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A velha imagem acada ‘para o negro, que o limitava a uma camisa listrada (vez por putra rasgada, como manda o populismo) um tamborim (que, depois He Pelé em 58 foi, vez ou outra, substitufdo por uma bola de futebol), fuase sempre ilustrados por um amplo sorriso (desavergonhado, apesar auséncia de dentes) e que, no limite, expressava a suposta satisfagio Ko negro brasileiro de ter nascido no Brasil e no nos EUA ou Africa Ho Sul, além do reconhecimento “negro” da democracia racial branca — perdeu a hegemonia nas ruas e espacos piiblicos brasileiros (apesar de ertas insisténcias nos meios de comunicacdes, nos discursos da esquerda jegitimada e entre os autores menos “modernos”), cedendo espacos 2 butras imagens negras — estas forjadas pelos préprios negros: a imagem Ho negro rebelde. Em 1986, depois de Gilberto Gil e suas trangas; de Toni Tornado seu cabelo black power; do guerrilheiro do PC do B, Oswaldao, e 1esmo das aspiragdes de Pelé A Presidéncia da Repiiblica do Brasil, era impossivel que Zezé Mota, com sua sensualidade “negra” ¢ sua cons- ‘iéncia politica radical, juntamente com os cabelos caju de Paulo César © jogador de futebol mais punido e mais “mascarado” do Brasil da Hlitadura militar — nao destruisse parte daquela realidade. Comeca-se, no Brasil, a dizer adeus 4 velha Maria de lata d’dgua na cabega. Hoje, 0 morro — como bem percebeu Leonel Brizola ao tentar urbanizé-lo — quer cantar e fazer a cidade cantar. Inicia-se a tempo do negro desobediente, fora do lugar, porque nao reconhece o lugar que ihe foi definido pela sociedade. A maioria dos negros quer outras imagens. De certa forma, pode-se dizer até que os negros jé podem aparecer com outras imagens na sociedade brasileira. Podem aparecer sisudos ou sorridentes (como 0 personagem Mussum, dos Trapalhées, que, na vida seal apesar de ter nascido pobre e de ter sido criado nas periferias, “ba- talhando” pela vida nos conjuntos de samba, tornou-se um milionétio); podem mostrar seus punhos cerrados (como Pelé fazia 20 marcar seus gols, mas agora por outros motivos), ou de mos espalmadas (como 0 faz Milton Nascimento em seus shows). Podem, como tem preferido 0 empresario Edson Arantes do Nascimento, usar roupas formais (que, como os brancos supGem, sfio as que seus antepassados, eles préprios e, hoje, os préptios negros, importaram da Europa) ou.entao, as ttinicas africanas (extravagantes, segundo consideram os brancos de qualquer matiz ideolégico, ainda que para caracterizar o “radicalismo negro"), como 0 faz 0 deputado Abdias do Nascimento, Alguns, mais radicais, como a antropéloga Lélia Gonzales, chegam a0 ciimulo de apresentar textos académicos utilizando-se de giria (lingua- gem negra, como alguns supdem — 0 “pretugués”, ela se justifica) ou entio, artigos, como é 0 caso. de Joel Rufino dos Santos, tratando da “manha” — uma forma dos negros tratarem o “jeitinho bresileiro” na sua versio nfo branca — ou seja, produzindo, no limite, ideologia negra. Prova desta nova realidade existente no Brasil foi o reconhecimento oficial, a 20 de novembro de 1985, por iniciativa do MEC em nome do governo federal, da condigo de herdi de Zumbi, além*lo tombamento da Serra da Barriga, a capital do Quilombo dos Palmares, considerado pelos dois principais especialistas, Décio Freitas e Clévis Moura, o “maior centro de contestagdo colonial da histéria do Brasil’. A Serra da Barriga foi 0 QG de operagées do primeiro foco guerrilheiro do pais, com proporgées consideradas relevantes. A Serra da Barriga ficou conhecida na meméria colonial ¢ policial como Mocambo dos Macacos — termo até hoje utilizado durante