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A HEGEMONIA DA PEQUENA POLITICA Carlos Nelson Coutinho 1. A expressio “hegemonia as avessas", inventada por nosso querido Chico de Oliveira, é certamente provocativa. Trata-se de uma das muito ins- tigantes e sempre oportunas provocag6es (no bom sentido da palavra!) pos ‘as por ele. Lembro aqui, por exemplo, suas formulacées sobre o modo de producto social-democrata, 0 antivalor,o omirorrinco ¢ 0 surgimento de uma nova classe formada pelos gestores dos fundus piiblicos crc. Mesmo que dis- cordemos de Chico em alguns casos, aprendemos sempre ~ € muito —com ‘essas provocacées, pois nos obrigam a pensar. Eo caso também de “hege- moni as avessas”. ‘De minha parte, porém, para caracterizar as relages de hegemonia hoje, prefiro falar de “hegemonia da pequena politica’. Para entendermos essa Ca- racterizacio, recordemos, antes de mais nada, 0 que Gramsci chama de “pe- quena politica”. Cito 0 autor de Gadermos do cdrcer ‘A grande politica compreendeas questoes lgadat &fundag0 Ue novos Estados, Auta pela destuicso, pela defesa, pela conservacto de determinadas eserururas rginicas econdmico-sociais. A pequena politica compreende as questées par aise cotidianas que se apresentam no interior de uma estruturajéestabelecida fem decorréncia de lutas pela predomindncia entre as diversas frases de uma mesma classe politica (politica do dia a dia, politica parlamentar, de eorredos, de incrigas), Portanto,é grande politica rentar exclu a grande politica elo m= bito interno da vida estatal e reduzir cudo a pequena politica.” Ora, é precisamente assim — ot seja, paca | politica ~ que se apresenta a hegemonia na época do neoliberalismo ou 7 Antonio Gramsci, Cadernos do eircere (Rio de Janeiro, Civilizapto Brasileira, 1999 2003, 3), p21. 30 + Hegeronia bs avesis para uszrmos 0 subtitulo de nosso seminario ¢ deste livro, na época da Servidto inanceia, Regisremos o suince ceria equivocedo pensar que 4 bd baralha beg smiios quando grande projets de sociedade se enfrentam,f-verdade que fol ‘sim durante algum tempo na Europa, no tempo em que partidos com Gifeentes proposes de sucicdale compete ene cy comoy por exemple, onservadores e trabalhistas na Inglaerra ou comunistas e democrata-eris- {dos na Ila, Nos Exados Unidos, 20 consciio, nunca fo asim: ali, a hhegemonia dos valores do capitalismo nunca foi posta em discustio pelos dois grandes partidos nacionais, nem mesmo pelas principats organizasoes Sindicsis:E,infelizmente, ed sendo assim, hoje, também na Europa eem Iaultos paises da América Latina, Que diferenca substantiva existe atual- Imente, por exemplo, entre conservadores ¢ rabalhistas na Inglaterra? Ou entre o governo FHC « o governo Lula no Brasl?* “Hiegemonia, porranto, nem sempre se baseia no que Gramsci chamou Ide “ideologias orginicas", aquelas que expressam de modo claro ¢ siste- titieo a goncepeso do mundo das classes sociais fundamentais, Indepen- dentemente de basear-se ou nao numa idcologia orginica, uma relagio de hhegemonia € estabelccida quando um conjunto de crencas ¢ valores se en- ‘afra no senso comum, naqucla concepcio do mundo que Gramsci definiu ‘como “bizarra c heterSelit”, com frequéncia contraditéria, que orienta = imluitas vezes sem plena consciéncia — 0 pensamento e a aso de grandes imassas de mulheres © homens. Ora, podemos constatar que predominam, hroje, no senso comum. determinados valores que asseguram a reproducio do capitalismo, ainds que nem sempre 0 defendam diretamente. Refiro-me, ‘em particular, a0 individualismo (cio emblematicamente expresso na famo- ‘2 “lei de Gerson”, 01 seja, a que nos recomenda tirar vantagem em tudo), 40 privatismo (4 convics4o de que o Estado € um mau gestor e tudo deve ser deixado ao livre jogo do mercado), A naturalizagio das