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FREI LUÍS DE SOUSA

de
ALMEIDA GARRETT
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ABORDAGEM GERAL

PORTUGUÊS – 11º ANO 02-12-23


O ENREDO
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 O primeiro marido de D. Madalena de Vilhena tinha partido para a guerra de


Alcácer Quibir (1578) e tinha desaparecido há sete anos, quando ela decide casar
de novo, com D. Manuel de Sousa Coutinho.

 Deste casamento, nasce D. Maria, que se transforma numa jovem pura, curiosa e
impetuosa.

 Com o casal e a filha vive Telmo, um fiel amigo e escudeiro de D. João de Portugal,
primeiro marido de D. Madalena, que após o seu desaparecimento ficara a servir a
sua suposta viúva e a sua família.

 Apesar de viver feliz e amar verdadeiramente D. Manuel Coutinho, D. Madalena,


uma mulher supersticiosa, sente-se constantemente atormentada com a
possibilidade do regresso do seu primeiro marido, cujo corpo nunca fora
encontrado.

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 Impera o mito do sebastianismo, que é sustentado pela dúvida e pelo temor do
retorno de D. João, avivado por personagens como Telmo Pais e Maria.

 D. João de Portugal que, apesar de se pensar que teria sido morto na batalha
de Alcácer Quibir, está vivo e regressa a Portugal tornando ilegítimo o
casamento de D. Manuel.

 Este facto valoriza o amor, mesmo contra os ideais sociais da época.

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A OBRA… 4

 O contexto histórico em que se baseia a peça Frei Luís de Sousa, de Almeida


Garrett, fornece o teor de verosimilhança que rodeia a obra, permitindo que o
autor se aproprie do período em questão e utilize as personagens verdadeiras da
História de Portugal para montar a sua ficção.

 Retomando à tradição clássica literária que mostrava, através do poder da classe


social dominante, a função do teatro garrettiano, volta-se para os preceitos de
docere e delectare, ou seja, a fusão do ensinamento e do deleite, da instrução
moral e do divertimento, do pão e do circo.

 Frei Luís de Sousa é rodeado de elementos da tragédia clássica e volta-se


para a teoria aristotélica, no intuito de atribuir aos atos um tom de impacto, da
mesma forma em que o sofrimento humano é altamente explorado (Pathos). As
ações são desarmadas em peripécias, o oculto vem à cena no sentido de
reconhecimento e a ideia de mutação da fortuna acontece na ambivalência de
sentimentos, nas contradições de espírito que se confrontam em nós dramáticos
até, por fim, desaguar no clímax.

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 Embora ainda se mantivesse no período em que a imitação era valorizada, a


rutura do autor português estava na união dos elementos da tragédia já
conhecida com os novos ideais estéticos que culminaram no início do
romantismo português.

 A influência de Byron e Scott trouxe a Garrett


“a ideia de que a literatura culta
não deve perder o contacto com a poesia popular e com as formas populares
de expressão”.

 Segundo, ainda, o próprio autor, no texto que antecede Frei Luís de Sousa,
intitulado Memorial do Conservatório, “Coligir os factos do homem (...), revesti-
los das formas mais populares e derramar assim pelas nações um ensino fácil,
uma instrução intelectual e moral que, sem aparato de sermão ou preleção,
surpreenda os ânimos e os corações da multidão no meio dos seus próprios
passatempos, missão do literato, do poeta”.

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 Inserida num momento em que Portugal estava sob domínio


espanhol e sofria dos conflitos entre este país com a Inglaterra,
Frei Luís de Sousa tece o sentimento patriota através das suas
personagens, principalmente através da figura de D. Manuel, cujo
ato de incendiar a sua casa para evitar a invasão estrangeira, é
um expoente maior que simboliza a luta por uma consciência de
liberdade e amor à pátria.

 O que mais imprime uma caracterização dramática à obra talvez


seja o vestígio trágico que o autor deixa ao longo da peça. A
técnica de expressão que recorre ao fatalismo europeu, faz com
que os rastos do sebastianismo e a menção a Camões induzam
o pensamento para a profecia do clímax absoluto.

