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acho notável a força conotativa que um português consegue imprimir à expressão lá fora.

dizemos,
lá fora não é nada assim, lá fora ganha-se bem, lá fora é que está o grande capital. mas também, ele
é reconhecido lá fora, ela vai tentar construir uma carreira lá fora, eles são desconhecidos cá mas
têm imenso prestígio lá fora. até a publicidade contribuiu, usando a expressão simétrica, para a
sagração destas duas palavras. vá para fora cá dentro. e cá dentro, o que é isso? a forma como
falamos do admirável mundo novo que existe lá fora torna evidente que estamos em conflito com o
mundinho cá dentro. e a pequenez deste mundinho é exponenciada infinitamente com a expressão lá
fora. é que dizer lá fora não é o mesmo que dizer na maior parte dos países desenvolvidos, na
europa, nos outros países europeus, na América do Norte, em Espanha, no hemisfério sul. não. dizer
lá fora é abarcar numa mesma expressão a Islândia, o Mónaco, o Butão, a Austrália, Marrocos e
todas as outras nações não-Portugal. é falar de tudo o que está depois da fronteira como se fosse
tudo o que está depois da fronteira da nossa pele. é pensarmos no exterior de Portugal como se fosse
o exterior do nosso corpo, e sentíssemos como é ínfimo o nosso país em relação a tudo o que o
ultrapassa, tal como sentimos que é ínfimo o nosso corpo em relação a tudo o que o rodeia. mas a
fronteira aqui será uma fronteira mental, que circunscreve o território português e o culpa por tão
grande diferença em relação ao que lhe é estranho. por vezes parece-me discurso de presidiário este
discurso do lá fora. como se um muro nos separasse da liberdade, das oportunidades e da
prosperidade que só lá fora são possíveis. como se uma sentença se abatesse sobre nós, confinando-
nos a uma cela, castigando-nos com a nacionalidade portuguesa.

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