relagdes sociais tanda individuae e grape saciais aderem consensualmente , Mas, como Gramsci observa, existe consenso ativo ¢ consenso A hegemonia da pequena pl licica basciacse Precis ssjvo?, A hegemonia da pequensa pol . ae 5 fa auto-organizaio, Sve, Esse tipo de consenso no se express Pel Pc maseas por meio de partidos e outros organismos ragio resignada do existente pe 030 pas pelaprcipaso ata ds a : fa soctedade civil, mas simplesmente pela 2c % 34 + Hegemonia be avessas mmentat?, ou seja, ainda nio suficientemente organizado para promover dtm revolucio “jacobina’, a partic de baixo, mas jé capaz de impor um fpovo comportamento as clases dominantes 2) essa reagio, embora tena ‘como finalidade principal a conservagao dos fuindamentos da velha ordem, implica oacolhimento de “uma certa pate” das reivindicagbes provindss de baixo; 3) ‘an lado da conservacio do dominio das velhas classe gem-se modificagBes que abrem caminho para novas modificagSes, Portan- fo, estamos diante, nos casos de revolugoes passivas, de uma complexa dialética de restaunapio ¢ revolupdo, de conservacdo ¢ modernizacao. “Ao contririo de “revolugio passiva’, que é certamente um dos conccitos ‘cenviais dos Cadernos do cdrcere, Gramsci emprega. muito pouco 0 termo Sgontrarreforma’. Além do mais, na esmagadora maioria dos casos, 0 termo, Fetamente a0 movimento pelo qual a Igreja Catélica, no Conci- Gio deTrento, reagiu contra a Reforma protestane ¢algumas de suas conse- © quéncias politicas © cultrais. Mas pode-se também registrar que Gramsci "lo apenas estende o rermo a outros contextos histéricos, como busca ain- © da cxtrairdele algumas caracteristicas que nos permitem, ainda que 6 apro- _ ximativamente, falar da cria¢do, por ele, de um conceito. Sobre a possibilidade de estender historicamente o termo, pode-se cons- "aatar que Gramsci, num pardgrafo em que fala do humanismo, refere-se a *contrarreforma antecipad2”. E assim, claro, que, para cle, pode ocor- “uma contrarreforma também diance de fendmenos histéricos que nao a protestante. Em outro pardgrafo, no qual caracteriza as ucopias ‘reagbes “moderns” e “populares” & Contrarreforma, Gramsci} apre- 1 um dos tracos definidores desta tilima como sendo préprio de todas de resto, coma todas as restauracoes, \bloco homogéneo, mas uria combinagdo substancial, se do for- velho eo novo". 0 es, introdu- disso, porém, ele admite que h4, até mesmo nesse caso, uma jyelho €0 novo", Podemos supor, assim, que a diferen ‘A hegemonia ds pequena pol «a essencial entre uma revolugto passiva e tuma contrarreforma reside no faro de que, enquanto na primeira certamente existem “restalrages| —mas {que “‘acolheram uma cerra parte das exigéncias que vinham de balxo) sna segunda é preponderante nfo 0 momento do novo, mas precisamente odo velho, Tats de uma diferenga alvez suil, mas que tem um significado histético que nio pode ser subestimado. Uma ver esbocadas as principals deteiinayoes que ae duas nopies assumem em Gramsci, podemos retornar & questo formulada acima: a época neoliberal, iniciada nas ilkimas décadas do século XX, aproxima-se mais de uma revolugio passiva ou de uma contrarreformay-A perguntay evidentemente, nao tem nenhum sentido para a prépria ideologia neo! beral. Os idedlogos do neoliberalismo gostam hoje de se apresentar como defensores de uma suposta “terceira via’ entre o liberalismo puro € a 50- cial-democracia “estatista” c, assim, como representantes de uma posicio cessencialmente ligada as exigencias da modernidade (ot, mais precisa mente, da chamada pés-modernidade) e, portanto, 20 progresso'". Assim, a versio atual da ideologia neoliberal faz da reforma (ou mesmo da revo- que alguns gostam de falar de uma “revolucio liberal”) sua prin- cipal bandeira. A palavra “ ternos para ransformal uci