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Sob a ementa dos desígnios


ultrarromânticos, mas fugindo ao
melodramático, a peça de Garrett
apresenta a morte - “última expressão
dramática” - como única combatente dos
problemas existenciais e da contradição
humanos.

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Tragédia Clássica vs Drama
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Romântico
 A tragédia é uma forma dramática ou peça de teatro, em geral solene,
cujo fim é excitar o terror ou a piedade, baseada no percurso e no
destino do protagonista ou herói, que termina, quase sempre,
envolvido num acontecimento funesto. Nela se expressa o conflito
entre a vontade humana e os desígnios inelutáveis do destino, nela se
geram paixões contraditórias entre o indivíduo e o coletivo ou o
transcendente.
 Em sentido lato, pode abranger qualquer obra ou situação marcada
por acontecimentos trágicos, ou seja, em que se verifique algo de
terrível e que inspire comoção.
 A palavra tragédia vem do grego trágos + odé, que significa canto dos
bodes ou canto para o bode. Crê-se que resultou dos atores se
vestirem com pele de cabra ou de, primitivamente, na Grécia, nas
festas em louvor a Dionísio (o deus grego do vinho e da alegria, tal
como Baco entre os Romanos), se sacrificar um bode (tragos) ao som
de canções (odé) executadas por um corifeu (elemento destacado do
coro, que pode cantar sozinho) acompanhado por um coro.

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Elementos característicos da tragédia
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 Hybris: desafio do protagonista aos deuses, às autoridades ou ao


destino;

 Pathos: sofrimento intenso como consequência do desafio e


capaz de despertar a compaixão do espetador);

 Agnórise ou anagnórise: reconhecimento de um facto inesperado,


que desencadeia o clímax (crescendo trágico até à peripécia, ou
seja, à mudança repentina de estado nas personagens, muitas
vezes como resultado da agnórise);

 Katastrophe ou catástase (desfecho trágico);

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 Cathársis (reflexão purificadora, purgação das emoções dos


espectadores);

 Némesis (vingança dos deuses, ou do destino, perante o desafio


arrogante do homem);

 Ananké (necessidade como fatalidade);

 Phóbos (sentimento de terror, de medo);

 Ágon (conflito) – a alma da tragédia que decorre da hybris


desencadeada pelo(o) protagonista(s) contra o status quo.

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 Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, apesar de ser um drama


romântico, pode aproximar-se da tragédia clássica na medida em
que é possível encontrar quase todos os elementos da tragédia,
embora nem sempre obedeça à sua estruturação objetiva; assim,
é uma obra híbrida.

 Tal como foi teorizada e cultivada pela Antiguidade greco-latina e


pela literatura clássica, a tragédia, tem um conjunto de
convenções rígidas de género:
 com a intervenção de personagens heroicas em conflito com
deuses vingadores;
 subordinadas a um fatum inelutável.

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Drama Romântico 12

 Modalidade do drama, que, como tal, privilegia a dinâmica do


conflito, o drama romântico veicula conflitos emocionais, muitas
vezes em situação do quotidiano.

 No romantismo, em geral, despreocupado com uma expressão


realista do mundo, opunha num conflito o herói e o vilão, embora
a temática se tecesse sempre em volta de acontecimentos de
cariz sentimental e amoroso.

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Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragédia clássica, constrói um
drama romântico, definido:
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 pela valorização dos sentimentos humanos das personagens;

 pela tentativa de racionalmente negar a crença no destino, mas


psicologicamente deixar-se afetar por pressentimentos e acreditar no
sebastianismo;

 pelo uso da prosa em substituição do verso e pela utilização de uma


linguagem mais próxima da realidade vivida pelas personagens
(diferente do tom solene da tragédia clássica);

 sem preocupações excessivas com algumas regras, como a presença


do coro ou a obediência perfeita à lei das três unidades (ação, tempo e
espaço).

