Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“CONSTRUTIBLIDADE”
em busca da integração entre projetistas, fornecedores e executores na construção civil
PIBIC / CNPq
Unidade: ESCOLA DE ENGENHARIA
Departamento: DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Aluno: João Paulo Lopes de Almeida (jplopes@brfree.com.br)
Orientador: Professor Rodrigo Magalhães Ribeiro (ribeiro@dep.ufmg.br)
MAIO de 2002
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 2
APRESENTAÇÃO
Este relatório tem por finalidade apresentar os resultados obtidos com a pesquisa de
campo que foi realizada, abordando a construtibilidade em empreendimentos com plantas
flexíveis.
O estudo foi realizado em uma empresa nacional de grande porte. A construtibilidade
foi abordada sobre um empreendimento que, oportunamente, eles estavam lançando no
mercado. Tratava-se de um edifício residencial de alto padrão de luxo, com o diferencial de
permitir ao cliente comprador a possibilidade de planejar o espaço interno do apartamento.
Os resultados, como será percebido, estão mais voltados para as particularidades e
dificuldades em executar tal empreendimento. Isto porque, tratava-se da primeira experiência
da empresa com um empreendimento deste tipo; experiência esta que se mostrou muito
complexa à medida que o empreendimento ia avançando.
Infelizmente, devido ao encerramento dos prazos e recursos da pesquisa, só foi
possível analisar as primeiras fases do desenvolvimento do projeto, do seu lançamento até a
finalização da estrutura do prédio, ficando de fora a execução dos apartamentos e entrega da
obra. Contudo, muitos dados interessantes puderam ser levantados e até foi possível indicar
situações que poderiam causar algum tipo de complicação no processo de execução da obra,
afetando, obviamente, a construtibilidade de tal empreendimento.
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 3
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 4
2 REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................................................................... 4
2.1 PROJETO ................................................................................................................................................ 4
2.2 ATORES INTERVENIENTES DE UM EMPREENDIMENTO............................................................................ 5
2.3 COORDENAÇÃO DE PROJETOS ................................................................................................................ 6
2.4 CONSTRUTIBILIDADE ............................................................................................................................ 9
2.5 FLEXIBILIDADE ..................................................................................................................................... 9
3 O ESTUDO DE CASO .............................................................................................................................. 10
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO .......................................................................................... 10
3.2 ATORES SOCIAIS DO EMPREENDIMENTO.............................................................................................. 10
3.3 HISTÓRICO DA FLEXIBILIZAÇÃO .......................................................................................................... 11
3.4 LIMITANTES DA FLEXIBILIDADE .......................................................................................................... 12
3.5 DISCUSSÃO #1: CONSTRUTIBILIDADE VERSUS FLEXIBILIDADE ........................................................... 13
3.6 ANÁLISE TÉCNICA............................................................................................................................... 13
3.6.1 Soluções técnicas para flexibilizar ................................................................................................ 14
3.7 DISCUSSÃO #2: CONSTRUTIBILIDADE NA ABORDAGEM TÉCNICA ........................................................ 16
3.8 ANÁLISE GERENCIAL ........................................................................................................................... 16
3.9 DISCUSSÃO #3 – CONSTRUTIBILIDADE NA ABORDAGEM GERENCIAL .................................................. 20
4 CONCLUSÃO............................................................................................................................................ 22
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 4
1 INTRODUÇÃO
O conceito de construtibilidade surgiu no Reino Unido (buildability) e nos Estados
Unidos (constructability) nos primeiros anos da década de 80. De acordo com OLIVEIRA
(1994, apud BRANDÃO, 1998), a construtibilidade de um edifício pode ser entendida,
sinteticamente, como a “habilidade ou facilidade deste em ser construído”.
A princípio, a utilização do conceito de construtibilidade desde a concepção do produto
(o edifício) pode, então, contribuir para que os projetos concebidos sob esta “lógica” sejam de
execução mais rápida, de melhor qualidade e de menor custo. Porém, a variabilidade de
propostas de lay-out e de acabamento, em um mesmo empreendimento, pode gerar
dificuldades para a concretização deste conceito na prática.
