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O UNIVERSO DOS ESPÍRITOS – POR TODA PARTE A VIDA E O MOVIMENTO

Os antigos gregos definiram a idéia de um universo harmônico e belo. A expressão “Cosmos”


deriva da palavra grega kosmos, que pode ser traduzida como “ordem”, “harmonia” (o
produto de beleza é “cosmético”). Há cerca de 2.500 anos, eles já tinham conhecimento da
curvatura da Terra. Desenvolveram cálculos geométricos com os quais mediram o diâmetro da
circunferência da Terra. Estudaram as distâncias entre a Terra, a Lua e o Sol, calculando seus
tamanhos. Com seus métodos de observação, análise e raciocínio obtiveram resultados
admiráveis se considerarmos os parcos recursos tecnológicos de que dispunham.
Naquela época já havia defensores da idéia de que o Universo se estende para muito além do
que a vista humana pode alcançar sem a ajuda de qualquer instrumento. Os atomistas, como
Demócrito e Leucipo, descreveram o mundo formado por partículas indivisíveis (o átomo) e
deduziram a existência de outros astros, semelhantes ao sol e ao nosso planeta. Epicuro,
outro atomista, falou em uma variedade infinita de tais mundos, como resultado de um
número infinito de átomos que formavam todo o Universo. Para aqueles pensadores, o
Universo não era apenas o que podia ser visto, mas o que podia ser objeto de um pensamento
raciocinado.
No entanto, na história da civilização, acabaram prevalecendo as idéias de outro grego,
Aristóteles, cujo conceito de um mundo imutável, tendo a Terra como centro de tudo o que
existe, foi convenientemente adotado pelas lideranças religiosas que se preocupavam em
manter dogmas rígidos, ligados à infalibilidade de Deus e à perfeição de sua criação, segundo
uma leitura ao pé da letra da gênese bíblica.
Por vários séculos imperou a concepção de que nós humanos, os únicos seres dotados de
inteligência, ocupávamos a mais alta posição no campo da criação e a Terra, nosso lar, servia
de ponto central a partir do qual se espalhava todo o Universo. Ao tempo do surgimento do
Espiritismo, essas idéias já haviam sido superadas pelos conhecimentos astronômicos, muito
embora as autoridades religiosas relutassem em aceitá-las.

Quantos “céus” existem

O Professor Rivail, que viria a adotar o pseudônimo de Allan Kardec ao codificar o Espiritismo,
tinha conhecimento de todas estas idéias e estava atualizado quanto ao conhecimento
científico de sua época.
Os que conhecem sua biografia sabem que ele organizou cursos de Astronomia, ministrados de
1835 a 1840, “que eram muito freqüentados”, como afirma um de seus biógrafos, Henri
Sausse. Por volta de 1849, segundo o mesmo biógrafo, o Sr. Rivail era professor no Liceu
Polimático, “regendo as cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física”.
Assim, não é de estranhar que Allan Kardec falasse com propriedade sobre a evolução dos
conhecimentos astronômicos e, como sempre, daí extraísse profundas consequências de
cunho moral.
Ao examinar a questão da passagem da vida corporal à espiritual, discutindo a teologia cristã
que fala em céu, inferno e paraíso, o Codificador lembra que a divisão aristotélica influenciou
decisivamente o modo como era entendido o mundo em que vivemos.
No livro que trata deste tema, “O Céu e o Inferno”, Kardec mostra que a deficiência de
conhecimentos astronômicos levou a um entendimento fantasioso, afastado da realidade,
para não falar na falta de lógica.
Escreveu o mestre da Codificação (as citações que se seguem são extraídas do Capítulo III, 1ª
parte, de “O Céu e o Inferno”): “Em geral, a palavra céu designa o espaço indefinido que
circunda a Terra, e mais particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do
latim coelum, formada do grego coiios, côncavo, porque o céu parece uma imensa
concavidade. Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, de matéria
sólida e transparente, formando esferas concêntricas e tendo a Terra por centro. Girando
essas esferas em torno da Terra, arrastavam consigo os astros que se achavam em seu
circuito. Essa idéia, provinda da deficiência de conhecimentos astronômicos, foi a de todas as
teogonias, que fizeram dos céus, assim escalados, os diversos degraus da bem-aventurança: o
último deles era abrigo da suprema felicidade. Segundo a opinião mais comum, havia sete
céus e daí a expressão - estar no sétimo céu - para exprimir perfeita felicidade. Os
muçulmanos admitem nove céus, em cada um dos quais se aumenta a felicidade dos crentes.
O astrônomo Ptolomeu (que viveu em Alexandria, no segundo século da era cristã) contava
onze e denominava ao último Empíreo (do grego, pur ou pyr, fogo) por causa da luz brilhante
que nele reina. É este ainda hoje o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia
cristã reconhece três céus: o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo, o espaço
em que giram os astros, e o terceiro, para além deste, é a morada do Altíssimo, a habitação
dos que o contemplam face a face. É conforme a esta crença que se diz que São Paulo foi
alçado ao terceiro céu. (...) A Ciência, com a lógica inexorável da observação e dos fatos,
levou o seu archote às profundezas do Espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias”.

Em cada canto do infinito

Ainda hoje se faz sentir a influência desta concepção antropocêntrica (o homem como centro
do universo). A idéia de que os Espíritos Superiores habitam as mais “altas esferas” é muitas
vezes referida como algo mais do que mera figura de linguagem. Ouve-se falar que os
espíritos desencarnados vêm “cá embaixo” para visitar o plano material. A força da idéia
permanece. Deve ser vista mais como um símbolo do que como algo "real".
Não se pode negar a força de uma tradição que vigorou por mais de um milênio e, em muitos
casos, ainda vigora (quantos não crêem que ao morrer, irão para “o céu”, lá nas nuvens?).
Mas também é verdade que, muitas vezes, especialmente em alguns textos contendo
descrições do cotidiano dos espíritos, as referências a “lá em cima” ou “aqui embaixo”
acabam acusando a mesma pobreza de raciocínio que há um século e meio Kardec já
apontava.
Por isso, quando nos dias de hoje vemos a Ciência aumentar cada vez mais os limites do
Universo conhecido, estendendo-os a distâncias inimagináveis, é importante lembrar que a
nossa relação com os seres encarnados ou desencarnados, mais evoluídos ou não, é de
natureza puramente moral e não espacial como as palavras podem sugerir.
Não precisamos deixar de usar as belas imagens poéticas que remetem à idéia milenar do céu
que nos protege estendido sobre nossas cabeças. Mas nunca é demais ter em mente a reflexão
que o mestre Allan Kardec nos propõe:
“Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto do infinito despovoado, nenhuma
região que não seja incessantemente percorrida por legiões inumeráveis de Espíritos
radiantes, invisíveis aos sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de
alegria e admiração as almas libertas da matéria. Por toda parte, enfim, há uma felicidade
relativa a todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os
elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu
adiantamento. Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do estado
material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto, existir em qualquer
parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar lhe é circunscrito e assinalado no
Universo. Onde quer que se encontrem, os Espíritos podem contemplar a majestade divina,
porque Deus está em toda parte”.

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