros comerciais da cidade utilizando-o

65
BERTI, Benedetta, Reassessing the Transnational Terrorism-Criminal Link in South America’s Triborder Área,
Terrorism Monitor, Vol.6, Cap.18, 22 de Setembro de 2008 in
http://www.jamestown.org/single/?no_cache=1&tx_ttnews%5Btt_news%5D=5172, consultado em 28 de Janeiro
de 2009
66
RABASA, Angel et.al, Beyond al-Qaeda: The Outer of the Terrorist Universe, op.cit.
67
BERTI, Benedetta, Reassessing the Transnational Terrorism-Criminal Link in South America’s Triborder Área,
op.cit.
68
RABASA, Angel et.al, Beyond al-Qaeda: The Outer of the Terrorist Universe, op.cit.

64
para o financiamento e recrutamento de grupos terroristas, estimando-se que
desde 1995, os donativos da família para o Hezbollah já atinjam os 50
milhões de dólares69. Dois dos seus associados, Mazen Ali Saleh e Saleh
Mahoud Fayoud foram presos devido à falsificação de documentos e de
compact discs. O clã Barakat inclui ainda Ali Muhammad Kazan, Faruk
Omairi e Kahled Omairi que estão envolvidos no tráfico de droga, lavagem
de capitais e financiamento do terrorismo70.
 Tráfico de Droga: A droga é o bem mais lucrativo a nível do tráfico ilegal,
estando avaliado em biliões de dólares71. O Council on Foreign Relations
refere que o Hezbollah se dedica ao tráfico de cocaína da América do Sul
para a Europa e para o Médio Oriente. Em 10 de Maio de 2003, as
autoridades paraguaias surpreenderam Hassan Abdallah Dayoub72 quando
este se preparava para embarcar um carregamento de cocaína para a Síria.
 Convergência com o Crime Organizado: São vários os factores que nos
levam a crer que nesta área existe um envolvimento dos grupos terroristas
com o crime organizado. Desde logo, os factores demográficos e
geoestratégicos: a presença de uma comunidade muçulmana relevante com
laços nos seus países de origem a viver numa zona remota e estratégica
localizada perto da auto-estrada Pan-Americana, na confluência de vários
rios (e.g. Paraná e Prata) e perto de cidades como Buenos Aires e
Montevideo. Segundo aspecto deve-se ao facto de existir uma infra-estrutura
criminosa estabelecida. Terceiro, a existência de instituições políticas,
jurídicas e judiciais fracas, bem como um sistema corrupto.

Também estão identificadas conexões do Hezbollah na Colômbia. Em 23 de


Outubro, agências de segurança norte-americanas e colombianas anunciaram a
ruptura de uma rede de narcotráfico que, canalizava parte dos seus lucros para o
Hezbollah no Líbano. O grupo envolvido (130 indivíduos liderados por Shukri
Mahmud Harb, libanês residente na Colômbia e ligado à lavagem de capitais)
distribuía a droga colombiana nos mercados norte-americanos, europeus e do

69
MADANI, Blanca, Hezbollah’s Global Finance Network: The Triple Frontier, Middle East Intelligence Bulletin,
Vol.4, Nº1, Janeiro 2002 in http://www.meib.org/articles/0201_l2.htm, consultado em 26 de Janeiro de 2009
70
Idem, ibidem
71
U.S. GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, Terrorist Financing: U.S. Agencies Should Systematically
Assess Terrorists’ Use of Alternative Financing Mechanisms, op.cit.
72
Juntamente com Barakat, são os dois líderes do Hezbollah na América do Sul

65
Médio Oriente. Depois por meio de uma empresa de fachada, enviavam o dinheiro
para o Líbano, para o financiamento das milícias73.

3.4. – Estados Unidos da América e Canadá

Recentemente, o FBI alertou que os militantes do Hezbollah, nos EUA, têm a


capacidade de levar a cabo atentados terroristas no território 74. Segundo Stevens
Emerson, o grupo mantém-se particularmente activo nas áreas onde as
comunidades shiitas são maiores, como é o caso de Detroit, Nova Iorque,
Washington, Boston, Los Angeles e Charlotte.

Mapa 1 - Redes Terroristas nos Estados Unidos da América

Pode-se considerar Detroit como o eixo principal da actividade do Hezbollah


nos EUA. Esta célula tem um mecanismo de angariação de fundos razoavelmente
bem organizado, suportado por quatro instituições de caridade: Associação Apoio à
Resistência Islâmica, Fundação Americana al-Sahid, Associação Desenvolvimento
Educacional e a Organização Caridade da Boa-Vontade que, recebem os donativos
directamente através de transferências bancárias75. Além disso, as autoridades

73
KAUSSLER, Bernd, Latin American Narco-Dollars Financing Hezbollah’s Growing Establishment, Terrorism
Monitor, Vol.6, Cap.21, 7 de Novembro de 2008 in
http://www.jamestown.org/single/?no_cache=1&tx_ttnews%5Btt_news%5D=34110, consultado em 29 de Janeiro
de 2009
74
LEVITT, Matthew, Banning Hizballah Activity in Canada, Intelligence and Terrorism Information Center at the
Center for Special Studies, 6 de Janeiro de 2003 in http://www.intelligence.org.il/eng/ml_gen/ml7_12_03.htm,
consultado em 26 de Janeiro de 2009
75
Idem, ibidem

66
norte-americanas investigam ainda uma série de actividades ilícitas nos EUA
suspeitas de financiar a rede terrorista como é o caso da replicação de cartões de
crédito, roubo e revenda de roupas, medicamentos, entre outros bens76.
Também a célula sedeada em Charlotte assume uma importância relevante
na angariação de fundos e na aquisição de tecnologias. Os procuradores do
Tribunal Federal demonstraram, com sucesso, que esta célula angaria dinheiro a
mando do Comandante Militar Shaykh Abbas Hareke e, posteriormente, é enviado
para o Líbano. Este dinheiro é obtido através de actividades ilícitas que envolvem
fraude bancária e contrabando de tabaco77.
Relativamente ao envolvimento na industria tabaqueira, entre 1996 e 2000, o
Hezbollah dedicou-se ao seu contrabando entre a Carolina do Norte, Estado com
baixas taxas comerciais, e o Michigan, Estado com altas taxas comerciais,
canalizando o lucro de cerca de 1,5 milhões de dólares para o Líbano78.
Mais recentemente, em Washington e na Califórnia emergiu um novo nexo
criminal entre o Hezbollah e os cartéis de droga mexicanos. Membros da Drug
Enforcement Administration referem que existem laços financeiros entre os cartéis
mexicanos e o financiamento de grupos originários do Médio Oriente. Bill
Ruzzamenti79 refere que tem em braços uma série de casos de metanfetaminas em
que encontraram uma conexão directa entre os dois grupos já referidos. A DEA
suspeita que o circuito comece no Canadá e termine nos cartéis mexicanos. Estes
viajam até à Califórnia onde se encontram com os intermediários (membros do
Hezbollah) que contrabandeiam comprimidos de pseudoefrenina a partir da
fronteira canadiana. Depois estes comprimidos são sintetizados em laboratórios em
Washington e inseridos no “mercado” pelos cartéis mexicanos80.
Também no Canadá, o Hezbollah tem uma grande expressão,
nomeadamente Vancouver, Ottawa, Montreal e Toronto, onde recrutam novos
membros, procedem à lavagem de capitais, angariaram fundos, falsificam
documentos, roubam carros de luxo e adquirem equipamento militar para utilizar

76
LEVITT, Matthew, Adding Hezbollah to the EU Terrorist List, The Washington Institute for the Near East Policy,
20 Junho 2007 in http://www.washingtoninstitute.org/html/pdf/Testimony/Testimony_20070620_Levitt.pdf,
consultado em 29 Janeiro 2009
77
Idem, ibidem
78
U.S. GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, Terrorist Financing: U.S. Agencies Should Systematically
Assess Terrorists’ Use of Alternative Financing Mechanisms, op.cit.
79
Director do California’s High Intensity Drug Trafficking Área (HIDTA)
80
RABASA, Angel et.al, Beyond al-Qaeda: The Outer of the Terrorist Universe, op.cit.

67
nos seus ataques, tendo-se mantido particularmente activo entre 1999 e 200081.
Contudo, tendo em conta a forte expressão do grupo no país e a potencial ameaça
que isso trazia, em Dezembro de 2002, o governo canadiano condenou a actividade
política e militar do Hezbollah, após um discurso de Nasrallah em apoio aos
bombistas suicidas palestinianos, o que em termos práticos se traduziu no
congelamento de activos do Hezbollah no território canadiano e a proibição de
angariação de fundos em nome do grupo. Assim, segundo os analistas de
segurança, é expectável que as actividades da organização diminuam no
território82.
A célula operacional de Charlotte tem ramificações no Canadá, onde
Mohammad Hassan Dbouk e o seu cunhado Ali Adham Amhaz, sob o comando de
Haj Hassan Hilu Laqis (Chefe Militar do Hezbollah) recebem dinheiro directamente
por parte de Laqis e adquirem material bélico que, posteriormente, contrabandeiam
para o Líbano. Além disso, os dois indivíduos estão referenciados por burlas
bancárias83.
Além destes cidadãos de origem libanesa que se dedicam à recolha de
fundos e informações, outro dos canais operacionais do Hezbollah no Canadá é a
Fundação Canadiana al-Sahid que, de acordo com dados dos serviços de
informação, apoia financeiramente as famílias dos bombistas suicidas membros do
Hezbollah mortos durante ataques terroristas84.

3.5. – Austrália e Sudeste Asiático

Peritos consideram que o Hezbollah é um dos grupos terroristas mais activos


na Austrália, o que se pode depreender pelo facto de fazer parte de um grupo
restrito de sete países, onde foi comercializado um videojogo glorificando os
ataques terroristas do Hezbollah. Contudo, segundo Levitt, a Austrália é,

81
Idem,ibidem
82
Idem, ibidem
83
Idem, ibidem
84
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, op.cit.

68
preferencialmente, uma base de operações de apoio logístico e não um alvo a
atingir85.
Embora no sudeste asiático os sunitas sejam predominantes, o Hezbollah
conseguiu penetrar na pequena comunidade shiita, principalmente em Singapura,
Tailândia e Filipinas e aí proceder à recolha de fundos, recrutar membros, comprar
armas e falsificar documentos86.
Em Singapura, em 1995, foi criada uma célula com a intenção de atacar
alvos norte-americanos e israelitas na ilha. Segundo os serviços de informações, a
célula era constituída pelos operacionais que viajaram do Líbano (número não
determinado), mais 5 muçulmanos que recrutaram de entre a população quando
chegaram ao território. Tinham como objectivo enviar pequenos barcos
armadilhados contra navios norte-americanos ou israelitas que, estivessem em
trânsito pelo estreito de Singapura, ou se encontrassem ali ancorados. Além disso,
dedicavam-se à recolha de informações junto de locais estratégicos87. Acredita-se
que a célula continua activa numa ilha perto de Singapura e se dedica à vigilância e
à recolha de informações, se bem que desde 1998 não há registos de actividade da
mesma88.
Outro dado que nos permite aferir a presença do grupo nesta área
geoestratégica, foi a declaração de Pandu Yudhawinata – operacional do Hezbollah
de nacionalidade indonésia recrutado por um membro da intelligence iraniana nos
anos 80 – que, quando foi detido, em 1999, no aeroporto de Manila, revelou as
intenções do grupo em recrutar malaios e indonésios89.

85
LEVITT, Matthew, Hezbollah “popular” in Austrália, Intelligence and Terrorism Information Center at the Center
of Special Studies, 9 de Junho de 2003 in http://www.mail-archive.com/osint@yahoogroups.com/msg00306.html,
consultado em 25 de Janeiro de 2009
86
ABUZA, Zachary, Bad Neighbours, Australia/Israel Review, Novembro 2006, in
http://www.aijac.org.au/review/2006/31-11/abuza31-11.htm, consultado em 27 de Janeiro de 2009
87
SCKORNICKI, Leon, The “A” Team of Terror Revisited, Australia/Israel Review, Setembro 2006, in
http://www.aijac.org.au/review/2006/31-9/leonsk31-9.htm, consultado em 27 de Janeiro de 2009
88
SHAHAR, Yael, Hizballah Planned to Attack U.S. and Israeli Ships in Singapore, International Institute for
Counter-Terrorism, 9 de Junho de 2002 in
http://www.ict.org.il/NewsCommentaries/Commentaries/tabid/69/Articlsid/114/currentpage/10/Default.aspx,
consultado em 28 de Janeiro de 2009
89
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, op.cit.

69
3.6 – Europa

O Hezbollah estabeleceu a sua presença na Europa ainda nos anos 80,


durante o afluxo de cidadãos libaneses que, tentavam escapar à Guerra Civil
Libanesa e aos recorrentes confrontos israelo-palestinianos90.
Apesar de não conduzir ataques terroristas na Europa há muitos anos, o
grupo é aqui particularmente activo, tendo como preocupação principal angariar
apoio financeiro e logístico, mas também desenvolver a sua actividade política no
sentido de legitimar as suas actividades. Além disso, o grupo utiliza a Europa como
“plataforma de lançamento” através da qual o Hezbollah introduz operacionais em
Israel de forma a coligir informações e levar a cabo ataques, tendo havido vários
exemplos ao longo dos últimos anos. Em 1996, o libanês Hussein Makdad entrou
em Israel a partir da Suíça com passaporte britânico falso, tendo morrido numa
explosão precoce. Em 1997, Stefan Smirnak, alemão convertido ao Islão e treinado
pelo Hezbollah no Líbano como bombista suicída, foi detido no aeroporto Ben
Gurion após viajar para Israel. Em 2000, Fawzi Ayoub, cidadão canadiano com
origem libanesa, foi detido após chegar a Israel num viagem de barco originária na
Europa91. O grupo é ainda conhecido pelos raptos, sequestros e atentados suicidas
contra interesses norte-americanos, israelitas e europeus92.
A actividade do Hezbollah na Europa estende-se por diversos países:
Bélgica, Bósnia, Reino Unido, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, França,
Alemanha, Grécia, Itália, Lituânia, Noruega, Roménia, Rússia, Eslovénia, Espanha,
Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. De acordo com o serviço de informações alemão,
a Alemanha é a base operacional principal na Europa, estimando que residem no
seu território 900 libaneses operacionais do Hezbollah que, regularmente se
encontram em 30 centros comunitários culturais e mesquitas93.
É ainda importante referir que o Hezbollah era o maior fornecedor da Europa
(e outras regiões fora da Europa) em drogas ilícitas, nomeadamente ópio, haxixe e
heroína que, eram produzidos no Vale de Bekaa. Actualmente, este já não constitui

90
PHILLIPS, James, Hezbollah’s Terrorist Threat in the European Union, The Heritage Foundation, 20 Junho
2007 in http://www.heritage.org/research/MiddleEast/upload/hl_1038.pdf, consultado a 26 Janeiro 2009
91
RITZMANN, Alexander et.al, Hezbollah’s German Helpers, op.cit.
92
RITZAMANN, Alexander, Adding Hezbollah to the EU Terrorist List, European Foundation For Democracy, 20
Junho 2007 in http://www.aicgs.org/documents/advisor/ritzmann0707.pdf, consultado em 29 Janeiro 2009
93
RITZMANN, Alexander et.al, Hezbollah’s German Helpers, The Wall Street Journal, 17 Abril 2007 in
http://www.aicgs.org/analysis/c/ritzdub042607.aspx, consultado em 29 Janeiro 2009

70
o principal fluxo, ainda que o Hezbollah se dedique ao tráfico para a Europa a partir
da zona da tríplice fronteira94.
De acordo com relatórios do serviço de informações israelita, a Alemanha é o
país europeu onde a recolha de fundos é mais expressiva, cifrando-se em várias
dezenas de milhares de dólares por ano. Em 2002, a Alemanha encerrou duas das
instituições ligadas ao financiamento do grupo – a Fundação al-Sahid e a Fundação
Al-Aqsa – mas, ainda não foram tomadas quaisquer medidas no que se refere à
Mesquita de Fátima e à Associação Islâmica Libanesa. No Reino Unido, o
financiamento a partir deste tipo de instituições é pouco relevante, não excedendo
as poucas dezenas de milhar de dólares anualmente95.
Apesar de todas estas evidências, o Hezbollah continua a não figurar na lista
das organizações terroristas da UE, mas num esforço de distinguir o braço político
e o braço radical do grupo, em 2002, a UE adicionou 11 organizações e sete
indivíduos não europeus à sua lista de terroristas e, embora não tenha sancionado
o Hezbollah enquanto organização, introduziu alguns dos seus líderes,
nomeadamente Imad Mugniyah96. Contudo, nos últimos anos, países como a
França e a Alemanha têm vindo a tomar acções contra o Hezbollah,
nomeadamente a descontinuação das transmissões da al-Manar; o Reino Unido
anunciou a proscrição do ramo militar do Hezbollah, devido à sua actividade
radical97; e, em 2004, a Holanda foi mais longe designando o Hezbollah como
organização terrorista98.

4. – Razões Para a Expansão da Rede Terrorista

4.1. – Apoio Externo

A procura de apoio externo suscita-nos ser uma das principais razões para os
grupos terroristas estabelecerem células no estrangeiro. Estes para ganharem

94
PHILLIPS, James, op.cit.
95
LEVITT, Matthew, Adding Hezbollah to the EU Terrorist List, op.cit.
96
PHILLIPS, James, op.cit.
97
CNN, Londres, 2 Julho 2008, UK ban for Hezbollah military arm in
http://edition.cnn.com/2008/WORLD/europe/07/02/britain.hezbollah/index.html, consultado a 29 Janeiro 2009
98
RITZAMANN, Alexander, Adding Hezbollah to the EU Terrorist List, op.cit.

71
ímpeto na arena global necessitam de uma variedade de requisitos - humanos e
materiais99:

 Santuários: São locais seguros dando cobertura aos terroristas e às suas


acções. Além da protecção dos líderes e militantes, providenciam ainda
locais onde o grupo pode permanecer e planear operações futuras e,
algumas das vezes, funcionam como base de recrutamento, treino e de
disseminação de propaganda e da ideologia.
 Recursos Financeiros: São fundamentais para a compra de armas;
corromper agentes de segurança; manter as células activas; providenciar
redes sociais de apoio; difundir propaganda; entre uma enorme miríade de
outras coisas. A obtenção destes fundos pode ter diversas origens, desde
métodos legais a métodos ilícitos como assaltos, raptos, sequestros, “taxas”
impostas aos cidadãos, extorsão, tráfico de vária ordem e contrafacção,
entre outras actividades ilegais. Além disso, o Hezbollah, beneficia de
financiamento directo do Irão e da Síria.
 Apoio Político e Propaganda: Os Estados patrocinadores, normalmente
também apoiam politicamente estes grupos, reconhecendo-os como
movimentos políticos legítimos, apoiando-os na criação de um aparelho
diplomático. Quanto à propaganda é um instrumento crucial para legitimar os
objectivos dos grupos e apoiar quer na recolha de apoios como no
recrutamento de novos membros, descredibilizando ideias contrárias às suas
e internacionalizando a mensagem a uma maior audiência. O Hezbollah
possui sites, publicações escritas e a televisão al-Manar - fundamentais para
difundir a sua ideologia.
 Apoio Militar Directo: Os Estados patrocinadores por vezes providenciam
apoio militar directo usando as suas Forças Armadas para lutar ao lado dos
grupos o que não é frequente.
 Treino: Para se tornarem eficazes, deve ser dado treino de manuseamento
de armas/explosivos, bem como dadas instruções e ensinadas tácticas aos
terroristas. Contudo, na actualidade, o treino é mais avançado incluindo

99
BYMAN, Daniel L., et.al., Trends in Outside Support for Insurgent Movements: Assessing the Impact of
External Support, RAND Corporation, 2001 in http://www.rand.org/pubs/monograph_reports/2007/MR1405.pdf,
consultado em 30 Janeiro 2009

72
instrução sobre dispositivos explosivos ou recolha de informações entre
outras capacidades igualmente complexas. Foi desta forma que a Força
Revolucionária Islâmica do Irão ajudou a transformar o Hezbollah de um
grupo terrorista pobremente armado e apenas com expressão local, num dos
grupos terroristas mais expressivos de todo o Mundo.
 Operacionais: Militantes dotados de elevadas capacidades físicas e
psicológicas para enfrentar o inimigo e experiência militar são um requisito
fundamental para o sucesso do terrorismo.
 Intelligence: O Hezbollah possui uma rede de intelligence espalhada um
pouco por todo o Mundo, servindo-se dos seus apoiantes para recolherem as
informações, enviando-as posteriormente para os níveis mais elevados da
hierarquia do grupo.

Como se pode ver no gráfico seguinte, pode-se verificar que os Estados


continuam a ser a principal base de apoio dos grupos terroristas e dos movimentos
subversivos com o objectivo de aumentar a sua influência regional e destabilizar os
Estados vizinhos rivais. Verificamos ainda que as diásporas – comunidades de
emigrantes estabelecidas no estrangeiro – são um player emergente e acredita-se
que aumentem o seu grau de apoio. Ao contrário dos Estados, as diásporas são
largamente motivadas por afinidades étnicas100. Finalmente, outras fontes de apoio
não estatais têm desempenhado um importante papel para sustentar os grupos101.

Gráfico 1 – Fontes de apoio dos grupos terroristas


Fonte: RAND Corporation

100
RAND Research Brief, The New Face of Insurgency, RAND Corporation, 2001 in http://www.dtic.mil/cgi-
bin/GetTRDoc?AD=ADA399415&Location=U2&doc=GetTRDoc.pdf, consultado em 1 Fevereiro 2009
101
EHRENFELD, Rachel, Turning Off the Tap of Terrorist Funding, Middle East Forum, 19 Setembro 2003 in
http://www.meforum.org/article/572, consultado em 31 Janeiro 2009

73
4.2. – Fragmentação das Fontes de Financiamento

A questão do financiamento assume um papel fulcral na guerra contra o


terrorismo, o que foi assumido pelo ex-Presidente norte-americano George W. Bush
ao referir que “o dinheiro é vital para as operações terroristas” e, por isso, apelou à
comunidade internacional para empreender esforços no sentido de localizar,
interceptar, isolar e congelar os activos e o fluxo de financiamento das redes
terroristas com o objectivo de incapacitar as mesmas, de modo a não terem
recursos para levarem a cabo os seus objectivos 102.
Apesar de em apenas um ano terem sido congelados mais de 121 milhões
de dólares a nível mundial relacionados com diferentes redes terroristas, muitos
analistas estão sépticos quanto a esta campanha, referindo que as redes terroristas
continuam a ter acesso a consideráveis fontes de financiamento. Referem ainda
que na actualidade houve uma alteração das fontes de financiamento que
passaram a assentar em mecanismos ilegais e criminosos, incluindo o tráfico de
ouro e diamantes, o roubo, a extorsão, o movimento de fundos via transferência
informal de valores – como o sistema hawala – em que se perde o rasto do
dinheiro, entre outros, dando azo a ligações já documentadas entre o terrorismo
transnacional e o crime organizado transnacional.
O sistema hawala é um tipo de sistema bancário informal que tem vindo a
ser utilizado extensivamente pelo Hezbollah e outros grupos criminosos. É baseado
apenas na confiança entre os indivíduos que enviam o capital e os hawaladares
(profissionais que gerem todo o sistema), não havendo qualquer tipo de registo
físico ou virtual das transacções, o que faz com esta forma de transferência de
capitais não seja transparente, uma vez que, se perde o rasto dos fluxos de
capitais103.
Adicionalmente, no contexto da evidente fragmentação das fontes de
financiamento das organizações terroristas, tem ainda de se atentar que certas
células terroristas se auto-sustentam a partir de negócios legítimos, organizações

102
LEE, Rensselaer, Report For Congress: Terrorist Financing: The U.S. And International Response, The
Library of Congress, Washington, 2002 in
http://www.law.umaryland.edu/marshall/crsreports/crsdocuments/RL31658_12062002.pdf, consultado em 16 de
Janeiro de 2009
103
BRISARD, Jean-Charles, Terrorism Financing: Roots and Trends of Saudi Terrorism Financing, Nova Iorque,
19 Dezembro 2002 in http://www.investigativeproject.org/documents/testimony/22.pdf, consultado em 1 Fevereiro
2009

74
de caridade, organizações não governamentais, bem como as remessas enviadas
pelos membros das diásporas.
O Hezbollah é conhecido por utilizar mecanismos de financiamento
alternativos no que toca à obtenção, transferência e acumulação de activos. Ao
primeiro nível, os terroristas obtêm os fundos a partir de crimes altamente
lucrativos, como o contrabando de tabaco, a contrafacção, tráfico de drogas e
diamantes, bem como a utilização de uma grande rede de instituições de caridade
que recolhem uma grande soma de donativos. Ao nível das transferências, utilizam
meios de forma a dissimularem ou lavarem os seus activos através de mecanismos
pouco transparentes através de instituições de caridade e/ou organizações não
governamentais; sistemas bancários informais; ou a utilização de bens que podem
servir de moeda, como o ouro ou os diamantes. Finalmente, para armazenarem os
activos, os terroristas utilizam principalmente os metais preciosos, uma vez que
estes mantêm o seu valor durante um grande período de tempo e são facilmente
transaccionados fora do sistema bancário formal104.
Serviços de informações ocidentais estimam que o orçamento anual do
Hezbollah será aproximadamente 100 milhões de dólares. Este orçamento financia
não só as actividades militares/terroristas (e.g. compra de armas, salários dos
membros do grupo, os treinos, entre outros elementos), mas também o
funcionamento das instituições comunitárias (e.g. escolas, hospitais) e ainda as
despesas correntes inerentes ao funcionamento do grupo (e.g. equipamentos,
economato, entre outros)105.