O objetivo deste trabalho é, portanto, discutir como a complexidade presente em um
edifício residencial com plantas flexíveis afeta a construtibilidade do mesmo. Para tal, serão
inicialmente apresentados alguns conceitos utilizados na discussão do estudo de caso. Em
seguida o empreendimento será caracterizado e as particularidades que o tornam mais
complexo ao longo da sua implementação serão apresentadas. O impacto na obra e no
empreendimento como um todo é então discutido e propostas para as questões levantadas no
estudo de caso são apresentadas.
Por fim, o conceito de construtibilidade é revisto, demonstrando-se que, em
empreendimentos deste tipo, soluções técnicas e gerenciais específicas se fazem
imprescindíveis.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 PROJETO
Para fins deste trabalho utilizaremos o conceito de “projeto” como sendo uma
“informação, a qual pode ser de natureza tecnológica (como no caso de indicações de
detalhes construtivos ou locação de equipamentos) ou de cunho puramente gerencial - sendo
útil ao planejamento e programação das atividades de execução, suprimentos e contratações
de serviços” (MELHADO, 1995:2).
Este conceito, que segundo o autor, encara o projeto “sob a ótica do processo (no caso, a
atividade de construir)”, se mostra muito próximo à idéia de obtenção de uma maior
construtibilidade na execução da obra. Porém, como este trabalho discutirá o empreendimento
como um todo, o conceito de projeto será alargado horizontalmente. Para tanto utilizaremos
duas terminologias; o Projeto do Produto (PP) (ou Projeto do Empreendimento) compreende
as ações relacionadas à incorporação, como análise de demanda, estratégias mercadológicas e
de vendas, relação com o cliente, definições de caráter técnico e análise de viabilidade
econômica. Como parte do Projeto do Produto (PP) e fruto de suas diretrizes são então
elaborados os Projetos Arquitetônicos e Complementares (PAC), aqui definidos como
conjunto de projetos que repassam ao canteiro de obras as informações de caráter tecnológico
relativas à execução da obra em si.
Assim sendo, para efeito de nossas discussões, os Projetos Arquitetônicos e
Complementares (PAC) dirão respeito às informações de cunho tecnológico relativas à obra e
o Projeto do Produto (PP) incorporará todas as demais informações de cunho gerencial
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 5
Fabricante
EMPREENDIMENTO
Proprietário
Legislação
Empreendedor
Norma
Executor
Usuário
Projetista
1
Segundo o grupo Construction Industry Institute (CII), apud MELHADO (1995).
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 7
2
Adaptação para a construção civil dos “Três enfoques da Garantia da Qualidade” adaptado de Miyauchi.
3
Adaptado de FRANCO (1993)
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 8
Arquiteto
COORDENADOR Consultores:
tecnologia
DO
custos
PROJETO
outros
Engenheiro de
Estruturas Outros projetistas
Engenheiro de
sistemas prediais
4
Apud MELHADO (1995)
5
Adaptado de FRANCO (1993).
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 9
2.4 CONSTRUTIBILIDADE
O Construction Industry Institute (CII) define construtibilidade como sendo “o uso
otimizado do conhecimento das técnicas construtivas e da experiência nas áreas de
planejamento, projeto, contratação e da operação em campo para se atingir os objetivos
globais do empreendimento” (CII, 1987 apud FRANCO, 1993). Esta instituição ressalta a
importância do envolvimento das pessoas que tenham experiência e conhecimento em
execução de construções, desde as etapas iniciais do empreendimento, para se conseguir os
maiores benefícios, como a redução de custos.
A construtibilidade é, dentre os princípios empregados para o desenvolvimento dos
projetos, aquele que fundamenta a grande parte das medidas de racionalização do processo
construtivo. Considera-se que a construtibilidade deveria ser incluída como um dos
parâmetros a serem observados no controle e revisão dos projetos. Além disso, “o construtor
[deveria] contribuir durante as diversas fases do projeto e [deveria] fazer uma revisão
completa antes do detalhamento e especificação final” (FRANCO, 1993).