na” fol sempre organicamente ligada As luras dos subal- © .ciedade e, por conseguinte, assumiu na lingua- ‘gem politica uma conot .clo_claramente progressista ¢ aré mesmo de es querda, © neoliberalismo busca utilizar a seu favor a aura de simpadia que envolve a ideia de “reforma’. E por isso que as medidas por le propostas © implementadas sio mistificadoramente apresentadas como “reforms” isto & como algo progressista em face do “estatismo”, que, tanto em sua ver= sio comunista como naquela social-democrata, seria agora inevitavelmente condenado & lixeira da hist6ria, Desta maneira, estamos diante da tencaciva dle mogificaro significado da palvra“reforma”:o queantes da onda neolc beral qu ‘ampliagdo dos dircitos, protecio social, controle limita~ ‘Gio do mercado etc, significa agora corte, restrigdes, supressio desses di- Teitos ¢ desse controle, Estamos diante de uma operagio de mistificagso ideolsgica que, lufelizmcnte, tem sido em grande medida bem-sucedida. Ven entre muitos outros, Anthony Giddens, A rereina vie (Rio de Janciro, Resor 1999), 136 + Hegemonia 8s avessas Ao contririo, € com razio que a nosio de revolucio passiva pode ser ligada & ideia de reforma, ou mesmo de reformismo, embora se trate em filma instincia de um reformismo conservador e “pelo alto". Como vi- ‘mos, um verdadeiro processo de revolucio passva te classes do: lugar quando as antes, pressionadas pelos de baixo, acolhem ~ para continuar dominando © até mesmo para obter 0 consenso passivo dos subalternos — uma certa parte das exigtncias que vinham de baixo", nas pal: das de Gramsci. 4 Foi precisamente o que aconteceu na época d nos da velha social-democracial, Com efeito, 0 momento da restau as jf cira Welfare State dos gover- to eve um papel decisive no Welfare por meio das politics intervencionistas Sugeridas por Keynes e do acolhimento de muitas das demandas das classes, abalhadoras, 0 capitalisme tencou e conseguiu superar, pelo menos por algum tempo, a profunda crise que 0 envolveu entre as duas guerras mun dials, Mas ea reszauracto se articulou com momentos de revolugéo ous ‘mais precisamente, de reformusms, no sentido forte da palavra, © que se Imanifestou no apenas na conquista de importantes dircitos sociais por parte dos trabalhadores, mas também na adocao, pelos governos capitalis- tas, de elementos de economia programitica, que até aquele momento era defendida apenas pot socialistas e comunistas. F certo que as velhas classes dominantes conrinuaram a dominar, mas os subalternos foram capazes de ‘conquistarsignificativas “vitérias da economia politica do trabalho sobre a economia politica do capital”?. Deve-se recordar que o Welfare surgiu num Imomento em que classe trabalhadora, através de suas organizagbes (sind "Gib, politcas), obtivera uma forte incidéncia na composicao da correlacao de forcas entre‘ trabalho € o capital. Nao se deve esquecer também que a evolu¢io passiva welfariana é também uma resposta ao grande desafio 20 | Ne posoaqul deseavolvero tema, mas me parece que alums (sinda que nio mui- 39) das conquistas do Wefire State foram aseguradas aos trabalhadores urbanos, na "América Latina, durante o chamad perfodo populist, Taves isto explque 0 ito “de que hoje, em nosso subcontinent, o termo “populismo” venha sendo utlizado ‘elos ncoiberais para desqualfcar qualquer tentativa de escapar dos constrangi= _mentos imports plo feichismo do mercado. © © Acspresio é de Marx (’Manifer de lancamento da Assciagi Incemacional dos “Tabathadores’, em Karl Marx ¢ Friedrich Engels, Obras eclhide, Rio de Jancto, tris. 1, 1956, p. 354), referindo-selimitagio legal da duracso da josnada de "_srabatho € a9 movimento cooperaiviss, Bi Fa. A hegemonia da pequena poltica © 37 capita presenga da Uniso Soviética, que emergia da Segunda Guerra Mundial