conflitos entre negros e brancos, especialmente criangas na escola, para ofender, de forma pejorativa, aos negros. Em outras palavras, 0 macaco virou heréi ¢ teve reconhecida a sua condigdo de rei — dos macacos e dos homens. Em sintese, o branco brasi- 83 leiro reconheceu que ha um conflito, hé antagonismo racial na sociedade. ‘Agora: o que fazer? Reencontro da legitimidade: a subversdo negra emerge © reconhecimento da condigdo de herdi de Zumbi, o subversivo negro por exceléncia ¢ a recuperagiio parcial da multiplicidade humana das imagens dos negros, refletem um momento sintético e Gnico na histéria do Brasil. E 0 momento da legitimago das lutas anti-racistas, que remontam (Moura, s.d.) desde a fase abolicionista. Mais do que isto, Iegitimam © proprio negro, enquanto sujeito e agente da luta pela cida- dania, ou seja, um individuo que nfo precisa despojar-se de sua condi- cao racial, de sua historia “nacional” nem de suas tradigées culturais para aspirar a direitos na sociedade. Eis um momento-limite, um “momento de encontro” — como diria Kowarick — de um amplo segmento da sociedade brasileira com as aspiragdes nacionais: af comegam a forjar as bases politicas que poderio levar & demolicgo da ideologia de branquitude nacional. A partir daqui — e esta é a conquista bésica dos movimentos negros durante os tltimos anos — os negros comecam a ctiar, na sociedade, tma articulago capaz de interferir na sua ideologia racial. Conquistam seu presente e, num futuro bem préximo, poderdo romper, de forma defini- tiva, com a velha “idéia” social de que eram apenas objeto indireto da oragio — instrumento da histéria —, como ainda trata a historiografia oficial e até certa historiografia considerada progressista, que suprime 0 escravismo da hist6ria das classes trabalhadoras e prevé o fim das desi- gualdades sociais através de uma ideologia que estabelece um perfil branco A classe operaria, sendo percebidos como sujeito « parte inalie- navel da nacdo e da nacionalidade, J nao se trata do escravo “impro- dutivo", como se quis fazer crer, mas do trabalhador livre, integrante das forcas produtivas, de bens materiais ¢ culturais — forca motriz da nacao. Para isto, porém, precisou reconhecer e reconhecer-se em seu passado. ‘Ao mesmo tempo em que os brancos — e o mesmo Estado que, a0 imprimir 0 projeto imigracionista, estabeleceu privilégios sociais ¢ econémicos para os brancos através da “expulsio ¢ marginalizagio dos negros na producio” (Moura, s.d.; Hasenbalg, 1979) — reconheceu Zumbi como herdi, Pelé, o velho astro do futebol negro submisso, oficial- mente visto como alguém desvinculado da populagdo negra e de qualquer possibilidade de conscigncia negra, postula a Presidéncia da Reptblica. 84 Nao importa a tradigéo academicista do Brasil, a forga dos coro- néis, dos latifundidrios e a “modernidade" dos capitalistas, do capital financeiro e da burguesia nacional marginalizada pelo golpe dos mili- fares que ainda controlam o poder... Nem o racismo importa, com suas restrigdes, a0 ex-jogador de perfil ideoldgico reaciondrio © sem tradigo de manipulagdo de poder; o que importa é que hoje hd um negro que causa arrepios aos candidatos ¢ setores de elite ao aspirar a Presidéncia da Reptiblica do Brasil. Ele quet ser o ptimeiro presidente negro... Afinal, ele é o grande heréi .negto que venceu a forga e a “maldade" dos brancos, Ao se torar o que é, vencet 0 poder branco, subverteu o seu destino, mudou seu lugar na sociedade, De fato, no tém importado, em muitos circulos negros, as condi- ces sociais adversas ou as desigualdades raciais, Nos ultimos vinte ¢ cinco anos, 0 que comecou a importar entre eles € que, no plano