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DIREITO CIVIL: TEORIA

GERAL DO DIREITO
PRIVADO
Prof. Dr. Caio Morau
DIREITOS DA PERSONALIDADE
1) Breve introdução
• Categoria jurídica fundamental do sistema
• Direitos subjetivos reconhecidos aos titulares de
personalidade (pessoas humanas nascidas com vida), para que
possam desenvolvê-la plenamente
• Objeto: atributos físicos, psíquicos e morais das pessoas em si
e em suas projeções sociais
• Os direitos da personalidade são regulados de modo não
exaustivo pelo Código Civil e são expressões da cláusula geral
de tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF)
• Dignidade da pessoa humana
- integridade física e psíquica (ex: direito a alimentos)
- liberdade e igualdade (ex: uniões homoafetivas)
- mínimo existencial (ex: bem de família)
DIREITOS DA PERSONALIDADE
2) Características dos direitos da personalidade
• Oponibilidade erga omnes: o titular pode exercê-los frente a
qualquer pessoa. Dever geral de abstenção face ao titular (ex:
o direito à vida de determinada pessoa impõe o dever dos
demais de se absterem de atentar contra a sua vida)
• Intransmissibilidade: sendo direitos da pessoa sobre si mesma,
não podem ser transmitidos a terceiros. Impossibilidade de
alienação a qualquer título. Entretanto, admite-se eventual
proveito econômico (ex: cessão de direitos de uso de imagem)
• Imprescritibilidade: a pretensão relativa à sua proteção pode
ser exercida independentemente do decurso do tempo (para
impedir a ocorrência de lesão ou fazer com que cesse).
Contudo, os efeitos patrimoniais se sujeitam à prescrição (ex:
reparação civil pelos danos é de 3 anos a partir da data do
dano – art. 206, § 3°, V, CC)
DIREITOS DA PERSONALIDADE
• Extrapatrimonialidade: destaque à natureza existencial e
necessária ao indivíduo, sem predominância de aspectos
patrimoniais. Insuscetíveis de avaliação econômica e fora do
comércio jurídico. Quando há reparação econômica, esta
acontece porque é impossível restituir o bem jurídico violado
(natureza pessoal e intangível)
• Vitaliciedade: a pessoa é titular dos direitos da personalidade
durante toda a sua vida. Podem se estender para antes
mesmo do nascimento (representação pelos pais) e até depois
da morte (representação por parentes até o quarto grau)
• Indisponibilidade: o titular não pode renunciar ou abrir mão
em favor de terceiro. Também não podem servir para
responder por dívidas do titular (impenhoráveis)
DIREITOS DA PERSONALIDADE
3) Classificação dos direitos de personalidade
A) Direitos de integridade física
I) Direito à vida: direito básico do indivíduo, pressuposto da
existência da pessoa e do exercício dos demais direitos;
II) Direito à integridade do corpo: proteção contra qualquer
espécie de lesão física em relação ao corpo. Art. 13, CC: “Salvo por
exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando
importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os
bons costumes”
B) Direitos de integridade moral
I) Direito à identidade e ao nome: Art. 16. Toda pessoa tem
direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Art. 17.
O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações
ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando
não haja intenção difamatória. Art. 18. Sem autorização, não se pode
usar o nome alheio em propaganda comercial. Art. 19. O pseudônimo
adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
DIREITOS DA PERSONALIDADE
II) Direito à honra: estima da pessoa por si mesma, a
partir dos seus atributos pessoais e de sua projeção à comunidade
Honra subjetiva: juízo singular que cada um faz de si
mesmo (autoestima)
Honra objetiva: visão externa, da sociedade, sobre as
qualidades de determinado indivíduo
III) Direito à imagem
Concepção ampla: projeção social do indivíduo para a
comunidade, no sentido de uma imagem social. Confunde-se com
a honra.