eom representado nio s6 pela Revoluigio de Ounubro, mas ambém pela tum enorme prestigio entre as massas ttabalhadoras e os progressistas de todo 0 mundo. Nao creio que se possa ei simplista) de “época neoliberal” essa dialérica de restauragio-revolucio que ccaracteriza as revolugoes passivas, Na conjuntura em que estaiius inetsos, ‘ontrar no que chamei (de modo um pouco as classes trabalhadoras ~ por muleas raz6es, entre elas a chamada “reestru- que pos fim 20 fe jortanto, As formas corres- turacdo produciva’, pondentes de organizacio dos operitios ~ tém sido obrigadas a se por na nsiva; suas expressées sindicais e partidérias sofreram um evidente re- cuo na correlagio de Forgas com o capital. Além disso, com colapso do “cocialismo real”, diminuiu em muito a forga de atracio das ideias socialis- tas, que uma habilidosa propaganda ideolégica identificou com o modelo ‘estatoldtrico” vigente nos paises da Europa do Leste. A luta de classes, que certamente continua a existiz, nio se crava maic em nome da conquista de novos direitos, mas da defesa daqueles jé conquistados no passaclo. ‘io temos assim, na época em que estamos vivendo, 0 acolhimento de “uma certa parte das exigéncias que vém de baixo”, que Gramsci considera va, como yimos, uma caracteristica essencial das revolugdcs passivas. lamento dos direitos s época neoliberal, nio hd espago para o aprofund is ‘inda que limitados, mas esamos diante da tentaiva aberta— infelizmente em grande parte bem-sucedida — de eli negar as reformas jé conquistadas pela classes subalremas durante a época ar tas direitos, de desconstruire de revolugio pasciva iniciads cam 0 americanismo e levada a cabo no Wel- fare State. As chamadas “reformas” da previdéncia social, das leis de prote- ‘0 ao trabalho, a privatzacio das empresas pUblicas ete. —"reformas” que stio atualmente presentes na agenda politica tanto dos paises capitalistas centrais quanto dos periferics (hoje elegantemente rcbatizados de “emer- gentes") — tém por objetivo a pura esi prias de um capitalismo “selvagem'y no qua do mercado, me Estamos diance da tentativa de supressio radical daquilo que, como vie ‘mos, Mane chamou de “vitérias da economia politica do trabalho” ¢, por conseguinte, de restauragio plena da economia politica do capital. E por isso ‘que me parece mais adequado, para uma descrisio dos tragos essenciais da época contemporanea, utilizar nfo conceito de revoluso passin, mas sim 38 + Hegemonia 3s svesas 0 de contrarreforma. (De resto, pelo menos nos palses ocidentas, tiara de uma coninarrevoluedo, porque neles o alvo da ofensiva ns no sio os resultados de uma revolucio propriamente dita, mas o reformis no forte que carscterizou o Wetfere State.) Decerto, a época neoliberal nio Ifare, Faro que se deve so- destr6i integralmente algumas conquistas do Welf ‘subaleernoe: Por oucro Tada, nas eitculos neoli- liberal Dretudo 2 resistéucia dos berais mais ligados & chamada “terceira via" (e até mesmo em organi n se manifestando financcires internacionais como © Banco Mundial) v ‘nos tlkimos tempos uma “preocupa¢io” em face das consequi ddesastrosas das politicas ncoliberais (que continuam, m: aplicadss, entre as quais, por exemplo, o aumento exponencial ‘Mas essa preocupagio” — que levou & adocao de politicas socials compen ‘at6ras e paiativas, como € 0 caso do Fome Zevo no Brasil - nao anula 0 fato de que estamos diante de um indiscuttvel processo de contrarreforma Lembremos que Gramsci nos adverre, coniu vinios antes, para o fato de que ae restauragbes [ndo sio] um bloco homogéneo, mas wma combinagdo sub tancial, se ndo forma, entre o vello ¢ 0 nove". © que caracteriza um processo ide contearceforma nio é a completa auséncia do novo, mas a enorme pre- jponderincia da conservacao (ou mesmo da restaurasao) em face das