A racionalização do projeto torna mais efetiva a aplicação dos recursos na construção,
tornando as tarefas mais fáceis de serem executadas, ao mesmo tempo em que esta vem
constitui uma medida a ser adotada para incrementar positivamente a construtibilidade. Cinco
princípios da racionalização podem ser aplicados na fase de projeto (O’CONNOR apud
FRANCO, 1993):
a) “planejamento e programação orientados às necessidades da construção;
b) simplificação dos projetos, tornando-os soluções eficientes;
c) padronização;
d) modulação e pré-montagens;
e) acessibilidade (´manuseabilidade´);
f) projeto orientado para condições ambientais adversas;
g) especificações.”
2.5 FLEXIBILIDADE
A flexibilidade de um apartamento está relacionada à possibilidade deste em ser
executado seguindo propostas de layouts diferenciadas. Este conceito é claramente visto em
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 10
edifícios comerciais, onde artifícios técnicos como divisórias não portantes, lajes planas,
marginalização da área molhada em relação à seca e utilização de formas geométricas
simples, possibilitam a flexibilização das unidades.
Basicamente, podemos considerar dois conceitos relacionados à flexibilidade
arquitetônica: a flexibilidade inicial, onde as modificações acertadas entre cliente e
empreendedor se dão na fase de projeto e execução da obra, e a flexibilidade contínua (ou
posterior), relacionada a eventuais modificações ao longo da vida útil do apartamento
(geralmente para fins de adaptação a novos usuários)6. Considerando-se a prática da
flexibilidade arquitetônica, BRANDÃO (1998) realizou um levantamento sobre os níveis de
flexibilidade (inicial) que poderiam ser oferecidas pelas empresas, o que implicou na
classificação destes níveis em quatro grupos:
GRUPO 1 – “Empreendimento com vários apartamentos-tipo”. Ao cliente é dada a
opção de escolha, em um mesmo empreendimento, entre apartamentos com layout
diferenciados, porém não são permitidas modificações internas no apartamento escolhido.
GRUPO 2 – “Oferta de vários layouts para o mesmo apartamento-tipo”. A empresa
oferece diversas opções de layout interno para um mesmo apartamento.
GRUPO 3 – “Completa liberdade para definição do layout interno”. A empresa fornece
apenas o perímetro do apartamento e a posição das janelas ao cliente, estando o mesmo
incumbido de conceber o layout interno desta unidade.
GRUPO 4 – “Junção ou desmembramento de apartamentos contíguos”. Onde a empresa
oferece a opção de junção ou de desmembramentos de unidades. Isto significa, por exemplo, a
união de dois ou mais apartamentos em um mesmo andar, ou até a união de apartamentos em
andares subseqüentes, formando apartamentos de múltiplos andares.
3 O ESTUDO DE CASO
6
Estes dois conceitos foram adaptados de BRANDÃO (1998).
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 11
envolvimento maior e mais direto com o projeto do empreendimento (PP) e seus PAC. Estes
atores são:
•o Empreendedor – representante dos interesses financeiros do empreendimento;
•a Empresa Construtora e (ao mesmo tempo) Proprietária;
•o Cliente (ou usuário) – que juntamente com um arquiteto defendem seus interesses
quanto à personalização do apartamento;
•o Engenheiro de Obras (construtora) – que representa do canteiro de obras, avaliando
aspectos como a viabilidade técnica da proposta de layout proveniente do Cliente;
•a Legislação – que, neste caso em especifico, influenciou algumas das características do
empreendimento;
•os Projetistas – propondo alternativas e apontando problemas nos projetos.
Ao longo das discussões, será considerada “Empresa” sempre os seguintes atores sociais:
Empreendedor/Incorporador e Empresa proprietária da obra (Construtora). Está simplificação
se torna possível porque, a Construtora e o Empreendedor/Incorporador formam um grupo
único, com, basicamente, os mesmo objetivos.