4.3. – Características dos Estados

A Comissão do 11 Setembro concluiu que para encontrar um santuário, os


grupos terroristas se dispersaram por vários locais no Mundo106, nomeadamente os

104
U.S. GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, Terrorist Financing: U.S. Agencies Should Systematically
Assess Terrorists’ Use of Alternative Financing Mechanisms, 2003 in http://www.gao.gov/new.items/d04163.pdf,
consultado em 18 de Janeiro de 2009
105
INTELLIGENCE AND TERRORISM INFORMATION CENTER AT THE CENTER FOR SPECIAL STUDIES,
Hezbollah: Profile of the Lebanese Shiite Terrorist Organization of Global Reach Sponsored By Iran And
Supported by Syria – Special Information Bulletin, op.cit.
106
Final Report of the National Commission on Terrorist Attacks Upon the United States, The 9/11Comission
Report, Nova Iorque, 2004, pp. 366-367 in http://govinfo.library.unt.edu/911/report/911Report.pdf, consultado 1
Fevereiro 2009

75
denominados buracos negros ou Estados falhados, estando identificados 41 fora do
Mundo Ocidental107.
Estas regiões têm geralmente como características uma densidade
populacional elevada e variada, geografia acidentada, baixa qualidade de
governança e, usualmente funcionam como santuários, onde os diferentes grupos
podem estabelecer centros seguros de auto-protecção, recrutamento, angariação
de fundos, treino, planeamento e lançamento de operações108.
Em 2006, a ex-Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice
referiu que o perigo que os Estados falhados colocam não encontra paralelo.
Acrescentou que, os Estados frágeis e falhados servem como caminho para
espalhar os movimentos criminosos e terroristas, bem como a proliferação de
armas109. Também Javier Solana na Estratégia Europeia de Segurança (Dezembro
de 2003) referiu que os Estados falhados são uma das ameaças centrais à
segurança internacional devido à sua conexão com outras ameaças transnacionais
como o terrorismo, crime organizado e a proliferação de armas de destruição
maciça110.
O que Javier Solana, Condoleezza Rice e outros líderes mundiais assumem,
implícita ou explicitamente, é que há uma conexão causal entre a desintegração do
Estado e a ameaça do terrorismo global. Contudo, esta ideia tem sido rebatida e
convém desmistificar algumas questões. Primeiro, terrorismo não é um fenómeno
limitado aos Estados falhados ou frágeis. Segundo, as redes terroristas têm
utilizado Estados ocidentais para procederem a recrutamento de novos membros,
treino e aquisição e transferência de fundos. Terceiro, estão descritos uma série de
Estados falhados que não deram origem a actividade terrorista, embora sejam
utilizados por algumas redes terroristas, nomeadamente através de conexões
económicas. Quarto, muitas das vezes a liderança dos grupos terroristas tendem a
afastar-se dos Estados falhados ou regiões afectadas por guerras, precisamente

107
FARAH, Douglas, The Strategic Challenge of Failed States, 25 Setembro 2006 in
http://www.strategycenter.net/research/pubID.120/pub_detail.asp, consultado 1 Fevereiro 2009
108
FARAH, Douglas, The Challenge of Failed and Failing States: The Muslim Brotherhood and Radical Islam, 11
Julho 2007 in http://www.strategycenter.net/research/pubID.168/pub_detail.asp, consultado em 1 Fevereiro 2009
109
Idem, ibidem
110
SCHNECKENER, Ulrich, How Transnational Terrorists Profit from Fragile States, Stifung Wissenschaft und
Politik German Institut for International and Security Affairs, Berlim, Maio 2004 in http://www.swp-
berlin.org/en/common/get_document.php?asset_id=2406, consultado em 1 Fevereiro 2009

76
porque são locais instáveis e as condições para a sua própria segurança podem
modificar-se rapidamente111.
Depois do exposto e analisando a rede internacional do Hezbollah, podemos
verificar que esta tem uma grande capacidade adaptativa às diferentes situações,
tirando partido das características dos Estados onde mantém células. É, pois, óbvio
que o Hezbollah tira partido de Estados falhados como é o caso dos países da
África Ocidental e da zona da tríplice fronteira, aproveitando as fracas instituições
politicas, a corrupção generalizada, enquadramento legal no que se refere a leis
anti-terrorista e anti-branqueamento de capitais fraco e a posição geoestratégica
desses Estados para agirem de forma incólume e tirando partido dessa lassidão
para levarem a cabo as suas acções, nomeadamente, de interagirem com os
grupos de crime organizado, de forma arranjarem capitais e logística de forma
ilícita. Contudo, também verificamos que o Hezbollah mantém uma forte presença
no Mundo Ocidental, utilizando brechas na legislação para angariarem fundos e
planearem ataques terroristas, ao mesmo tempo que vão recolhendo informações
no terreno.

6. – Conclusão

Pode-se concluir que o Hezbollah é uma clara ameaça terrorista à segurança


internacional. Formado em 1982, este grupo evoluiu de um grupo radical com
expressão local para uma rede terrorista transnacional fortemente apoiada pelo Irão
e pela Síria, não obstante receber também um forte apoio das suas células
operacionais espalhadas pelos cinco continentes por intermédio de instituições de
caridade e actividades criminosas, bem como a cooperação com outros grupos
criminosos.
O Hezbollah é a rede terrorista mais forte, melhor organizada e estruturada,
muito devido ao forte apoio / financiamento que recebe, sendo que a fragmentação
das suas fontes de financiamento foi essencial para assumir o estatuto de A-team
of terrorism.

111
Idem, ibidem

77
7. – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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80
O CONTROLO REMOTO DO MAR: SISTEMAS DE RASTREIO DO
TRÁFEGO MARÍTIMO

Por Armando José Dias Correia

Já enviamos homens à Lua e uma sonda a Marte,

mas ainda não sabemos o que há nas profundezas do oceano.

1. Introdução

O mar escreveu a nossa história e é quem dá hoje dimensão a Portugal. O país


é pequeno, tem cerca de 91 mil km2, o que corresponde a uma posição por volta do
centésimo décimo lugar no ranking dos países do mundo, mas exerce soberania ou
jurisdição sobre uma extensíssima área marítima, da ordem de 1,7 milhões km2,
que contemplam águas interiores, mar territorial e Zona Económica Exclusiva
(ZEE). Esta dimensão coloca Portugal no 11º lugar a nível mundial, à frente de
países como a Índia e a China, e é o país da União Europeia que possui a maior
área de jurisdição marítima.

Devido à sua localização e capacidades, Portugal tem ainda a responsabilidade


internacional por duas extensas regiões de busca e salvamento no âmbito das
Convenções SAR e ICAO.

Esta determinante marítima assume diversas expressões. Uma expressão


política, traduzida num pequeno território com um imenso mar jurisdicional, que é a
base física do Estado e que se revela fundamental para a circulação entre as três
parcelas do território nacional: Continente, Açores e Madeira. O mar viabiliza, ainda,
a ligação de Portugal a outros espaços geográficos, actuando como factor
determinante nas relações internacionais do país. Uma expressão económica, no
tráfego marítimo, no turismo, na pesca, na actividade portuária e litoral. Uma
expressão cultural, evidente no modo de pensar, agir e sentir dos portugueses, no
nosso acervo espiritual e material, unindo povos nos cinco continentes. Uma
expressão de segurança e defesa, traduzida pela participação activa na Aliança

81
Atlântica (NATO) - eixo central do relacionamento multilateral de Portugal no campo
da defesa, e na União Europeia.

Assim, o mar representa um bem de enorme valor para Portugal que o deve
valorizar e preservar. O fundo do mar é hoje o único espaço da Terra onde ainda se
pode conquistar terreno e é lá que se pensa que estão enormes riquezas por
explorar. O oceano encerra parte do nosso futuro e é nossa obrigação cuidá-lo para
as gerações vindouras. Nesta perspectiva temos de ser capazes de saber o que lá
se passa e ter capacidade para intervir na defesa dos nossos interesses.

Vários factores levam-nos a pensar que somos capazes de controlar


remotamente o que se passa no mar. A ideia de efectuar à distância o seguimento
de submarinos e navios não é nova. O sucesso do radar e os enormes avanços
conseguidos na detecção submarina durante a 2ª Guerra Mundial estão na base de
projectos práticos desde há mais de cinco décadas. Até há pouco tempo, a
compilação de um panorama de superfície era um exclusivo das Forças Armadas,
nomeadamente da Marinha, obtido a partir de meios militares na área, navios de
guerra e meios aéreos. A tecnologia, nos últimos anos, tem prometido muitas
novidades e já apresentou vários novos sistemas, como o VTS costeiro e portuário,
o MONICAP, o AIS, o LRIT, os satélites SAR (abertura sintética) e veículos não
tripulados, que são capazes de fornecer remotamente, com facilidade, muita
informação útil sobre a identificação, localização, previsão de movimentos, etc, de
navios e embarcações.

Os Estados Unidos da América (EUA), na sequência do 11 de Setembro de


2001, efectuaram uma profunda reorganização de todos os aspectos relacionados
com a segurança. Relativamente à segurança marítima realça-se a criação do
conceito Maritime Domain Awareness (MDA) com o objectivo de criar e manter uma
Commom Intelligence Picture (CIP), ou seja, uma imagem comum inteligente do
tráfego marítimo através de uma rede distribuída de informações, vigilância e
sistemas de reconhecimento (ISR) (MDA, 2005). A iniciativa nasceu em Dezembro
de 2002 como parte da Maritime Strategy for Homeland Secuty visando coleccionar,
analisar, aceder e disseminar informações para a defesa dos EUA contra ameaças
marítimas. Em 2005 foi publicada a The National Stategy for Maritime Stategy
(NSMS, 2005) e em 2007 A cooperative Strategy for 21st Century Seapower
(Roughead, 2007).

82
Em 2006 o Livro Verde para uma nova Política Marítima da União e
especialmente os seus documentos de trabalho112, identificaram a necessidade de
se trabalhar no sentido de uma maior integração dos sistemas de vigilância
marítima. A Comissão tem a intenção de integrar os sistemas de monitorização e
de seguimento usados na segurança marítima, na protecção do ambiente marinho,
no controlo das pescas, na fiscalização das fronteiras marítimas e nas actividades
de exercício da autoridade do Estado no mar. A integração dos sistemas existentes
ou futuros é considerada fundamental para aumentar os serviços disponíveis para
as autoridades.
Neste contexto a pergunta que se coloca é que sistemas existem em Portugal a
recolherem informação sobre o espaço situacional de envolvimento marítimo. Como
pergunta derivada pretende-se saber se estes meios são suficientes para
garantirem a segurança marítima.
O trabalho começa por identificar a importância do mar, as ameaças que
impendem sobre os espaços marítimos e, depois, apresenta os sistemas existentes
utilizados em Portugal. Efectua-se por fim uma análise dos dados obtidos e das
perspectivas futuras.

2. – A Importância do Mar

A economia globalizada de hoje não funciona caso não exista confiança dos
operadores e agentes económicos, e a confiança depende da segurança marítima,
seja nas vertentes da protecção, seja nas vertentes da salvaguarda. A busca de
novas fontes de recursos, a investigação e o desenvolvimento tecnológico,
conduzirão a exploração dos recursos no mar e no seu leito para novas fronteiras.
A estabilidade global depende, pois da segurança marítima, sendo que as ameaças
directas ao uso do mar, e as que do mar tiram partido, têm crescido.
A União Europeia é a primeira potência marítima mundial, especialmente no
que diz respeito ao transporte marítimo, às técnicas de construção naval, ao
turismo costeiro, à energia offshore, incluindo as energias renováveis, e aos
serviços associados. No futuro, segundo um estudo do Irish Marine Institute, os
sectores com maior potencial de crescimento serão o sector dos cruzeiros, o sector

112
Disponíveis na Internet em: http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/suppdoc_en.html [Última visita em: 11SET08].

83
portuário, a aquicultura, as energias renováveis, as telecomunicações submarinas e
a biotecnologia marinha113.
O transporte marítimo e os portos são essenciais para o comércio internacional.
Para 90% do comércio externo da União Europeia e mais de 40% do seu comércio
interno, o transporte é efectuado por via marítima. A União Europeia, com 40% da
frota mundial, é incontestavelmente o líder deste sector global. Anualmente, 3,5 mil
milhões de toneladas de mercadorias e 350 milhões de passageiros transitam pelos
portos marítimos europeus. Cerca de 350.000 pessoas trabalham nos portos e nos
serviços associados, que, no seu conjunto, geram um valor acrescentado de
aproximadamente 20 mil milhões de euros114. Com o aumento do volume do
comércio mundial e o desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância e
das auto-estradas marítimas, as perspectivas para estes sectores são de
crescimento contínuo. O transporte marítimo é um catalisador para outros sectores,
nomeadamente a construção naval e os equipamentos marítimos. Os serviços
marítimos associados, como os seguros, a banca, a intermediação, a classificação
e a consultoria são mais um domínio em que a Europa deveria manter a sua
liderança.
Os oceanos e os mares geram igualmente receitas graças ao turismo. Estima-
se que o volume de negócios directo do sector do turismo marítimo na Europa
tenha sido de 72 mil milhões de euros em 2004 (MPU, 2006). Os turistas que
passam férias no litoral usufruem do mar, da praia e da zona costeira de formas
muito diversas. Muitos destinos turísticos devem a sua popularidade à proximidade
do mar e dependem da qualidade ambiental deste. Para a sustentabilidade do
turismo em geral e, em particular, do ecoturismo, sector este que se encontra em
rápida expansão, é, pois, crucial prever um elevado nível de protecção das zonas
costeiras e do meio marinho. O turismo gera trabalho para a indústria da construção
naval. O sector europeu dos cruzeiros desenvolveu-se fortemente nos últimos anos,
registando uma taxa de crescimento anual superior a 10%. Os navios de cruzeiro
são praticamente todos construídos na Europa. O turismo de cruzeiro contribui para
o desenvolvimento das zonas costeiras e insulares. O sector da náutica de recreio
registou um aumento constante nos últimos anos, prevendo-se que o seu

113
Marine industries global market analysis, Março de 2005, Douglas-Westwood Limited, Marine foresight series
no 1, the Marine Institute, Irlanda.
114
Organização dos Portos Marítimos Europeus, contributo para o Livro Verde.

84
crescimento anual na União Europeia seja de 5 a 6%. Nenhuma outra forma de
lazer colectivo cobre um leque tão grande de idades, interesses e locais.
O mar desempenha um papel essencial na competitividade, no
desenvolvimento sustentável e na segurança do aprovisionamento energético, os
quais constituem objectivos essenciais identificados pela Comissão115 e pelos
Chefes de Estado e de Governo116. O mar do Norte é, depois da Rússia, dos
Estados Unidos e da Arábia Saudita, a quarta maior fonte de petróleo e de gás no
mundo, embora em decréscimo acentuado da produção. Os mares em torno da
Europa desempenham também um importante papel no sector da energia, na
medida em que permitem o transporte, por um número crescente de navios-tanque,
de uma grande parte do petróleo e do gás consumidos na Europa.
O vento, as correntes oceânicas, as ondas e as marés têm um enorme
potencial como fontes de energia renovável. Convenientemente explorados, estes
tipos de energia podem assegurar uma importante parte do abastecimento de
electricidade em muitas zonas costeiras da Europa, contribuindo para o
desenvolvimento económico e para a criação de empregos com carácter duradouro,
nessas regiões.
As empresas europeias desenvolveram know-how na área das tecnologias
marinhas, não só no domínio da exploração de hidrocarbonetos no mar, como
também nos dos recursos marinhos renováveis, das actividades em águas
profundas, da investigação oceanográfica, dos veículos e robôs subaquáticos, das
obras marítimas e da engenharia costeira. Essas tecnologias serão cada vez mais
utilizadas e estimularão o crescimento do sector europeu das tecnologias marinhas,
especialmente nos mercados mundiais de exportação.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura 117 indica
que caberá à aquicultura satisfazer a maior parte da nova procura no mercado de
consumo de pescado. A dificuldade consistirá em gerir este aumento de uma forma
sustentável e compatível com o ambiente. Já que a competição pelo espaço pode
também constituir um importante problema em certas zonas costeiras, a aquicultura
poderá distanciar-se da costa, o que exigirá novos trabalhos de investigação e o
desenvolvimento da tecnologia de cultura em jaulas offshore.

115
Livro Verde “Estratégia europeia para uma energia sustentável, competitiva e segura”, de 2006.
116
Conselho Europeu de 23-24 de Março de 2006, Conclusões da Presidência.
117
O estado das pescas e da aquicultura no mundo, FAO 2004.

85
A União Europeia é uma das principais potências de pesca ao nível mundial e o
maior mercado de produtos transformados à base de peixe. Embora o número de
pescadores na União Europeia seja significativo, da ordem das 500.000 pessoas 118
em variadíssimos postos de trabalho, desde o sector da captura, indústria da
transformação, acondicionamento, transporte e comercialização, bem como nos
estaleiros, fábricas de artes de pesca, empresas de abastecimento e de
manutenção.
Estas actividades têm uma importância considerável no tecido económico e
social das zonas pesqueiras. A transição gradual para pescarias mais sustentáveis
prevista pela União Europeia e o aumento da procura de peixe enquanto alimento
saudável conduzem a uma maior estabilidade, rentabilidade e, inclusive,
crescimento económico em certos segmentos do sector das pescas.
Neste contexto é fundamental a existência de condições de segurança no mar e
nos sistemas e instalações associadas à dinâmica do sector.

3. – O Problema

O mar tem uma enorme importância pelas oportunidades que encerra, mas
sobre ele impendem enormes riscos. A nova Estratégia Marítima dos EUA resume
bem as preocupações relativas a actividades ligadas ao mar que, por influenciarem
a acção interna e externa de um Estado exigem respostas integradas ao mais alto
nível.
As rotas de comércio marítimo e as infra-estruturas em terra são as linhas de
vida da economia moderna. A expansão deste sistema tem aumentado a
prosperidade de muitas nações, embora se tema que o seu crescimento venha a
gerar cada vez mais competição por recursos entre poderes económicos,
corporações transnacionais e organizações internacionais (Roughead, 2007, p. 4).
O aumento das expectativas das populações e o aumento da competição por
recursos, cada vez mais escassos, especialmente petróleo119, pode encorajar
nações a reclamar e exercer jurisdição sobre maiores espaços marítimos, linhas de

118
Factos e números sobre a Política Comum da Pesca (PCP), 2004. Disponível na Internet em:
http://ec.europa.eu/fisheries/publications/studies/employment_study_2006.pdf [Última visita em 15SET08].
119
CORREIA, A. Dias (2007). O futuro sem petróleo, Revista da Armada, Janeiro 2007, 405, pp. 10-13.

86
navegação e recursos naturais, o que pode resultar em conflito (Roughead, 2007, p.
4).

A tecnologia está a potenciar cada vez mais actividades marítimas relacionadas


com fontes de energia, com a coluna de água (em que se inclui a pesca) e com os
fundos marinhos, nomeadamente a recolha de recursos naturais. Por outro lado, o
homem continua a despejar nos oceanos produtos extremamente nocivos para os
ecossistemas marinhos, como são os hidrocarbonetos, os pesticidas, os metais
pesados e os resíduos radioactivos. As alterações climáticas estão a abrir novas
rotas potenciais nomeadamente através do Árctico. Neste domínio, à medida que a
consciência da importância dos oceanos e as oportunidades aumentarem, também
deverão subir as possibilidades de conflitualidade no acesso aos recursos
(Roughead, 2007, p. 4).

A Globalização está a formatar as novas formas de migração humana. Os


conflitos estão a aumentar caracterizados por uma mistura híbrida de tácticas
convencionais e irregulares, descentralizados no planeamento e na execução, com
os actores não estatais a usarem inovadoramente desde tecnologias muito simples
a outras altamente sofisticadas. Governos fracos e corruptos, o aumento da
insatisfação dos excluídos, o extremismo religioso, o nacionalismo étnico e as
alterações demográficas, geram tensões e contribuem para o conflito (Roughead,
2007, p. 4).

O número de actores transnacionais e Estados falhados com acesso a palcos


globais está a aumentar sem precedentes, podendo sistematicamente originar
distracções que apenas visam incrementar poder e influência. Estas acções
também geram e incitam ao conflito com outras partes, o que complica o acalmar
de conflitos regionais (Roughead, 2007, p. 4).

A proliferação de tecnologia de armas e de informação aumentou a capacidade


de Estados-Nação e actores transnacionais para se lançarem em desafios
marítimos, prepararem ataques e manipularem a percepção pública. O uso
assimétrico de tecnologia irá colocar um novo leque de ameaças muito preocupante
se tivermos em atenção o apetite destes actores por armas nucleares e outras
armas de destruição massiva. Ao mesmo tempo, ataques a sistemas de informação
legítimos, nomeadamente financeiros, podem igualmente ter efeitos disruptivos
ainda maiores que as armas cinéticas. É evidente que os perigos provenientes, por

87
exemplo, do terrorismo, na actualidade, são indissociáveis do risco de proliferação
das armas de destruição massiva (ADM): a conjugação destas duas ameaças –
terrorismo e ADM – aumenta exponencialmente o risco, pelo que a principal
responsabilidade de eliminar, reduzir ou atenuar essas ameaças e esses riscos é
de cada Estado, mas, sobretudo, da acção colectiva e concertada dos Estados.
A maioria da população mundial vive a pouca distância da orla costeira. A
instabilidade social, em especial em estados fracos, tem potencial para criar
enormes perturbações. Os efeitos das alterações climáticas podem também
amplificar o sofrimento humano através de tempestades catastróficas, perda de
terra arável e de pesca costeira, que podem conduzir à perda de vidas, migração
involuntária, instabilidade social e crises regionais.
Os meios de comunicação irão realçar o drama do sofrimento humano e as
populações menos afortunadas irão estar cada vez mais conscientes da sua
situação, ficando menos tolerantes e mais radicais, permitindo o crescimento de
ideologias extremistas. O crime organizado também irá explorar esta instabilidade
social.

4. – A Importância da Informação

As ameaças e os riscos associados tornam imprescindível a cooperação


internacional de forma a garantir a segurança nos mares. A União Europeia já
coopera com os Estados Unidos da América no quadro da iniciativa sobre
segurança dos contentores120, lançada após os atentados terroristas de 11 de
Setembro de 2001. Há também outras iniciativas em que já há troca de informação,
por exemplo no âmbito do Port State Control.
É igualmente necessário que as autoridades públicas recebam dados de
qualidade para monitorizarem as actividades humanas, económicas e de outra
natureza nas águas costeiras. Em especial, há que melhorar as informações em
tempo real sobre os movimentos dos navios. Essas informações não só são
importantes para a navegação, como também podem ser utilizadas para detectar

120
Acordo entre a Comunidade Europeia e os Estados Unidos da América sobre a intensificação e extensão do
Acordo de Cooperação Aduaneira e de Assistência Mútua em Matéria Aduaneira, a fim de incluir a cooperação
em matéria de segurança de contentores e questões conexas, JO L 304 de 30.9.2004.

88
comportamentos ilícitos: contrabando, tráfico, actividades terroristas ou descargas
ilegais dos navios.
Existem vários sistemas de localização de navios, utilizados nos portos, ao
longo das costas e em certos sectores, como as pescas e a segurança marítima. O
intercâmbio, ao nível europeu, de informações relativas à segurança entre
autoridades competentes é efectuado através do sistema SafeSeaNet121
(desenvolvido pela Comissão e operado pela Agência Europeia da Segurança
Marítima). Existe uma iniciativa semelhante para o combate à poluição, o
CleanSeaNet. Os Centros de Vigilância da Pesca nacionais enviam periodicamente
informações sobre a posição dos seus navios para os centros de vigilância dos
países em cujas águas esses navios pescam. A coordenação entre os Estados-
Membros neste domínio irá melhorar com a recente instalação da Agência
Comunitária de Controlo das Pescas, em Vigo122. A coordenação ao nível da
segurança caberá à Agência Europeia da Segurança Marítima, com sede em
Lisboa.
Este tipo de sistemas será cada vez mais utilizado, tanto por militares como por
civis. O que se pretende é chegar progressivamente à integração dos sistemas
existentes, por forma a combinar a informação proveniente de fontes in situ (por
exemplo radares costeiros) com novas fontes, como por exemplo o GALILEO e os
sistemas de observação da Terra a partir do espaço.
Nas águas da União Europeia, será, igualmente, de esperar a
interoperabilidade total dos sistemas e sectores dos diferentes Estados-Membros.
Além disso, esses sistemas terão de ser desenvolvidos em cooperação com os
países vizinhos, assume especial importância a Rússia, Noruega, Islândia123 e os
países do sul do Mediterrâneo.

5. – Fontes de Informação

O primeiro sistema que apareceu para controlar remotamente unidades navais


no mar deverá ter sido o SOSUS, abreviatura de SOund SUrveillance System

121
Informação em: http://www.emsa.eu.int/end806d001.html#overview [Última visita em 13SET08].
122
Portal disponível em: http://ec.europa.eu/cfca/index_en.htm [Última visita em 10SET08].
123
Noruega e Islândia são parceiros do Espaço Económico Europeu

89
(Sistema de Vigilância Sonora. A Marinha Americana desenvolveu este sistema
para poder ter a detecção antecipada e efectuar o seguimento dos submarinos
balísticos soviéticos. A decisão sobre a sua edificação foi tomada em 1949 e terá
ficado operacional em 1961. Consistia numa série de cadeias de hidrofones
passivos, fundeados a grande profundidade no Atlântico Norte junto à Gronelândia,
Islândia e Reino Unido, nas áreas por onde tinham de passar os submarinos
soviéticos. No Pacífico também foram instaladas estações SOSUS. O sistema
permitia detectar navios e submarinos a distâncias de centenas de milhares de
milhas tirando partido dos canais de som.
O seu custo total ascendeu a 16 mil milhões de dólares. Em 1993, a Marinha
Americana permitiu aos cientistas civis do NOAA (National Oceanic and
Atmospheric Administration) escutá-lo, de forma a poderem detectar sismos no mar
e outras acções geológicas escondidas nas profundezas. Também foi utilizado mais
tarde por universitários para seguir baleias e outros mamíferos marinhos. Em 1996,
a Marinha Americana começou a privatizar parte do sistema para que uma
fundação pudesse construir um observatório acústico no Atlântico para estudar
sons naturais de sismos e animais marinhos.
Vejamos agora sistemas de superfície que contribuem para o conhecimento
remoto do que se passa no mar português.

a. O sistema AIS e o MSSIS


O AIS (Automatic Identification System) é uma fonte de informação importante
para melhorar a segurança marítima e aumentar a vigilância sobre os navios no
mar.
O sistema AIS foi desenvolvido pela IMO para o controlo da generalidade dos
navios de passageiros, os navios mercantes oceânicos acima das 300 toneladas e
navios de carga com mais de 500 toneladas, quer efectuem ou não viagens
internacionais.
Prevê-se que a médio prazo o sistema seja obrigatório a bordo da
generalidade dos navios e embarcações. O sistema AIS funciona na banda VHF
pelo que o seu alcance depende muito da altura da antena, em média da ordem
das 24 milhas, embora possam ser registados alcances práticos muito superiores.
O sistema envia mensagens formatadas automaticamente com a identificação,
90
posição e as características da plataforma onde se encontra instalado,
designadamente dados estáticos (MMSI – Maritime Mobile Service Identity,
indicativo de chamada, nº IMO, comprimento/boca, tipo de navio, etc.), dados sobre
a viagem (portos de origem/destino, ETA/ETD, tipo de carga, etc.) e dados
dinâmicos (posição GPS, rumo, velocidade, etc.).

Fig. 1 – Imagem obtida pelo autor na aplicação MSSIS em 04SET08 que ilustra os dados obtidos via
AIS. Neste caso foi identificado um navio de passageiros que se dirigia a Lisboa.

A nível militar, a maioria dos países NATO está a implementar o AIS comercial
e a desenvolver doutrina (codificação, amplificação de força, mistificação, etc.) para
utilização de uma versão AIS militar, o WAIS (Warship Automated Identification
System).

O sistema AIS permite ser configurado para funcionar em diversos modos de


operação, incluindo em modo passivo. O “firmware” do sistema permite a sua
actualização com novas funcionalidades.

A Guarda Costeira Americana tem em curso um projecto para avaliar a


capacidade de recepção da informação AIS por satélites, especialmente os de
orbita de baixa altitude, veículos não tripulados e balões de grande resistência.

O MSSIS (Maritime Safety/Security Information System) é uma capacidade do


US Maritime Domain Awareness (MDA) que tem por missão principal apoiar a
Marinha Norte-Americana na recolha de informação sobre navios comerciais
equipados com os transponders (emissores) AIS. O MSSIS recolhe, compila e
dissemina em tempo real os dados AIS recebidos dos navios. Os países que

91
contribuem para este panorama são a Bélgica, Dinamarca, Noruega, Polónia,
Finlândia, Itália, Marrocos, Portugal, Espanha, Turquia, Senegal, Singapura, Reino
Unido e EUA.

Fig. 2 – Imagem obtida pelo autor no MSSIS em 15SET08.

92
Fig. 3 – Imagem do panorama AIS da costa portuguesa obtida pelo autor em 15 de Setembro de
2008. Todos os dias cruzam as nossas águas mais de uma centena de navios com mais de 300
toneladas.

93
b. Sistemas VTS Costeiros e Portuários

O primeiro Vessel Traffic Service (VTS - Sistema de Vigilância de Tráfego


Marítimo) apareceu em Liverpol em 1949. O sistema consistia num radar instalado
em terra que fornecia as informações necessárias para coordenar os movimentos
dos navios. Um sistema semelhante com mais estações radar foi montado pela
Holanda em 1956 para seguimento de tráfego marítimo no porto de Roterdão. O
sistema espalhou-se rapidamente por grande parte dos portos da Europa Ocidental.

Os principais portos nacionais também têm um VTS portuário que integra


informação de outros sensores nomeadamente do AIS. Está previsto que em 2008
fique operacional o sistema VTS costeiro que vai permitir alargar o controlo do
tráfego marítimo até às 50 milhas, abrangendo as águas territoriais, a nova Zona
Contígua e uma pequena parte da Zona Económica Exclusiva (ZEE). Estruturante
do ponto de vista da segurança marítima, a decisão encontrava-se pendente desde
1999, tendo a ausência do VTS em Portugal sido amplamente criticada por ocasião
do acidente do petroleiro Prestige.