Concepção estrita: atributos físicos que tornam
reconhecível o indivíduo
É protegido independentemente da repercussão sobre
qualquer outro atributo da personalidade, ou seja, goza de
autonomia
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. JULGAMENTO:
CPC/15.
1. Ação de compensação de dano moral ajuizada em 04/08/2016, da qual foi extraído o presente
recurso especial, interposto em 26/06/2016 e atribuído ao gabinete em 05/11/2018.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a configuração do dano moral pelo uso da imagem
de torcedor de futebol para campanha publicitária de automóvel, enquanto ele se encontrava no
estádio assistindo à partida do seu time.
3. Em regra, a autorização para uso da imagem deve ser expressa; no entanto, a depender das
circunstâncias, especialmente quando se trata de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante
de cargo público, há julgados do STJ em que se admite o consentimento presumível, o qual deve ser
analisado com extrema cautela e interpretado de forma restrita e excepcional.
4. De um lado, o uso da imagem da torcida - em que aparecem vários dos seus integrantes - associada
à partida de futebol, é ato plenamente esperado pelos torcedores, porque costumeiro nesse tipo de
evento; de outro lado, quem comparece a um jogo esportivo não tem a expectativa de que sua imagem
seja explorada comercialmente, associada à propaganda de um produto ou serviço, porque, nesse
caso, o uso não decorre diretamente da existência do espetáculo.
5. Se a imagem é, segundo a doutrina, a emanação de uma pessoa, através da qual ela se projeta, se
identifica e se individualiza no meio social, não há falar em ofensa a esse bem personalíssimo se não
configurada a projeção, identificação e individualização da pessoa nela representada.
6. Hipótese em que, embora não seja possível presumir que o recorrente, enquanto torcedor presente
no estádio para assistir à partida de futebol, tenha, tacitamente, autorizado a recorrida a usar sua
imagem em campanha publicitária de automóvel, não há falar em dano moral porque o cenário
delineado nos autos revela que as filmagens não destacam a sua imagem, senão inserida no contexto
de uma torcida, juntamente com vários outros torcedores.
7. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1772593/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
16/06/2020, DJe 19/06/2020)
DIREITOS DA PERSONALIDADE
IV) Direito à vida privada e à intimidade: liberdade de
cada indivíduo orientar livremente a sua vida, desde que não
prejudique injustamente terceiros, assim como manter sob
reserva informações pessoais do conhecimento ou curiosidade
públicos
Right to be let alone: direito de não ser perturbado em
sua tranquilidade e sossego por interferências não autorizadas
em sua esfera pessoal
DIREITOS DA PERSONALIDADE
- Esfera privada: nela se encontram aspectos da vida da
pessoa excluídos do conhecimento de terceiros. Aproxima-se, de
certa forma, da noção de privacidade ou privacy.
- Esfera da intimidade: contém os valores do âmbito da
intimidade, com acesso restrito a determinados indivíduos com
os quais a pessoa se relaciona de forma mais intensa
- Esfera do segredo: aquilo que não se compartilha com
ninguém e que pertence ao nível mais profundo da intimidade
- Quanto mais interna for a esfera, maior deve ser a sua
proteção jurídica
- No direito à vida privada e à intimidade, insere-se o
direito de proteção de dados pessoais
PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA. DIREITO DE
INFORMAÇÃO, EXPRESSÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA. CRÍTICAS JORNALÍSTICAS A
MAGISTRADA. AUTORIDADE PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE ABUSO NO
DEVER DE INFORMAR. INTERESSE PÚBLICO. DANO MORAL. AFASTAMENTO.
PREVALÊNCIA DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE CRÍTICA. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
1. "A liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser
absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais
sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil;
(II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à
honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística
com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp
801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe de
12/03/2013).
2. A divulgação de notícia ou crítica acerca de atos ou decisões do Poder Público, ou de
comportamento de seus agentes, a princípio, não configura abuso no exercício da liberdade de
imprensa, desde que não se refira a um núcleo essencial de intimidade e de vida privada da pessoa ou
que, na crítica, inspirada no interesse público, não seja prevalente o animus injuriandi vel diffamandi .