Durante a fase de projeto, os objetivos dos atores envolvidos no empreendimento, foram
responsáveis pela maioria das complicações técnicas, gerenciais e econômicas do
empreendimento. Complicações estas que foram solucionadas, à medida que surgiram, através
da busca de tecnologia de materiais, modelos construtivos mais racionais e estratégias de
compatibilização dos anseios do cliente com as possibilidades do empreendimento (interesses
do Empresa).
7
Quando aqui nos referir-mos à Empresa, estaremos à Empresa construtora e ao Incorporador do
empreendimento.
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 12
praticamente definida devido à não existência de laje de piso rebaixada perto da varanda e
devido à posição do único shaft que possibilita receber a tubulação de esgoto.
Para alguns limitantes, a empresa chega a propor algumas soluções, como é o caso de
janelas. Como estas são de tamanhos fixos e imutáveis, ocorre que em um determinado layout
o banheiro se localize voltado para uma janela que antes era destinada à iluminação e
ventilação de um quarto. O tamanho exagerado da janela gera problemas de privacidade do
banheiro, por isso a empresa propõe que estas janelas sejam reduzidas de tamanho através da
colocação de placas de gesso do lado interno do apartamento, sem que haja uma quebra na
harmonia da fachada.
Com isto, percebe-se que não existe uma flexibilidade total, mas sim a parcial. Em parte
devido à história do empreendimento e, em parte, devido à impossibilidade de se ter um
empreendimento predial onde cada cliente definiria a sua fachada, entradas, caixas de escada,
elevadores, etc.
8
Neste texto chamaremos sempre de empreendimento ou prédio convencional o caso de edifícios
residenciais com diversos apartamentos-tipo.
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 14
Como solução final, ficou decidido que o apartamento iria ter dentro de seu perímetro
interno um pilar posicionado no seu centro. E, com o intuito de avaliar a influência deste pilar
na flexibilidade do apartamento, foi realizada uma análise por uma especialista em decoração
de interiores (arquiteta de interiores). Ela recebeu a planta do apartamento onde constava
apenas o contorno externo do mesmo e o pilar central; sobre esta planta a arquiteta
desenvolveu diversos layouts diferentes e concluiu que o pilar não impediria a flexibilidade
do apartamento.
Como alternativa para se deixar o prédio ainda mais leve, e a estrutura menos carregada,
o dry-wall foi escolhido como elemento de fechamento interno dos apartamentos (figura 06).
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 15
O sistema, além de diminuir a carga, irá, na visão da Empresa e dos projetistas, facilitar a
flexibilidade e dar um caráter mais industrial à obra (maior produtividade).
Figura 06 – Dry-wall, à esquerda tem-se uma vista da parede em gesso acartonado, seus perfis
metálicos e isolamento termo-acústico; à direita as instalações que correm por dentro da parede.
b) Hidráulica
O problema básico, do posto de vista hidráulico, a ser resolvido era como posicionar o
shaft de modo que fosse possível interceptar qualquer tubulação de esgoto do apartamento. Os
estudos mostraram que seriam suficientes quatro shafts e, além disso, se determinou o
posicionamento de cada um de modo a cobrir todas as áreas onde poderiam existir tubulações
de esgoto.
Para que as tubulações pudessem correr sem problemas para os shafts e sem incômodo
para o vizinho de baixo, ficou definido que parte do apartamento teria seu piso rebaixado e
seria colocado um piso elevado. A dificuldade, neste caso foi conseguir uma altura do piso
elevado de modo que as inclinações das tubulações seguissem os valores mínimos de norma.
E fica evidente que a solução deste problema dependia diretamente da espessura da laje e da
altura do pé-direito. O gerente de instalações da empresa conta que foi difícil compatibilizar o
respeito ao limite mínimo do pé-direito com a espessura da laje e com a altura do piso
elevado, “ (...) a briga era por centímetros...” (Gerente de Instalações9).