O projecto VTS prevê a instalação de diversos sistemas ligados em rede ao


longo da costa portuguesa, nomeadamente:

 Criação de dois Centros de Coordenação do Sistema VTS, um principal nos


terrenos da Escola Náutica Infante D. Henrique, em Paço d’Arcos, e outro,
secundário, em Portimão;

 Instalação de um Centro VTS Portuário, em Aveiro;

 Instalação de 8 radares costeiros;

 Instalação de 8 radares portuários: Viana do Castelo (1); Aveiro (3); Figueira da


Foz (2); Portimão (1) e Faro (1);

 Ligação aos sistemas portuários já existentes em Leixões, Lisboa, Setúbal e


Sines;

 Instalação da rede AIS para a Identificação Automática de Navios;

 Instalação da rede VHF (para a comunicação com os navios) e DF (Rádio-


localização);

 Instalação da rede de comunicação a interligar os diferentes locais e sistemas


(backbone);

94
 Ligações funcionais a outros utilizadores do sistema (fornecimento de dados a
clientes do sistema).

Prevê-se também a integração/associação do projecto GMDSS (Global


Maritime Distress and Safety System) e do SIVICC (Sistema Integrado de
Vigilância, Comando e Controlo) ao projecto VTS Costeiro. O custo global estimado
do projecto VTS é da ordem dos 100 Milhões de Euros, com um apoio comunitário
previsto de 50%.

O sistema tem como objectivos aumentar a segurança das embarcações nas


águas da costa portuguesa e nos esquemas de separação de tráfego (EST),
aumentar a segurança da vida humana no mar, evitar intrusões e o desembarque
ilegal de pessoal e actividades ilícitas nas águas costeiras, proteger e melhorar o
ambiente marinho na costa e contribuir para uma melhor utilização da ZEE
portuguesa

O VTS Costeiro permitirá igualmente assegurar as obrigações nacionais


referentes à classificação de toda a costa portuguesa como “Zona Marítima
Particularmente Sensível”, impondo regras obrigatórias de informação aos navios
que transportam cargas mais poluentes, criando condições de maior segurança e
contribuindo para a preservação ambiental das águas portuguesas e zonas
ribeirinhas. O VTS viabiliza ainda a alteração dos “Esquemas de Separação de
Tráfego”, afastando os corredores de passagem de grandes navios em toda a
costa, melhorando as condições de actuação em caso de acidentes ou incidentes
marítimos.

c. Sistemas de controlo da actividade da pesca (MONICAP, SIFICAP, SADAP)

Portugal foi pioneiro, a nível europeu (o projecto-piloto foi lançado em 1988), na


implementação de um sistema de Monitorização Contínua das embarcações de
pesca e transmissão dessa informação com determinada periodicidade.

Este sistema, denominado MONICAP, está integrado num sistema complexo,


que permite a manutenção da Base de Dados da actividade inspectiva e a
coordenação entre todas as entidades com competência de fiscalização das pescas
– Marinha, Força Aérea, GNR/Brigada Fiscal e Regiões Autónomas - designado por
SIFICAP – Sistema de Fiscalização e Controlo das Actividades da Pesca, instituído

95
pelo Decreto-Lei nº 79/2001, de 5 de Março. Este sistema enquadra-se no que a
União Europeia designa por Vessel Monitoring System (VMS).

O MONICAP (Sistema de Monitorização Contínua da Actividade da Pesca)


utiliza o GPS (Global Positioning System) para a localização e o sistema Inmarsat C
para a comunicação satélite entre a embarcação e um centro de controlo terrestre.
O sistema MONICAP foi industrializado e está presentemente instalado, ou em fase
de instalação, em cerca de 800 navios de pesca que operam sob controlo de
Portugal, Espanha, França, Irlanda e Angola. Em cada um destes países foram
criados vários Centros de Controlo que visualizam geograficamente os navios e
controlam todos os seus movimentos e actividades.

O sistema é instalado como uma “caixa negra” que permite o acesso remoto a
partir de um centro de controlo em terra.

Num Centro de Controlo, através de um computador e da ligação satélite, é


possível monitorizar em tempo real a actividade de vários navios.

A utilização de comunicações baseadas em satélite, para além de tornar o


sistema mais fiável e assegurar uma cobertura a nível mundial, também permite o
envio e recepção de mensagens entre navios e navio-terra.

O sistema tem capacidade para além da monitorização, poder ser utilizado para
a inspecção e protecção das actividades da pesca, controlo do tráfego marítimo,
aquisição, recepção e transmissão de dados meteorológicos e localização rápida e
precisa de navios e embarcações em perigo.

A Marinha Portuguesa tem em desenvolvimento uma plataforma inteligente


designada por SADAP (Sistema de Apoio à Decisão na Actividade de Patrulha) que
permite optimizar áreas de patrulha com base em informação diversa,
nomeadamente a partir da informação recolhida das mensagens de inspecções de
embarcações de pesca (mensagens SIFICAP). O projecto assegura também a
troca expedita e semiautomática de informação do panorama de superfície entre o
Centro de Operações da Marinha (COMAR) e as unidades navais, o que permite
optimizar o esforço de fiscalização da pesca.

96
d. Sistemas de vigilância e controlo da costa (SIVICC)
A Unidade de Controlo Costeiro da GNR irá ser apetrechada com um sistema
sofisticado de vigilância – Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo
(SIVICC), com um custo aproximado de 30 milhões de euros. O qual permitirá uma
cobertura eficaz da costa portuguesa, ao contrário do sistema LAOS actualmente
utilizado, com um nível de inoperacionalidade superior a 60 por cento e que está
completamente ultrapassado, dado que algumas embarcações lhe passam
completamente despercebidas.
O SIVICC irá ser articulado com o VTS, o primeiro ligado à segurança interna e
aduaneira e o segundo à segurança do tráfego marítimo, havendo áreas onde é
possível partilhar meios e programar medidas a adoptar, sem comprometer os
objectivos inerentes à missão que cada um destes sistemas serve.
O sistema deverá estar operacional em todo o país até 2010. O arranque da
primeira fase, centro de controlo costeiro de Ferragudo, no Algarve, está previsto
para 2009. Foi também já assinado um protocolo entre o IPTM e a GNR para o
acesso do SIVICC aos dados do VTS.
O sistema consiste essencialmente em radares e câmaras de vigilância e irá
operar em articulação com as Lanchas de Vigilância e Intersecção, permitindo
actuar em áreas tão diversas como sejam o combate à imigração ilegal, ao
terrorismo, às fraudes fiscais e aduaneiras, apoio em caso de catástrofes
ambientais e protecção ambiental, de uma forma geral na detecção de actividades
suspeitas até 24 milhas da costa. Pretende-se também efectuar uma recolha de
informação sistematizada para construir uma base de dados de tráfico marítimo e
actividade ilegal ao longo da costa.

e. Sistemas Estratégicos de Vigilância Inteligente (âmbito IMINT124)


As agências espaciais dos EUA, Canadá, Japão e também a ESA têm
investido na construção de satélites com radares de abertura sintética (SAR –
Synthetic Aperture Radar). Estes radares têm a sua principal vantagem no facto de
captarem imagens em quaisquer condições de tempo e apresentarem formas de

124
IMINT (sigla para imagery intelligence) é o termo usado para descrever a inteligência, no sentido de
informações, obtida através de imagens, captadas, por exemplo, por satélites e aeronaves.

97
identificação dos objectos da superfície da terra ou do mar, distintas dos sensores
ópticos.
O radar de abertura sintética tem inúmeras aplicações de âmbito civil e militar.
As aplicações de âmbito civil incluem a cartografia, delineação de cheias, detecção
de gelo oceânico, detecção de derrames de petróleo e monitorização de actividade
sísmica. As aplicações de âmbito militar incluem a detecção de alvos móveis e a
estima dos seus parâmetros de trajectória.

125
Fig. 4 - O mar de Lisboa numa imagem radar SAR de um satélite da ESA.

A NATO está a utilizar a tecnologia dos radares SAR no seu programa


JSTARS (Joint Surveillance Targeting Attack Radar System). A Marinha está a dar
apoio ao projecto de investigação e desenvolvimento MARISS (European Maritime
Security Services), conduzido pela Edisoft e com a participação da Skysoft, que
pretende desenvolver a capacidade de detecção por satélite de navios no mar e a
sua correlação com outras fontes de dados, por exemplo AIS, VTS e LRIT.

125
Imagem obtida em: http://earth.esa.int/satelliteimages/429/Lisbon_ASA_IMP_Orbit_08658_20031026_or.jpg
[Última visita em 13SET08].

98
Fig. 5 – Esquema ilustrativo do que se pretende com o MARISS.

f. Sistemas Navais de Comando e Controlo (MCCIS, BRITE)


O Maritime Command and Control Information System (MCCIS) é um sistema
militar de comando e controlo que foi desenvolvido no seio da NATO. Este sistema
permite ao Comandante Naval e ao seu Estado-Maior adquirir e analisar grandes
volumes de informação. O sistema processa electronicamente várias fontes de
informação, apresenta a informação em várias aplicações C2I (Command, Control
and Intelligence) e proporciona aos utilizadores a facilidade de manipulação de
dados de forma a darem o apoio necessário à tomada de decisão por parte de
comandantes tácticos, operacionais e estratégicos.
A Marinha Portuguesa tem acesso ao sistema nomeadamente no COMAR126 e
nas fragatas da classe Vasco da Gama.
Actualmente o MCCIS e a rede de sensores utilizados contribuem para um
panorama marítimo validado de alta qualidade (RMP – Recognized Maritime
Picture) e para o panorama situacional comum da NATO (COP – Common
Operacional Picture). A cooperação vertical e a integração entre os comandos

126
Centro de Operações da Marinha - COMAR, encontra-se co-localizado com o Centro de Coordenação de
Busca e Salvamento Marítimo de Lisboa (MRCC Lisboa), opera 24 horas por dia, garantindo a compilação e
análise de todo um conjunto de informação relativa ao panorama marítimo disponibilizada por vários organismos
e instituições militares e civis, nacionais e estrangeiras, incluindo a NATO, no âmbito do Maritime Situational
Awareness (MSA). Mais informações sobre o COMAR em
http://www.marinha.pt/extra/revista/ra_jul2008/pag_7.html [Última visita em 14SET08].

99
nacionais e os comandos NATO estão bem desenvolvidas. O MCCIS tem sido alvo
de sucessivos melhoramentos ao longo dos últimos 12 anos com base numa
metodologia de desenvolvimento em espiral. O actual portal web, chamado WISE
(Web Information Services Environment), usado pela NATO, derivou do MCCIS e
interage directamente com ele.
As capacidades de rede do MCCIS e do portal WISE assentam sobre a NATO
Wide Area Network (WAN)127. Todos os anos durante o Joint Warrior
Interoperability Demonstration (JWID), o MCCIS demonstra ser capaz de trocar
informação conjunta e combinada128 com numerosos sistemas externos.
Para se ter uma noção da informação que é disponibilizada no portal WISE
pode-se referir a COP (Common Operational Picture), através de uma interface
gráfica do MCCIS que mostra a Recognized Maritime Picture, um motor de
pesquisa, contentores de aplicações, notícias, chat’s, mensagens web, álbuns de
fotografias, etc. O MCCIS incorpora uma variedade de bases de dados dinâmicas e
estáticas (ATP29129, Janes, World Port Index, International Radio Call Signs,
MarIS130, etc).
O BRITE131 (Baseline for Rapid Iterative Transformational Experimentation) é
um ambiente de trabalho (framework com uma arquitectura orientada para o
serviço) que foi desenvolvido recentemente para aumentar a capacidade do MCCIS
de forma a poder integrar uma imagem operacional relevante na navegação
comercial. Assim, a nova versão incluiu versões melhoradas de objectos MCCIS
WISE que já existiam (portos, cartas, navios, Janes, etc) e uma nova variedade de
objectos (lugares, rotas, áreas, Lloyds, Mership, AIS, agentes inteligentes e a base
de dados da US Office of Naval Intelligence.

127
Rede de comunicação alargada da NATO, é uma Intranet segura da NATO.
128
Joint and Combined, a primeira diz respeito a informação dos ramos das Forças Armadas (Marinha, Exército,
Força Aérea, Espaço, Intel, Logística, Ambiental) e a segunda diz respeito a informação de outras entidades /
países.
129
Allied Tactical Publication 29 – pesquisa de navios e aeronaves.
130
MarIS (Maritime Information System) – aplicação de pesquisa contendo informação sobre países, navios,
classes de navios, equipamentos, portos, bases navais, etc.
131
Mais informação em:
http://transnet.act.nato.int/WISE/BRITE/Help/BRITEUserG/file/_WFS/BRITE_User_Guide_v_1.0%2024%20May.
pdf [Última visita em 01SET08].

100
Fig. 6 – Framework do BRITE

g. Sistema regional V-RMTC


O sistema Virtual – Regional Maritime Traffic Centre (V-RMTC) é um sistema
vocacionado para a segurança no Mediterrâneo e no Mar Negro. Os países que
participam neste projecto são a Albânia, Bulgária, Croácia, Chipre, França,
Alemanha, Grécia, Israel, Itália, Jordânia, Malta, Montenegro, Portugal, Roménia,
Eslovénia, Espanha, Turquia, Reino Unido e EUA.
O V-RMTC é suportado por uma rede que interliga os centros operacionais das
marinhas participantes. A rede proporciona informação não classificada sobre
navios mercantes de 300 ou mais toneladas. Foi a Marinha Italiana (ITN) quem
concebeu o sistema. A informação é trocada através de mensagens formatadas
(MERSIT, OTH-GOLD, LOCATOR, futuramente XML). Os dados recolhidos são
disponibilizados num servidor localizado no CINCNAV132 que disponibiliza a
informação a todos os participantes. O sistema explora a Internet, plataformas
comerciais e software comercial.

132
Comando Naval Italiano (Italian Fleet HQ). Mais informação em
http://www.marina.difesa.it/vrmtc/2007/uk/vrmtcen.asp [Última visita em 08SET08].

101
Cada centro operacional naval decide o seu nível de contribuição para o V-
RMTC. Em Portugal é o Centro de Operações da Marinha Portuguesa (COMAR)
que dispõe deste acesso.

h. Sistema V-RMTC 5+5 para a segurança no Mediterrâneo

O Virtual – Regional Maritime Traffic Centre 5+5 (V-RMTC 5+5), desenvolvido


pela Marinha Italiana, liga as Marinhas numa rede, através da internet, com o
objectivo de monitorizar a navegação mercante e assim contribuir para o
fortalecimento da segurança marítima, reforçando a cooperação e construindo uma
base de confiança entre as várias Marinhas aderentes ao projecto.

O V-RMTC “5+5” foi desenvolvido pela ITN e opera isolado do V-RMTC geral,
sendo que a informação nele veiculada permanece restrita aos países “5+5”. Os
países “5+5” podem optar por pertencer exclusivamente a esta rede ou à rede
global ou às duas redes em simultâneo, sendo que Portugal, Espanha, Malta e Itália
pertencem desde o início à rede global.

O V-RMTC 5+5 funciona no Centro de Operações da Marinha Portuguesa,


sendo que a informação disponível é introduzida manualmente no sistema com
periodicidade diária, pelo preenchimento de um ficheiro próprio. Esta informação
provém de fontes abertas (internet, relativa a movimentos nos principais portos
nacionais), e é complementada através de dados provenientes da Direcção-Geral
da Autoridade Marítima (DGAM).

O Operational Arrangement do V-RMTC 5+5 foi assinado durante o 3º encontro


dos Chefes de Estado-maior das Marinhas dos países “5+5”, em 29 e 30 de Maio
de 2007, tendo tido como Initial Operational Capabillity 10JUN07, no decurso do
exercício Canale 07, prevendo atingir-se a Final Operational Capability no final de
2008 de forma a ser anunciada aquando da realização do “2008 5+5 Ministerial
Meeting”.

O sistema permite uma troca de informação com bastante interesse


operacional, sendo que o facto de haver a participação das nações do norte de
África, constitui um contributo assinalável na compilação do panorama marítimo.

Constitui-se assim como uma ferramenta complementar de percepção do


ambiente marítimo e como meio privilegiado de troca de informação entre as

102
nações aderentes à Iniciativa 5+5. Espera-se o desenvolvimento técnico de
facilidades web e de visualização, com o objectivo de melhorar o nível e qualidade
da informação disponível e agilizar o contacto entre as nações.

i. O sistema GMDSS
O sistema GMDSS (Global Maritime Distress and Safety System) não é
propriamente um sistema de seguimento de navios e embarcações no mar, mas
sim um sistema de comunicações de emergência para navios e embarcações. Este
sistema visa desactivar o código Morse manual em 500 kHz e os canais de
emergência em fonia (VHF canal 16 e 2182 kHz em MF).
O GMDSS faz parte do SOLAS (Salvaguarda da Vida Humana no Mar - Safety
Of Life At Sea – SOLAS) da IMO, desde 1988 como alteração ao sistema de
comunicações até então em vigor.
O GMDSS é um sistema automático que usa os satélites do sistema COSPAS-
SARSAT e uma tecnologia de chamada digital selectiva (funcionalidade conhecida
por DSC – Digital Selective Call). Através de equipamento apropriado tem-se a
vantagem da simplificação das operações de alerta rádio, especialmente importante
para a salvaguarda da vida humana no mar e para a localização do pedido de
socorro. O sistema é global, coordenado por centros de salvamento específicos
edificados por cada país. O GMDSS permite também uma rápida disseminação de
comunicações de urgência e segurança de outros navios, avisos aos navegantes e
informação meteorológica.
Os equipamentos utilizam um sistema digital de identificação, enviando em
cada comunicação o seu MMSI (Maritime Mobile Service Identity) que identifica a
embarcação (nome, porto de registo, tamanho, etc.). O equipamento necessário a
bordo depende da legislação do país e da área de navegação, podendo incluir:

 Equipamento rádio VHF com DSC;

 VHF portátil;

 EPIRB 406 MHz;

 Receptor NAVTEX;

 SART;

 MF com DSC;
103
 INMARSAT.
Os rádios VHF com DSC efectuam escuta automática no canal 70 e, caso
recebam uma chamada de emergência, podem indicar o nome da embarcação
remetente e/ou o canal de trabalho (ex: 16 ou outro canal navio-navio). Como a
implementação do sistema a nível global é difícil, quase todas as estações
continuam a assegurar a escuta em fonia canal 16, pelo que ainda se pode, durante
mais algum tempo, usar os canais 16 e a frequência 2182 kHz.
O GMDSS prevê quatro áreas de cobertura e vigilância:

 A área A1 que é uma área ao alcance de uma estação costeira VHF preparada
para receber DSC (cerca de 20 a 30 milhas de distância).

 A área A2 que é uma área ao alcance de uma estação costeira MF preparada


para receber DSC (cerca de 100 milhas de distância).

 A área A3 é uma área coberta pelo sistema de satélites INMARSAT (fora das
áreas A1 e A2).

 A última área é a A4 que corresponde às áreas não cobertas pelas anteriores,


tipicamente as polares.

j. O sistema LRIT
A limitação de alcance do sistema AIS irá ser ultrapassada com o Sistema de
Identificação e Localização de Longo Alcance (em inglês Long Range Identification
& Tracking - LRIT). Este sistema foi especificado no âmbito do Comité de
Segurança Marítima (Maritime Safety Committee - MSC) da IMO. Ao nível da União
Europeia, este sistema será integrado na rede SafeSeaNet existente.
O sistema tem como objectivo o seguimento por parte de cada país dos seus
navios de bandeira, sujeitos à regulamentação SOLAS (mais de 300 tons), através
de informações padronizadas de posição, fornecidas pelos sistemas de
seguimento. A implantação do LRIT e os respectivos Centros de Dados permitirão a
fusão e troca de informações entre os sistemas de controlo do tráfego marítimo dos
países signatários da Convenção SOLAS e os sistemas SAR (Busca e Salvamento)
próprios de cada país.
Já há empresas a assegurar a armadores e gestores de frotas, serviços de
alerta global e seguimento de navios mercantes, enviando permanentemente

104
informação de acordo com os requisitos da IMO para os Sistemas de Segurança e
Alerta de Navios (Ship Security Alert Systems - SSAS) e LRIT. A ShipLoc
(http://www.shiploc.com/) é uma destas empresas.

6. – Análise da Informação Recolhida

Os sistemas AIS, VTS e SafeSeaNet são sistemas para a monitorização do


tráfego marítimo. O VTS está dependente do alcance radar (depende da altura da
antena, no caso do VTS costeiro o alcance deverá ser da ordem das 50 milhas). O
sistema AIS também depende da altura da antena AIS receptora em terra, já que o
alcance depende da propagação VHF, na prática recebem-se dados de ecos a mais
de 30 milhas, mesmo até a mais de 50 milhas se a antena estiver num plano
elevado.

O radar permite localizar eco sem os identificar, o AIS recebe a informação


enviada pelos ecos (desde que tenham um transponder AIS). O eco, se mal
intencionado, pode alterar os dados enviados. Pode mistificar o MMSI, o nome,
destino, tipo de navio, coordenadas, etc. Facilmente se percebe a interdependência
destes dois sistemas. O LRIT e os sistemas satélite são importantes para as áreas
de oceano aberto, para distâncias da costa superiores ao alcance VHF.

O sistema SIVICC irá ajudar a controlar e validar os dados anteriormente


recolhidos, desde que o navio ou embarcação se encontre relativamente perto da
costa.

Os sistemas militares, além da informação dos sistemas anteriormente citados,


fazem uso de informação de sistemas próprios com origem em sensores de navios,
aeronaves e satélites militares. Fazem também a integração e correlação de
informação proveniente de sistemas NATO, o que permite o seguimento de navios
de um modo quase permanente.

A correlação de todo este potencial de informação é fundamental para o


conhecimento do espaço de envolvimento marítimo. Apesar dos meios existentes,
continua e continuará a ser necessário empregar meios activos (navios ou
aeronaves) para esclarecer dúvidas e se necessário intervir. No futuro empregar-
se-ão também meios não tripulados nestas missões.

105
O sistema AIS é de acesso muito fácil. No âmbito deste trabalho levei até ao
Cabo Mondego uma antena VHF de vara com 1m, um receptor AIS de 300 euros,
um alimentador 12 V DC, um conversor RS-232 para USB e um computador
portátil. Com o software TransView (TV32) consegui receber as mensagens AIS
dos navios na área, muitos deles a uma latitude superior à de Leixões, ou seja a
mais de 100 quilómetros. Este terá sido um teste inovador não havendo registo de
que já tenha sido tentado desta forma.

Fig. 7 – PC portátil do autor a receber o panorama AIS

A facilidade e a simplicidade dos meios envolvidos podem levar-nos a pensar


nos mais variados cenários. Podemos imaginar a recepção deste panorama num
telemóvel, como já fazemos hoje em relação às estradas, assim como também
podemos pensar que estas funcionalidades tornarão mais fácil ao mundo do crime
e do terrorismo a localização de alvos.

106
Fig. 8 – Antena VHF de 1m e o Farol do Cabo Mondego.

Fig. 9 – Panorama AIS recebido no computador portátil em 26AGO08 no Cabo Mondego.

7. – Novos Desenvolvimentos

Na Europa estão em curso muitos estudos, salientam-se, como exemplo, o


BORTEC, MarNIS, STIRES, SOBCAH, MARISS, LIMES e o MARSUR.

O BORTEC é um estudo para o FRONTEX, ou seja, para o controlo da fronteira


marítima da UE, visa avaliar tecnicamente a exequibilidade de estabelecer sistemas
de vigilância da fronteira marítima do Sul da Europa.

O MarNIS é um projecto integrado de pesquisa, envolve 44 parceiros e 12


associados, para o desenvolvimento de Serviços de Navegação e Informação
Marítima numa base pan-europeia.

107
O STIRES (SafeSeaNet Traffic Information Relay and Exchange System) é um
estudo da EMSA baseado na Directiva 2002/59/EC, que tem por objectivo
estabelecer, na UE, um sistema de monitorização e informação do tráfego marítimo.
O SOBCAH (Surveillance Of Borders Coastlines And Harbour) é um projecto
PASR (EU Preparatory Action for Security Research) que se iniciou em 2006 (com
duração prevista de 18 meses). O objectivo é o reforço da segurança das fronteiras
da UE através da integração de sistemas de segurança, por exemplo das
alfandegas, da segurança alimentar, VTS, identificação de pessoas, etc.
O MARISS (Maritime Security Service) é parte do programa GMES (Global
Monitoring for Environment and Security), que é uma iniciativa conduzida pela UE,
em parceria com a ESA, para combinar as observações de terra e do espaço e
desenvolver uma capacidade de monitorização integrada do ambiente. Isto quer
dizer que se pretende integrar, como já vimos anteriormente, a observação da Terra
efectuada a partir de satélites com fontes convencionais de informação, tais como o
AIS, VMS, radares costeiros, VTS, aeronaves de patrulha marítima, navios de
patrulha e fontes de informação estratégicas. Os testes com o sistema LRIT e
satélites com receptores AIS também estão planeados para o futuro.
O LIMES (Land/sea Integrated Monitoring for European Security) pode ser
entendido com a continuação do projecto MARISS.
Mas há muitos outros133, provavelmente dezenas, de projectos afins de grande
dimensão em curso na União Europeia, a tal ponto que é difícil listá-los e perceber
o seu âmbito. Verifica-se que muitos deles têm muitas vezes as mesmas fontes de
informação, levando a pensar que poderá estar a haver uma certa desordem nesta
matéria.
Do ponto de vista do desenvolvimento torna-se claro que está ultrapassada
uma fase em que os sistemas eram autónomos e trabalha-se agora,
essencialmente, na integração de informação. Revela-se necessário caminhar a
passos largos para uma integração de sistemas e mesmo para a sua
interdependência, já que a informação tem de ser correcta e precisa, para se
minimizar o uso de meios activos. Por outro lado, o ciclo OODA134 de Boyd, a que
nos habituamos, deverá dar lugar a um novo paradigma baseado nos efeitos. Neste
133
MASURE (Maritime surveillance at Joint Research Centre), o VDS (Vessel Detection System) e o WIMA2S
(Wide Maritime Area Airborne Surveillance), etc.
134
Observar, Orientar, Decidir, Agir.

108
contexto, é preciso definir os sistemas com base no alcance de actuação, no
conhecimento que precisamos de ter e nos efeitos que queremos gerar sobre esse
espaço.
Neste sentido, o novo paradigma deverá ser o que a NATO persegue com o
conceito NEC (Network Enable Capabilities) em que os navios são vistos como
plataformas e os sensores e armas são colocados em rede. Este mesmo conceito
deverá ser porventura a melhor abordagem para se conseguir o melhor
conhecimento do espaço de envolvimento marítimo.

8. – Considerações Finais

O mar representa para Portugal um enorme potencial estratégico, que lhe pode
permitir um grande desenvolvimento. A sua segurança e o seu controlo são
fundamentais. Neste sentido, é importante incrementar a cooperação entre os
diversos departamentos do Estado, compatibilizar objectivos, desenvolver sinergias
e estabelecer canais para a rápida troca de informação.
As capacidades científicas e tecnológicas do país também devem ser
orientadas de forma a potenciar e garantir o uso sustentado dos recursos
(biológicos, físicos, minerais, energéticos, etc.) e dinamizar outras actividades
litorais, que desenvolvam nos nossos jovens o gosto e o respeito pelo mar.
A facilidade com que se localiza um navio via Internet ou mesmo com receptor
AIS em qualquer local da costa, representa, por um lado uma facilidade, por outro,
um novo desafio de segurança. Não é difícil imaginar um ataque terrorista a um
navio a várias milhas da costa com um míssil guiado inicialmente pela informação
AIS.
Os sistemas existentes ao serviço de Portugal estão no mesmo nível
tecnológico dos restantes países da Europa. O que se nota é um certo isolamento
dos sistemas, que devem tornar-se interdependentes, de forma a gerarem
conhecimento situacional de elevado valor.
A integração de novas fontes de informação é sempre importante para a
compilação do panorama de superfície, ou seja, uma mais-valia importante para a
localização de navios e embarcações, para a segurança marítima, para a

109
salvaguarda da vida humana no mar e para a protecção da costa e do ambiente
marinho.
Não se pode cair na tentação de se pensar que vai ser possível controlar o
nosso mar a partir de terra, vimos que a informação nem sempre é verdadeira e é
preciso investigar e actuar. De certo assistiremos a iniciativas, em Portugal e na
UE, no sentido de integrar e tornar interdependentes os sistemas existentes.
Também é de prever a utilização futura de veículos não tripulados para ajudarem a
esclarecer o panorama marítimo de superfície e de subsuperfície. O papel dos
meios navais e aéreos é cada vez mais importante como única forma de se agir.
De certo iremos passar a olhar para o mar de forma tridimensional, integrando o
que se passa acima e abaixo da linha de água. Interessa-nos cada vez mais
também o que se passa na coluna de água e no leito marinho.

