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Linguagam Fotordlica Intempo Enquadramento © posicionamento do fotdgrafo diante de uma cena ¢ 0 primeiro passo para 0 enquadramento de uma foto, Lembra um pouco o posicionamento de um goleiro de futebol, que bem colocado ja representa meia defesa, Enquadrar uma cena é organizar no visor da camera todos os elementos geomeétricos que formam sua realidade plastica, dispondo-os de tal forma que evidenciem o aspecto da cena que é noticia, com clareza @ objetividade. O bom enquadramento, portanto, resultado da capacidade do fotografo de perceber geometricamente a realidade, trabalhando a dinamica das superficies, massas e linhas. E essa capacidade tem de ser introjetada a ponto de se transformar em algo quase instintivo, que acontece junto com o desenrolar da cena, em um didlogo simultaneo sobre as varias possibilidades de composicao. Basta 0 fotégrafo chegar um pouquinho para o lado, levantar mais a cabega ou se abaixar para mudar inteiramente a perspectiva de uma imagem, e com isso talvez até 0 seu significado. Entretanto, é muito comum vermos fotgrafos, sobretudo iniciantes, procurando “Angulos espetaculares”, embora, como ensina Cartier- Bresson (1952), 0s Unicos angulos que interessam para a fotografia séo angulos geométricos da composigéo da imagem. Isso quer dizer que, nao obstante o reporter- fotografico ter de bancar freqiientemente o trapezista para cumprir uma pauta, na maioria das vezes basta um leve movimento de corpo para se obter o melhor enquadramento de uma cena. Existem algumas regras bdsicas de enquadramento, tais como nao cortar 0 pé de quem esta 29 Universiade Gara Fito em primeiro plano ou a cabega de quem est atrési a Rocussidade de um primeiro plano de apoio para un fomada de grande angular ou ainda que o personager Gihe para a cémera, no caso do retrato, para citar fapenas as mais repetidas. Mas, defato, todas as rearas vem sendo transgredidas polo talento, uma vez que 8 boa foto é produto da precisa organizagao plastica de todos os elementos constitutives, ai incluidos até os “deteitos’. E a tinica regra definitiva é a ‘limpeza’ da imagem, no que toca a informagao principal, salvo, & Glaro, quando a informacao principal for justamente a confusgo ea desorganizagio. O ato de fotografar ¢ Mi ato de envolvimento do fotografo com uma determinada Sona, Como se da esse envolvimento depende da patureza de cada um. Robert Capa —fotdgrafo hlingaro, tim dos fundadores da Agéncia Magnum e patrono da reportagem de guerra - costumava dizer que, se Unt foto nao era suficientemente boa, era porque 0 fotografo nao estava suficientemente perto.’ Ja o fotografo Mmericano Lewis Hime (1987:121), pioneiro da utiizagae da fotografia como osimonia social, era mais i ‘i o fotografo: aa Be eeghe no objeto fotografado (conteudo) com entusiasmo @ simpatia, uma vez que 4a fotografia sem gntusiasmo é como um piquenique Gebaixo de chuva. (...) Mais vale pouca técnica e muito coragao do que 0 inverso. 7 citado por Rosemblun, Naomi (1984:76). A frase no original — YON pialures aren't good enough you're not close enough = apres Yi Fiqueza de signficadas que nao aparece na traducao, jé que G0S8 Te Dieentido de perto, mas no caso também pode sar entenclido intima, atento, culdadoso e engajado. 30 ngage Fetcgriteaetomagio ‘Ao que poderiamos acrescentar o alerta de Sebastiao Salgado, quando afirma que: “.. yard no fotografa (apenas) com a sua maquina. Vocé fotografa com toda a sua cultura, 0s seus condicionamentos ideolégicos.”* Por outro lado, a tarefa do repérter normalmente implica em nao influir sobre 0 que esta acontecendo, manter uma postura discreta e muitas vezes ficar afastado da cena, Sao variadas as tarefas do fotojornalismo e as condigdes de operagao, com dificuldades que s6 podem ser contornadas pela disponibilidade de diversas objetivas e de outros recursos técnicos. Cada objetiva permite uma série de solugdes éticas especificas — que examinaremos mais adiante —determinando também o grau de aproximacao fisica do fotdgrafo em relagao a cena enfocada. Mas 0 importante no caso 6 a consciéncia de que cada um tem uma maneira prdpria de se envolver, que, na medida do possivel deve ser respeitada Oenquadramento, insistimos, consiste em recortar a realidade com o visor da camera. Esse visor, como ja vimos antes, é um retangulo aureo, cujas regras de composigao foram exaustivamente estudadas pelas artes piasticas. Algumas dessas regras sao bastante tteis, embora no nosso tipo de fotografia a composigaio se dé de forma diversa das artes plasticas em geral, j4 que, nunea é demais lembrar, trabalhamos com o movimento constante, nas condigSes de registro que se apresentam. * Salgado, Sebastiao. “A fotografia ¢ uma forma de vida’, entrevista concedida a Renato Soares, A Gazata, Vitra, Espirito Santo, edigBo de 01/11/81. Citado por Pedro Vasquez em Fotografia ~ Reflexos 0 Rellexdec, LPM, Porto Alogre, 1986, p. 68. 