Quanto à distribuição de água nos apartamentos, decidiu-se por utilizar um sistema
denominado de PEX, com tubulações flexíveis de polietileno reticulado. Este sistema
dispensa o uso de conexões (tês, curvas, joelhos) e possui uma execução bem mais rápida se
comparado ao PVC. Novamente percebe-se a preocupação da empresa em “industrializar” a
obra.
c) Elétrica
Como não se conhecia a planta do apartamento, isto implicava no desconhecimento
também de como seria o projeto luminotécnico, e portanto, as quantidades e posições dos
pontos de luz, interruptores, redes de telefonia, além da carga instalada no apartamento, eram
uma incógnita.
A solução foi retirar os eletrodutos e pontos de luz do interior da laje, deste modo a laje
poderia ser executada sem ter que esperar pelo projeto elétrico, o que também facilitava a
9
Profissional responsável por revisar todos os projetos elétricos e hidráulicos do empreendimento
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 16
separação estrutura/acabamento. Toda a rede elétrica foi distribuída sobre o forro de gesso, o
que permite uma liberdade total em termos de posicionamento de pontos de luz.
10
“Planta personalizada” trata-se da planta que foi idealizada por um determinado cliente
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 17
a) Sistema de vendas
Como qualquer produto em lançamento, deu-se início a uma campanha de divulgação do
empreendimento, tendo a sua flexibilidade como carro chefe da campanha. A diferença, se
comparando com um empreendimento residencial convencional, estava no fato de haver a
necessidade da presença de arquitetos no “stand” de vendas, para que pudesse ser dada ao
cliente a chance de criar uma planta personalizada naquele momento e tirar dúvidas. O cliente
também tinha acesso a alguns exemplos de layouts, que, segundo a Empresa, serviam apenas
para dar uma idéia do que se pode fazer naquela área do apartamento.
O cliente, então optando pela compra do apartamento, assinava um contrato onde se
comprometia concluir a personalização de seu apartamento em um prazo pré-estabelecido
pela empresa. O valor inicial do apartamento, também constante em contrato, se baseava em
um dos exemplos apresentados ao cliente e incluía também a disponibilização de uma
arquiteta para a realização da personalização. Contudo, o preço poderia ser renegociado a
depender do tipo de personalização feita pelo cliente ou se ele não desejasse utilizar os
serviços da arquiteta fornecida pela empresa; o preço tanto poderia aumentar como diminuir.
b) Definição da planta
Nos projetos com plantas flexíveis, há a participação direta do cliente na definição do
projeto de sua unidade O cliente realiza sua personalização levando-se em conta seus anseios,
sem analisar, muitas vezes, a viabilidade técnica das suas idéias; o arquiteto por vez passa
para a linguagem técnica os desejos do seu cliente.
Com a compra já fechada com a Empresa, o cliente recebe algumas orientações sobre
como proceder para efetuar a sua personalização do layout do apartamento. Em conjunto com
a arquiteta, o cliente deve projetar o interior de seu apartamento (layout e acabamentos)
seguindo algumas etapas e prazos. A Tabela 02 mostra um cronograma que foi sugerido pela
Empresa a um de seus clientes após a assinatura do contrato.
INTERVALO ENTRE
DATA ATIVIDADE
ATIVIDADES
Depende da etapa de em
Entrega da modificação de alvenarias pelo cliente.
30/8/2001 que se encontra a obra.
Consiste na definição da divisão interna do apartamento.
Máximo de 5 meses.
Entrega para o cliente da planta de execução (PE), que
15/09/2001 consiste na planta do apartamento com todos os detalhes 16 DIAS
de níveis, cotas das alvenarias, entre outros detalhes.
Entrega, pelo cliente, da planta de detalhamento (PD),
30/10/2001 15 DIAS
contendo todo o acabamento, para orçamento.
30/11/2001 Conclusão e entrega do orçamento ao cliente. 30 DIAS
15/12/2001 Autorização do orçamento pelo cliente. 15 DIAS
Entrega final dos desenhos, à obra, já autorizados para a
30/12/2001 15 DIAS
execução.