9. - Bibliografia

st
ROUGHEAD, Gary, CONWAY, James T., ALLEN, Thad W. (2007). A cooperative Strategy for 21
Century Seapower [em linha], Newport, RI : International Seapower Symposium, on Oct 17, 2007
[referência de 27 de Outubro de 2007]. Disponível na Internet em: < http://www.navy.mil/maritime/>.

MDA (2005), National Plan to Achieve Maritime Domain Awareness. Department Of Homeland
Security. Disponível na Internet em: http://www.dhs.gov/xprevprot/programs/editorial_0753.shtm
[Última visita em 11SET08]

NSMA (2005). The National Stategy fo Maritime Security. Disponível na Internet em:
http://www.whitehouse.gov/homeland/4844-nsms.pdf [Última visita em: 13SET08].

MPU (2006). Green paper “Towards a future Maritime Policy for the Union: A European vision for the
oceans and seas”, SEC(2006) 689, 7 June 2006. Disponível na Internet em:
http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/pdf/com_2006_0275_pt_part2.pdf [Última visita em: 11SET08]

110
INTELLIGENCE-LED POLICING NOS BAIRROS PROBLEMÁTICOS

Por João Sousa Carvalho

Introdução

As constantes referências aos denominados “Bairros Problemáticos” no


quotidiano nacional e internacional, nomeadamente, através das notícias veiculadas
nos órgãos de comunicação social e da sua menção nos discursos políticos,
demonstram a sua crescente relevância e actualidade, principalmente, no que se
refere à ligação entre aquelas áreas e as manifestações de fenómenos de
criminalidade.
Reconhecidos por apresentarem realidades sócio-culturais complexas, de
onde emergem manifestações de violência e onde a autoridade do Estado nem
sempre é exercida de forma eficaz, com consequências negativas ao nível do
sentimento de insegurança, faz com que se exija do Estado uma resposta cabal no
sentido de inverter a tendência de agudização do problema destes bairros.
Quando surgem episódios de incidentes no interior dos “Bairros
Problemáticos”, ou então quando aparecem surtos esporádicos de picos de
criminalidade, a opinião pública tende a reivindicar uma resposta rápida, musculada
e de efeitos imediatos, principalmente por parte das forças policiais.
Se somarmos a este facto, a habitual cobertura mediática sensacionalista,
que produz, muitas vezes, um efeito ilusório de multiplicação dos acontecimentos ao
nível da consciência das massas, devido à repetição e prolongamento das notícias,
não é de estranhar que o policiamento de “Bairros Problemáticos” constitua,
actualmente, uma prioridade ao nível da segurança interna nacional.
Neste contexto, considerámos pertinente e útil abordar o tema dos “Bairros
Problemáticos”, associando-o ao âmbito das Informações Estratégicas, através da
análise do denominado Intelligence-Led Policing.
Este conceito surge no decorrer da evolução das ciências policiais,
apresentando-se como um modelo de policiamento, onde se defende a alteração do
paradigma das Informações Policiais, em que estas deixam de se constituir como

111
uma parte acessória da actividade policial, assumindo-se antes como centrais para a
sua concepção.
Assim, o objecto de estudo do presente trabalho prende-se com a
aplicabilidade do Intelligence-Led Policing ao nível do contexto específico
dos”Bairros Problemáticos”, tendo como hipótese de estudo que o modelo de
policiamento escolhido, constitui-se como adequado para melhorar os índices de
eficácia e eficiência da actividade policial praticada nestas áreas.

1. - Segurança Interna e Informações

1.1. O Sistema de Segurança Interna Português

O actual Sistema de Segurança Interna (SSI) vem consagrado na Lei nº


53/2008, de 29 de Agosto, onde no seu Art. 1º nº 1, estipula que a segurança interna
é a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a
tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e
contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o
regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o
respeito pela legalidade democrática.
Conforme constata Pereira (2007), a Segurança Interna (SI) compreende três
garantias – ordem, segurança e tranquilidade públicas –, duas protecções –
pessoas e bens –, uma prevenção – criminalidade – e três contribuições – normal
funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos,
liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade
democrática.
Subjacente ao SSI, encontra-se o enquadramento conceptual preconizado no
Relatório Final do Estudo Para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de
Segurança Interna, o qual defende uma mudança para (...) conhecer cada vez mais
para (pró)agir cada vez melhor (...), onde se (...) afasta o improviso em favor do
conhecimento e do profissionalismo (...), reconhecendo a (...) pró-actividade como
princípio e a reacção como recurso (IPRI, 2006b: 11).
Para a efectiva concretização dos fins da SI, o modelo de organização do
SSI, compreende quatro domínios fundamentais, os quais são complementares e

112
interdependentes entre si: Prevenção criminal, Ordem pública, Investigação
criminal e Informações135.
A Prevenção criminal, em termos latos, pode ser definida como o conjunto
de (...) todos os procedimentos ou medidas de natureza pluridisciplinar, tendentes a
prevenir a prática de um crime em concreto ou a reduzir a criminalidade em geral, a
minimizar a violência e os danos materiais e psicológicos causados nas vítimas, a
potenciar a reinserção social dos delinquentes e, de uma forma genérica, a
promover um sentimento comunitário de segurança e paz social (Ferreira, 2008: 80).
A escolha da presente definição, prende-se com o facto de considerarmos
que a mesma integra de forma articulada os principais componentes que devem
presidir à acepção de Prevenção Criminal.
Em primeiro lugar, a natureza pluridisciplinar, a qual vai ao encontro de um
dos pontos críticos identificados neste âmbito que é (...) a falta de uma visão global
dos problemas de criminalidade e insegurança e de uma consequente actuação
concertada e transversal dos organismos da Administração Central, Local e da
sociedade civil (IPRI, 2006b: 20). Em segundo, tem o mérito de focar a questão da
protecção das vítimas face aos efeitos dos actos delituosos sobre a sua esfera
pessoal e patrimonial, componente esta que se revela de cada vez mais importância.
Depois o facto de englobar, igualmente, o esforço conducendente à reinserção
social dos delinquentes, a qual é muitas vezes esquecida ou relegada para
segundo plano ao nível da concepção de estratégias de prevenção criminal. Por
último, a referência ao denominado sentimento de segurança, ou segurança
subjectiva, o qual constitui um dos aspectos basilares que deve ser equacionado
em qualquer estratégia de prevenção criminal, uma vez que, conforme estipulado na
Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, COM(2004)
165, de 12 de Março de 2004, A prevenção deverá também abordar a questão do
medo da criminalidade, uma vez que os estudos revelam que este medo pode ser
tão prejudicial como a própria criminalidade, podendo levar ao afastamento da vida
social e à perda de confiança na polícia e no Estado de direito (Comissão das
Comunidades Europeias, 2004: 6).

135
No estudo do IPRI é defendida, em termos conceptuais, a junção das informações, enquanto informações
criminais, ao domínio da investigação criminal. No entanto entendemos que, independentemente da forma
utilizada para descrever as componentes do SSI é incontornável fazer uma referência às informações de forma
autónoma, pela sua importância e especificidade, apesar da sua transversalidade face aos restantes domínios.

113
Por seu turno, a Ordem pública engloba todas as acções de cariz preventivo
e repressivo (...) no sentido de criar ou estabelecer as condições indispensáveis à
observância das leis, ao normal funcionamento das instituições e ao regular
exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (IPRI, 2006a: 16).
Interessa aqui referir, de entre as muitas definições de ordem pública
constantes na literatura especializada, a definição preconizada por Turpin (apud
Oliveira, 2000), para o qual aquela compreende três vectores nucleares:
tranquilidade pública, segurança pública e salubridade pública.
No que respeita à Investigação criminal, de acordo com o plasmado na Lei
nº 49/2008, de 30 de Agosto, que aprova a Lei de Investigação Criminal, no seu art.
1.º, esta (...) compreende o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual
penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus
agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do
processo.
Assim, este domínio é accionado, em termos metodológicos, quando os
restantes não forem bem sucedidos, isto é, a SI inicia-se (...) através de uma
detecção precoce das ameaças, segue-se-lhe uma actividade de prevenção e,
quando esta não seja bem sucedida, desencadeia-se o procedimento de
investigação criminal (Pereira, 2007: 98).
Por último, no que concerne ao domínio das Informações, em termos
genéricos, estas (...) consistem na análise da informação no sentido da obtenção de
conhecimento, constituem-se como patamar acima da informação, como o trabalho
efectuado sobre os dados para lhes dar sentido no quadro dos propósitos a quem
ela serve, seja o Estado, a Polícia ou um Serviço. É uma compreensão da
informação relacionada, organizada e contextualizada (Bispo apud Silva, 2008: 30).
No plano específico da SI e de acordo com Pereira (2007: 99), a Informação
de Segurança, da responsabilidade dos serviços de informações integrados no
Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP)136, (...) visa
fundamentalmente determinar a identidade, capacidades e intenções de
organizações ou indivíduos hostis, que possam estar ou vir a estar envolvidos em
terrorismo, espionagem, sabotagem ou subversão.

136
Cuja orgânica vem consagrada na Lei nº 4/2004, de 6 de Novembro.

114
Cabe ainda neste domínio do SSI, as denominadas Informações Policiais,
em geral, e as Informações Criminais, em particular, sendo ambas objecto de um
maior aprofundamento, no ponto seguinte deste capítulo.
Cumpre por fim salientar que, para a eficiência e eficácia do SSI, deverá
presidir o necessário postulado da articulação, que permita a necessária conjugação
e orientação de esforços para a concretização das finalidades da SI.

1.2. Informações e Informações Policiais

Como vimos anteriormente, a natureza das Informações pode ser


diversificada, tendo em conta, precisamente, qual o serviço que produz informações,
as quais se circunscrevem às sua missões e atribuições, sendo que estas vão
determinar o produto final. Assim, os serviços de informações produzem
Informações de Segurança, as quais não se confundem com as Informações
Policiais, produzidas pelas polícias no âmbito das suas actividades.
Para a definição de Informações Policiais convém ter presente, desde logo
que às polícias compete em geral, prevenir a ocorrência de ilícitos, investigar a
ocorrência de crimes e zelar pela manutenção da ordem pública. Deste modo, as
informações policiais devem estar incluídas no enquadramento descrito.
Tendo em conta o acima exposto, Medeiros (2002: 9) concebe as
Informações Policiais como (…) um conjunto de actividades, reguladas pelos
princípios enformadores da segurança interna, alicerçadas numa estrutura
organizacional, que visam obter um conhecimento intrínseco à prossecução dos fins
inerentes à missão policial.
Por seu turno, Pereira (2007: 99) refere que as Informações Policiais têm
como objectivo (…) evitar e investigar, procurando munir-se de dados incidindo
sobre delinquentes, seus antecedentes, identificação, paradeiro, características
físicas, mandados de captura, interdições de saída, enfim, de todos os elementos
que se revelem úteis para a prevenção e investigação criminais, salvaguardados os
limites legalmente impostos em termos de protecção de dados pessoais
Assim, podemos afirmar que, neste âmbito, as informações produzidas pelas
polícias devem estar em directa concordância com as suas atribuições e com
objectivos estritamente policiais, respeitando os limites legais impostos.

115
Convém, ainda, pela sua importância, fazer alusão ao facto de que no
domínio das Informações Policiais inserem-se as denominadas Informações
Criminais, as quais estão directamente relacionadas com a função de investigação
criminal.
As polícias, no âmbito da actividade de investigação criminal, podem
desenvolver actividades probatórias que antecedem o inquérito, onde poderá existir
a produção de informações consideradas instrumentais da própria investigação
(Pereira, 2005).
Daqui decorre que este tipo de informações tem um enquadramento
específico, ao nível das Informações Policiais, uma vez que as mesmas são
produzidas em sede de investigação criminal, isto é, são obtidas, processadas e
vertidas para um determinado processo crime já existente, ou que se inicia com a
sua obtenção.
Tal leitura configura-se consistente com a definição de Criminal Intelligence
preconizada pela Association of Chief Police Officers (ACPO): Criminal intelligence
can be said to be the end product of a process often complex, sometimes physical,
and always intellectual, derived from information that has been collated, analysed
and evaluated in order to prevent crime or secure the apprehension of offenders
(apud Ratcliffe, 2008: 92).
Para finalizar, impõem-se referir que ao nível da SI, a produção de
informações, em sentido lato, deverá ser objecto de articulação específica, tendo em
conta, por um lado, a coordenação e o dever de colaboração entre os vários
organismos do Estado que produzem informações e, por outro, o respeito pelos
limites impostos a cada um, tendo, no entanto, presente que (…) a invasão mútua
das esferas funcionais entre polícia e serviços de informações, sendo em alguns
domínios inevitável, até pela dificuldade em fazer por vezes a separação entre
actividade de produção de informações e prevenção criminal, tem que ser encarada
como acidente e não como afirmação de qualquer poder corporativo (Pereira,
2007:101).

116
2. - Os “Bairros Problemáticos”

2.1. As áreas urbanas e os “Bairros Problemáticos”

As grandes cidades e áreas metropolitanas, fruto de uma urbanização


maciça, concentram grandes riquezas e uma grande parte da população mundial,
uma vez que, como refere Boniface, as grandes áreas urbanas atraem porque estão
conotadas com o proporcionar de (…) emprego, segurança, alojamento,
alimentação, cuidados médicos e protecção (2003: 128). No entanto, é precisamente
na cidade onde as desigualdades ganham uma maior visibilidade e relevância e em
que os conflitos têm tendência para uma expressão mais agudizada.

Tendo sofrido uma complexidade crescente, devido a uma panóplia de


factores, destacando-se os efeitos da globalização das economias, pela ideia de
prosperidade que aquela representa – atraindo fluxos migratórios dos campos para o
seu seio – e ainda pela criação de identidades associadas ao espaço ocupado no
seu interior, assistindo-se, como refere Barata Salgueiro, a uma (…) nova
fragmentação social dos territórios [que] corresponde a uma diferenciação social dos
indivíduos e grupos mais complexa que nem sempre é hierárquica, porque baseada
num leque mais amplo de factores de estratificação (...) (apud Silva, 2006: 172).

Um dos aspectos que tem sido cada vez mais alvo de atenção, em diversos
domínios científicos, prende-se com os níveis crescentes de concentração de bolsas
de pobreza nas áreas urbanas, pelo facto de estas não serem capazes de
corresponder, na sua plenitude, às necessidades e expectativas criadas por aqueles
que procuram nelas a melhoria das condições de vida, potenciando o aparecimento
de reacções violentas e de desespero (Boniface, 2003).

Não é por acaso que é nas áreas urbanas onde se assiste a um maior
sentimento de insegurança, bem como a índices de incivilidades, delinquência e
criminalidade mais elevados, nomeadamente, no que respeita à criminalidade
organizada, violenta e de massa (a qual, constitui, muitas das vezes, a face visível
da instrumentalização por parte do crime organizado), que são expressões,
normalmente conotadas com factores como a pobreza, as desigualdades, os
processos de exclusão social e segregação espacial.

117
As denominadas comunidades de segunda ordem tendem a ocupar ou a ser
remetidas para zonas de isolamento da restante sociedade urbana, produzindo
segmentos populacionais excluídos do direito à cidade (Castells, 2003), para quem
(...) o território a que estão confinados (ao verem-se excluídos de todos os outros
lugares) é um espaço do qual se encontram proibidos de sair (Bauman, 2006:36).

Esta situação deve-se, em grande medida, a falências sucessivas de políticas


de integração e de inclusão social e, cumulativamente, a barreiras físicas produzidas
por um mercado imobiliário cada vez mais desorganizado e impiedoso (UNFPA,
2007).

Na realidade nacional a situação dos denominados “Bairros Problemáticos”


existentes no meio urbano e sua periferia tem sido debatida a diversos níveis,
constituindo uma das causas que afecta o bem-estar dos cidadãos, tanto aqueles
que habitam no seu interior, como aqueles que se encontram nas áreas envolventes.

Muitos destes bairros surgiram no âmbito de políticas de habitação social e de


ordenamento urbano, que consistiram em construção de lugares para realojamento
das populações imigrantes e de faixas populacionais sem possibilidades de entrar
no mercado de alojamento, com forte concentração de pessoas e situados, na sua
maioria, em zonas da periferia, provocando efeitos negativos em termos de perda de
valor simbólico, das relações sociais e da identidade (Queiroz, 2006).

Através de uma análise crítica é possível afirmar que o pressuposto de que a


mera construção de edificados habitacionais e de realojamento massivo das faixas
populacionais mais desfavorecidas, era suficiente para evitar problemas sociais,
revelou-se pouco coerente com os fins pretendidos. Efectivamente, esta solução
actuou em sentido inverso, pois, não teve em conta os efeitos que, a escolha da sua
localização e a sua concepção enquanto dormitórios, produziu ao nível das relações
sociais, bem como a incapacidade da criação de oportunidades reais e viáveis de
melhoria das condições económico-sociais.

2.2. Os “Bairros Problemáticos” e a Criminalidade

A existência de zonas urbanas sensíveis constitui um terreno fértil para as


organizações criminosas. A situação de precariedade em que se encontram as

118
comunidades mais desfavorecidas e com dificuldades de integração social, é muitas
vezes aproveitada pelo crime organizado.
Como já alertavam Shaw e McKay, no seu estudo sobre a delinquência
juvenil nas áreas urbanas: Onde existe a maior disparidade entre os valores sociais
a que as pessoas aspiram e disponibilidade das facilidades para os adquirir por
processos convencionais, mais se imporá o crime como um modo organizado de
vida (apud Dias e Andrade, 1997: 283).
Tal como qualquer outra organização, também as organizações criminosas
necessitam de zonas onde possam instalar e exercer a sua actividade, em
condições que lhes garantam uma certa segurança. Esta é potenciada pela
invisibilidade face ao controlo das autoridades policiais e pela existência de pactos
de silêncio, muitas vezes estabelecidos recorrendo à violência, ou ameaça desta,
bem como pelo aliciamento através de compensações/vantagens monetárias a
quem colaborar com as actividades ilícitas.
O crime organizado tem nestes territórios várias possibilidades, de acordo
com os seus interesses e necessidades: backup logístico, recrutamento de mão-de-
obra, zona de estabelecimento ou expansão do negócio, entre outras.
Dada a situação de carência, abandono e desamparo em que estas zonas se
encontram por parte da sociedade e das instituições estatais, acabam por expor uma
população num estado de necessidade elevado, criando uma oportunidade óptima
para que o crime organizado aproveite o vazio de poder existente, instalando a sua
lógica económica paralela.
Neste sentido, Costa constata o seguinte: desamparada e amedrontada, a
população, instalada no meio do fogo cruzado entre o Estado e a criminalidade,
acaba refém do «crime-negócio», intermediária de uma economia informal dominada
pelo tráfico e comércio de objectos roubados. Isto é, o crime organizado (2007: 92).
Não é por mero acaso que estas zonas são as que estão normalmente
conotadas com grandes incidências de tráfico de droga e de armas, receptação e de
proliferação de outras práticas criminosas.
Em muitos locais são estes negócios ilegais que permitem o sustento e a
possibilidade dos elementos que se encontram em situação precária assumirem um
determinado status.
O aparecimento de formas de organização social, como os bandos ou os
gangs, nomeadamente, nas camadas mais jovens destas comunidades excluídas é
119
um efeito directo ou indirecto da existência de uma vivência precária e de
proximidade com as actividades destas economias paralelas.
O bairro, para muitos jovens, representa o seu verdadeiro e único espaço de
vivência e socialização, onde também o grupo e a sua identificação para com este
ganha um ascendente, por vezes, tão elevado que se sobrepõe à própria
capacidade de autonomia individual (Malheiros e Mendes, 2007).
Os factores e conjuntura anteriormente mencionados, constituem já uma
situação que tem vindo a ser objecto de uma vigilância atenta, como comprovam os
Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI) de 2005 e 2006, que no âmbito da
análise das ameaças efectuada pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS),
relativamente à criminalidade violenta e à insegurança nas Áreas Metropolitanas,
referem o seguinte:

(...) a proliferação daqueles enclaves nas Áreas Metropolitanas traduz-se na


constituição de espaços, onde a autoridade pública dificilmente se exerce. (...)
alguns núcleos suburbanos apresentam-se também cada vez mais como santuários
da criminalidade, i.e., como locais de concentração, de trânsito, de irradiação e de
refúgio de criminosos (RASI, 2005).
A existência de núcleos suburbanos predominantemente ocupados e
dominados por comunidades com insuficiente integração social, nos quais a
autoridade do Estado nem sempre é exercida de forma eficaz, continua a propiciar o
aparecimento de fenómenos de marginalidade e de delinquência, constituindo pólos
de irradiação de criminalidade no meio urbano e de refúgio para os seus agentes,
cujos efeitos encerram elevados riscos para a segurança interna (RASI, 2006).
Por fim, é de suma importância ressalvar o facto de não se poder cair na
tentação fácil, de efectuar uma generalização determinista e directa entre
criminalidade, violência e as comunidades pobres residentes nestes enclaves, pois,
uma grande maioria acaba também por ser vítima destas actividades, muito devido a
um quotidiano desenvolvido na estreita proximidade com os factos que lhes dão
origem (Cabral, 2007).

2.3. Os “Bairros Problemáticos” na perspectiva policial

Na perspectiva policial, nem todo o bairro adjectivado de “Problemático”,


numa óptica sócio-cultural, o será à luz dos critérios estritamente policiais, se bem,

120
que, pelas razões acima identificadas, uma determinada zona considerada como
“bairro problemático” em ambas as acepções é bastante provável.
Deste modo o adjectivo “problemático” poderá significar, no plano sócio-
cultural, um bairro onde surgem problemas que afectam os seus habitantes, como
por exemplo o abandono e insucesso escolar, destruturação familiar, desemprego,
exclusão social, entre outros. Já no âmbito policial, um bairro poderá ser classificado
como problemático tendo em conta as dificuldades criadas, por um conjunto variado
de razões, à actividade policial exercida nessa área.
Neste sentido, para um bairro ser considerado como problemático, deverá tal
classificação constituir um produto derivado da congregação de um conjunto de
critérios relevantes, no âmbito da actividade policial.
Assim, utilizamos no presente trabalho, os critérios definidos por Lousa
(2006), por considerarmos que os mesmos são os necessários e relevantes para
obter aquela classificação, sendo estes os seguintes:
 Elevados índices criminais provocados por habitantes ou frequentadores do
Bairro, no seu interior e área envolvente e/ou elevado sentimento de
insegurança generalizado;
 Sentimento de aversão ao Estado e às suas instituições, por parte de um
número considerável de habitantes, em especial por aquelas que detêm
poderes de autoridade e que têm a responsabilidade pelo seu exercício;
 Não colaboração com as forças de segurança e rápida aglomeração/união
dos habitantes aquando de intervenções policiais, especialmente a de cariz
reactivo;
 Sentimento de inimputabilidade e de desprezo pelas regras da vida em
sociedade, resolvendo muitos problemas internamente, sem recurso aos
procedimentos legais, transformando-se num refúgio para marginais que
tencionam escapar ao controlo das autoridades;
 Relacionamento permanente entre as actividades ilícitas praticadas pelos
residentes com o tráfico de estupefacientes, receptação, roubos e posse de
armas.
Com a conjugação destes critérios pode-se, assim, clarificar a noção de
“Bairro Problemático” na perspectiva policial, o que não impede que outros possam
ser considerados como relevantes, apesar de não serem essenciais, destacando-se

121
aqui, como exemplo, a configuração arquitectónica de certos bairros, a qual é
dificultadora da actuação policial, podendo elevar os riscos associados a
intervenções no seu interior, sendo por outro lado facilitadora para a preparação de
emboscadas às forças de segurança, ou a criação de manobras de diversão para
dispersão dos seus meios, por parte de residentes organizados para esse fim e que
operam num território que conhecem e cuja configuração e topografia dominam.

3. - O Intelligence-led Policing

3.1. As origens do Intelligence-led Policing

O termo Intelligence-led Policing surge próximo do início da década de 90, na


Reino Unido e a sua concepção teve por base a orientação dos recursos policiais
para o desenvolvimento de operações delineadas a partir da recolha e análise de
informações criminais e destinadas a identificar e deter indivíduos suspeitos de se
dedicarem, de forma continuada, à prática de ilícitos.
Desde então, este conceito foi objecto de uma maior análise e
aprofundamento, sendo de destacar que a primeira enunciação das suas principais
premissas decorrem da conjugação de dois relatórios produzidos pela Audit
Commission, em 1993137 e pelo Home Office, em 1997138, as quais, seguidamente,
se indicam (Ratcliffe, 2008):
 Focar a atenção nos indivíduos que fazem das actividades ilícitas um
modo de vida: desenvolver um enquadramento organizacional, definido pelo
topo da hierarquia, com a finalidade de conceber acções pró-activas
destinadas a proporcionar a detenção de suspeitos que, de forma continuada,
se dedicam á prática de ilícitos;
 Triagem das ocorrências de acordo com a sua relevância: necessidade
de efectuar uma triagem e atribuir prioridades às solicitações, de forma a
seleccionar aquelas consideradas mais importantes, tendo em conta o seu
impacto;

137
Audit Commission Report: “helping with enquiries – tackling crime effectively”
138
Her Majesty Inspectorate of Constabulary “Policing With Intelligence”

122
 Fazer um melhor uso estratégico das técnicas de vigilância e gestão de
informadores: a vigilância e a angariação de informadores deverá ser
cultivada e estimulada, no seio da organização policial, com o intuito de se
obterem informações relativas a situações criminais ou suspeitos
considerados prioritários, constituindo-se como uma parte essencial do auxílio
à tomada de decisões de nível estratégico;
 Posicionar as Informações como elemento central ao processo de
tomada de decisão: as informações policiais deixam de ser encaradas como
uma actividade acessória e subordinada da actividade policial, passando a
assumirem um papel fundamental e central para a definição de estratégias e
tácticas policiais.
Como se constata da análise dos pontos acima descritos, principalmente do
último, verifica-se a emergência de um novo paradigma das Informações Policiais,
no seio das organizações policiais. Como salienta Christopher (apud Ratcliffe, 2008:
7) de forma incisiva, (…) as opposed to being a marginalised, subordinate activity,
mythologically and furtively pursued by a caucus of officers, the collection and
analysis of intelligence has become central to contemporary policing.
Assiste-se, assim, neste enquadramento, ao reconhecimento da importância
das Informações Policiais, enquanto suporte principal para a definição do
planeamento estratégico e orientação de meios policiais, por forma a que as
actividades relacionadas com a prevenção e a investigação criminal sejam
equacionadas para responderem, eficiente e eficazmente, às necessidades de
identificar e deter suspeitos da prática de crimes considerados prioritários, por um
lado, assim como prevenir, precocemente, fenómenos criminais emergentes.
A acepção inicial de Intelligence-led Policing, tem vindo, tendo em conta o
reconhecimento da sua importância estratégica, a evoluir de um conceito para um
modelo de gestão das organizações policiais, salientando-se aqui a afirmação de
Ratcliffe (2008: 85): (…) intelligence-led policing is envolving into a managerial model
of evidence-based, resource allocation decisions through prioritisation. It is also a
philosophy that places greater emphasis on information sharing and collaborative,
strategic solution to crime problems (…).