indivi- dual e coletivo, em algum nivel da sociedade, conseguitam criar algumas pontes de igualdades com segmentos expressivos da populacio branca. Ou seja, decorridos 98 anos desde a abolicdo da escravatura hd, no Brasil, alguns negros que nio sé podem se “comportar” como brancos, como também aspirar a lugares até entéo ocupados apenas por brancos, Em sintese, este é o fato: comeca aqui a fase real e concreta da subversio negra; no exato momento em que o negro se faz reconhecido enquanto individuo inteiro, sem se despojar de sua condi¢do éinica ou cultural e, assim, tal qual ele 6, provocar mudanas reais nas estruturas sociais e na cultura brasileira. A Inte Ainda que o espago para este trabalho © as condigdes para sua claboraco sejam exiguos, vale a pena arriscar um cenério alternativo ¢, assim, buscar um quadro explicative para estas transformagdes. Afinal, vao-se pouco mais de quatro décadas desde que Artar Ramos denun- ciou uma “conspiragio do siléncio” contra os negros brasileiros ¢ niio atravessamos ainda fase compardvel a vivida pelos negros norte-ameri- canos, onde uma revolucdo anti-racista colocou a América do Norte em polvorosa, nem chegamos & fase das lutas sul-africanas, onde 0 apartheid comeca a set questionado por negros e brancos de todas as classes sociais. Na verdade, 0 quadro inicial que se tem é do total isolamento do negro brasileiro, certamente 0 mais “acomodado” de todo o mundo, segundo noticias sobre o racismo e seu combate no mundo. 85. Em primeiro lugar, & necessério questionar 0 que se tem chamado de acomodagao do negro brasileiro ou 0 velho mito de que no Brasil “nao hd conflitos raciais porque o negro sabe qual o seu lugar”. Tal afirmacdo, em tiltima anélise, além de ndo refletir a realidade de lutas anti-racistas travadas durante todo o perfodo escravista e, depois da abolicao legal da escravatura, € insuficiente para explicar a aparente auséneia de con- flitos raciais no Brasil. Nenhum ser humano, como também nenhum animal, define como seu o pior lugar da sociedade, se nao for forcado a isto. B preciso que tal lugar seja definido por alguém e ele seja forcado a ali ficar —~ aspi- rando ¢ buscando formas para a transformacdo. Submissdo revolta tio séo inerentes ao homem, ao contratio de sua constante luta pela vida, sobrevivéncia © reproducao para a preser- vacao da espécie, em iltima anélise. O que precisa ser analisado, portanto, € qual o cardter do conflito racial brasileiro. No Brasil jé hé uma considerdvel literatura sobre a experiéacia escravista brasileira, Néo nos cabe entrar aqui no mérito dos debates em torno do seu cariter, mas interessa tio simplesmente, ressaltar 0 con- tinuo esforco de Iuta do escravo por sua liberdade. Hé na literatura .sobre revoltas de escravos, uma infinidade de exemplos do esforgo negro pela insubmissio de negros, de negros ¢ brancos e de brasileiros em geral. Pode-se citar, neste sentido, a Balaiada, © préprio Quilombo dos Palmares, as experiéncias de Quilombos em geral, como 0 de Campo Grande (talvez com as mesmas dimensdes de Palmares), 0 do Jabaquara e outros menores, a revolta dos Malés que perdurou durante 50 anos na Bahia e uma infinidade de manifestagdes. Pode-se dizer até que a experiéncia escravista brasileira é a propria expe- riéncia da revolta permanente das classes oprimidas do pais e a mais sanguindria represséo movida pelas classes coloniais (Chiavenato, 1981). Ainda que as manifestagdes de rebeldia negra tenham assumido um cardter cada vez mais racial e coloralista no plano politico, ela sempre se manifestou em toda a sociedade. A propria Revolta de Canudos, lide~ rada pelo mestico Antonio Conselheiro, se no