even: ado isso, a ser da pobreza {Como se sabe, Gramsci chamou 2 aten¢f0 pars uma importante con- 2 P scquéncia da revoluco pasa: 2 pritica do tansformismo come modal J dade de desenvolvimento histdrico, um processo que; staves de cooptasio das liderancas politicas ¢ culturais das classes subalternas, busca excluf-las ide todo efetivo protagonismo nos processos de transformacio social. Em- ora se apresente, nas palavras de Gramsci, como uma * a hhegemonia™ o Estado proragonista de uma revolucio passiva nfo pode prescindirde um minimo de consenso. E Gramsci nos indica o modo pelo {ual as classes dominantes obtém esse consenso minimo, “passivo", no caso Bes: ide processos de transicio “pelo alto”, igualmente “passivos”. Ele se refere 8 | Fedlia, mas avanca observagbes vilidas, quando devidamente concretizadas, também para vuties paises e outras épocess suis im ¥.5;p. 143: grifo meu. Anton Grail, Cader do crc idem,» 5,p- 330. (A fegenonte da peep as formas hisricas daquilo que jé foi obsereadg 0 transformismo como uma d ugio passiva’ [..]. Dois periodas de sobre 4 “revolusio-restauragio” ou “revolu oi ronsfoemismo: L) de 1860 até 1900, cansformismo “molecular, isto & as per- sonalidades poiccasclaboradas pelos partidos democriticos de oposigio se in- ase polities” conservadora e moderada (earacte- ‘corporam individualmente 3 rizada pela hostlidade a toda interven toda reforma orginica que substituisse o rigido “domini a partir de 1900, 0 transformismo de grujns rasliaisIneeleos, das massas populares na vida estaral, * ditarorial por uma hegemoni"); 2) {que passim a0 campo moderado."* Ua das razées que parecem justificar 0 uso do conceito de revolusio para caracterizar a época do neoliberalismo é precisamente a gene~ is, seja nos ralizagdo de fendmenos de transformismo, seja nos paises cen perifésicos. Embora néo me proponha aqui a discutir mais direramente 2 cial), ereio que © transfor= questo (que merece, porém, uma atencao 5 ssivo dos processos de revolugl0 mismo como fendmeno politico nio € ex! passiva, nat pode rambérn extar gad a processos de eontrarreforma. Se rio fosse assim, seria dificil compreender 05 mecanismos que, em nossa época, marcaram a agio de sociais-democrata ¢ de ex-comunistas no apoio , mas também fe a muitos governos contrarreformistas em pafses europe némenos como os governos Cardoso e Lula num pais da periferia capitalis= ta como o Brasil! ‘A definigéo de nossa época como caracterizada pela contrarreforma € io por uma nova revolugio passiva tem implicagoes para nossa discussio sobre as caracteristicas das atuais formas de hegemonia. Para Gramsci, como Vimos, as revolugdes passivas tespondem a grandes desafioe histSricos. A. colucio passiva iniciada com a Restauracio, na Europa do s época de lo XIX, pode ser vista como uma resposta “pelo alto” &s exigéncias postas Francesa: muitas das conquistas dessa Revolugio sio reco- pela Revoluci Ihidas, mas a0 mesmo tempo emasculadas, gerando aquilo que poderiamos idem, v5. p. 286. {6B também o ransformismo que explica a conversio, no Bras de Lalas de impor tones lderancas sindieasem gestores dos Fundos previencirio pilin, ou WSs dominantes Prehro consierar que exe proses no afirma Francisco de Olivetaem fem uma nova fasio da transformista gera uma frag de clase € 130, (Grlticad nize duaistal O ornitorrine (Si0 Paulo, Boixempo, 2003) p. 147, uma pngenania 3 NESS Aas de passagem da democracia radical para o liberalismo moderado. | Algo similar ocorre no americanismo (eem sua expansio no Welfare Stee ‘a *eoncessio” de direitos sociais, a adocio keynesiana de elementos de “eco- hnomia programtica’ etc. sio tentativas de responder ao desafio anticapica- lista representado pela Revolucao de Outubro e pela Unio Sovietca ambos 05 casos de revolucio pass xista quanto