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Esta é uma das minhas primeiras crônicas.

É a primeira tentativa que faço para publicar meus

textos. O tema foi estabelecido em um concurso de crônicas, mas a sensação de escrever algo para

ser julgado por alguém,está sendo uma experiência muito interessante.

Pluto vai à rua

O mundo é uma interminável sucessão de acontecimentos. Uns pitorescos; outros trágicos.

Mas a rapidez com que a informação transita é o que nos dá a sensação de mudança abrupta dos

tempos. Antes, nos tempos da minha avó, a notícia de um fato pitoresco demorava tanto para chegar

ao jornal da minha cidade natal, que, quando chegava, já não tinha mais graça. Uma notícia que saía

na coluna “Ultima Hora” do jornal local tinha ocorrido há pelo menos dois meses. Mas o que

importava? Todos na cidade estavam mesmo fora do tempo. Hoje, com os novos e rápidos meios de

comunicação, tudo chega rapidinho. Não importa se o fato aconteceu aqui ou no outro lado do

mundo. Se há dois dias ou há dois minutos. É tudo aqui e agora, como em um filme de curta

metragem.

Outro dia, li em um jornal eletrônico que um assaltante havia tentado roubar uma loja

fantasiado de Pluto, o dócil cão do ratinho Mickey. O fato não teria ganhado notoriedade, se não

fosse pelo desfecho da história. Ao ser assaltado por um homem vestido com uma máscara de um

personagem de desenho animado, a vítima teve um ataque de riso tão intenso que deixou o meliante

sem ação. Na verdade, o ladrão ficou tão ridicularizado com a reação da vítima que nem esboçou

reação. Colocou o rabinho entre as pernas e foi chorar em outras plagas.

Dá para acreditar em um assaltante desses?! Nestes tempos, até bandido está perdendo as

referências. Não sabe mais qual comportamento a sociedade espera dele.

Sem voltar muito no tempo, lembro-me de que, para meter medo nas crianças, homens

fantasiavam-se de “zabiapungas”, personagens do folclore baiano, que vestiam calças pretas e

camisas coloridas, com chocalhos espalhados pelo corpo, e usavam uma máscara bem feia.
Causavam verdadeira aflição em mim e nos moleques da minha rua. Se um desses chegasse perto,

pedindo o que quer que fosse, na barraquinha de doces que eu tomava conta, eu sairia correndo em

pânico para bem longe. E ele, ao ver o meu pavor, com certeza daria boas gargalhadas. Como eles

sempre andavam em bandos, eu tinha a impressão de que faziam parte de uma quadrilha de

monstros-ladrões que roubavam e comiam criancinhas.

Notícias assim, não saiam no jornal. Tudo era mais solene para os adultos. Notícia era coisa

séria para eles. Não pensavam que para mim e para as outras crianças da cidade nada era mais

assustador dos que os “zabiapungas” e suas máscaras monstruosas.

Hoje, a notícia se rebuscou e se tornou mais célere, não necessariamente, mais rigorosa.

Com tantos fatos acontecendo ao mesmo tempo, nem sempre é tão óbvio para o jornalista cobrir um

assalto ou o último affair de um famoso.

Voltando ao caso do Pluto, quer dizer, do frustrado ladrão, ele não conseguiu sequer fazer

parte da página policial. Coube-lhe um cantinho da coluna “Ria se puder”. Na minha cidade, o

meliante nem tentaria sair de casa fantasiado de cachorro, pois correria o risco de ser alcançado por

uma matilha de vira-latas, que existem aos montes por lá, ou perceberia, a tempo, o ridículo que

seria aparecer assim, na frente de quem quer fosse.

É que, na minha cidade, basta um deslize, e o azarado já está na boca do povo. É preferível

que ele seja confundido com um dos cães do pedaço. Pelo menos, com os cães, ao encontrá-lo, um

deles começaria o ritual de aproximação com aquele gesto para lá de nojento, que é ficar lambendo

o que não interessa (cachorro é um cachorro mesmo!). Se um cara se arriscasse ao vexame de

fantasiar-se de cachorro para assaltar alguém, logo passaria por acusação de atentado violento ao

pudor, e, logo pela manhã, sairia no jornalzinho uma manchete avassaladora “bicha fantasiada

assalta à mão armada”. Ninguém vai pensar que ele usava um revolver 38, e sim, uma navalha,

como Madame Satã, famoso homossexual que aterrorizava nos morros cariocas. E a reputação (por

pior que seja, todo mundo tem alguma)? Quem iria botar fé num cara desses? Estava condenado a

permanecer no anonimato. Guardaria o segredo só para si.


Situação distinta, bem mais ameaçadora, seria uma máscara com a foto de algum político

desses que estão na moda, quer dizer, no noticiário. De tão escaldado que o povo está, falar em

político é motivo de esconjuro e mau agouro – “pé-de-pato mangalô três vezes” – dizem os mais

superticiosos. Não há quem acredite nas figuras públicas. Também, já que os ladrões modernos não

facilitam nosso comportamento, não seria diferente com alguns tipos políticos...

Mas a notícia do assaltante trapalhão me trouxe boas lembranças cinéfilas. Quem não se

lembra de um filme da década de 70 – “A gang dos Dobermanns” –, este filme, não sei se foi o

primeiro a retratar um assalto feito por caninos. Na época, os mais temíveis, os poderosos

dobermanns. Só de encontrar com um, era motivo de começar a tremer... Nos tempos modernos, já

não se precisa ser tão convincente. Uma cara feia, um olhar atravessado, um andar meio suspeito, e

nos colocamos prontos para ceder ou correr.

Deve ser o condicionamento. Basta alguém dizer: “É um assalto!” E já estamos todos

deitados no chão. Imóveis. Rezando para que nada nos aconteça. Tempos modernos...

Outro dia, andava meio desligado pelo bairro onde moro, e um morador de rua me pediu um

trocado. A simples menção de me pedir algo me deu um susto tão grande, mas tão grande, que dei

um daqueles pulos inesperados que assustou o pedinte. De tão assustado, nem esperou para ver se

eu tinha algo para lhe dar ou não. Saiu ele, também assustado, embora eu tivesse insistido aos gritos

para que ele voltasse. Deve ter pensado que sou um louco. Não é para menos; estamos todos à beira

de um ataque de nervos.

E depois de comparar todas estas loucuras e violências modernas, fico curioso para saber o

que passava pela cabeça do assaltante americano que resolveu travestir-se de Pluto e avançar contra

um comerciante do seu bairro. Porém, antes de julgamentos precipitados, pensemos em possíveis

atenuantes para o crime. Em tempos de crise, não se pode dar ao luxo de escolher fantasia. A

primeira que encontrou lhe serviu para esconder o rosto. Será que tinha vergonha do seu ilícito?

Será que ele era um ex-empregado insatisfeito, ou simplesmente mais um daqueles sem plano nem

futuro? Com certeza ele deveria ser um trapalhão conhecido. Daqueles para quem nada dá certo.
Não arranja emprego, não tem namorada, nem amigos. Resta-lhe, enfim, os episódios repetidos de

Mickey Mouse e seu inseparável cão, o Pluto.

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