tinha um cardter negro explicito, sua composigéo social nao-branca nos autoriza a inclu-la eatre 0s eventos de rebeldia negra. Por outro lado, na medica em que os negros formaram, durante todo 0 periodo da histéria do pais, o seu segmento mais explorado, nao € crréneo afirmar que a experiéncia repressiva imposta pela classe do- 86 minante aos segmentos explorados é, em esséncia, a experiéneia negra da nacionalidade, Sio a represséo, a violéncia, os crimes cometidos contra os marinheiros que se insurgiram sob a lideranga de Antonio Can- dido, os fatores que acabaram por determinar o lugar do negro na sociedade e suas estratégias de luta pela transformacio, antes da socie~ dade, de suas préprias condigdes de vida. comum dizer-se que a experiéncia colonial brasileira, marcada pela exploracio predatéria pela economia exportadora, contréria da norte-americana, colonizadora — no sentido estrito de que o colono europeu dirigia-se aos Estados Unidos para ali viver — ajuda a explicar a diferenca do racismo manifestado nos dois paises. De fato, a imigragio massiva de brancos para o Brasil deu-se basi~ camente, da metade do século passado até a terceira década deste. Por outro Jado, ela ndo foi téo significativa quanto nos Estados Unidos, em relacdio ao crescimento da populacdo negra. O witimo censo ofieial brasi- Jeiro realizado em 1980, apresenta um indice populacional negro consi- deravel, apesar das condigdes adversas de vida da populacdo negra, do controle da natalidade nas classes populares, dos altos indices de morta- Jidade infantil entre a populagéo despossufda, de baixa expectativa de vida em vigor durante toda a histéria do pais, dos conflitos entre 0 apa- telho policial ¢ os cidados, com elevados indices de mortalidade entre ‘98 negros ((como indicou 90 economista e deputado federal Eduardo Matarazzo Suplicy, em 1983, em trabalho apresentado a Assembléia Legislativa do Estado de Séo Paulo). Os negros sio 44% da populacao brasileira, considerando-se pretos ¢ mulatos, como os organismos.oficiais insistem em referir-se aos negros. Este dado, em tiltima andlise, revela uma eficiente estratégia de sobrevivéncia, especialmente se considerarmos a dentincia de Abdias do Nascimento em trabalho apresentado durante o Festival Mundial de Cul- turas Negras da Nigéria em 1977, onde afirma que ha um projeto oficial para exterminar a populaco negra do Brasil. Outro fato comum, especialmente entre intelectuais brasileiros € 0 de debater, sem, chegat a conclusées mais profundas, qual a diferenga entre cultura popular e cultura de elite ‘no Brasil. © mesmo debate também é comum-entre os ativistas ¢ militantes dos movimentos negros, além dos emergentes intelectuais negros. S6 que neste segmento da sociédade brasileira modificam-se os conceitos que 87 passam a ter senéo um sabor étnico-racial, ao menos denominagdes que se poderiam chamar, no limite, de coloralistas. Passa-se debater qual a diferenga entre cultura negra e cultura branca. Ai, novamente no limite, a primeira, apesar de refutada concei- tualmente enquanio tal (popular) pelos “nacionalistas negros”, 6 efeti- vamente a cultura popular; a segunda, a de elite, € a cultura branca. A parte insoltivel do debate entre negros diz respeito a seguinte indagacao: por que setores das elites, hoje, no perfodo de maior mo- dernizagio da sociedade, ainda aderem as culturas populares? © que importa dizer e constatar, neste sentido, é que as chamadas culturas negras — ou culturas de matriz africana — estéo profunda- mente enraizadas no idedtio popular. Apesar da dura repressio as escolas de samba e outras manifesta- Ges de musica negra, do inicio do século até hoje, em