123
3.2. A definição de Intelligence-led Policing

O conceito de Intelligence-Led Policing tem vindo a ser abordado e


mencionado em diversa literatura, no entanto a sua definição concreta, bem como o
seu correcto entendimento, nem sempre é referido e aplicado de acordo com o seu
real significado e contexto.
Em termos genéricos e de acordo com a análise efectuada anteriormente, a
sua noção terá que ser balizada pelas seguintes premissas (Ratcliffe, 2008):
 Reconhecimento enquanto modelo e filosofia organizacional;
 Finalidade de reduzir os índices de criminalidade, melhorar a actividade de
prevenção e destabilizar a actividade dos autores da prática de crimes;
 Abordagem de gestão do topo para a base da estrutura policial (top-down
management approach), que lhe confere a importância ao nível estratégico;
 Utilização das informações policiais para orientar recursos de forma objectiva;
 Foco da abordagem da actividade policial para a identificação e detenção de
indivíduos que se dedicam à prática continuada de ilícitos.
Assim, a definição de Intelligence-led Policing que melhor congrega as
premissas acima identificadas é a que é defendida por Ratcliffe (2008: 89), que a
apresenta do seguinte modo: Intelligence-led policing is a business model and
managerial philosophy where data analysis and crime intelligence are pivotal to an
objective, decision-making framework that facilitates crime and problem reduction,
disruption and prevention through both strategic management and effective
enforcement strategies that target prolific and serious offenders.
Para uma melhor compreensão da sua configuração, foi equacionado por
Ratcliffe (2003) um esquema denominado 3-i Model .
Neste esquema são identificados três estruturas – Ambiente Criminal,
Análise de Informações, e o Decisor – e três processos – Interpretação,
Influência e Impacto.
O ambiente criminal, enquanto palco privilegiado da actividade policial,
caracteriza-se por ser dinâmico e em constante transformação, no que respeita à
sua forma, composição e dimensão (Silva, 2008), para onde são concentrados
esforços e meios, no sentido de o conseguir compreender.
Para obter a compreensão do ambiente criminal, torna-se essencial proceder
à sua interpretação, através do recurso a um conjunto de ferramentas de recolha e

124
análise de informação, cuja concretização será materializada através da existência
de uma estrutura dedicada à análise de informações.
Esta estrutura é constituída por sistemas, recursos humanos especializados e
ferramentas e técnicas de análise próprias para tratar a informação, de modo a
proporcionar a criação de Produtos de Informações.
É a disseminação destes Produtos de Informações que vai contribuir para o
processo de influência ao nível da tomada de decisões no âmbito da actividade
policial.
Deste modo, o decisor, munido do conhecimento proporcionado pelas
informações que lhe são fornecidas139 relativamente ao ambiente criminal no qual
tem que intervir, estará em condições de proceder a uma ponderação e escolha de
um corpo de iniciativas policiais, de âmbito estratégico, operacional ou táctico,
adequadas a criar o impacto positivo pretendido, traduzido na redução dos índices
de ilícitos praticados, bem como a detenção dos autores que se dedicam à sua
prática, assumindo especial prioridade, aqueles que os executam de forma reiterada.
(Fuentes, 2006).

3.3. A importância da Análise de Informações

Quando se aborda a temática da produção de informações é incontornável ter


em conta as fases do denominado Ciclo da Produção de Informações, o qual é
constituído por cinco fases: Planeamento e Orientação; Recolha; Análise e
Produção; e Disseminação (Graça, 2005).
Na primeira fase são definidas as prioridades, prazos, meios a empregar e a
forma de coordenação destes, considerando as necessidades de informação de um
determinado consumidor/decisor. Seguidamente, procede-se então à recolha de
dados e notícias, a qual é executada pelos órgãos de pesquisa, os quais exploram
um conjunto de fontes, com a finalidade de obterem a informação que satisfaça a
necessidade identificada. Posteriormente a esta fase, torna-se necessário
transformar os dados e notícias recolhidos em informações, compreendendo o seu
registo, estudo e interpretação, sendo as mesmas organizadas sob a forma de
produtos de informações específicos, os quais reflectem aquilo que foi descoberto,
139
Para tal, é realçado que o decisor deverá reconhecer a importância das Informações Policiais e dos seus
produtos, ou seja, tem que ser um bom cliente/consumidor dos produtos de informações policiais criados.

125
as conclusões retiradas e as consequentes recomendações (Fuentes, 2006). Por
fim, concluídas as etapas anteriores, procede-se à sua disseminação, que se traduz
na apresentação oportuna, dos produtos de informações criados, aos consumidores
que tenham a necessidade de conhecer o seu conteúdo.
No âmbito do conceito de Intelligence-led policing a Análise de Informações,
assume-se como um vector primordial e central à sua concepção, visto que o
sucesso do modelo depende da qualidade dos seus produtos.
Deste modo é fundamental sistematizar e operacionalizar um conjunto
alargado de técnicas de análise de informações140, cujos resultados serão
organizados num dado produto de informações.
Dada a complexidade acrescida ao nível da análise de informações, a
estrutura de informações, existente no seio de uma organização policial que
pretenda implementar o Intelligence-led Policing, terá que ser objecto de um reforço
substancial, em termos de quantidade e qualidade de meios, quer materiais, quer
humanos.
Salienta-se, neste domínio, não descurando o imprescindível suporte
tecnológico, nomeadamente dos sistemas de informação, o papel-chave da função
do Analista.
O maior impacto produzido pela adopção do Intelligence-led Policing, prende-
se com a redefinição da sua função, a qual sofre uma maior necessidade de
profissionalismo e uma importância acrescida, comparativamente a anteriores
paradigmas policiais (Fuentes, 2006).
O seu papel é encarado como central para a optimização de resultados
decorrentes do conjunto da informação recolhida e para a garantia de qualidade dos
produtos de informações derivados da análise efectuada (ACPO, 2005), os quais
contribuem directamente para eficácia e eficiência do policiamento a ser
desenvolvido.
À sua importância, acresce o facto de, como evidencia Ratcliffe (2008), que
cumpre ao analista efectuar recomendações que auxiliem a tomada de decisão,

140
O denominado The National Intelligence Model, implementado no Reino Unido, no ano 2000 e que traduz a
integração e aplicação prática do intelligence-led policing, sistematizou um conjunto de sete técnicas de análise
de informações policiais: Crime pattern analysis; Demographic/social trend analysis; Network analysis;
Market profiles; Criminal business profiles; Risk analysis; Target profile analysis; Operational
intelligence assessment; Results Analysis. (ACPO, 2005: 61).

126
sobretudo de nível estratégico, dado que aquelas são vitais no âmbito do
Intelligence-led Policing.
Neste contexto, afigura-se correcto o reconhecimento da necessidade de
existir o denominado Analista Activo, ou seja, aquele cuja função (…) é a produção
de relatórios que constituem em si mesmos peças de registo e sistematização de
conhecimento, para além de exercícios fundamentais de prospectiva e construção
de cenários (Graça; 2004: 434).

4. - O Intelligence-led Policing e o Policiamento de “Bairros Problemáticos”

A actividade policial, em sentido lato, desenvolvida nos “Bairros


Problemáticos”, deve ter como finalidade contribuir para o eficaz exercício da
Autoridade do Estado, a prevenção e redução da ocorrência de ilícitos e melhoria
dos índices do sentimento de segurança no interior destas zonas, bem como na sua
área envolvente, ou seja, deve ter como fim a ideia inerente à expressão, muito
utilizada no léxico policial anglo-saxónico, de winning back the streets.
Neste contexto, é possível afirmar que se exige às forças de segurança a
definição de estratégias de policiamento em “Bairros Problemáticos”, que
genericamente, incluam as seguintes premissas:
 Optimização da gestão e articulação dos recursos e valências policiais no
âmbito da prevenção e intervenção;
 Orientação da actividade operacional para a prevenção, através de uma
actuação ao nível das condições que propiciam a ocorrência de ilícitos e
actos violentos;
 Aumentar os níveis de resultados das actuações policiais e em simultâneo
reduzir os riscos inerentes às mesmas;
 Obter a confiança e o apoio das comunidades relativamente à actividade
policial (policing by consent).
O conceito de Intelligence-led Policing encontra neste contexto, uma
justificação clara da sua aplicabilidade e do seu valor acrescentado.
Em primeiro lugar, por permitir conferir uma maior objectividade do
policiamento, em detrimento da actividade de patrulhamento aleatório, o qual

127
constitui uma dispersão e dispêndio de recursos, sendo a negação da cientificidade
na qual se deve basear aquela actividade.
Assim, mediante a análise de informações recolhidas, os recursos policiais
podem ser orientados para os designados Hot Spots, com a definição prévia de
objectivos e tipo de actuação a ser efectuada.
Existe, assim, o contributo para a definição de missões de patrulhamento, as
quais devem ser determinadas com base na análise constante da incidência de
ilícitos, em termos de tempo, modo e lugar, sendo os meios a utilizar seleccionados
de acordo com critérios de proporcionalidade, eficácia e objectividade.
As informações policiais produzidas no âmbito do Intelligence-led Policing
servem, deste modo, de suporte para a sistematização da actividade da patrulha
com a criação de objectivos determinados e coerentes, no sentido de optimizar os
recursos disponíveis, minimizar riscos, aumentar a eficácia ao nível da prevenção e
dissuasão de ilícitos e seus potenciais autores, ou a sua eventual detecção e
actuação numa fase inicial e contribuir para a melhoria do sentimento de segurança
dos cidadãos.
Por outro lado, ao nível da proximidade policial141, considerada uma vertente
essencial do policiamento em “Bairros Problemáticos”, materializada na existência
de equipas localizadas destinadas a proporcionarem o envolvimento da comunidade
e parceiros institucionais, com o intuito de conceber soluções eficazes para os
problemas de insegurança, a componente de HUMINT pode ser maximizada,
através de um melhor aproveitamento dos elementos policiais que compõem
aquelas equipas, mediante a orientação do seu esforço de pesquisa sobre dados da
área de actuação, suspeitos ali residentes, bem como o aproveitamento do
manancial de informação detida pelos parceiros sociais com quem interagem.
Toda esta panóplia de informação dispersa é então objecto de análise, cujas
conclusões podem ser vertidas para produtos de informações específicos,
destinados às equipas de proximidade e restantes valências policiais, criando-se um
benéfico e importante feed-back entre a componente operacional e a estrutura de
informações policiais.
Ao nível da intervenção policial, o Intelligence-led Policing revela-se de
extrema utilidade, uma vez que sendo aquela uma actuação que, no contexto dos

141
No caso da Polícia de Segurança Pública, foi implementado em finais de 2006, com base neste conceito, o
Programa Integrado de Policiamento de Proximidade.

128
“Bairros Problemáticos”, é potenciadora de conflitos, a produção oportuna de
informações viabiliza a limitação de efeitos negativos e a potenciação dos
resultados, por permitir efectuar a diferenciação e precisão face ao seu alvo, bem
como determinar o equilíbrio entre o risco existente e os meios a serem utilizados.
Desta forma será possível que os recursos a serem envolvidos assumam
riscos mínimos e que sejam suficientes para cessar rapidamente a situação que
originou a intervenção, bem como que esta seja o mais selectiva e orientada em
termos do “ponto nevrálgico” e o mais equilibrada em termos do uso da força.
Em suma, a produção de informações fornece um enquadramento situacional
que colabora na organização da intervenção policial, no sentido de determinar a sua
necessidade, bem como a sua segurança, eficácia – ao nível da reposição da
normalidade e da intercepção dos suspeitos - , assim como a sua proporcionalidade,
tendo como finalidade o cumprimento da Lei e, ao mesmo tempo, a aceitação por
parte da comunidade, conferindo-lhe um elevado grau de profissionalismo e de
legitimidade.
No plano da investigação criminal, a recolha e análise de informação, no
sentido de identificar padrões de ilícitos e de suspeitos que se dediquem à prática
habitual de actividades ilícitas ou consideradas violentas/perigosas, auxilia a
definição de tácticas no sentido da sua captura, recolha de prova e apresentação às
instâncias judiciais. Também aqui, a criação de um processo de retro-alimentação
entre ambas as estruturas é vital para o sucesso da redução dos índices de
criminalidade.
Como se pode constatar, a aplicabilidade do conceito de Intelligence-led
Policing ao policiamento em “Bairros Problemáticos”, permite que este tenha uma
maior versatilidade e eficácia, devido à implementação de uma lógica de gestão,
baseada numa configuração de “geometria variável”, determinada pela avaliação
sistemática de produtos de informações policiais.
Através da aplicação do modelo de Intelligence-led Policing é possível
melhorar, ao nível da actividade policial desenvolvida nos “Bairros Problemáticos”, o
equilíbrio entre a Prevenção e a Reacção, tendo como “fiel da balança” as
Informações Policiais, enquanto componente centralizadora de informação e
geradora de conhecimento de valor acrescentado, permitindo orientar as várias
valências policiais num esforço conjunto, no âmbito das suas atribuições
respectivas, tendo como finalidade a optimização de recursos e eficácia da
129
actividade policial na redução e prevenção de ilícitos e problemas que afectam o
sentimento de segurança da comunidade.

Conclusões

No domínio da Segurança Interna, conforme fomos verificando ao longo deste


trabalho, a evolução da criminalidade em Portugal e o contexto sócio-cultural dos
“Bairros Problemáticos”, existentes no território nacional, estão numa dada
perspectiva, interligados, nomeadamente, no que respeita ao impacto sofrido pelas
transformações sociais.
As forças policiais, não sendo as principais responsáveis pela realidade
actualmente vivida no seio destes bairros, são seguramente uma das componentes
essenciais para contribuir para a sua melhoria.
Para tal, necessitam de realizar um esforço permanente de adequação às
evoluções sócio-criminais, para fazer face à complexidade dos problemas, os quais
cada vez mais, têm múltiplas variáveis que contribuem para o seu aparecimento ou
agravamento.
Neste sentido, a aplicabilidade do Intelligence-Led Policing, consegue, no
nosso entender, enquadrar e acompanhar aquelas evoluções de forma pró-activa e
estruturada, dado presidir ao mesmo uma flexibilidade considerável que lhe
possibilita a gestão e afectação de recursos, de acordo com a sua máxima
optimização e adequação à situação em que pretende actuar, tendo como eixo
central as Informações Policiais, principalmente a fase de análise e produção.
No âmbito específico dos “Bairros Problemáticos”, o Intelligence-Led Policing
permite:
 concretizar medidas de prevenção criminal e de intervenção antecipada;
 melhorar a gestão e rentabilização de recursos para optimizar resultados;
 dar maior legitimação e coerência à actividade policial.
Face ao panorama actual da realidade criminal, em que a malha de ligações
entre sujeitos e situações é cada vez mais complexa e onde a circulação de
informação é feita a grande velocidade, o IntelligenceLed Policing mostra-se
altamente viável, porque permite, por um lado, obter conhecimento na perspectiva
de conjunto e global e, por outro, providencia condições e dinâmicas geradoras de
respostas adequadas ao âmbito local em que elas se tornam necessárias.

130
Não podíamos deixar de concluir, no entanto, que a adopção daquele
conceito implica uma mudança da organização policial, de espectro multifacetado
(cultura, processos, recursos tecnológicos e humanos, etc) e complexo, a qual
requer empenho e consistência das suas chefias.
Para finalizar, salientamos como uma mais-valia da adopção do Intelligence-
Led Policing, o facto de este facilitar às forças policiais a realização de uma análise
do impacto de determinadas iniciativas de política criminal ou policiais nos “Bairros
Problemáticos” nos índices gerais da criminalidade, retirando deste facto, ilações
que permitam consolidar o conhecimento sobre a ligação entre estes bairros e a
criminalidade, bem como identificar boas práticas.

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132
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Legislação:

Lei nº 53/2008, de 29 de Agosto

Lei nº 4/2004, de 6 de Novembro

Lei nº 49/2008, de 30 de Agosto

133
UM OLHAR SOBRE OS THINK TANKS

Por Bruno Almeida Marques

“How do you change the world? Well, there are the obvious routes, such as
seizing power, being monstrously rich or slogging through the electoral process.
And there are short-cuts, such as terrorism… or forming a think tank.”

Steve Waters, “Dangerous Minds”, November 10, 2004, The Guardian

1. – Nota Introdutória

A realidade em que estamos inseridos está a tornar-se crescentemente


complexa e interdependente, nomeadamente com a afirmação da sociedade do
conhecimento e da informação.
Igualmente complexos e abrangentes são os problemas económicos, sociais
e políticos o que comporta consequências significativas ao nível do processo de
formulação de políticas públicas. Por um lado, é exigida a intervenção de um
conjunto mais alargado de actores para além do sector público, nomeadamente
universidades, organizações não-governamentais, associações empresariais,
consultoras e grupos de interesse. Por outro, a informação e o conhecimento
tornam-se elementos cruciais na resolução dos assuntos de governação, apoiando
o processo de tomada de decisão e contribuindo para a concepção de políticas
públicas mais eficazes. No entanto, os decisores são confrontados diariamente com
uma avalanche de informação que carece filtração, interpretação e
sistematização142.
A necessidade de gerir esta informação e conhecimento levou à emergência
de organismos independentes especializados em investigação e geradores de
ideias de suporte às tomadas de decisão – os denominados think tanks.
É sempre interessante observar o aparecimento de novos conceitos no
jargão político. Think tank é um desses conceitos que, embora não seja recente,

142
SELADA, Catarina e FELIZARDO, José R., THINK TANKS: Conhecimento ou Poder?, Jornal Público, Dossier
Economia, p. 42, 8 de Maio 2006

134
uma vez que tem a sua origem na Segunda Guerra Mundial, assume hoje um
grande mediatismo se tivermos em conta questões como a sua própria definição,
membros, funções e financiamento.
Um think tank cuja tradução literal para português será reservatório/depósito
de ideias, pode ser considerado uma instituição, organização ou grupo de
investigação que, segundo o Notre Europe143 apresenta 9 características
específicas144:
 Tem carácter permanente;
 Especializadas na produção de soluções de política pública;
 Detentoras de um corpo de investigadores permanentes;
 Produzem ideias, análises e recomendações;
 Dão grande ênfase à comunicação dos seus resultados aos decisores
políticos e opinião pública;
 Não têm responsabilidades ao nível da governação;
 Não pretendem estar ao serviço de nenhum interesse específico,
ambicionando independência;
 Não oferecem graus académicos, sendo que a formação não é a sua
actividade principal;
 Procuram agir em benefício do interesse público.

De acordo com McGann, think tank “é uma organização de investigação, de


análise e de aconselhamento quer a nível de temas domésticos como
internacionais, auxiliando os decisores políticos a tomarem decisões informadas
sobre políticas públicas”145.
Este tipo de organizações existe por todo o mundo (como se pode ver no
gráfico 1) e o seu número tem vindo a evoluir essencialmente por causa da
evolução da sociedade de informação; o fim do monopólio de informação por parte
do Estado; complexidade e natureza técnica das políticas públicas; a globalização e

143
Think tank francês orientado para a unidade europeia
144
BOUCHER, Stephen et.al., L’Europe et ses think tanks: un potential inaccompli, Notre Europe: Études &
Recherches, nº35, Outubro de 2004 in http://www.notre-europe.eu/uploads/tx_publication/etude35-fr_02.pdf
(consultado em 27 de Maio de 200)
145
FOREIGN POLICY RESEARCH INSTITUTE, James McGann - 2007 Survey of Think Tanks: A Summary
Report, Agosto 2007 in http://www.civil-
society.oas.org/Pages/Findings%20Global%20Survey%20of%20Think%20Tanks.pdf (consultado em 29 de Maio
de 2009)

135
o aparecimento de múltiplos actores na cena política; e, a necessidade de
informações concretas e objectivas146.

Gráfico 1 – Distribuição mundial de think tanks


Fonte: Foreign Policy Research Institute

2. – Funções dos think tanks:

Os think tanks exercem diversas funções sendo que a mais importante delas
é pautar o debate político por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e
da participação dos seus membros em várias actividades do mass média. A mistura
entre pesquisa e advocacy147 faz deles a ponte entre o conhecimento e o poder.
Com a grande fragmentação de centros decisionais, os think tanks assumem
tarefas de representação de interesses, embora muitas vezes com pouca
transparência em relação a como são financiados.
Pode-se apontar ainda uma função de reciclador de talentos na medida em
que são uma estrutura onde aqueles que deixaram o poder podem formular,
elaborar e difundir as suas ideias, mantendo-se activos e trocando experiências
com os membros permanentes dessas estruturas148.

146
Idem, ibidem
147
Entendida como a procura de apoio para os direitos de uma pessoa ou para uma causa.
148
TEIXEIRA, Tatiana (2007). Os think tanks e a sua influência na política externa dos EUA, 1ªEdição, Rio de
Janeiro, Editora Revan, p.117

136
3. – Tipologia dos think tanks:

Apesar da existência de inúmeros think tanks pelo mundo com diferentes


configurações, estruturas e objectivos, os analistas são unânimes a referir que se
podem distinguir quatro tipos149: académicos; investigação contratualizada; advocay
tanks; e, partidários.

 Think tanks académicos: Também designados por universidades sem


alunos ou organizações analíticas dedicam-se a analisar o conjunto de todos
os elementos científicos disponíveis sobre determinado assunto e não
apenas os elementos compatíveis com as conclusões privilegiadas em
política.
 Think tanks sob contratualização: Similares aos anteriores, mas com a
diferença que o seu financiamento depende essencialmente de contratos
com agências governamentais.
 Advocacy tanks: Produzem recomendações que vão de encontro a um
conjunto preciso de ideias ou de valores de base, ou seja, mais do que
investigar as melhores soluções para determinada questão, procuram ganhar
uma “guerra de ideias”.
 Think tanks partidários: Constituídos por elementos do aparelho partidário
cujo programa de investigação tem por base as necessidades do próprio
partido político.

4. – Os think tanks norte-americanos:

O número de think tanks nos EUA tem vindo a crescer fortemente,


principalmente após a década de 50, ascendendo hoje a mais de 1700 150. Este
dado é extremamente importante tendo em conta o forte impacto destas instituições
no policy making norte-americano.

149
BOUCHER, Stephen et.al., op.cit.
150
FOREIGN POLICY RESEARCH INSTITUTE, James McGann, op.cit.

137
Historicamente, podem-se considerar quatro períodos principais na evolução
dos think tank norte-americanos151. O primeiro, acompanha a era progressista do
início do século XX e é marcada pela ascensão dos EstadosUnidos da América
como superpotência mundial, com a criação de think tanks como o Council on
Foreign Relations e o Brookings Institution que, na generalidade, funcionavam
como universidades (ainda que sem alunos), destacando-se a alta qualidade das
pesquisas académicas. Uma segunda onda surgiu com o surgimento do complexo
industrial-militar norte-americano (fim da Segunda Guerra Mundial e início da
Guerra Fria) para responder à necessidade de entender, prever e dialogar com um
mundo em plena transformação. O think tank característico desta fase é a RAND
Corporation. A década de 60 e 70 foi marcada pela cisão da elite norte-americana,
com os conflitos em torno da Guerra do Vietname, dos problemas sociais e dos
embates políticos e culturais entre conservadores e democratas, o que deu azo ao
aparecimento de advocacy tanks cujo objectivo era fornecer recomendações
operacionais para influenciar os líderes políticos. São exemplos o Heritage, o CATO
e o Center for Strategic and International Studies. Finalmente, a quarta onda surgiu
com o fortalecimento dos conservadores no poder e nela se destacam instituições
como Bradley ou Smith Richardson. Estes advocacy tanks dedicam-se ao
“marketing” de ideias, com ampla capacidade de influenciar a agenda pública.
Estas instituições diferem entre si nos seus financiamentos, estrutura, áreas
de investigação, orientação política, entre outros aspectos. Segundo o Think Tank
Directory152, nos EUA existem think tanks cujos orçamentos se situam nos
50.000USD até mais de 10.000.000USD, como se pode ver na tabela abaixo.

Tabela 1 – Orçamentos de Think Tanks EUA (dados referentes a 2007)


Fonte: Think Tank Directory

151
TEIXEIRA, Tatiana, Pp. 86-95
152
THINK TANK DIRECTORY, Think Tank Explosion: Growth of the Independent Thinl Tank Industry in the
United States, Kansas, 2007 in http://www.thinktankdirectory.com/whitepaper.php (consultado em 30 de Maio de
2009)

138
Ao analisarem-se os diversos think tanks norte-americanos pode-se verificar que na
sua maioria estão organizados por tema de interesse, sendo que as seis áreas de
interesse mais visadas estão listadas na tabela abaixo.

Tabela 2 – Áreas de interesse mais visadas


Fonte: Think Tank Directory

Os think tanks norte-americanos estão muito ligados a todo o processo


legislativo, chegando Andrew Rich a afirmar que as maiores despesas destas
organizações são canalizadas na “guerra de ideias” entre os diversos actores
políticos, nomeadamente na luta entre liberais e conservadores. Afirma ainda que
esta “guerra” tem sido ganha pelos conservadores não por uma questão de terem
ao seu dispor mais fundos, mas pelo facto de conseguirem nomear um grande
número dos seus elementos para lugares de topo, quer no meio político, quer nos
mass média, o que se fica a dever a um aparelho de marketing mais bem
desenvolvido, chegando mais habilmente às populações153. Isto mesmo foi
verificado durante os anos 2006 e 2007, ao analisar-se as citações de think tanks
na imprensa norte-americana onde se concluiu que a maioria delas pertencia a
organizações simpatizantes dos grupos políticos mais conservadores154.
O crescimento dos thnk tanks conservadores ocorreu principalmente nas
décadas de 70, 80 e 90, o que foi possível com o suporte de pequenas fundações
conservadoras que surgiram na altura (e.g. Bradley, Smith Richardson, e Sarah
Scaife) que, tinham como objectivos promover a maior liberalização de mercados e
o menor intervencionismo do Estado. Este crescimento também se ficou a dever à

153
RICH, Andrew. War of Ideas: Why mainstream and liberal foundations and the think tanks they support are
losing in the war of ideas in American politics. Stanford Social Innovation Review, Verão 2005, p.18 in
http://www.ssireview.org/pdf/2005SP_feature_rich.pdf (consultado em 30 de Maio de 2009)
154
FAIRNESS AND ACCURACY IN REPORTING. Michael Dolny (Março/Abril 2008), The Incredible Shrinking
Think Tank in http://www.fair.org/index.php?page=3322 (Consultado em 30 de Maio de 2009)

139
diminuição de fulgor dos think tanks liberais que perderam ímpeto ao ver o
insucesso das medidas sociais pelas quais se tinham batido durante anos155.
A questão da orientação política dos diferentes think tanks é, sem dúvida,
uma questão extremamente importante na chamada “guerra de ideias”. Para Rich,
os financiadores das organizações mais progressistas vêm o papel dos
investigadores e dos think tanks na produção de conhecimento objectivo e
desinteressado, tão neutral quanto seja possível, chegando a utilizar as palavras de
um líder de um think tank não identificado que afirma que “as organizações liberais
acreditam não apenas na crença da justiça social e económica, mas também na
crença na possibilidade da neutralidade o que torna as concessões ao sistema
político incomodas”. Já nas organizações mais conservadores não se verifica esta
tentativa de imparcialidade156. É neste contexto, que think tanks como o Brookings
Institution – think tank sem orientação ideológica marcada – tem vindo a ver o seu
papel reforçado e também contam com maiores financiamentos.
A Brookings Institution e a Heritage Foundation são exemplos dos mais
influentes think tanks norte-americanos e uma breve comparação entre os dois
revela como é diferente o modo de estruturação e organização entre um think tank
independente e outro conservador, respectivamente157,158,159.