3. No caso, apesar do tom ácido da reportagem, as críticas estão inseridas no âmbito de matéria
jornalística de cunho informativo, baseada em levantamentos de fatos de interesse público, relativos a
investigação em andamento pela autoridade policial, sem adentrar a intimidade e a vida privada da
recorrida, o que significa que não extrapola o direito de crítica, principalmente porque exercida em
relação a casos que ostentam gravidade e ampla repercussão social no Estado de Sergipe.
4. À vista da ausência de abuso ofensivo na crítica exercida pela recorrente no exercício da liberdade
de expressão jornalística, o dever de indenização fica afastado, por força da "imperiosa cláusula de
modicidade" subjacente a que alude a eg. Suprema Corte no julgamento da ADPF 130/DF.
5. Recurso especial a que se dá provimento.
(REsp n. 1.325.938/SE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de
31/8/2022.)
DIREITOS DA PERSONALIDADE
IV) Direitos morais de autor
- Obras intelectuais protegidas por direitos autorais:
“criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que
se invente no futuro” (art. 7º da Lei n. 9.610/98)
- Expressão da personalidade do autor e de sua própria
identidade
- Interesse na preservação da integridade da obra, no
controle de sua divulgação e eventuais modificações, assim
como o direito de ter reconhecida a autoria
- Transmissão causa mortis de apenas alguns direitos
morais de autor (ex: reivindicação de autoria, assegurar a
integridade da obra). Outros direitos como os de modificação da
obra e de retirada de circulação se extinguem com a morte do
autor
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE OBRA LÍTERO-
MUSICAL E DE INDENIZAÇÃO. PARÓDIA. LIMITAÇÃO AO DIREITO AUTORAL. PREVISÃO LEGAL
EXPRESSA. ART. 47 DA LEI 9.610/98. INDICAÇÃO DO NOME DO AUTOR DA OBRA ORIGINÁRIA.
AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. OFENSA A DIREITO MORAL DE AUTOR. INOCORRÊNCIA.
1. Ação ajuizada em 30/10/2018. Recurso especial interposto em 21/20/2020. Autos conclusos à Relatora em
20/10/2021.
2. O propósito recursal consiste em definir (i) se a ausência de indicação do nome do autor da obra musical que
deu origem à paródia divulgada pela recorrente enseja condenação a título de danos morais e (ii) se houve
julgamento extra petita.
3. Segundo compreensão do STJ, a paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de
composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia
para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente,
debochada, satírica. Precedentes.
4. A paródia, a par de derivar de obra preexistente, constitui criação intelectual nova, dotada de autonomia em
relação à obra originária. Precedentes.
5. O art. 47 da Lei 9.610/98 estabelece que "são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras
reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito".
6. Não há, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio
ou a indicação do nome do autor da obra originária.
7. O direito moral elencado no art. 24, II, da LDA diz respeito, exclusivamente, à indicação do nome do autor
quando do uso de sua obra, circunstância diversa da que se verifica na espécie.
8. Quando a legislador entendeu por necessária, na hipótese de utilização de obra alheia, a menção do nome do
autor ou a citação da fonte originária, ele procedeu à sua positivação de modo expresso, a exemplo do que se
verifica das exceções constantes no art. 46, I, 'a', e III, da LDA.
9. Diante disso, reconhecido que, em se tratando de paródia, inexiste obrigação de divulgação do nome do autor
da obra originária e que pertencem apenas ao seu criador o direito moral de ter o nome, pseudônimo ou sinal
convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização dessa obra, não há fundamento
jurídico apto a sustentar a tese sufragada pelo Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de menção da
autoria da obra parodiada viola os direitos do criador desta.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(REsp 1967264/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe
18/02/2022)

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