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 pelo nacionalismo, patriotismo, a crença em agoiros e superstições, o


amor pela liberdade (elementos românticos);

 pelos indícios de uma catástrofe, o sofrimento crescente, o reduzido


número de personagens, peripécias, o coro (Telmo Pais e Frei Jorge);

 pelo amor à Pátria (o patriotismo e o nacionalismo de Manuel de Sousa


Coutinho; o idealismo patriótico de Maria);

 pelo amor à Liberdade (quase uma nova religião);

 pela religiosidade, as crenças, os agouros, as superstições, as visões;

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 pela apologia do individualismo (o conflito entre a sociedade e o indivíduo, entre o código
moral e o desejo de ser feliz), a morte como solução para os problemas;

 pelo fatalismo (o destino comanda a vida das personagens) e a evidente intenção


pedagógica (a problemática dos filhos ilegítimos, a denúncia da falta de patriotismo de
alguns).

 Para além destes aspectos, há ainda ao longo da intriga dramática uma atmosfera
psicológica do sebastianismo com a crença no regresso do monarca desaparecido e a
crença no regresso da liberdade.

 Telmo Pais é quem melhor alimenta estas crenças, mas Maria mostra-se a sua melhor
seguidora.

 Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente desenvolvida em


redor de D. Madalena.

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PERSONAGENS
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 O drama apresenta personagens comuns, burgueses, diferentemente do que


acontecia no teatro clássico e, sendo considerado drama, apresenta uma
contradição no sentido de não só chamar Frei Luís de tragédia, embora seja
nítida a gradação que acontece na passagem do dia para a noite e a
impactante cena final.

 A obra pauta-se no conflito interior de cada personagem e o desnudamento


acontece na medida em que cada nuance é revelada a cada personagem. O
que mais Madalena temia é-lhe revelado no fim do segundo ato: “Meu Deus,
meu Deus! Que se não abre a terra debaixo dos meus pés?”.

 Da mesma forma, a crença de Telmo no suposto retorno de seu amo é


colocada à prova quando este se apresenta como tal. O fiel servidor, contrário
ao segundo casamento de Madalena e temente ao retorno de D. João, agora,
apresenta-se aturdido pelo facto consumado, que contrasta com o amor que
agora sente pelo fruto de Madalena e D. Manuel.

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Manuel de Sousa Coutinho
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 Nobre, cavaleiro da Ordem de Malta;

 No ato I, assume uma atitude condizente com um espírito clássico, deixando transparecer uma
serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão que domina os sentimentos e que se manifesta
num discurso expositivo e numa linguagem cuidada e erudita;

 Revela-se patriota, corajoso e decidido;

 Não sente ciúmes pelo passado de Madalena;

 No ato III, evidencia uma postura acentuadamente romântica: a dor, após a chegada do Romeiro,
parece ofuscar-lhe a razão, tal é a forma como exterioriza os seus sentimentos, fazendo-o de
uma forma um tanto violenta, descontrolada e, por vezes, até contraditória (a razão leva-o a
desejar a morte da filha e o amor impele-o a contrariar a razão e a suplicar desesperadamente
pela sua vida);

 Pode-se, pois, concluir que esta personagem, do ponto de vista psicológico, evolui de uma
personalidade de tipo clássico (atos I e II) para uma personalidade de tipo romântico (ato III).

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D. Madalena de Vilhena
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 Personagem nitidamente romântica, ensombrada pela noção de pecado, religiosismo, superstições e


agouros.
 Uma mulher bem nascida, da família e sangue dos Vilhenas; os sentimentos dominam-lhe a razão:

 O sentimento do amor à Pátria é praticamente inexistente: considera a atitude dos governadores


espanhóis como uma ofensa pessoal;
 Para ela, é inaceitável que o sentimento do amor de Deus possa conduzir ao sacrifício do amor
humano, não compreendendo, nem aceitando a atitude da condessa de Vimioso que abandonou o
casamento para tomar votos: isto explica que, até ao limite, tente dissuadir o marido da tomada do
hábito, só se resignando quando tem a certeza de que ele já foi;
 Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor de mulher, ao contrário do
que acontece com Manuel de Sousa Coutinho, que se mostra muito mais preocupado com a filha do
que com a mulher;
 A consciência da sua condição social mantém a sua dignidade, mas tal não impediu de ter amado
Manuel de Sousa ainda em vida de D. João de Portugal e de ter casado com aquele sem a prova
material da morte deste.