Origem e Objectivos

Brookings Institution: Fundado em Heritage Foundation: Fundado em 1973


1916 por um grupo de reformistas com o por membros conservadores do
objectivo de ser uma fonte de expertise Congresso com o objectivo de investigar
independente e neutra para prescrever soluções políticas de uma perspectiva
soluções para os problemas que a conservadora.
industrialização tinha trazido país.

155
RICH, Andrew, op.cit. Pp. 20-21
156
Idem, Ibidem, Pp. 23-24
157
Idem, Ibidem, P.24
158
http://www.brookings.edu/ (Consultado em 30 de Maio de 2009)
159
http://www.heritage.org/ (Consultado em 30 de Maior de 2009)

140
Conceito-Chave

Brookings Institution: “Quality, Heritage Foundation: “Leadership For


Independence, Impact America”

Missão

Brookings Institution: “A Brookings Heritage Foundation: “ A Heritage


Institution (…) é uma organização Foundation é um instituto de investigação
independente e não partidária devotada à e ensino – um think tank – cuja missão é
investigação, análise e educação com formular políticas públicas conservadoras
ênfase na economia, política externa, baseadas nas liberdades individuais,
governance e políticas domésticas” redução do intervencionismo no Estado,
liberdade de mercados e nos valores
tradicionais americanos (…)”

Membros

Brookings Institution: Conjunto de Heritage Foundation: Elementos do


cientistas e peritos nacionais e partido conservador norte-americano e
internacionais outros peritos nacionais e internacionais
conectados com a direita

Investigação

Brookings Institution: Está organizado Heritage Foundation: O tink tank está


em três grandes áreas temáticas: política organizado tematicamente em duas
interna, política externa e economia. Os grandes áreas: política interna e política
experts estão divididos pelos diferentes externa. Estas duas grandes áreas, por
programas e/ou áreas de investigação. sua vez, estão subdivididas em temas
mais específicos (e.g. educação, família,
economia, criminalidade, direito

141
internacional, as várias regiões
geográficas). Os experts estão divididos
pelos diferentes programas e/ou áreas de
investigação.

Influência e Credibilidade

Brookings Institution: Num inquérito Heritage Foundation: No mesmo


feito sobre 27 think tanks, a Brookings inquérito, a Heritage Foundation obteve o
Institution obteve o 2º lugar em termos de 1º lugar no que se refere à influência e o
influência e o 1º lugar em credibilidade. 9º em credibilidade.

5. – Os think tanks europeus

O estudo específico de instituições de investigação em políticas públicas,


como um actor político, é relativamente recente. Sendo que na Europa, os think
tanks começaram a ganhar ímpeto apenas na década de 80, como se pode ver na
tabela abaixo. Esta evolução ficou a dever-se principalmente à democratização dos
países da Europa de Leste, aos sucessivos alargamentos da União Europeia (UE)
e, talvez o factor mais importante, o aumento de poder e das competências da
UE160.

Tabela 3 – Evolução do número de think tanks na Europa


Fonte: Notre Europe

160
BOUCHER, Stephen et.al., op.cit.

142
Ao longo do tempo, os objectivos dos think tanks que tratam de assuntos
europeus têm vindo a evoluir. Actualmente, podem considerar-se os seguintes
objectivos gerais, por ordem de prioridade161:
 Encorajar a produção de melhores políticas mediante a implementação de
boas práticas;
 Contribuir para que os cidadãos se envolvam mais na política, elevando o
nível do debate político;
 Assistir os decisores políticos, usualmente através das universidades e
providenciando plataformas de discussão com peritos;
 Promover o interesse geral: segurança, paz, gestão de conflitos, liberdade
económica, democracia, desenvolvimento, multilateralismo ou a justiça
social;
 Suportar o próprio projecto europeu: apoiar um país na sua adesão à UE;
examinar domínios particulares das políticas europeias; encorajamento de
reformas; melhorar a qualidade do debate europeu.

Gráfico 2 – Missões dos think tanks da EU-25


Fonte: Notre Europe

161
Idem, ibidem

143
De acordo com informações recolhidas nos sítios de internet de diferentes
think tanks europeus podem ser definidas 15 categorias de assuntos de pesquisa
sobre os quais se debruçam, embora não sejam categorias exaustivas:

 Assuntos constitucionais (Direito Comunitário, Constituição Europeia, o


próprio processo de integração);

 Alargamento europeu;

 Relações externas e política comercial;

 Segurança e defesa;

 Política económica, financeira e monetária;

 Política ambiental;

 Política social;

 Política de desenvolvimento e direitos humanos;

 Política de coesão;

 Política industrial;

 Política educacional e de cultura;

 Política de transportes;

 Sociedade de informação e desenvolvimento tecnológico;

 Reflexão sobre os interesses nacionais no seio da comunidade;

 Outros.

144
Gráfico 3 – Domínios de pesquisa dos think tank europeus
Fonte: Notre Europe

6. – Os think tanks em Portugal

Portugal é caracterizado por uma evolução relativamente fraca do fenómeno


dos think thanks, sendo que a literatura aponta para a existência de
aproximadamente 25 instituições de investigação em política pública no país,
fundadas maioritariamente após a década de 80. Algumas das mais referenciadas
são o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais e o Instituto Português de
Relações Internacionais e Segurança162, os dois são instituições privadas, não
lucrativas e independentes de cariz académico.
Esta evolução relativamente lenta é explicada por diferentes factores. Desde
logo a experiência relativamente recente da democratização das instituições, uma
certa “passividade” política da sociedade civil e a existência de uma estrutura
162
SELADA, Catarina et.al., op.cit.

145
centralizada e fechada do sistema político163. Também a pouca disponibilidade de
financiamento para o suporte e funcionamento dos think tanks contribui para o seu
fraco desenvolvimento em Portugal. Este deriva essencialmente das instituições
europeias ou do próprio Estado, porque ao contrário da tradição americana, que
apresenta uma intensa cultura filantrópica, em Portugal, o sector privado e as
fundações não se mostram sensíveis à necessidade de intervenção destas
organizações no processo político164. Consequentemente, os think tanks que
dominam em Portugal são os de carácter académico e uma falta relativa de
advocacy tanks165.
Os think tanks portugueses dedicam-se, maioritariamente, à investigação de
várias questões no domínio das relações internacionais: segurança, ambiente,
política internacional, direito internacional e economia internacional. São ainda
extremamente importantes no complemento de outros think tank europeus no que
concerne a temas ligados a África e América Latina166.
Visam sobretudo os decisores políticos e europeus, assim como os mass
media e as organizações da sociedade civil, através de publicações, conferências e
revistas.

7. – Notas Finais

Uma actuação sistemática e permanente dos think tanks exige a articulação


com conhecimento e o desenvolvimento de investigação multidisciplinar, pelo que o
seu primeiro desafio se traduz na respectiva integração em redes nacionais,
regionais e globais, já que os problemas de política são cada vez mais
transnacionais.
Um segundo desafio para estas organizações consubstancia-se na tentativa
de balancear um conjunto de dimensões, muitas vezes contraditórias e de difícil
compatibilização: independência, financiamento, credibilidade e visibilidade.
Se os think tanks conseguirem enfrentar estes desafios, irão certamente
afirmar-se como uma ponte entre o conhecimento e o poder.

163
BOUCHER, Stephen et.al., op.cit.
164
SELADA, Catarina et.al., op.cit.
165
BOUCHER, Stephen et.al., op.cit.
166
Idem, ibidem

146
8. – Referências Bibliográficas

BOUCHER, Stephen et.al., L’Europe et ses think tanks: un potential inaccompli, Notre Europe:
Études & Recherches, nº35, Outubro de 2004 in http://www.notre-
europe.eu/uploads/tx_publication/etude35-fr_02.pdf (consultado em 27 de Maio de 200)

FAIRNESS AND ACCURACY IN REPORTING. Michael Dolny (Março/Abril 2008), The Incredible
Shrinking Think Tank in http://www.fair.org/index.php?page=3322 (Consultado em 30 de Maio de
2009)

FOREIGN POLICY RESEARCH INSTITUTE, James McGann - 2007 Survey of Think Tanks: A
Summary Report, Agosto 2007 in http://www.civil-
society.oas.org/Pages/Findings%20Global%20Survey%20of%20Think%20Tanks.pdf (consultado em
29 de Maio de 2009)

RICH, Andrew. War of Ideas: Why mainstream and liberal foundations and the think tanks they
support are losing in the war of ideas in American politics. Stanford Social Innovation Review, Verão
2005 in http://www.ssireview.org/pdf/2005SP_feature_rich.pdf (consultado em 30 de Maio de 2009)

SELADA, Catarina e FELIZARDO, José R., THINK TANKS: Conhecimento ou Poder?, Jornal
Público, Dossier Economia, p. 42, 8 de Maio 2006

TEIXEIRA, Tatiana (2007). Os think tanks e a sua influência na política externa dos EUA, 1ªEdição,
Rio de Janeiro, Editora Revan

THINK TANK DIRECTORY, Think Tank Explosion: Growth of the Independent Thinl Tank Industry in
the United States, Kansas, 2007 in http://www.thinktankdirectory.com/whitepaper.php (consultado
em 30 de Maio de 2009)

147
ANEXO I – DISTRIBUIÇÃO DE THINK TANKS POR PAÍS

Fonte: Foreign Policy Research Institute

148
TENDÊNCIAS ACTUAIS DA ESPIONAGEM ECONÓMICA

Por António Rebelo de Sousa

A minha intervenção de hoje deveria centrar-se sobre as “tendências actuais


da espionagem económica”. Todavia, existe uma questão conceptuológica prévia
que convém esclarecer.

Como é do conhecimento geral, a espionagem seja ela económica, política


ou militar, tem sempre em vista a obtenção de informações tidas como secretas,
com eventual recurso a meios não convencionais, utilizando-se, inclusive, para o
efeito, agentes que assumem identidades e/ou actividades que, de alguma forma,
dão cobertura ao exercício da sobredita actividade de espionagem.

Daí que exista uma diferença de substância entre o exercício de uma


actividade ligada ao que se convencionou designar de sistema de informações e a
espionagem. A própria “Intelligence” apresenta um significado distinto de
espionagem, abarcando esta última, mas apresentando-se, necessariamente, mais
abrangente.

Existe uma tendência moderna para confundir um especialista em


informações ou um sistema de informações com um especialista em espionagem,
sendo certo que uma grande maioria dos que se dizem peritos em espionagem
mais não são do que técnicos de informações que trocam cartões de visita com
outros técnicos de informações e que assumem publicamente a sua pertença a este
ou aquele serviço especifico de “Intelligence”.

Em alguns casos, gostam mesmo de exibir na comunicação social ou em


público a sua especialidade, porventura convencidos de que exercem uma
actividade de espionagem.

Ora, se não faz sentido um conhecedor de sistema de informações (que não


seja perito em espionagem) falar em espionagem económica, seria, por outro lado,
altamente, contraditório a um especialista em espionagem exibir publicamente os
seus conhecimentos sobre a matéria.

149
Daí que se apresente mais lógico e mais consistente centrar a minha
intervenção na análise das tendências actuais da articulação dos sistemas de
informação com os interesses económicos.
Surge, então, uma segunda questão, de ordem metodológica.
Dever-se-á colocar ao mesmo nível a obtenção de informações destinadas a
satisfazer os objectivos estratégicos de uma empresa ou de um grupo empresarial
e a recolha, tratamento e análise de informações económicas destinadas a
satisfazer uma estratégia desenvolvimentista consistente a nível nacional?
Admitindo-se que se está perante problemas de natureza diferente,
começaremos pela “Intelligence” empresarial.
Para melhor se compreender os desafios da “Intelligence” empresarial,
afigura-se da maior relevância ter presentes as estratégias empresariais
alternativas, as quais, estão, naturalmente, condicionadas por diversas formas de
mercado e, por isso mesmo, por condições concorrenciais diferenciadas.
Correndo o risco de um certo reducionismo, apresenta-se possível
considerar as seguintes estratégias empresariais:
- a de “hit and run” (bate e foge);
- a de “playing for the conquest” (aposta na conquista);
- a de “playing for survival” (luta pela sobrevivência);
- a de “playing for profit and diversification” (aposta na rendibilidade e na
diversificação).
Em qualquer uma destas estratégias importa saber prever o comportamento
dos principais concorrentes, i.e., prever a sua função-reacção, procurando-se,
simultaneamente, estar na linha da frente no que concerne à pesquisa e
investigação, em matérias tão diversas como as novas tecnologias industriais, as
novas técnicas de gestão ou as novas técnicas de “marketing”.
A estratégia de “hit and run” assenta, inclusive, na criação de falsos alvos, no
intuito de se procurar induzir em erro os principais concorrentes ou adversários.
Sucede, todavia, que a capacidade empresarial para desenvolver a
actividade R&D ou para desencadear iniciativas diversas (inclusive, no domínio do
“marketing”) que levem à criação, com credibilidade, de falsos alvos, implica a
existência de um “stock” mínimo de capital e, por conseguinte, de uma dimensão
mínima crítica, o que, como é óbvio, nem sempre sucede.

150
Esta limitação existente ao nível de muitas unidades empresariais está na
origem de deficiências de informação que induzem a um comportamento mecânico
ou automático que designo de comportamento F.T.L. (“Follow the leader”).
Trata-se de um comportamento de pura imitação da empresa “leader” ou de
referência, comportamento esse que tende a acentuar-se com o sindroma “super-
competitivo” que assenta no princípio de que boa decisão é, necessariamente, uma
decisão rápida.
A única forma de se procurar atenuar a limitação decorrente de não se dispor
de um “stock” de capital desejável e/ou de uma informação adequada está na
aposta por parte do Estado na criação de mecanismos e de instituições que
facilitem o acesso ao capital de risco e que assegurem uma maior transparência do
mercado, designadamente através de legislação orientada para a defesa das
condições de concorrência.
Mas, surge, agora, uma nova questão.
Será que, no quadro da globalização, o Estado – ou, se se preferir, os seus
serviços de “Intelligence” – deverá auxiliar uma empresa nacional que compete com
empresas estrangeiras?
Para um liberal puro, tal não fará sentido, uma vez que o que interessa é a
defesa dos interesses dos consumidores nacionais, os quais poderão, inclusive, ver
as suas necessidades melhor satisfeitas por uma empresa estrangeira do que por
uma nacional.
Mas, admitindo-se uma postura diferente, em que medida faz sentido apoiar-
se, com informação qualificada, uma empresa de distribuição portuguesa em
Angola só pelo facto de o seu accionista principal ser português se, amanhã, fruto
da referida globalização, ele vendeu a sua participação a um inglês, um francês ou
a um chinês?
Estamos, agora, no limiar de uma nova problemática. Como equacionar,
então, a actuação de um Centro de “Intelligence”que tenha como objectivo
disponibilizar informações qualificadas às empresas nacionais, ajudando a
implementar uma estratégia de desenvolvimento sustentado e de
internacionalização consistente (maximizadora das vantagens competitivas
dinâmicas) da economia nacional?
Defendo sobre a matéria em apreço posições muito polémicas.

151
Em primeiro lugar, o apoio concedido pelo Estado, incluindo o acesso a
informações qualificadas, deverá ter mais a ver com os objectivos da estratégia de
desenvolvimento (e de internacionalização) pré-definidas do que com o facto de a
empresa pertencer ou não a um nacional do País em causa.
Regressando à empresa distribuidora que pretende ir para Angola, o estado
só deverá apoiá-la se tal estiver de acordo com os objectivos desenvolvimentistas
do próprio País e com a estratégia de internacionalização delineada para Angola.
Em consequência do que se disse, só faz sentido haver uma política de
informações ou um sistema de “Intelligence” orientado para as questões
económicas se se conhecer o modelo de desenvolvimento que se pretende para o
País.
Caso contrário, fornecem-se informações avulsas e inconsistentes ou, então,
tende a confundir-se o interesse nacional com interesses, puramente, particulares.
Daí que seja de salientar, em terceiro lugar, que uma política de informações
ou de “Intelligence” (que não seja a “Intelligence” meramente empresarial) não faz
qualquer sentido para quem tem uma concepção liberal pura de funcionamento da
economia.
Se, nas décadas de 60 e de 70, havia alguma tendência nos EUA para se
reconduzir a “Intelligence” económica ao acompanhamento das actividades
empresariais com ligação ou com implicações nos domínios do tráfico de droga, da
criminalidade organizada ou do terrorismo, já nas décadas de 80 e de 90 se
registou uma viragem (que, aliás, havia sido antecipada pelos japoneses, pelos
alemães e pelos próprios franceses).
Passou-se a defender a tese de que o Estado deveria ter uma política
comercial agressiva, apoiando no exterior as empresas nacionais.
Mas, manda a verdade reconhecer que esta viragem tem pouco de liberal,
embora muito de pragmatismo.
Logo, existe uma clara tendência para que os centros nacionais de
“Intelligence” a nível económico se preocupem com o estudo de modelos de
desenvolvimento (e de internacionalização) alternativos.
É assim que, em Portugal-2008, a primeira pergunta que um Director de
“Intelligence”, interessado na vertente económica, deve fazer não consiste na
listagem das principais empresas ou dos principais grupos nacionais existentes.

152
A primeira pergunta que ele deve formular é sobre o modelo de
desenvolvimento mais adequado à economia portuguesa.
Para ele deverá ser fundamental se se pretende enveredar por um modelo
de especialização primária, de substituição de importações, de desenvolvimento
equilibrado ou de especialização industrial e na diversificação de serviços.
Como deverá ser essencial saber como se concebe o processo de
internacionalização da economia portuguesa, incluindo a maximização das
vantagens competitivas dinâmicas no quadro da União Europeia, o aproveitamento
de eventuais mais-valias negociais decorrentes do nosso posicionamento
privilegiado em diversas regiões do Continente Africano ou, ainda, a obtenção de
sinergias resultantes do triângulo Europa – América – África.
Um estudo com estas características implica necessariamente, que se entre
em linha de conta com a Teoria de Relatividade Económica e com os Três
Diamantes do Bem-Estar, articulando-se o Novo Diamante Macroeconómico (e, por
conseguinte, os factores de sucesso de um processo de internacionalização – a
saber, a confiança, a modernização, as parcerias estratégicas, a investigação, a
formação e o investimento) com o Novo Diamante Empresarial – Microeconómico
(envolvendo os factores de competitividade, a saber, a organização empresarial, as
políticas de produto e segmentadas, o R&D, a forma de implantação, as parcerias
empresariais e a adaptação às condições locais) e com o Diamante da Relatividade
Económica (integrando os factores de sucesso em termos de bem-estar, a saber, a
Good-Governance, as estruturas participativas, a mobilidade social, as estruturas
sociais, o padrão de desenvolvimento e a dinâmica de desenvolvimento).
Tal significa que importa relacionar a Macro com a Microeconomia e ambas
com a Política Social, tendo-se uma perspectiva de conjunto do que deveria ser
uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentado.
Admita-se que se definiu uma estratégia para a economia nacional, assente
num modelo de especialização industrial e de diversificação de serviços.
Haveria, então, que saber quais os sectores estratégicos e as regiões
prioritárias.
Admita-se que se definem como sectores estratégicos os têxteis, vestuário e
calçado, os componentes de electrónica, a paste de papel, o turismo, a saúde, a
actividade financeira, o “software” e o vinho de qualidade, a título, meramente,
exemplificativo.
153
Considere-se que se definem como mercados prioritários os da U.E. e da
América do Norte, entrando-se em linha de conta, nomeadamente, com as
contribuições teóricas de autores como LAFAY sobre o Comércio Internacional.
Considere-se, ainda, que a política de cooperação é tida como instrumento
fundamental da internacionalização da economia portuguesa, seleccionando-se
como regiões prioritárias os PALOP, os países do Magrebe e a África do Sul.
Logo, importa fornecer a informação qualificada às empresas que, nos
sectores estratégicos supra-mencionados, pretendam actuar nos mercados
prioritários, bem como aos agentes empresariais interessados em intervir nas
regiões-alvo de uma política de cooperação consistente.
Mas, as “estratégias de intervenção” devem apresentar detalhe e
consistência.
Por exemplo, se em relação a Angola se concluir que os sectores
estratégicos (objecto de uma política de cooperação empresarial consistente)
deverão ser os “intermédios”, tais como os de distribuição, transportes e
telecomunicações (a par da construção, da agricultura e da indústria agro-
alimentar), então, a informação privilegiada deverá concentrar-se nesses sectores,
sendo articulada com políticas de incentivo de natureza diversa (incluindo
instrumentos como o crédito de ajuda, bonificação de taxa de juros, apoio de capital
de risco ou, inclusive, parcerias com entidades públicas ou de capitais públicos).
Logo, tão ou mais importante do que dispor de uma boa “rede” de
informações é saber o que se pretende e ter acesso a bons “instrumentos de
intervenção”.
Quais, então, os “instrumentos de intervenção” a utilizar?
Existem, essencialmente, dois níveis distintos de intervenção, a saber, o
INSTITUCIONAL e o correspondente aos MINIPAR’S.
O INSTITUCIONAL assenta nas próprias Embaixadas, compreendendo
conselheiros económicos e adidos ligados a actividades de cooperação, os quais,
dispondo de uma boa “rede” de contactos, estão, todavia, limitados nas suas
esferas de intervenção.
Para além da sobredita estrutura, o nível INSTITUCIONAL pode contar com
o apoio de AGENTES INSTITUCIONAIS ESPECIALIZADOS como, por exemplo, a
AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, o IAPMEI –
Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais ou o próprio
154
GPEARI – Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações
Internacionais (este último, mais na área da cooperação financeira).
No capítulo específico da cooperação empresarial e na perspectiva de
criação de condições propiciadoras da implementação de “objectivos de contexto
geral” (como, por exemplo, a criação de condições propiciadoras de investimento
alógeno num país A a partir de uma efectiva estabilidade comercial viabilizada por
um Acordo que possibilite um “peg” da moeda local ao euro), o nível institucional
poderá ser alargado ao Banco de Portugal (envolvendo o indispensável
aconselhamento em matérias especializadas), bem como a instituições financeiras
mais vocacionadas para uma adequada articulação com o Sistema Integrado de
Informações.
Mas, a par do nível INSTITUCIONAL, haveria que pensar no nível
correspondente aos MINIPAR’S (Mecanismos de Intervenção Paralelos).
Os MINIPAR’S poderão existir a partir de delegações do AICEP ou, no
domínio mais particularizante da cooperação empresarial, se, entretanto, forem
implementadas algumas reformas no Sistema Português de Cooperação
(viabilizadoras de uma nova articulação com o Sistema de Informações).
Assim, afigurar-se-á essencial criar uma Agência Portuguesa de Cooperação
Empresarial ou, se se preferir, uma Sociedade de Desenvolvimento Internacional –
SDI, a qual teria como missão não apenas financiar empresas nacionais
interessadas em investir nos PVD’s (de acordo com o modelo e as prioridades pré-
definidas), como também gerir participações em empresas estratégicas e
desempenhar, em termos práticos, as funções de uma empresa de capital de risco.
A SDI deveria dispor de delegações em diversos países (em sintonia com as
regiões prioritárias seleccionadas), tornando-se possível utilizar, por essa via,
Mecanismos de Intervenção Paralelos.
A conjugação de um Centro de Estudos e de Análise (que terá que obedecer
às opções feitas pelo Poder Político) com as intervenções a nível INSTITUCIONAL
e ao nível dos MINIPAR’S e com a “rede de empresas” que fornecem informações e
que permitem “testar” a eficácia da actuação estratégica do Sistema permite-nos
chegar à Estrela de Inteligência ou à Intelligence Star.
Correndo o risco de converter o que deveria ser uma intervenção semi-longa
numa verdadeira tortura para quem se tem mantido dentro dos limiares da atenção

155
mínima a uma intervenção que já vai longa, não queria deixar de referir um último
aspecto da maior relevância na área da “Economic Intelligence”.
Não faz sentido obter, seleccionar, trabalhar e difundir informações sem se
assumir, à partida, que a política e o sistema de informações devem obedecer a
uma dogmática.
Não se serve consistente e coerentemente um Estado, um Poder Político,
um País sem se assumir um conjunto de princípios indiscutíveis e, por isso mesmo,
inegociáveis.
Daí que seja dos que, também neste domínio, defendem a dogmática da
Democracia, da Liberdade e, de um modo geral, dos Direitos Humanos, incluindo
nestes a liberdade de iniciativa.
Sou, por conseguinte, dos que entendem não fazer sentido integrar em
Sistemas de Informações ao ser viço da República Portuguesa elementos que não
se identifiquem com a mencionada Dogmática.
Como sou dos que entendem não fazer sentido integrar num Centro de
Investigação Estratégica de uma empresa A alguém que se sinta mais identificado
com a sua maior concorrente.
Simultaneamente, os interventores no processo informativo devem saber
distinguir, em todas as circunstâncias, aquilo que é interesse específico do
particular daquilo que corresponde a interesse estratégico do País, sendo
indesejável qualquer espécie de osmose entre interesses particularizantes e o
interesse comunitário.
Em resumo, minhas Senhoras e meus Senhores, importa separar a
“Intelligence” de âmbito puramente empresarial da “Intelligence” de âmbito nacional.
Importa, ainda, que, ao nível da “Intelligence” de âmbito nacional se privilegie
um modelo e uma estratégia, por forma a ser possível ligar as intervenções a
prioridades pré-estabelecidas.
Não é possível praticar uma boa política de informações económicas, ao
nível de um país ou de uma comunidade, adoptando, simultaneamente, uma
perspectiva liberal pura.
A nível empresarial afigura-se essencial o estudo da função-reacção dos
concorrentes e minimizar os riscos advenientes da eventual criação de falsos-alvos
ou de comportamentos FTL.

156
A aposta na transparência dos mercados e em mecanismos de capital de
risco apresenta-se essencial.
A nível macro, os mecanismos de intervenção deverão ser institucionais e,
ainda, os correspondentes ao que se convencionou designar de mecanismos de
intervenção paralelos.
Em qualquer caso, deverá existir uma dogmática.
As palavras-chave da “Economic Intelligence” são DUALIDADE
MACRO/MICRO, BINÓMIO MODELO-ESTRATÈGIA, PREVISÃO
COMPORTAMENTAL, TRANSPARÊNCIA, Mecanismos de INTERVENÇÃO e
DOGMÁTICA.
A primeira regra de quem se dedica à “Intelligence” está em saber colocar-se
na posição do opositor, prevendo as suas reacções e antecipando o seu
comportamento.
O comportamento humano nem sempre é ditado pela razão, havendo uma
componente psicológica muito importante na explicação dos fenómenos
económicos, políticos e sociais.
Em princípio, o mecanismo mais eficaz no combate a qualquer inimigo está
na criação de zonas de clivagem endógenas, desestabilizadoras do seu “núcleo
central” e, por isso mesmo geradoras de uma certa incapacidade de acção
interventiva.
Quanto mais rígidas forem as sociedades, as estruturas existentes, mais fácil
se torna criar condições potenciadoras de “zonas de clivagem”, desde que se perca
o medo e se consiga fazer evoluir essas estruturas para formas preliminares de
liberalização ou de descentralização.
Nesses casos, o que é difícil é dar o primeiro passo: a aceitação de formas
de flexibilização do relacionamento entre membros ou agentes integradores da
Comunidade.
Qualquer flexibilização que atenue o “clima de terror” permitirá iniciar o
indispensável processo subversivo.
E a verdadeira evolução das comunidades não se faz por via de revoluções,
mas antes pela subversão das mentes e pela libertação dos espíritos.
Daí que, não querendo falar, nesta minha intervenção, de espionagem,
cometa, agora, uma pequena heresia:
Faço-o falando em espionagem.
157
De facto, em meu entender, a verdadeira, a genuína, espionagem é a que
subverte as mentes, libertando os espíritos.
De preferência, claro está, do meu ponto de vista, em defesa da Dogmática
da Democracia e da Liberdade.