3t Universite Gama ho A principal dessas regras @a que estabelece os pontos éureos do retangulo, que sao pontos de harmonia ha proporgao das massas do retangulo em questo € ‘se constituem em centros dticos (visuais) desse espaco Obtém-se os pontos dureos fazendo passar pelos quatro Angulos linhas perpendiculares 4s diagonals do retangulo: Se tracarmos uma paralela aos lados menores do retangulo passando por dois pontos aureos, dividiremos este espaco em duas partes proporcionais, em que o retangulo menor ‘resultante estara para o maior assim como este esta para 0 todo: 32 nqvagem Fotogrtcaenlonmacao A composigéo em que 0 centro de atengao coincida com um ponto aureo seré mais dindmica e harmoniosa, enquanto aquela em que o centro de atengdo estiver no centro geométrico (0 ponto de intersegao das duas diagonais) tendera para 0 estatico, © mesmo acontece com as diferentes reas de luz e sombra, trabalhadas a partir dos parametros da divina proporcao. © bom enquadramento — na pratica o recorte da realidade — é o resultado da conjugagao dos dados de contetido com as solugées éticas da lente utilizada, @ deve ser definitivo, por varias raz6es. A principal delas 6 que 0 autor deve ser 0 Unico a decidir sobre como serd a foto (por isso é autor) e qualquer um que recortar a foto de novo no ampliador ou na lamina de corte estara adulterando o seu testemunho, em violagdo de um direito autoral expressamente defendido pela lei. Existe ainda © aspecto dtico, uma vez que ao se cortar um pedago da imagem compromete-se fatalmente a perspectiva inerente ao funcionamento da lente; é como cortar um pedago de uma frase, sem poder reescrevé-la depois. E claro que ha excegdes para essa regra de manutengao da integridade do negativo, sobretudo no 33 Universidade Gama Fiho jornalismo, onde a fotografia ¢ obtida frequentemente ‘em condig6es muito adversas. E, em fungao disso, € bastante comum aparecerem no negativo pedagos de pessoas ou coisas que 0 fotdgrafo nao percebeu ou ndo pode evitar e que 86 servem para poluir, logo devem ser eliminados pelo autor, uma vez que sua presenga é pior do que as consequéncias plasticas de um novo ore ase preciso muita atengdo, porque a foto nao funciona da mesma maneira que um texto escrito. Este pode ser copidescado e mesmo reescrito sem prejuizo do seu contetido informativo, ja 0 que se corta de uma foto sai fora endo volta mais. IMAGEM T imagem imagem cortada resultante LUnguagam Foterdicae inimagio Luz Fotografia é luz e, por conseguinte, sombra, que é o que da volume e profundidade plastica a uma imagem. A intensidade, o tipo e.a diregao da luz sao fatores determinantes para o resultado de uma foto. A luz é 0 que dé o clima (atmosfera) de uma foto, ¢ isso ja é informagao. Aluz atua de forma diversa nas fotos em preto- e-branco e em cores, tanto no que toca a questao da linguagem em si quanto aos fatores técnicos. Para o preto-e-branco a luz é praticamente tudo, pois nao s6 desenha as formas como estabelece os diversos tons de cinza (claro/escuro) a partir dos quais se constrdi plasticamente a foto. No caso da foto em cores, as areas de luz e de sombra, embora importantes, funcionam combinadas com o resultado da vibragao das préprias cores. Por exemplo, um amarelo na sombra pode ser mais forte do que um marrom no sol, ou um lilés junto a um amarelo na sombra pode ter mais impacto do que se estiver sozinho no sol. Com relagao ao tipo, a luz pode ser direta (ou dura, como ¢ a luz do sol em dia de céu aberto) ou difusa (como em dia de céu nublado). A luz direta gera mais sombras, marcando mais fortemente as linhas e as massas e aumentando a impressdo de volume da imagem. Quanto mais dura for a luz, mais fortes sao as sombras eo contraste da foto, resultando em uma carga maior da dramaticidade plastica A luz difusa é mais suave, mesmo quando é muito intensa. llumina de maneira uniforme e as sombras sao menos profundas. Enquanto a luz direta tende a estabelecer uma hierarquia de valores a partir de si, 35

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