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Sem título

Entrei no palco mais uma vez. A luz que rescendia sobre mim era tão clara que
tive medo de que toda a platéia assistisse ao espetáculo, a tragédia que se
encena dentro de mim. (A peça na qual sou diretor, escritor, ator e atriz.)
Procurei então o calor dos seus olhos. Procurei ver as suas mãos a bater palmas.
E só então lembrei-me que, agora, quem recebe o "parabéns, você estava ótimo!" é
uma outra pessoa.

A saudade e a dor de cabeça me fizeram companhia por mais um dia. E o vento,


aquele mesmo vento que roubou-me o câncer, que era meu de direito, me fez tão
bem quanto o sorriso de uma criança.

Preciso trocar de roupa. Preciso trocar de rosto. Preciso trocar de alma. Agora,
o cadarço do meu tênis está sempre amarrado e meu cabelo nunca penteado,
desalinhado e confuso como a prova de física (F=K.Qq ?).
Quero que saibas que a saudade que sinto não de ti. Sinto saudade do Diener que
você me oferecia. Sinto saudade da minha imagem refletida nos teus olhos e de
como teu quarto era decorado com uma foto minha na porta do teu guarda-roupa.
Sinto saudade do timbre da tua voz ao pronunciar meu nome. Sinto saudade de mim
em você.

A minha calça que deixei ao vento no varal já está seca e o espetáculo já chegou
ao fim. É hora do pano se fechar e o público ir para casa ver o final do Jornal
Nacional, os "Gols da Rodada". Eu vou para o camarim tentar tirar essa roupa.
Vou para o hotel, a pé, sozinho, meu violino às costas, com um cigarro na mão e
me perguntando se amanhã o concerto poderá ser melhor do que hoje foi, se as
luzes serão tão claras ou se minha confusão cegará meus olhos.

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