158
A INTELIGÊNCIA COMPETITIVA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS

Por Pedro Borges Graça

1. - O Conceito de Inteligência Competitiva

O conceito de competitive intelligence tem vindo nos últimos anos a


expandir-se de forma consistente no mundo dos negócios a nível internacional. O
termo pode ser traduzido para português como inteligência competitiva ou
inteligência económica ou mesmo informações estratégicas aplicadas à tomada de
decisão, sendo todavia um bocado indiferente este diversidade terminológica
porque o que interessa na verdade é a metodologia do processo, a qual é originária
dos serviços de informações dos Estados. Como noção geral do objectivo da
competitive intelligence pode ser apontada a gestão optimizada dos riscos,
oportunidades e ameaças que envolvem os negócios face à concorrência e à
conjuntura, e isto requer que uma organização esteja continuamente atenta ao
presente visível e ao futuro previsível.
Com efeito, a competitive intelligence tornou-se com os anos um conceito
complexo, cruzado com o marketing, indutor de uma pluralidade de técnicas, entre
as quais se destaca a business intelligence. No caso americano, como é óbvio, tem
vindo a ser estimulante o mercado nacional de grandes proporções, altamente
competitivo, e a vontade e capacidade, isto é, o poder de projecção internacional
das empresas americanas.
Mas, de facto, para entendermos o conceito na sua real dimensão, nada
melhor que recorrermos à sua génese e lógica no âmbito dos serviços de
informações dos Estados, definindo-o operacionalmente da seguinte maneira: a
aquisição contínua de conhecimento por parte das empresas, com vista à obtenção
de capacidade prospectiva e vantagem competitiva sobre organizações homólogas
e rivais, e também a salvaguarda perante o exterior deste conhecimento e da
informação reservada sobre as suas actividades.

159
2. - As Origens da Inteligência Competitiva: O Modelo Americano

O movimento de aplicação ao mundo dos negócios da metodologia dos


serviços de informações dos Estados desenvolveu-se pois no mundo anglófono e
muito especialmente nos Estados Unidos há pouco mais de trinta anos, sem dúvida
estimulado pelo processo da globalização em curso e pela correspondente
aceleração e aumento da competitividade económica. Há cinquenta anos, o general
americano Washington Platt escreveu uma obra, hoje clássica na área dos
intelligence studies, intitulada Strategic Intelligence Production (ed. Praeger, 1957),
destinada principalmente à formação dos funcionários dos serviços de informações,
mas na qual de modo pioneiro, a fechar o prefácio, afirmava o seguinte:

“ Os homens de negócios e os homens das informações têm ambos o problema de


produzirem estimativas sobre o que outros homens poderão fazer e irão fazer. (...)
O homem de negócios americano, que já mostrou génio para ir buscar ideias à
psicologia, à engenharia, à economia e a outras disciplinas quando são úteis para o
seu objectivo, irá encontrar neste livro muitos problemas semelhantes aos seus
próprios, juntamente com novos e úteis métodos de solução.” (p. xviii)

Três anos depois, William McGovern, professor catedrático da reputada


Universidade de Northwestern, com uma carreira que o levou dos estudos orientais
às informações militares na 2ª Guerra Mundial e, posteriormente, ao ensino da
Estratégia, escrevia a obra Strategic Intelligence and the Shape of Tomorrow (ed.
Foundation for Foreign Affairs, 1960), hoje também um clássico. Aí incluiu um
capítulo exclusivamente dedicado à economic intelligence, embora ainda centrada
na questão da guerra e dos complexos industriais militares, estabelecendo um nexo
entre strategic intelligence e economic intelligence.
O movimento arrancou lentamente e passaria cerca de um quarto de século
até que uma série de elementos dos serviços de informações americanos,
entretanto reformados, desdobrassem a economic intelligence em competitive
intelligence, e depois em business intelligence, criando assim um novo mercado
especializado na área da consultoria, em que a companhia norte-americana Kroll é
líder mundial. Com efeito, o caso da Kroll é um bom exemplo da implantação
crescente do conceito e da sua evolução metodológica no seio das grandes
160
empresas americanas, e também do ambiente internacional no qual de um modo
geral todas as outras empresas multinacionais com alto nível de competitividade se
movimentam.
A Kroll foi fundada por Jules Kroll, em 1972, para fornecer serviços de
consultoria a departamentos de compras de grandes empresas. Formado nas
prestigiadas universidades de Cornell e Georgetown, Jules Kroll depressa visionou
a aplicação do conceito de intelligence à actividade económica privada e, nos anos
80-90, ganhou proeminência durante a “febre” das fusões e “takeovers”. Mas a sua
“coroa de glória” nos Estados Unidos veio sobretudo com as investigações bem
sucedidas sobre os patrimónios secretos dos ditadores Jean Claude Duvalier,
Ferdinand e Imelda Marcos e Saddam Hussein. A Kroll chegou assim a 2004 com
mais de 3 mil funcionários (número idêntico ao do MI6 britânico) e um volume de
negócios na ordem dos 485 milhões de dólares, altura em que foi comprada por 2
mil milhões de dólares pelo grupo Marsh & McLennan Companies, dito MMC (60 mil
funcionários, 11 mil milhões de dólares de volume de negócios e clientes em mais
de 100 países), líder mundial da corretagem de seguros, grupo no qual se encontra
integrada uma das mais importantes consultoras a nível mundial (Mercer) e um dos
maiores fundos de investimento dos Estados Unidos (Putnam). Mas o objectivo da
MMC ao comprar a Kroll resultou do facto de esta, neste últimos anos, ter
desenvolvido o conceito de “intelligence” sob múltiplas formas, entre as quais a
recolha de “informações” sobre o risco associado a processos de parcerias
empresariais e a investigação do passado dos funcionários das grandes
companhias (“background screening”), incluindo o seu estado de saúde e a
eventual utilização de drogas. Relativamente a países, nomeadamente do chamado
terceiro mundo, a Kroll produz, de acordo com os seus próprios termos
institucionais, “discreet yet informed political access”, isto é, “relatórios de
informações” confidenciais sobre os núcleos da tomada de decisão político-
económica.
Para todos os efeitos, a MMC é hoje um grupo com uma posição estratégica
relevante no processo de globalização económica em curso. É dirigida por Jeffrey
Greenberg, de 56 anos, que pertence a uma família com forte tradição na área dos
seguros. O seu pai é Maurice Greenberg, o presidente jubilado do grande grupo de
seguros AIG (American International Group), onde Jeffrey e o seu irmão Evan
Greenberg também trabalharam, sendo este último também presidente de outro
161
grande grupo de seguros, o ACE. É uma família também com peso nas questões
de política internacional, pertencendo Jeffrey Greenberg e o seu pai ao influente
Council of Foreign Relations e à reservada Comissão Trilateral. Por seu turno, Evan
Greenberg é o presidente da associação americana de seguros (American
Insurance Association) e, no passado mês de Outubro, publicou um artigo no
conservador The Wall Street Journal para afirmar publicamente e literalmemte que
a “indústria dos seguros não precisa de subsídios” do Estado na presente
conjuntura de crise mundial, evidenciando deste modo uma posição de força,
financeiramente sustentada e autónoma, contra qualquer tentativa de limitar o
espaço de manobra fortemente liberal dos grandes grupos de seguros.167
Hoje, nos Estados Unidos, o sector da competitive intelligence é vastíssimo
e, do ponto de vista universitário, integra-se no campo mais amplo dos designados
intelligence studies, embora, curiosamente, tenha havido poucos inciativas e
trabalhos de relevo neste mesmo sector. A actividade encontra-se no entanto
enquadrada do ponto de vista ético na Society of Competitive Intelligence
Professionals (SCIP) para não ser confundida com a prática ilegal da espionagem
económica ou industrial. As fronteiras são contudo por vezes muito ténues entre
ambas as actividades e não são de facto raras as ocorrências passíveis de serem
puníveis por lei. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2004, quando a Kroll se viu
envolvida no Brasil num caso de espionagem entre a Telecom Itália e a Brasil
Telecom, protagonizado por um dos seus funcionários no terreno, curiosamente de
nacionalidade portuguesa; caso aliás que, segundo a investigação judicial
brasileira, acabou por revelar conexões políticas e internacionais.168
Mas o caso da MMC e da Kroll, líderes mundiais da inteligência competitiva,
é sobretudo relevante para compreendermos que a capacidade destas grandes
empresas para industrializar o processo da “redução de riscos” (da pesquisa à
análise e à gestão da informação) confere uma vantagem competitiva determinante
aos Estados Unidos e de um modo geral ao eixo anglo-americano. A verdade é que
actualmente as grandes empresas europeias, africanas, asiáticas ou sul-
americanas não têm frequentemente outra opção que não seja a oferta anglo-
americana no domínio da auditoria e gestão de risco.

167
Evan Greenberg, The Insurance Industry Doesn't Need Subsidies, in The Wall Street Journal, October 31,
2008
168
http://www.viaseg.com.br/noticia/4934-
segdas_informacoes__caso_kroll_denuncia_espionagem_internacional.html

162
Portanto, a partir do conceito de inteligência competitiva, verifica-se também
hoje fora do eixo anglo-americano a tendência de se construírem nas grandes
empresas nacionais, potenciadas para se projectarem internacionalmente,
mecanismos de competitividade e também de defesa face às ameaças, através da
criação de “serviços de informações” exclusivos dessas mesmas organizações
reportando directamente à primeira linha da tomada de decisão.

3. - O Modelo Francês da “Inteligência Económica”

Neste contexto, para se compreender a evolução do mundo dos negócios na


conjuntura internacional, é também elucidativo o movimento que está a ocorrer em
França, onde outro termo que tem vindo a ser utilizado para caracterizar este
domínio é o de inteligência económica (intelligence économique). Este deriva do
conceito geral de guerra económica (guerre économique), que é uma resposta da
França ao conceito de competitive intelligence e à percepção da ameaça que
representam os Estados Unidos para os interesses económicos franceses no
processo de globalização em curso.
Em meados dos anos 80, no seio de alguns grupos de académicos e
militares franceses assumidamente patriotas, começou assim a formar-se a ideia de
que a França não podia manter-se exclusivamente na defensiva em relação ao que
consideravam ser, no contexto da globalização, o ataque económico americano aos
mercados internacionais e particularmente aos interesses nacionais franceses.
Teve assim origem um movimento de reflexão sobre a designada cultura de
combate francesa que passou a defender a elaboração de uma teoria da estratégia
que ultrapassasse as teses marxistas e liberais e tomasse em atenção as
“constantes históricas dos povos e civilizações”.
Algum tempo depois, no princípio dos anos 90, ocorreu um encontro entre
dois homens que viria a marcar a definição e desenvolvimento dos conceitos de
inteligência económica e guerra económica, os quais têm vindo a ganhar relevo no
pensamento económico exclusivamente francês: Christian Harbulot, que tem
produzido estudos como, por exemplo, Técnicas Ofensivas e Guerra Económica ou
A Mão Invisível das Potências. Os Europeus face à Guerra Económica; e o General
Jean Pichot-Duclos, ex-comandante da Escola Inter-Armas de Informações e

163
Estudos Linguísticos, que, entre outros trabalhos, publicou o livro As Guerras
Secretas da Mundialização.
De facto, nos últimos anos, os conceitos de guerra económica e de
inteligência económica têm vindo a difundir-se cada vez mais nos meios do ensino
superior e das empresas francesas, com o patrocínio empenhado do Governo
francês. O conceito de inteligência económica tem vindo assim a ser definido
simplesmente como “o domínio da informação estratégica para todos os actores
económicos”, e hoje, entre os principais pilares do sistema contam-se [1] a figura do
Alto Representante para a Inteligência Económica, dependente do gabinete do
primeiro-ministro, na pessoa de Alain Juillet, ex-director geral da Suchard e ex-
director do departamento de análise dos serviços informações externas (DGSE), [2]
o Clube de Defesa Económica da Empresa, de que fazem parte empresas como a
Air France, a Alcatel, a Electricité de France ou o BNP-PARIBAS, [3] a Sociedade
Nacional de Inteligência Estratégica/ADIT, que neste momento tem uma rede que
abrange os cinco continentes, [4] o conceito associado de “inteligência territorial”,
que traduz a mobilização das regiões, [5] e o designado Referencial de Formação
em Inteligência Económica (2005), que pretende ser um guia de expansão da
formação neste campo para as empresas francesas, publicado precisamente pelo
referido Alto Representante para a Inteligência Económica.
A ideia fundamental de recorrer à metodologia dos serviços de informações
do Estado para potenciar a competitividade das empresas encontra-se aqui
também presente, embora a diferença marcante relativamente ao modelo
americano seja sem dúvida o empenhamento directo do Estado francês no
movimento. A percepção francesa do ambiente económico internacional no qual
actuam os Estados e as empresas é pois a de que nos encontramos actualmente
numa situação de pós-liberalismo, cuja característica principal é a da oposição
entre liberalismo sonhado ou fantasma e liberalismo real, quer dizer, o comércio
internacional não se processa de acordo com as tão exaltadas leis do mercado mas
sim sob diversos constrangimentos “orquestradros” pelos Estados.
Daí que se defenda em França, a partir do núcleo duro do governo, uma
política pública de inteligência económica em torno do conceito de patriotismo
económico. Na prática, independentemente do discurso político, estamos perante, à
semelhança do caso anglo-americano, de mais outra dinâmica de criação, em
empresas nacionais de projecção internacional, de “serviços de informações”
164
reportando directamente à primeira linha da tomada de decisão, correspondendo o
fenómeno efectivamente a uma tendência global neste sentido.
A observação da situação francesa permite pois vislumbrar que a
competição entre empresas nacionais no cenário internacional está a evoluir para
um nível de conflitualidade de facto próximo da guerra económica. É assim muito
provável que o patriotismo económico, defensivo ou ofensivo, aberto ou coberto
(incluindo a vertente da espionagem), venha a expandir-se. Apontando “fugas de
informação”, a imprensa francesa tem recorrentemente noticiado que o Governo
tem uma lista de indústrias protegidas, consideradas estratégicas, nas áreas da
defesa, telecomunicações, tecnologia espacial, biotecnologia, segurança
informática e, aparentemente estranho, casinos, mas a explicação dada para este
último “sector estratégico” dos casinos é a de que se trata de potenciais locais de
lavagem de dinheiro. Por outro lado, o conceito de guerra económica vai ao ponto
de se prever a defesa robusta de segmentos de mercado dominados pelos
produtos nacionais, com tácticas e técnicas de combate económico, ou então a
conquista de novos segmentos dominados por produtos estrangeiros.

4. - A Internacionalização da Inteligência Competitiva

Este ambiente de crescente competitividade global e correspondente


utilização de inteligência competitiva está patente no estudo aprofundado que a
Global Intelligence Alliance, uma rede global de empresas de competitive
intelligence, levou a cabo há cerca de três anos (final de 2005) sobre a actuação de
287 grandes empresas na Europa, América do Sul e Ásia-Pacífico. Os números são
elucidativos do nível de emprego da inteligência competitiva no mundo dos
negócios: cerca de 90% dessas empresas usam sistematicamente inteligência
competitiva a propósito das suas operações internacionais e 70% possuem um
“serviço de informações” próprio. A percepção mais vincada no estudo é para todos
os efeitos óbvia: melhorou a qualidade da informação e aumentou a capacidade de
previsão de ameaças e oportunidades. Consequentemente, também 70% dessas
empresas planeavam então um crescimento acentuado do investimento em
inteligência competitiva até ao ano de 2010.
A tendência é portanto de as empresas – em particular as de maior
dimensão e projecção internacional - desenvolverem os seus próprios serviços de
165
informações, criando unidades especializadas e integradas na cultura
organizacional, obedecendo a orientações precisas baseadas no interesse
empresarial. O núcleo da tomada de decisão fica assim dotado de uma
compreensão perspicaz do ambiente de negócios, do potencial efectivo e
percepcionado de oportunidades e ameaças. Na prática, são produzidos relatórios
periódicos e especiais de informações sobre o mercado e respectivas mudanças, a
evolução da conjuntura nacional e internacional, os obstáculos das diferenças
culturais locais à internacionalização dos negócios, as principais empresas
concorrentes e, cada vez mais, os perfis dos gestores de topo dessas mesmas
empresas, a construção de cenários e a elaboração de planos de contingência.

5. - A Contra-Inteligência Competitiva

Toda esta dinâmica gera também a ameaça da espionagem económica e as


empresas vão desenvolvendo o conceito associado de contra-inteligência
competitiva. Com efeito, a espionagem económica ou empresarial ou comercial ou
industrial, como é vulgarmente designada, é uma actividade ilegal em franco
crescimento. A pressão da globalização e da competitividade dos tempos que
correm, e a popularização de métodos, tecnologias e inovações, até há poucos
anos circunscritas ao ambiente dos serviços de informações dos Estados, têm
vindo a exacerbar a espionagem entre empresas. Para se ter uma idéia da
dimensão do fenómeno, note-se que as estimativas americanas apontam um custo
para o chamado “global business” na ordem dos 200 mil milhões de dólares por
ano.
Os Estados Unidos são obviamente um local onde a preocupação com a
segurança, que inevitavelmente caminha a par com a desconfiança, está em alta. O
episódio da Hewlett-Packard que levou à demissão da presidente Patricia Dunn, por
ordenar a obtenção de dados confidenciais dos seus próprios gestores, é um
exemplo de derivação da espionagem empresarial que visa alcançar vantagem
sobre os competidores e, sobretudo, um reflexo do clima de desconfiança existente.
Não será exagerado afirmar que, por causa deste caso, muitos gestores da
Hewlett-Packard e de outras grandes empresas terão tentado perceber se estão ou
não sob vigilância.

166
De qualquer modo, este caso demonstra como as empresas estão sensíveis
e receosas de serem objecto de espionagem e roubo de informação classificada.
Na verdade, grande parte dos roubos de “segredos do negócio” são realizados por
funcionários das próprias empresas, os quais, por encomenda ou não, os vendem à
concorrência ou os aproveitam em negócios próprios. Isto frequentemente significa
ter um novo produto sem qualquer custo de investigação ou aceder a informação
privilegiada sobre compras, vendas e fusões de empresas.

O conceito de segurança das empresas abrange pois, hoje, muito mais que
as instalações físicas. Desde logo, a preocupação com a informática é crescente e
porventura aquela que neste momento concentra maior atenção. A internet é a
principal visada, com a acção de hackers e dos chamados vírus, como os troianos e
os spyware que são dispositivos de recolha coberta de dados nos computadores
onde se alojam. Mas é necessário estar também vigilante quanto a outras formas
de espionagem de dados em computadores, como foi o caso relativamente recente
do casal israelita Michael e Ruth Haephrati, com a sua empresa Target Eye Limited,
baseada em Londres. O esquema passava por uma proposta de um negócio
vantajoso de software a gestores de topo, aos quais era oferecido um CD exclusivo
de demonstração que, contornando desta maneira as firewalls, instalava um troiano
muito dificilmente detectável. Ao todo, este casal de espiões empresariais executou
cerca de 100 acções antes de ser preso.

Outras formas de espionagem empresarial são as recolhas de papéis do lixo,


a utilização de funcionários de empresas contratadas de limpeza - que roubam,
fotocopiam ou fotografam documentos (com máquinas ou telemóveis) – ou a pura e
simples colocação clandestina de dispositivos de escuta e/ou vigilância, por
exemplo, por falsos reparadores de ar condicionado ou de instalações eléctricas.
Hoje, é muito fácil ter acesso a este tipo de dispositivos, pois existe um florescente
mercado de consumo nesta área. Tanto é possível comprar escutas como
detectores de escutas, com vários formatos e capacidades, podendo um dispositivo
simples custar 60 ou 70 euros.

A espionagem empresarial não acontece portanto só nos filmes e por vezes


os gestores parecem ter dificuldades em assumirem comportamentos de segurança
por receio de parecerem paranóicos. Mas é um facto que a ameaça existe, está a
crescer e é imprescindível lidar com ela.

167
Neste contexto, é também de assinalar as actividades de espionagem
económica por parte dos serviços de informações dos Estadose correspondentes
ligações a empresas e homens de negócios, em regra classificadas muito secretas.
O recente escândalo de Valerie Plame, a operacional NOC (Non-Official Cover) da
CIA cuja identidade foi veladamente transmitida à imprensa por membros do círculo
do presidente Bush, num complexo processo de contornos políticos a propósito do
Iraque, permitiu também vislumbrar o modus operandi neste campo. Valerie Plame
“passeou” como consultora e alto quadro de gestão, durante cerca de quinze anos,
por grandes empresas sedeadas na Europa. Por outro lado, a tecnologia actual
permite a existência de um sistema de intercepção de emails, faxes e telefonemas
como o do Echellon, o qual, não obstante os inquéritos, continua envolto por um
véu de secretismo que impede que se saiba efectivamente qual o grau de utilização
decorrente de objectivos de espionagem económica. Esta, a acontecer, beneficia o
sistema de cooperação internacional na área das informações que lhe dá corpo, o
chamado CAZAB ou também UKUSA, que é a ligação privilegiada dos serviços de
informações ingleses e americanos desde a 2ª Guerra Mundial, associando num
segundo nível o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia.
Contudo, a promiscuidade entre serviços de informações dos Estados e
empresas é muito problemática, pois é tendencialmente lesiva para estas.
Favorecimentos, intrigas e descrédito dessas empresas no mercado são
consequências inevitáveis.

6. - A Implantação de Unidades de Inteligência Competitiva nas Empresas

Do ponto de vista da projecção internacional, um grande número de gestores


parece não estar ainda sensibilizado para o valor da inteligência competitiva
enquanto instrumento de aquisição de vantagem competitiva e capacidade
prospectiva. Frequentemente procuram informação não sistematizada por
profissionais, que de facto neste domínio são ainda praticamente inexistentes em
muitos países europeus e africanos. Esses gestores procuram geralmente
informação em revistas como o The Economist, compram-na também sobre a forma
mais especializada de “profiles” e outro tipo de estudos a um conjunto de
consultoras, em regra anglo-americanas. Na verdade, estão a comprar informação
produzida em série, “pronta-a-usar” em vez de “feita por medida”, e procuram-na
168
também frequentemente junto de amigos e determinados contactos políticos e de
negócios, com todos os desvios subjectivos que esse pseudo-método encerra.
É por esta série de razões que hoje constitui um desafio urgente,
nomeadamente para África e para um país como Angola, a expansão do conceito
de inteligência competitiva, através da criação de unidades de inteligência
competitiva nas grandes empresas, o que se traduz em custos muito reduzidos.
Para as pequenas e médias empresas estratégicas que não possam suportar esses
custos, a solução estará na criação de plataformas de inteligência competitiva nas
respectivas associações empresariais, e acessíveis segundo determinadas
condições. Nunca é demais repetir que a vantagem da existência de uma unidade
deste género, que poderá ser composta por um mínimo de dois ou três elementos,
é o acréscimo do potencial de competitividade através do controlo e da produção
contínua de conhecimento interno e exclusivo, destinado quotidianamente à
primeira linha da tomada de decisão.
Tanto o conhecimento do que está a acontecer como o conhecimento do que
irá acontecer são portanto elementos vitais da vantagem competitiva estratégica
que qualquer organização ambiciona deter sobre as suas concorrentes. Os factores
que tornam esta realidade possível são a presciência dos decisores, a qualidade
dos analistas, a fiabilidade das fontes e a capacidade de os sistemas informáticos
registarem, integrarem, cruzarem e disponibilizarem informação de um forma
simples e rápida.
Qualquer empresa pode ter acesso a intelligence de duas formas: ou a
adquire externamente ou a produz internamente. A vantagem de uma empresa
deter uma unidade de inteligência competitiva reside na exclusividade das
informações e na dinâmica de acumulação de conhecimento, orientado e
sistemático, que conduz a níveis progressivamente elevados de capacidade
prospectiva.
Os passos para a criação de uma unidade de inteligência competitiva numa
empresa são sistematicamente os seguintes: avaliação das necessidades da
empresa; configuração da unidade de intelligence; elaboração do modelo de gestão
da informação; recrutamento dos analistas de intelligence; programa de formação
especializada dos analistas; e eventualmente programa de coaching.
A partir do momento em que existe uma unidade deste tipo, a primeira tarefa
é a elaboração de um plano de intelligence. Este consiste na definição dos factores
169
a observar na evolução da conjuntura, na identificação dos alvos (instituições,
grupos e pessoas), na selecção das prioridades, na programação dos relatórios e
na listagem das fontes.
A observação da evolução da conjuntura é tanto mais precisa quanto melhor
se fundamentar numa teoria realista e continuamente actualizada das relações
internacionais. Após se identificar factores e tendências do contexto geral, dos
quais devem constar, por exemplo, os recursos energéticos e as posições
geopolíticas dos Estados interessados nos mercados em causa, deve passar-se ao
contexto específico, particularmente à delimitação da cultura política, respectivas
componentes, singularidades e possibilidades de mudança da conjuntura, que
desenham a construção de cenários.
A identificação dos alvos obedece directamente às orientações da primeira
linha da tomada de decisão. Neste aspecto, as pessoas são sempre o factor-chave,
pois são os elementos constituintes dos grupos e instituições. Os núcleos de
decisão são fundamentais quanto à sua composição e formas de actuação, e a sua
caracterização requer a aplicação de matrizes de relacionamento e ligações e
respectivo enquadramento nas organizações.
Decorrendo directamente da identificação dos alvos, a selecção de
prioridades é estabelecida segundo critérios temáticos e problemáticos. A ordem
das prioridades é contudo provisória, sendo periodicamente revista e
eventualmente alterada. A programação dos relató rios (imprescindivelmente sintéticos),
consoante os alvos e as prioridades, integra uma tipologia e calendarização. Os
relatórios são não só periódicos, optando-se por diários, semanais, quinzenais ou
mensais, mas também especiais quando se torna necessário tratar de assuntos
novos ou emergentes ou mais complexos.
Por último e mais importante, o plano de informações estratégicas deve
conter uma listagem das fontes abertas que será constantemente revista,
reformulada e actualizada. Desde logo as fontes podem ser divididas em primárias
e secundárias. As primárias veiculam directamente a informação gerada pelos
núcleos de decisão sob todas as formas possíveis de imaginar, desde as simples
afirmações aos documentos estratégicos, passando pelas notícias, comentários,
entrevistas, análises e artigos. As secundárias emitem de maneira geral toda a
informação produzida a partir das fontes primárias. Ao contrário do que possa
parecer, as fontes primárias não são necessariamente melhores que as
170
secundárias. Existem especialistas, com as suas próprias redes de fontes, que
produzem periodicamente análises que revelam dados ocultados ou reservados ou
pouco claros da informação emitida pelas fontes primárias.

Neste processo, a técnica designada como OSINT assume uma posição


preponderante e a internet é hoje um elemento central neste contexto. OSINT é a
sigla correspondente a open sources intelligence, conceito que se encontra em
expansão no âmbito dos serviços de informações e que globalmente traduz a
aplicação às fontes abertas da metodologia empregue na produção das
informações confidenciais e secretas. O conceito tem vindo a definir-se na medida
em que se desenvolve a chamada sociedade da informação. Há uma década atrás,
a OSINT praticamente não existia e, na perspectiva da todavia já então consagrada
competitive intelligence, o recurso às fontes abertas não constituía uma real opção
para se obter boas informações. Num dos manuais de referência da época, sob o
título “Perfectly Legal Competitor Intelligence”, de Douglas Bernhardt, editado pelo
jornal Finantial Times em 1993, a afirmação é que “o campo das fontes abertas é
infinito, os analistas não têm capacidade nem tempo para as tratar e, por isso, do
ponto de vista da produção de informações o seu valor qualitativo é baixo”.

A situação mudou muito desde essa altura, ao ponto de há relativamente


pouco tempo a própria CIA ter anunciado a criação de um novo departamento
especializado em OSINT sob a designação de Open Source Center. Com efeito, a
OSINT nos últimos anos tem vindo a ser objecto de interesse crescente no
ambiente dos serviços de informações civis e militares e das revistas académicas
da área dos Intelligence Studies. A NATO, por exemplo, tem vindo a criar doutrina
em tôrno do conceito desde os finais de 2001, tendo já definido os conceitos
subsidiários de open source data (OSD) e open source information (OSI), referindo-
se ambos à informação em bruto antes de ser objecto de recolha e tratamento: o
primeiro relativo a elementos como fotografias e imagens de satélite comerciais; o
segundo relativo aos meios de comunicação social, livros e relatórios de todo o
género. A NATO define pois a OSINT como “a informação que foi deliberadamente
descoberta, discriminada, destilada e disseminada por uma audiência seleccionada,
de modo a responder a uma questão específica”.