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Maria
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 Personagem romântica, repleta de ingenuidade, pureza, meiguice e o abandono


próprios duma alma infantil, bem como a inteligência, a experiência, a cultura e a
intuição, características de um espírito adulto que confluem numa personagem
pouco real.

 Protótipo da mulher-anjo, tão do agrado dos românticos, Maria é demasiado


angélica para ser verdadeira;

 Sonhadora, corajosa e sibila, encontra no Sebastianismo uma forma de se rebelar


contra a opressão política e social;

 Pura e frágil é vítima de peripécias do destino que não pode dominar.

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Telmo Pais 20

 O terceiro elemento que Garrett recebeu do teatro clássico: o conflito psicológico suscitado pelos
dilemas perante os quais são colocadas as personagens.

 Telmo Pais tem de escolher entre Maria, que ele criou, e D. João, que ele também criou e a quem
deve, além disso, fidelidade de escudeiro.

 Telmo Pais, amo e criado de D. João de Portugal, era o seu maior amigo, e nenhuma criatura sofreu
tanto como ele o seu desaparecimento; opôs-se quanto pôde a que a sua viúva casasse segunda
vez e não lhe pôde perdoar a infidelidade para com o amo, cuja morte se recusou sempre a aceitar.
O resto dos seus dias é consagrado ao culto do desaparecido, a quem levanta no seu coração um
altar. E lentamente os dias vão passando, a imagem de D. João vai-se-lhe entranhando na alma,
tornando-se com o tempo talvez mais rígida, mais nítida, mais adorada. O tempo só fazia aumentar a
adoração. Mas deste casamento abominado nascera uma criança. Quis o destino que Telmo
também fosse o amo dela, e o seu coração cresceu com este novo amor. Mas pode Telmo continuar
a não acreditar na morte de seu amo? Porque se ele é vivo e voltar, que será feito da sua menina?
Órfã e desgraçada é o que ela será, segundo a moral da época. Durante muito tempo Telmo não
chega a ter consciência clara desta contradição.

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 No momento culminante, Telmo descobre que no fundo da alma


desejava que D. João tivesse continuado morto. O seu
reaparecimento transtorna-lhe a sua verdadeira vida. E Garrett
leva o drama desta personagem às suas consequências últimas,
porque é ele - a mandado de D. João, é verdade, mas com uma
satisfação secreta e cheia de remorsos -, é ele quem vai à última
hora espalhar que o Romeiro é um impostor. É ele, afinal, e isto é
que é terrível, quem vai matar definitivamente seu amo. Ele, o
único que lhe não tinha acreditado na morte e que fizera votos pelo
seu regresso, o único que pode testemunhar a sua vida.

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D. João de Portugal
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 Casado com D. Madalena, mas desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir, revela-se como:

 uma existência abstrata (uma espécie de fantasma omnipresente) até à cena XII do ato II
inclusive, permanecendo em cena através dos receios evocativos de Madalena, da crença de
Telmo em relação ao seu regresso e do sebastianismo de Maria (se D. Sebastião pode regressar,
o mesmo pode acontecer em relação a D. João de Portugal);

 uma existência concreta a partir da cena XIII do ato II:

 regressa a Portugal ao fim de 21 anos, depois de ter passado 20 em cativeiro, surgindo na figura
do Romeiro (mesmo assim, a sua identidade só é revelada no final do ato II);

 procura interferir voluntariamente na ação dramática, tentando impedir, com a cumplicidade de


Telmo, a entrada na vida religiosa de Madalena e de Manuel de Sousa;

 acaba por assistir à morte de Maria e à tomada de hábito dos ex-cônjuges.

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FREI JORGE COUTINHO
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 Irmão de Manuel de Sousa;

 Prima pela serenidade e consolo cristão;

 Assume a fé como aceitação de todas as coisas;

 Desempenha papel de confidente, o que o aproxima, tal como a Telmo


Pais, da função do coro da tragédia clássica.

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FIM
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