no am. " Gncia, questées de "grande politica _ democtacia plebeia dos jacobinos (que jé apontava para o socialismo, ainda “Gl UtSpico) € 6 liberalismo burgués moderado; no segundo, a oposicio Ol seja, tanto na Restauragao oitocen- ‘estavam em jogo, em dltima ins- © consecvadores na Inglaterra, entre dircita e “centro-esquenda” na ‘€1c, nao esti em jogo nenhuma opcio entre diferentes modelos de Podemos assim dizer que, na era da contrarreforma neoliberal, ‘sem grandes contrastes a hegemonia da pequena politica. ex". Malgrado todos os seus limites, a tansgio que o pais experimenrou Rite 6 fim dos anos 1970 € meados de 1980 revelou, em seu ponto de chegada, um dado novo e extremamente significative: o faro de que 0 Bra- “sl aps mais de vinte anos de ditadura, haviase tornado preponderante- se observarmos as sociedades “ocidentais”, veremos que elas apre- ing jeulagso da dispura politica © da de interesses, De um lado, h4 um modelo que poderiamos =“forte-americano”, cxracterizado (como ocorteem toda situacio cado, a sociedade civil ers primitive gelatnon: no Ocl- ga scledade cv uma jaca rasa" (Antonio Gramsci, miticos, e de agrupamentos profisionais estritamente corporatives". De outro lado, temos um modelo que poderiamos designar como “europe. Neste, havia uma estrutura partidiria centrada em torno de partidos com base social razoavelmente homogénea, que defendiam projetos de sociedade definidos e diversos entre si; havia ainda um sindicalismo clasista politiza- do, que nao se limirava a organizar pequenos grupos profissionais, mas bus- ave agregar ¢ representar 0 conjunto da classe trabalhadora, Portanto, enc {quanto no ‘modelo norte-americano” temos partidos que defendem um ‘mesmo projeto hegemdnico de sociedade, no “modelo europet” hava uma salurar disputa entre propostas hegemdnicas altemnativas. Se, nos Estados Unidos, 0 socialismo foi sempre uma “ideologia exética’, na Europa ele es eve com fiequéncia no centro da agenda politica. Para voltarmos a nosso tema: no primeiro caso, estamos diante de um modelo politico centrado na snquanto no segundo sio postas em movimento ques t6es de “grande politica’. “pequena politics" [Logo apés 0 fim da dara, o Brasil se viu diante dessas duas possibi- lidades de organizar sua recém-criada sociedade “ocidental”, ou sea, Segun- do um modelo americano (neoliberal) 61)1um modelo europeu (democriti- 0), Se observarmos a vida brasileira dos tilrimos anos, veremos que esses ‘projetos estiveram presentes ¢ marearam a agenda e o cenério politicos de rosso pais por quase duas décadas. Durante esse perfodo, era marcada @ distingso entre nossas dias maiores centraissindicais: uma que se originow claramente inspirada num tipo de organizacéo préximo do modelo europett (CUT) coutra que de modo explicio queria imitar o modelo norte-ametica- ‘no (Forca Sindical). Tunbéim nao é casual que tenhamos tide parridac —em particular 0 PT, mas também outros partidos de ee amos (e temos) segundo um padrio europeu, 20 mesmo fempo que ti 3 Ni poso aqui aprofundar a questi, mas parece tratar-s precisamente de modelo de soeiedade defendido pelos liberais que se inspicam em Tocqueville Ao falar do modelo curopeu, usel sempre os verbos no passado, B que; na propria Europa, em Fangio da aualexpanaio da hegemonia neoliberal no mundo inci, esse model senda progresvament substitu pr sn modelo de dpe nor {ecamerieana Ox parties politicos europeus (inclusive os partidos social-democratas ‘Cexceomunlatas)absemelhams cada vez mals aos norc-americanos, pedendo suas Earacteriticas programdvicas tradicionals; 0 mesmo tempo, 0 movimento sindial omega a assume no Velho Continent alguns crags préprios de um sindicaismo dle resultados: 42. + Hogemonia is avess partidos muito préximos do tipo “norte-americano”, como, por exemple, 