Tabela 02 – Cronograma de definição da planta de um apartamento do empreendimento
O arquiteto, disponibilizado pela Empresa ocupa uma posição estratégica bem definida.
Este arquiteto tem um conhecimento profundo do apartamento, tendo noção do que realmente
é possível de se projetar dentro daquele espaço e também tem a possibilidade de evitar
situações que causem algum tipo de problema técnico na execução. No caso do cliente
preferir um outro arquiteto, este estaria obrigado a entrar em sintonia com arquiteto da
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 18
e) Variabilidade
O levantamento feito até agora sobre o empreendimento flexível, trouxe à tona uma
questão importante à cerca da execução da obra: “será que o canteiro está estruturado para
gerenciar todos os projetos diferentes (apartamentos)?” Viu-se que a obra se tornou uma
montagem, devido às soluções presentes, contudo os acabamentos, acessórios, aparelhos e
equipamentos a serem instalados nos apartamentos são diferentes; na verdade estão se
construindo 26 casas em vez de 26 apartamentos.
Não obstante a dificuldade na execução, devido aos detalhes que cada apartamento pode
conter, o EO ressalta a dificuldade de orçar um apartamento deste nível. O granito, por
exemplo, varia de acordo o seu tamanho e também com o volume de compra. Esta e outras
questões geram uma dificuldade na hora de compor o preço do apartamento, além de
aumentar significativamente o volume de trabalho do orçamentista, que nesse caso é o próprio
EO.
Durante a execução da obra duas situações podem ocorrer: as vendas podem não ser
satisfatórias e a quantidade de apartamentos a serem executados durante a obra seja pequena,
ou podem ser vendidos uma grande quantidade de unidades e assim os serviços a serem
executados no canteiro seja grande.
Na primeira situação, a obra possivelmente não teria problemas de espaço físico e de
gerenciamento, mas deverá estar dimensionada para a pequena quantidade de serviços a serem
executadas. Estimasse também que o custo dos materiais a serem comprados seja mais alto, já
que há a possibilidade de compras isoladas e em pequenas quantidades de alguns materiais e
com isso não se poderia negociar preços mais baixos junto aos fornecedores. Em relação à
mão-de-obra, o EO afirma que o fato deles trabalharem com empreiteiros facilita o
dimensionamento dos operários em função dos serviços a executar.
A questão principal, relacionada com poucas unidades vendidas no início da obra, é a de
unidades serem vendidas, ou estarem em plena execução, após a entrega oficial do
empreendimento aos primeiros compradores. Isto significa que, os moradores dos
apartamentos já executados e em condições de moradia, teriam de conviver durante um certo
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 20
período com o barulho e poeira gerados pela execução de apartamentos que ainda não foram
acabados. Esta questão é bastante delicada, principalmente pelo fato de não se saber ao certo
quanto tempo levaria desde a entrega do primeiro apartamento e a conclusão do último. Isto
depende única e exclusivamente, da data de venda do último apartamento, que pode ser ainda
durante à execução do empreendimento, restando tempo hábil para entregar o prédio inteiro
pronto, ou a venda pode ocorrer meses depois da entrega dos primeiros apartamentos, gerando
assim um mini canteiro dentro do prédio para a execução da unidade.
Se o canteiro for trabalhar com a segunda situação, onde todos os apartamentos sejam
vendidos rapidamente e os prazos de entrega dos apartamentos forem próximos, o canteiro
teria que estar dimensionado, fisicamente e gerencialmente, para trabalhar com a quantidade
de plantas e materiais diferentes existentes devido aos diferentes tipos de plantas.
Como o EO acumula também a função de orçar e checar a viabilidade das plantas
personalizadas. Será que este profissional, numa situação onde se tenha vendido vários
apartamentos, será capaz de absorver sozinho todos os serviços a serem realizados, entre
gerência da obra, análise dos apartamentos vendidos e orçamento?