determinados contextos e apesar da subordinacdo, até a metade da década de 70, dos candomblés as delegacias policiais, juntamente com a concessio de privi- Iégios tributérios, a oficializagdo e propaganda dos cultos cristos feita pelo Estado ¢ meios de comunicacio em prejuizo dos cilltos nao-cristaos, as misicas negras © os candomblés esto mais do que vivos no pais so a esséneia da cultura popular e nacional. Hoje a umbanda transformou-se numa das maiores religides do pais. A bossa-nova — um filhote de samba com jazz — foi capaz de revelar as elites a possibilidade de constituir, no plano musical, uma alternativa que nao aquela oferecida aos povos néo-europen (¢ até mesmo aos euro- peus de fora da Europa) pela matriz colonial; ensinou que hé outras formas de erudicio Eis af, talvez, material para uma primeira conclusdo, ou seguindo a rota tragada de inicio, para uma primeira paisagem de cendrio alter- nativo; no Brasil, como em aenhum outro pais com as proporgoes ter- ritoriais do mundo colonizado pela cultura colonial escravista européia- africana, 0 conflito racial expressou-se tio explicitamente po campo cul- tural. E, apesar deste texto ser dirigido a intelectuais, no é necessario ser intelectual para perceber, como bem mostrou Jorge Amado ¢ depois a TV Globo" adaptando a “Fenda dos Milagres” para 0 video, 0 vigor do confronto cultural entre negros e brancos. © poder branco brasileiro, além das escolas ¢ meios de comunica- cdo, a milenar estrutura de Igreja Romana, o Estado e todo seu aparato 88 de Tormaceo educacional ©, Tinlmente, © aparato” poncral, pazes de vencer a Yalorixé que até hoje costuma dizer aos seus Yads Ciniciados nos cultos):.“VA para a escola estudar, mas jamais deixe de bater a cabeca para Xang6”. Nao so apenas negros os que batem a cabeca para Xang6.... ‘A questéo do confronto cultural entre negros e brancos € suas conseqiiéneias para a definic&éo da vida ¢ da cultura, além da politica brasileira, néo deve ser analisada apenas do ponto de vista organico, ou seja, de quantos negros ¢ quantos brancos so adeptos do candomblé, das escolas de samba, dos afoxés ¢ outras formas ndo-curopéias de cultura, O problema crucial encontra-se na definigéo do préprio modo de ser do brasileiro que, hoje, por mais branico que possa ser, quando visto pelo europeu (0 verdadeiro branco, o puro, o legitimo, como se costuma dizer ironicamente entre negtos), é visto come “um branco fora do lugat Em esséncia, podemos dizer que ai se encontra um dos aspectos do caréter do racismo e, em decorréncia, das lutas anti-racistas brasileiras, ow seja, das estratégias de luta das populagdes negras por sua sobrevi- véncia. Hé algo minado, no que se poderia chamar de poder branco brasileiro; algo fragil e inconsistente dentro de uma suposta estratégia que the permitisse tracar, de forma integra, uma ideologia de suprema- cia racial. Deste ponto de vista, quando muito, 0 sujeito do racismo brasileiro & um branco de segunda classe, desprovido de “branquitude”, sem dignidade racial,-na verdade, objeto direto de um proceso de que desco- nhece os limites: 0 capitdo-do-mato de um sistema mais amplo ¢ profun- do, sobre 0 qual ndo exerce controle. No limite do discurso politico € que os ativistas, militantes © inte- lectuais negros tentam dizer que: “todo branco tem um pé na senzala. . .” E que a senzala invadiu a Casa Grande para ensinar como pensar a vida e como vivé-la melhor. Em outras palavras, 0 branco brasileiro néio passa de um escravo — escravo da propria branquitude. A branquitude do europeu. Certamen- te, foi no terreno dos conflitos raciais brasileiros em que o poder branco ¢ sua coesdo revelaram maior