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é curioso dizermos de alguém que é muito boa pessoa, até demais.

aconselhamos os nossos amigos


e colegas a baixar o índice de boa pessoalidade, a deixarem de ser tão bonzinhos. é que sendo tão
boas pessoas assim, acabam por se prejudicar, por deixar que os outros se aproveitem deles.
rematamos estes sábios conselhos com conclusões brilhantes, "é uma pena, mas não se pode ser
bom", "é mesmo assim, é este o mundo cão em que vivemos." partimos do princípio que ser-se
bom, muito bom, bonzinho, boa pessoa, implica ser-se ingénuo, desconhecer a possibilidade da
maldade dos outros, ser-se desprovido de argúcia ou agilidade mental. ser-se bom, bonzinho, é ser-
se mau avaliador de caracteres, ter perfil de vítima, estar sujeito a ciladas, trapaças e malfeitorias
em geral. estará a ideia de conhecimento, de sabedoria, de capacidade de antecipar os outros e as
suas intenções irremediavelmente ligada à malícia, à maldade, à transgressão? virá do mito do
Génesis, em que Adão e Eva, ao provarem da árvore do conhecimento, pecaram, deixando ao
mesmo tempo de ser inocentes e de ser bons? haverá, então, uma incompatibilidade entre ser-se
bom e ser-se perspicaz? temos de escolher entre a bondade e a inteligência? porquê aconselhar
alguém a ser menos bom? e o que se está verdadeiramente a dizer com isso? no fundo, talvez
receemos que nós próprios, perante alguém desprotegido por via da sua bondade, usemos essa
fragilidade em nosso favor. assim, o conselho que damos compensa o mal que fomos fazendo
porque estamos a prevenir que o aconselhado caia nas armadilhas de que também fomos
responsáveis. porque não dizer apenas, não sejas ingénuo? será que queremos que o mundo aprenda
uma lição ao levar em cheio com mais um ex-bonzinho a reagir finalmente às suas agressões? ou
será maldade nossa sugerir tal coisa?

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