0 PMDB, que hoje nio passa de uma federacio de diversficados interesses pestoais € regionais. "A presenga simultines de aparclhos de hegemonia préprios desses dots diferentes modelos revelava, de certo modo, a persisténcia de uma indefin. Gio quanto ao tipo de sociedade ocidental que irfamos construr Infelizmen fe a chegada do PT a0 governo federal em 2003, longe de comtibuir pats Iminara hegemonia neoliberal, como muitos esperavam, reforgou-a de modo ‘ignificaivo. A adocao pelo governo petista de uma politica macroeconémi- {@ aberramente neoliberal ~ e a cooptacio para essa politica de imporrantes movimentos sociais ou, pelo menos, a neutralizagio da maioria deles ~ de- farmou as reisténcias 20 modelo liberal-corporativo ¢ assim abriu caminho para tima maior e mais exeivel consolidacio da hegemonia neoliberal entre fhés: Estamos asistindo a uma clara manifestacio daquilo que Gramsci faou de “rransformismo”, ou seja, a cooptagio pelo bloco no poder das Drincipass liderangas da opuniyav. L essctranaforrizmo, que ji se iniciva fho governo Cardoso, consolidou defintivamente o predominio entce nés dda hegemonia da pequena politica. [Esse tipo de hegemonia se manifesta no fato de que a dispura politica entre nés tem se reduzido a um bipartidarismo efetivo, ainda que nao for- Tal, centradlo na alternincia de poder entre um bloco liderado pelo PT « ‘outro pelo PSDB, que no sé aplicam a mesma politica econémica eso mas também praticam métodos de governo semelhantes, que nio recuam diante de formas mais ou menos graves de corrupsio sistEmica. Nao é casual ‘@tuudin compromisso dezzes dots blocor ne srnrida de “blindar” a econo- nia, ou seja de reduzir a uma questio “técnica’, € nao politict, a definigso daquilo que verdadciramente interes 20 conjunto da populacio brasileira, ‘Mais uma vez, hegemonia da pequena politica. “4, Todas essasreflexocs — certamente apressadas ~ sio postas em questio ‘pela atual crise global do capitalismo, que veio 4 rona no diltimo trimestre ‘de 2008, Serd que teremos de novo, para essa crise, uma solucio & direita, "como fo} 0 caso da vtéra do nazismo depois da crise de 1929 (temor ex- "_prcsso, em recente entrevista, pelo historiador Eric] Hobsbawm)3Seré que 05 i adocio de poliicas keynesianas, ainda que scm muitas conces- ‘aos trabalhadotes, como parece resultar de algumas propostas hoje fas em priica pelos principals plses capitalists} Ser que continvario Athegemonta da peg m3 (Ou seri que, em consequéncia da crise, voltari a predominar a “grande polities", com uma retomada do papel antagonista das Forgas da exquerd € do mundo do trabalho’. re diante dessas questoes que se coloca o angustiante desa- E precise fio que atravesou nosso semindro: “decifta-me ou te devoro”, Sto bastante dichrie hoje oe recursos politicos, organizativos e tebricos de que dspbe 2 ‘squerda em todo o mundo. Por is, ainda que viessemos a decfrar teori- de nosso tempo, o que esti ainda longe de ser feito, talvez continuassemos a ser — como, de certo mado, jf estamos sendo ~ pra- ticamente devorados. De qualquer modo, o principal inde polftica na ordem do dia, tinico modo de quebrar ‘a , portanto, do capicalismo em sua forma hoje € recolocar a emonia da pequena poli acual, a da servidio financeira, Nao se trata de uma tarefa simples. 1 ‘muitos motivos para ser pessimistas. Mas, precisamente por isso, cabe fecordar sempre o mote de Gramsci: pessimismo da inteligéncia, sim, mas nismo da vontade, Ou se, ralismo sem ilusoes na andlise da conjuntura, mas, 20 mesmo tempo, luca para cransformar essa conjuntura, para fazer com que a esquerda volte a ter uma palavra a dizer = € um papel a desempenhar ~ no quadro que se esti abrindo em também 0 ho consequéncia dessa devastadora crise

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