E quanto ao gerenciamento dos projetos dentro da obra? Vamos supor um apartamento
que já esteja com todos os seus projetos prontos, estes seriam no mínimo: 03 de elétrica, 01 de
ar condicionado, 01 de distribuição do esgoto, 04 de água fria/quente, 01 projeto de
adequação (layout do apartamento), 02 de forro de gesso, 02 de armários, 01 de detalhamento
para cada banho, 01 elevações da cozinha, 01 detalhamento do lavabo, 01 paginação de piso,
entre outros a depender do número de cômodos; são no mínimo 18 pranchas de projeto para
apenas um apartamento. Se multiplicarmos por 26 (quantidade apartamentos) a soma destas
pranchas, o EO terá em suas mãos mais de 450 pranchas de execução, isto sem considerar
outros projetos que se referem à parte externa dos apartamentos. A questão básica é como
gerenciar estes projetos de forma que erros não sejam cometidos em virtude de distrações na
execução, como adotar pranchas de um apartamento X no apartamento Y, ou até versões de
projetos desatualizas.
Aponta-se aqui uma provável sobrecarga do EO e ainda dos projetistas ao absorver tal
quantidade de serviços, sem extrapolarem prazos de entrega, além de incapacidade física do
escritório na obra em comportar as diversas pranchas de todos os apartamentos.
Por fim, ainda podemos considerar a produção em si, onde BRANDÃO (1996) afirma que
realmente ocorre uma queda considerável na produtividade das equipes devido à falta de
padronização e produção numa mesma seqüência. Falta esta que existe, não na padronização,
mas sim na seqüência, onde um apartamento utiliza a mesma tecnologia do outro, mas de uma
forma minuciosamente diferente.
Percebeu-se que o canteiro de obras parece indefeso quanto às dificuldades que podem
surgir conforme se desenrolarem as vendas dos apartamentos. Dificuldades estas divididas
entre o projeto (personalização) e a execução; todas relacionadas à sobrecarga dos atores
sociais, em especial o Engenheiro da Obra, cujo acumulo de funções, que o faz participar
também da etapa de personalização, gera sobre ele um volume de trabalho ao qual
dificilmente ele possuiria tempo hábil para executá-los. Provavelmente ele se transformaria
num funil, tendo de escolher e priorizar as atividades mais importantes e adiar, ou acumular,
aquelas atividades que poderiam ser executadas posteriormente.
As mesmas afirmações poderiam ainda ser expandidas para outros atores sociais, como o
arquiteto responsável pela personalização e o engenheiro responsável pela verificação dos
projetos elétricos e hidráulicos do empreendimento. Em verdade, o que estas observações nos
leva a concluir é que esta sobrecarga, se existir, influirá negativamente sobre o
empreendimento, ou seja, um aspecto gerencial como este, que pode gerar atrasos e
conseqüentes perdas nos prazos e custos, afetará a construtibilidade como um todo.
Não a sobrecarga do profissional deve ser contada, mas sim a sobrecarga do próprio
canteiro de obras, que poderá receber um volume de atividades que suplantem as suas
capacidades em termos de espaço físico para materiais e também de pessoal, isto porque não
basta apenas ter pessoal disponível para trabalhar, mas também é necessário locais para
alojamento, refeitório e o próprio espaço para trabalhar.
Estes são alguns dos fatos levantados e que afirmam o caráter complexo de um
empreendimento flexível deste porte. Existem é claro outras dificuldades que só aparecerão à
medida que o empreendimento for avançando, faz parte do custo de aprendizagem que a
Empresa terá de arcar.
Aproveita-se o momento também para deixar uma sugestão à Empresa e àqueles que
venham a desenvolver projetos nesse estilo. Esta sugestão se refere ao fato de poder ocorrer
obras em apartamentos vendidos após a chegada dos primeiros moradores ao edifício.
Acredita-se que seria uma boa solução uma data fosse definida no cronograma de vendas,
onde deste ponto em diante os apartamentos que ainda não foram vendidos seriam oferecidos
como apartamentos de plantas já definidas. Esta data diria ao canteiro de obras que após ela
todos os apartamentos ainda não vendidos seriam construídos baseados num layout padrão.