Esta definição é hoje consensual e, transportada para o campo da gestão,


significa que a OSINT assume uma posição preponderante no tradicional ciclo da

171
produção de informações, directamente dependente da primeira linha da tomada de
decisão. É o que está a acontecer nos Estados Unidos ou na França.
A internet é um elemento central neste contexto, mas parece não existir
ainda sensibilidade ao nível de um grande número de empresas para o seu
potencial enquanto gerador de OSINT e factor de vantagem competitiva. Em muitos
países, nomeadamente em África, as unidades de inteligência competitiva são
inexistentes e geralmente a procura de dados e informações na Internet, no seio
das empresas, fica a cargo dos habilidosos e amadores da “navegação”, os quais
acumulam casuisticamente informação bruta em folhas de papel arquivadas em
dossiês.
Do ponto de vista da OSINT, a navegação não pode ser realizada somente à
vista – tem de ter um “regimento”, isto é, orientação e técnica. Neste momento
assiste-se ao surgimento constante de motores de busca cada vez mais
especializados e eficazes que abrem a possibilidade de se proceder a pesquisas
temáticas abrangendo milhares de publicações de praticamente todos os países do
mundo, com uma actualidade na ordem dos minutos, o que permite inclusivamente
em tempo real ultrapassar a barreira da diferença horária e geográfica mais
dilatada. Outra utilidade da internet é o enorme espectro de sites especializados
que existem pelas mais variadas razões e intenções.
O funcionamento optimizado da unidade de inteligência competitiva numa
empresa obedece assim a uma visão ou revisão prévia clara do planeamento
estratégico, da estrutura organizacional e dos relatórios periódicos da gestão. Isto
permite identificar as principais linhas de acção e as prioridades, e os principais
destinatários das informações, uma vez que estas não devem ficar na totalidade
circunscritas ao topo, mas sim distribuídas internamente de acordo com critérios de
utilidade e operacionalidade. Por outro lado, devem ser identificados os
competidores directos e a lista deve ser reduzida a cinco principais. Se houver
problemas neste aspecto, o melhor ainda é aplicar a velha regra dos 80/20.
Identificar 20% das empresas responsáveis por 80% da concorrência e depois
orientar a unidade de inteligência competitiva nesse sentido.

172
7 – O Futuro: A “Guerra Longa” do Eixo Anglo-Americano

Ora, a Inteligência Competitiva adquire precisamente na actual conjuntura


uma especial importância face à crescente incerteza sobre o futuro. A crise veio
para ficar e estamos em vias de assistir a uma redefinição das regras do jogo da
economia de mercado, cujos parâmetros e consequências são por enquanto
imprevisíveis. Para já, imediatamente, a melhor resposta das empresas às
potenciais ameaças encontra-se sem dúvida no nível das informações/intelligence.
Um núcleo de tomada de decisão bem informado é hoje uma condição sine qua non
de competitividade e sucesso para qualquer empresa, tanto a nível nacional como
internacional. Intelligence, realmente de qualidade e exclusiva, sobre o mercado,
sobre a regulação, sobre a concorrência, sobre os fornecedores, enfim, sobre o
ambiente de negócios marcado actualmente por mudanças em tempo acelerado e
respostas em tempo demorado que serão tanto mais ineficazes quanto mais
demoradas e mal informadas forem.
Um fundamento político-económico da crise, verdadeiramente intangível
quanto à sua extensão e efeito negativo nas economias do eixo anglo-americano, é
a chamada “long war” que os americanos teorizam neste momento e corresponde
às intervenções no Iraque e no Afeganistão que decorrem da “guerra contra o
terrorismo”.
O quadro encontra-se desenhado num documento que o Pentágono divulgou
em Março de 2006: o Quadrennial Defense Review Report. Trata-se de um
documento de cem páginas que define a nova geo-estratégia dos Estados Unidos.
O facto é particularmente relevante, uma vez que que marcou uma mudança
assinalável na percepção das ameaças, na respectiva pirâmide de conceitos e na
formulação de respostas aos problemas. O documento, conforme é logo afirmado
no início, tem como base a experiência entretanto adquirida na designada guerra
global contra o terrorismo, nos últimos cinco anos, e parte da noção de que, neste
curto período de tempo, o mundo mudou muito.
A primeira frase do documento é curta mas carregada de prospectiva: “Os
Estados Unidos são uma nação envolvida naquilo que será uma guerra longa (long
war)”. A percepção é a de que o século XXI corresponde ao começo de uma nova
era caracterizada pela incerteza e pela surpresa, e entre os trinta e cinco exemplos
assinalados, sobre mudança em curso, são reveladores os seguintes: passou-se de
173
um período de paz para um tempo de guerra, de uma ameaça para múltiplas, da
guerra contra nações para a guerra dentro de nações, de respostas reactivas para
acções preventivas, das forças aquarteladas para as forças expedicionárias, dos
combates convencionais para as operações assimétricas, das forças massivas para
os efeitos massivos, da ênfase no material para a ênfase nas informações, da
resposta a crises para a modelação do futuro.
O objectivo do Pentágono é o de que estas linhas sirvam de orientação para
“as próximas décadas”, e por isso a designada guerra global contra o terrorismo
está a ser conceptualmente substituída pela guerra longa ou guerra longa global
(“long global war”). Para o efeito, o ex-presidente Bush propôs um aumento
orçamental de 7% para a defesa, cujo valor total passaria a rondar os 400 mil
milhões de euros, e em particular de mais 20% para as forças de operações
especiais. Estas, até 2010, passarão de 50 mil para 64 mil efectivos de modo a
terem, conforme é afirmado, “a capacidade de operarem simultaneamente em
dúzias de países.”
Neste contexto, e face à continuação de Robert Gates (ex-Director da CIA e
homem de confiança do ex-Presidentes Bush, pai e filho) à frente do Pentágono,
não é pois de prever para já qualquer redução significativa de custos no orçamento
da guerra, embora a esperança projectada pelo Presidente Barack Obama aponte
nesse sentido. Robert Gates afirma precisamente isso num artigo publicado no
último número de Janeiro/Fevereiro de 2009 da revista Foreign Affairs, intitulado
Uma Estratégia Equilibrada, que merece neste momento uma análise atenta para
se vislumbrar a evolução da conjuntura e do ambiente de negócios.
Com efeito, a tendência geral é se não de crescimento pelos menos de
manutenção dos custos com a guerra contra o terrorismo, e note-se que só os
custos com o Iraque já estão no patamar do trilião de dólares. A relação e dimensão
deste esforço financeiro com a actual crise global não tem sido particularmente
assinalada, salvo uma ou outra excepção, como o livro “The Three Trillion Dollar
War” de Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, publicado em Março de 2008,
há já um ano. A sua observação principal é simples: até agora a Guerra do Iraque
custou 50 a 60 vezes mais que a previsão da Administração Bush em 2003, sendo
uma causa central da crise do sub-prime que ameaça a economia global. Esta
causa ficou oculta, traduzindo-se no facto de o banco central americano ter
respondido à massiva drenagem financeira da guerra com a injecção de crédito
174
barato na economia americana, com o objectivo de obter rapidamente retornos
massivos, o que acabou por não acontecer.
Assim, cerca de 35 dólares do aumento de cerca de 80 dólares do preço do
petróleo, desde 2003, serão uma consequência directa da Guerra do Iraque, e
Joseph Stiglitz estima desde logo que mais 500 mil milhões serão gastos nos
próximos dois anos. Face a este cenário, que integra a impossibilidade de uma
retirada massiva dos americanos do Iraque nesse mesmo período de tempo, a
avaliação prospectiva que poderemos aqui traçar da evolução da conjuntura
internacional, com elevada probabilidade, é a seguinte: a crise global está para
durar e, de momento, não é vislumbrável o seu final a curto-médio prazo; a
incerteza será crescente e todo o planeamento estratégico, nomeadamente das
empresas, terá de ser constantemente revisto e reforçado com planos de
contingência.
Em suma, quando decidem investir tempo, dinheiro e recursos humanos
numa unidade de inteligência competitiva, os decisores querem resultados. Querem
saber o que está a acontecer e o que irá acontecer. Mas para que isto se torne
possível é imprescindível que esses decisores interiorizem à partida uma cultura de
intelligence que lhes permita compreender que o tempo e os meios são essenciais
para se atingir um nível de excelência neste domínio e compreender também que
devem estar posicionados no centro da dinamização do processo em interacção
com a direcção da unidade de inteligência competitiva.
A verdade é que no actual processo de globalização económica em curso,
estamos num momento de passagem da Era da Informação para a Era da
Intelligence e no mundo dos negócios os custos da ignorância saem muito mais
caros que os custos do conhecimento.

175
ANEXO

SEMINÁRIO DE INTELLIGENCE
13MAR08-07MAI09

 13 de Março de 2008 - “Intelligence Studies nas Relações Internacionais”


pelo Prof. Doutor Pedro Borges Graça, do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa

 4 de Abril de 2008 - “Tipologias e formas de combate à fraude ao IVA”


pelo Dr. Carlos Tavares, Director dos Serviços de Investigação da Fraude e
de Acções Especiais da Direcção-Geral de Contribuição e Impostos

 9 de Abril de 2008 - “A minha passagem pelas Informações e Segurança”


pelo Coronel Fernando Silva Ramos, Ex-Adjunto do Departamento
Operacional da DINFO / EMGFA

 16 de Abril de 2008 - “Tendências Actuais da Espionagem Económica”


pelo Prof. Doutor António Rebelo de Sousa, do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa

 23 de Abril de 2008 – “A Importância da Actividade Operacional nos


Serviços de Informações” pelo Comandante Pedro Serradas Duarte, Ex-
Director do Departamento Operacional da DINFO / EMGFA

 30 de Abril de 2008 - “Criptologia Quântica: A Criptologia do séc. XXI?”


pelo Prof. Doutor Yasser Omar, do Instituto Superior de Economia e Gestão
da Universidade Técnica de Lisboa

 8 de Maio de 2008 - “As Informações em Portugal no Pós-25 de Abril”


pelo Prof. Doutor Ramiro Ladeiro Monteiro, do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e Ex-Director Geral dos
Serviços de Informações de Segurança

 14 de Maio de 2008 - “As Informações Militares na Luta Contra o


Terrorismo” pelo Coronel José Manuel Bento, Chefe da Repartição de
Planeamento da DIMIL / EMGFA

176
 21 de Maio de 2008 - “As Informações na Guarda Nacional Republicana”
pelo Coronel João Borges, Chefe da Repartição de Informações do
Comando-Geral da GNR

 28 de Maio de 2008 - “A Exploração Operacional da Intel na Marinha” pelo


Capitão-de-Mar-e-Guerra Luís Sousa Pereira, Director do Centro de
Informações Operacionais da Marinha

 5 de Junho de 2008 - “A Informação e as Informações” pelo Major-General


Renato Marques Pinto, Ex-Director dos Serviços de Centralização e de
Coordenação de Informações de Angola e Ex-Chefe da DINFO / EMGFA

 18 de Junho de 2008 - “A Reforma da Segurança Interna” pelo Mestre Rui


Pereira, Ministro da Administração Interna

 22 de Janeiro de 2009, “Segurança da Informação e Contra-Medidas”, pelo


Capitão-de-Fragata Carlos Pereira Simões, da Divisão de Comunicação e
Sistemas de Informação do Estado-Maior General das Forças Armadas.

 11 de Fevereiro de 2009, "A Inteligência Competitiva no Mundo dos


Negócios”, pelo Prof. Doutor Pedro Borges Graça, do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.

 26 de Março de 2009, "As informações no controlo remoto do Mar" pelo


Capitão-de-Fragata Armando Dias Correia, Oficial Adjunto do Sub-Chefe do
Estado-Maior da Armada.

 7 de Maio de 2009, “A Ameaça Terrorista do Hezbollah” pelo Dr. Bruno


Marques, Mestrando em Relações Internacionais no Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.

177
ÍNDICE REMISSIVO

business intelligence................................... 159, 160


A
Abril de 1974 (25 de) ...... 16, 31, 33, 34, 43, 45, 176 C
Açores .................................................................. 81 Cabora Bassa ....................................................... 28
África………….13, 28, 29, 44, 54, 60, 61, 63, 77, Canadá ....................................... 66, 67, 68, 97, 168
78, 79, 102, 146, 153, 169, 172 Cardoso, Pedro............... 13, 16, 17, 23, 31, 36, 131
África do Sul ............................... 28, 29, 62, 79, 154 Carvalho, João Sousa ........................................ 111
Agência Europeia da Segurança Marítima ........... 89 células operacionais……...56, 57, 58, 66, 67, 68,
Al-Qaeda ........................................................ 56, 78 69, 71, 72,74, 77
ameaça (s) ……..7, 8, 11, 12, 15, 18, 20, 43, 47, 48, Central Intelligence Agency (CIA) ……….5, 6, 9, 10,
49, 51, 56, 61, 68, 76, 77, 83, 87, 88, 114, 119, 14, 21, 24, 168, 171, 174
120, 159, 163, 165, 166, 167, 173, 174 ciberterrorismo, ..................................................... 12
Angola……………..4, 17, 25, 26, 27, 44, 45, 46, 53, CleanSeaNet ........................................................ 89
62, 96, 151, 152, 154, 169, 177 comércio ilegal de diamantes ......................... 62, 63
apoio externo ........................................................ 71 comércio internacional ........................................ 154
áreas urbanas ............................................. 117, 119 comércio marítimo ................................................ 86
armamento...................................................... 24, 59 competitive intelligence…………159, 160, 162, 163,
armas………………….20, 25, 59, 64, 69, 72, 75, 76, 165, 171
87, 109, 119, 121 Congo ................................................................... 62
Armitage, Richard ................................................. 56 contrabando .................................. 63, 64, 67, 75, 89
ataques terroristas .............................. 59, 68, 70, 77 contrafacção ............................................. 64, 72, 75
atentados suicidas ................................................ 70 contra-inteligência competitiva ........................... 166
Austrália .................................................. 68, 79, 168 Correia, Armando José Dias ............................. 3, 81
Automatic identification System (AIS)………..82, 90, correio humano ..................................................... 62
91, 93, 94, 98, 100, 104, 105, 106, 107, 108, 109 Costa do Marfim ............................................. 61, 62
Autoridade Palestiniana ........................................ 60 crime organizado .... 64, 65, 74, 76, 77, 88, 117, 119
criminalidade .................................... 3, 12, 118, 132
B criminalidade organizada ...................... 40, 117, 152
Cristina, Orlando ....................................... 28, 29, 30
bairros problemáticos…………………111, 112, 117,
Cuba ..................................................................... 46
118, 120, 127, 128, 129, 130, 131
Balsemão, Francisco Pinto ................................... 34
Barroso, Durão ............................................... 40, 41 D
Baseline for Rapide Interative Transformational defesa ............................. 4, 11, 12, 17, 19, 131, 132
Experimentation (BRITE) ...................... 99, 100, 101 democracia ................................. 33, 35, 39, 55, 143
Bélgica ................................................ 40, 63, 70, 92 Dhlakama, Afonso .......................................... 28, 29
Berkowitz, Bruce ................................................... 10 diáspora muçulmana ............................................ 60
Bloco Central .................................................. 33, 36 diplomacia ................................................ 18, 19, 53
bombistas ........................................... 26, 48, 49, 68 Divisão de Informações (DINFO) …………4, 31, 34,
Brasil....................................................... 17, 63, 162 35, 37, 38, 42, 43, 48, 49, 52, 176, 177
Bush, George W. ........................... 18, 74, 168, 174 droga ............................ 26, 63, 64, 65, 67, 119, 152

178
Duarte, Pedro Serradas ........................ 3, 4, 43, 176 Guarda Nacional Republicana (GNR) …..23, 26, 32,
95, 97, 177

E Gomes, Costa ....................................................... 22


Graça, pedro Borges .............. 4, 7, 8, 159, 176, 177
Eanes, Ramalho ................................................... 31
grupos terroristas…….26, 33, 56, 61, 63, 64, 65, 68,
economic intelligence ......................................... 160
71, 73, 75, 76
Electronics Intelligence (ELINT)............................ 47
Guerra Civil Libanesa ........................................... 70
espaços marítimos.......................................... 83, 86
Guerra Colonial............................................... 17, 43
Espanha ................. 18, 27, 40, 70, 92, 96, 101, 102
Guerra Fria ......................................... 6, 18, 40, 138
espionagem……….13, 26, 43, 47, 50, 51, 114, 149,
Guerra Mundial (1ª) ................................................ 5
157, 158, 162, 165, 166, 167
Guerra Mundial (2ª) ............ 5, 8, 9, 56, 82, 160, 168
espionagem económica .............. 149, 162, 166, 168
Guiné .................................................................... 43
espionagem empresarial ............................ 166, 167
Guterres, António ........................................... 39, 40
Estado-Maior General das Forças Armadas… .... 22,
24, 25, 31, 37, 43, 45, 176, 177
Estado Novo ......................................................... 31
H
Estados falhados ...................................... 76, 77, 87
Hamas ............................................................ 64, 78
Estados Unidos da América (EUA)……..5, 8, 9, 10,
Herman, Michael............................................. 10, 19
14, 15, 18, 19, 20, 21, 29, 32, 39, 66, 82, 85, 88,
Hezbollah…………56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63,
101, 137, 138, 147, 152, 160, 161, 162, 163, 166,
64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77,
172, 173
78, 79, 80, 177
Estratégia ................... 2, 3, 6, 7, 9, 11, 76, 155, 160
Holanda .................................................... 40, 71, 94
Europa…………9, 13, 53, 57, 61, 65, 70, 84, 85, 94,
homeland security............................................. 9, 11
107, 109, 142, 153, 165, 168
human Intelligence (HUMINT) .......... 21, 47, 54, 128
Exército Revolucionário Arménio .......................... 33
exportação ................................................ 58, 61, 85
I
F importação ...................................................... 61, 63
informações criminais ................................. 115, 116
Federal Bureu of Investigation (FBI) ..................... 66
informações de segurança ............................. 16, 40
Fernandes, Evo ........................................ 28, 29, 30
informações estratégicas .................... 16, 17, 18, 40
financiamento…….57, 58, 60, 62, 64, 65, 66, 67,
informações estratégicas………2, 4, 6, 7, 16, 17,
71, 72, 74, 75, 77, 135, 137, 146
34, 35, 38, 40, 41, 53, 111, 131
Forças Armadas………4, 22, 23, 31, 35, 37, 38, 40,
informações policiais .......................... 115, 116, 130
42, 72, 82, 177
insegurança .. 8, 9, 12, 111, 113, 117, 120, 121, 128
Forças Populares 25 de Abril.................... 32, 33, 49
instituições de caridade ...................... 62, 66, 75, 77
França .......... 29, 54, 70, 71, 96, 101, 163, 164, 172
Instituto de Defesa Nacional ................................. 11
Frelimo ............................................................ 29, 30
inteligência .................................... 5, 16, 17, 52, 159
inteligência competitiva ……159, 160, 162, 163,
G
165, 168, 169, 172, 173, 175, 177
Geospatial Intelligence (GEOINT) ........................ 20 inteligência económica ....................... 159, 163, 164
globalização………………5, 18, 117, 135, 151, 160, intelligence……..2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15,
161, 163, 166, 175 16, 18, 19, 60, 61, 66, 69, 73, 79, 116, 123, 124,
Global Maritime Distress and safety Sustem 126, 127, 128, 129, 132, 149, 150, 151, 152, 155,
(GMDSS) .......................................... 95, 103, 104 156, 157, 160, 161, 169, 173, 176

179
intelligence community ....................... 10, 14, 15, 21
N
intelligence studies5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 17, 19, 20,
160, 162, 171, 176 national security ............................................ 8, 9, 10

intelligence-led policing …………111,122, 124, 126, NATO .......32, 47, 82, 91, 98, 99, 100, 105, 109, 171
127, 128, 129 Novembro de 1974 (25 de) ....................... 25, 43, 45
interesse nacional ........................................... 5, 152
investigação criminal .................................. 113, 114
IRA........................................................................ 50 O
Irão ................................... 57, 58, 59, 60, 72, 73, 77
operacionais ............................................. 3, 73, 177
ISCSP ................................... 2, 3, 4, 6, 7, 11, 12, 17
oportunidades ................. 86, 87, 118, 159, 165, 166
Israel ................... 48, 56, 57, 58, 59, 70, 78, 79, 101
ordem pública ............................................. 113, 114
Itália .................................. 40, 70, 92, 101, 102, 162
Organização para a Libertação da Palestina ........ 33
Organização Terrorista de Abu Nidal.................... 33
K
Open Sources Intelligence (OSINT) ..... 13, 171, 172
Kent, Sherman .......................................... 5, 6, 9, 14
KGB .............................................. 18, 23, 45, 51, 52 P

Pacto de Varsóvia................................................. 51
L
PAIGC .................................................................. 25
lavagem de capitais ............................ 63, 64, 65, 67 PALOP .................................................... 27, 53, 154
Líbano ......................... 57, 58, 59, 65, 67, 68, 69, 70 Pereira, Eduardo....................................... 33, 34, 35
Líbia ...................................................................... 33
petróleo............................................. 85, 86, 98, 175
Long range identification & Tracking (LRIT)…. .... 82,
PIDE ................................................... 22, 43, 44, 45
98, 104, 105, 108
Pinto, Mota ........................................................... 34
Pinto, Renato marques ............... 16, 25, 26, 31, 177
M
Polícia Judiciária (PJ) ......................... 32, 33, 48, 49
Madeira ................................................................. 81 política externa ........................... 5, 18, 19, 141, 147
Magrebe ....................................................... 27, 154 Portugal…………6, 7, 11, 12, 15, 16, 17, 21, 27, 28,
Marinha…………3, 4, 82, 90, 91, 95, 96, 98, 99, 29, 33, 39, 41, 44, 45, 46, 50, 52, 53, 54, 81, 82,
101, 102, 177 83, 92, 94, 95, 96, 101, 102, 109, 110, 130, 131,
Maritime Command and Control Information System 145, 146, 152, 154, 155, 176
(MCCIS) .................................................... 99, 100 PREC.................................................................... 45
Maritime Domain Awareness (MDA)....... 82, 91, 110 Presidência da República ............................... 22, 31
Maritime Mobile Service Identity (MMSI)…… ...... 91, produção de informações………….5, 13, 15, 35, 38,
103, 105 45, 116, 125, 171
Marques, Bruno Almeida……….2, 3, 16, 25, 26, 31, propaganda .................................................... 59, 72
56, 134, 177
Partido Socialista (PS) .................................... 33, 40
Médio Oriente ..................... 5, 59, 63, 64, 65, 66, 67
Partido Social Democrata (PSD) .......................... 33
Melo, Eurico .......................................................... 36
Polícia de Segurança Pública (PSP) 23, 26, 32, 131
military intelligence ................................................. 5
Moçambique ........................... 27, 28, 29, 44, 46, 53
Q
Monteiro, Ramiro Ladeiro ......................... 4, 31, 176
Muro de Berlim ........................................... 6, 10, 56 Quénia .................................................................. 29

180
Setembro de 2001 (11 de) …..6, 9, 15, 18, 20, 21,
R
26, 39, 40, 56, 82, 88
Ramos, Fernando Silva ............................ 3, 22, 176 shiita ................................. 57, 58, 60, 61, 62, 63, 69
recrutamento................. 48, 60, 65, 72, 76, 119, 169 Signals Intelligence (SIGINT) ......................... 20, 47
rede transnacional .......................................... 56, 58 Silva, Aníbal Cavaco............................................. 36
Reino Unido .. 7, 10, 19, 20, 70, 71, 90, 92, 101, 122 Síria .............................................. 58, 59, 65, 72, 77
relações internacionais……2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, Sistema de Apoio à Decisão na Actividade de
16, 17, 18, 19, 20, 21, 49, 81, 145, 146, 155, 170, Patrulha (SADAP) ....................................... 95, 96
176, 177 Sistema de Fiscalização e Controlo das Actividades
RENAMO .................................................. 28, 29, 30 da Pesca (SIFICAP) ................................... 95, 96
Resistência Nacional Moçambicana ..................... 28 Sistema de Segurança Interna (SSI) .......... 112, 115
Revolução Islâmica............................................... 58 Sistema de Vigilância Sonora (SOSUS) ............... 89
Rice, Condoleezza ............................................... 76 Sistema de Vigilância de Tráfego marítimo (VTS)82,
Rodrigues, Joaquim Chito .................................... 37 94, 95, 97, 98, 105, 108
Rússia ................................................. 18, 70, 85, 89 sistema hawala ..................................................... 74
sistema de informações……35, 36, 37, 39, 40, 149,
S 156
Sistema de Informações da República Portuguesa
Secret Intelligence Service ..................................... 5
(SIRP) ............. 12, 16, 17, 35, 37, 38, 40, 41, 114
Security Service .............................................. 5, 108
Sistema Integrado de Vigilância, Comando e
security studies ....................................... 5, 9, 10, 20
Controlo (SIVICC) ............................... 95, 97, 105
segurança externa ...................................... 7, 15, 40
Sistema de Monitorização Contínua da Actividade
segurança interna ......... 7, 15, 35, 36, 112, 120, 130
da Pesca (MONICAP) ........................... 82, 95, 96
segurança marítima ........................................ 82, 83
Sistema SafeSeaNet ............................................ 89
Segurança Nacional ....................................... 7, 131
Sistema Virtual-Regional maritime Traffic Center (V-
Seminário de Intelligence ................................... 2, 7
RMTC) .................................................... 101, 102
Senegal .................................................... 61, 62, 92
Soares, Mário ................................................. 33, 34
Serôdio, António Gonçalves ................................. 34
Sócrates, José ...................................................... 40
Serra Leoa ...................................................... 62, 63
Solana, Javier ....................................................... 76
serviço de informações……..18, 31, 37, 38, 39, 42,
Sousa, António Rebelo de .......................... 149, 176
43, 44, 45, 47, 49, 62
Spínola, António ................................................... 22
Serviço de Informações Estratégicas de Defesa
subversão ....................................... 26, 47, 114, 157
(SIED) ..................... 16, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 41
Sudeste Asiático ................................................... 68
Serviço de Informações de Segurança (SIS)... …16,
Suíça .............................................................. 40, 70
35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 120
Serviço de Informações Estratégicos de Defesa e
Militares (SIEDM) .................................. 16, 38, 39
T
Serviço de Informações Estratégicas e de
Segurança (SIES) ............................................. 40 tecnologia ................... 82, 85, 87, 98, 103, 165, 168
Serviço de Informações Militares (DIMIL) …… .... 38, Teoria de Relatividade Económica ..................... 153
40, 41, 42, 176 terrorismo……26, 32, 33, 34, 40, 43, 47, 49, 51, 56,
Serviço de Informações Militares (SIM)……… .... 34, 57, 60, 64, 65, 73, 74, 76, 88, 97, 106, 114, 152,
35, 37, 38, 41 173, 174
Serviço de Informações Militares e Estratégicas de terrorista…..20, 32, 33, 40, 51, 56, 59, 71, 73, 76,
Defesa (SIMED) .......................................... 37, 38 77, 109

181
think tanks …………15, 134, 135, 138, 140, 141, União Europeia………..41, 81, 82, 83, 84, 85, 86,
142, 143, 145, 146 88, 89, 96, 104, 108, 132, 142, 153
tráfico de drogas ....................................... 64, 65, 75 União Soviética ............................................... 51, 56
treino terrorista.................. 23, 28, 48, 59, 60, 72, 76 Union Transport Africaines ................................... 62
Três Diamantes do Bem-Estar............................ 153 UNITA ............................................................. 28, 53
tríplice fronteira ......................................... 63, 71, 77

Z
Zona Económica Exclusiva (ZEE) .................. 81, 94

U
Uganda ................................................................. 60

182

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