Assim haveria uma garantia de que na hora da entrega do empreendimento, todos os
apartamentos já estariam executados, mesmo aqueles que não foram vendidos.
Outra alternativa seria diminuir a possibilidade de flexibilização à medida que o
empreendimento fosse avançando. Conforme o tempo passasse itens iriam sendo tirados da
lista de “pode flexibilizar” para uma lista de “executar segundo um padrão”. A título de
exemplo, digamos que no primeiro mês o cliente possa personalizar todo o apartamento; no
segundo mês o cliente que desejasse comprar um apartamento já não poderia mais
personalizar área da cozinha e do lavabo, sendo estes executados em dimensões padrão; num
terceiro mês a personalização só poderia ser realizada na área íntima do apartamento, ou seja,
nos quartos. Assim á medida que o tempo avança e os prazos se encurtam a flexibilidade seria
menor, porém a obra andaria de forma controlada, já que no segundo mês, por exemplo, o
engenheiro da obra já poderia começar a executar todas as cozinhas e lavabos do edifício e no
terceiro mês poderia executar mais uma parte de cada apartamento segundo um modelo
conhecido. Esquematicamente, a flexibilidade em função do tempo tomaria uma das formas
da figura 07.
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 22
(A) (B)
Flexibilidade
Flexibilidade
Rígido
Flexível Rígido
Flexível
Tempo Tempo
X
Figura 07 – Em (A) a venda de apartamentos totalmente flexíveis até a data X, após está data
os apartamentos que restarem seguirão um modelo padrão; em (B), uma redução gradual da
flexibilidade em função do tempo.
Evidentemente, outras variáveis deveriam ser analisadas a fim de se certificar que tal
sugestão implicaria numa redução da atração de compradores para o empreendimento e se
esta solução seria viável do ponto de vista econômico. Mas certamente a sugestão, gerencial,
acima eliminaria o problema de interface entre Empresa, que estaria executando uma obra no
prédio, e moradores, tendo que conviver durante certo tempo com um verdadeiro canteiro de
obras no apartamento vizinho.
4 CONCLUSÃO
As definições, que aqui foram apresentadas, associam construtibilidade à racionalização e
padronização. Assim sendo, um empreendimento com maior variabilidade implica em menor
construtibilidade. Contudo, em se tratando da análise de um mesmo tipo de empreendimento –
o com plantas flexíveis – este pode ter maior ou menor construtibilidade.
Como foi visto, a Empresa do estudo de caso buscou compensar possíveis perdas de
economia de escala, produtividade e prazos, adotando tecnologias de materiais e processos
mais racionais. Claro que estas tecnologias foram utilizadas também para tornar o
empreendimento tecnicamente possível, o que também faz parte de uma maior
construtibilidade. Vimos também que, gerencialmente, há pontos (como a sobrecarga dos
atores sociais) que merecem uma atenção especial, visto que estes podem afetar de maneira
considerável a construtibilidade do empreendimento.
Uma situação inusitada se revelou, situação esta que só ocorreria após a data de entrega
do empreendimento aos primeiros moradores. Trata-se da interface entre os moradores e a
Empresa, que corre o risco de ainda ter de realizar obras em apartamentos que não sejam
vendidos a tempo de serem concluídos dentro do cronograma da obra. Esta interface é grave e
deve ser tratada em caráter especial, já que uma insatisfação por parte dos moradores afetaria,
sem dúvida nenhuma, a imagem da Empresa.
Por fim, é necessário enfatizar o caráter de laboratório que este empreendimento
representa para a Empresa. Esta já estava familiarizada com as novas tecnologias, laje
protendida, dry-wall, etc., mas era a primeira experiência dela em empreendimentos flexíveis.
O que vale então é a regra de se preparar ao máximo para o imprevisto e aprender com os
erros que forem sendo cometidos.
CONSTRUTIBILIDADE EM PROJETOS FLEXÍVEIS • 23
BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, Douglas Queiroz et ali. Participação do cliente na definição do ambiente
Construído através da flexibilização dos projetos de edificações. Florianópolis, 1996.
UFSC, 12p.