fragilidade que no movimento negro, apesar de no sc expressar no plano politico formal, ‘avangou € conso- lidou posig6es. As lutas politicas formais foram travadas pelos negros que nao resistiram ao fascinio cultural branco e que, submetidos pelo 89 poder econdmico, resistiram com as armas da propria sociedade @ sua exclusio. O momento de reencontro entre estas duas vertentes da popu- lacho negra em luta, na sociedade brasileira € 0 que dé 0 contetido & a legitimagao da identidade ¢ da consciéncia negra. Até entao, no en- tanto, invertendo a imagem utilizada por Artur Ramos, 0 combate anti- racista, no Brasil, consistia numa verdadeira guerra do siléncio. Sua legitimagao, no entanto, € 0 que dara forma real & palavra negra anti-ra- cista e radical na sociedade brasileira. Poder e desencontro “Os governos da América do Sul nfo sto comparavets, sentio ao Império, do Haiti; 6 preciso, daqui para a frente, aceitar este fato. 1 so os homens ‘que ontem aplaudiam com entusiasino a pretendida emancipacdo destes vos © que esperavanl disso os mals belos resultades, silo esses mesmios homens que hoje, tornados incrédules sobre um futuro que tanto estinu- Jaram com seus yotos de confianca, predizem a necessidade de um jugo sobre estes amontoados de-mesticos e dizem ainda que sé 0 jugo estran- geiro pode dar a este povo x edlucagio forte de que necessitam.” Govinean A afirmagéo do general De Gaulle de que “Os brasileiros nao sio sétios” — assunto de debates no Brasil — talvez se inscrevesse no uni- verso mental de Gobineau que jé teria dito que, no Brasil, do presidente ao tiltimo vadio, por sermos iguais, terfamos todos o mesmo destino: 0 subdesenvolvimento. Gobineau, naturalmente, ao contririo de De Gaulle, um homem muito mais civilizado, além de ter sido um combatente anti- fascista, partiu de uma premissa racista, a de que serfamos todos mesti- cos, portanto, incapazes de nos comportarmos 2 altura das civilizacdes brancas superiores. No caso de De Gaulle, ele apenas entrou no “clima brasileiro”. E brincou, como é comum entre os europeus que, ao'conhe- cerem nosso pais, aderem ao que se convencionou chamar de “‘culturas de brincar” — as culturas negras ou culturas populares, segundo © en tendimento nacional. Outro tema de debate, particularmente, entre os movimentos negros, diz respeito a eficiéncia da estratégia cultural no proceso de reorga- izacdo politiea das populacées negras nas lutas anti-racistas, Este ¢ con- siderado importante porque diz respeito a outro debate sobre a estratégia do negro ¢, portanto, de parte da populacdo brasileira para a superacdo do subdesenvolvimento. Um elemento de perplexidade dos movimentos negros e seus mili- tantes ao ingressar nesta polémica é a constatagdo de que, do ponto de 90 Vista politico © economico, o process’ eivilizador exercido pelo neato, junto a0 brasileiro branco, no trouxe genhos considerdveis, Ou seja, ainda hoje a condigao de miséria econémica persiste entre a maioria dos negros que, segundo os dados do censo de 1980, tem rendimento pelo menos 40% inferior aos auferidos pelos brancos; nao tém qualquer representacio politica na sociedade e no parlamento, nem forca de influéncia junto as liderancas dos movimentos sindicais e populares, Na verdade, 0 que se pode dizer é que neste campo, os negros brasileiros tém sofrido os maiores reveses, ¢ a brutalidade do racismo branco tem se manifesiado com maior eficiéncia. Por outro lado, diante deste desafio, também comegam a se concentrar hoje os principais es- forcos da populacdo negra, no sentido de tragar uma estratégia que, desmentindo Gobineau, salve nao sé os negros como também o Brasil da rota ¢ da rotina do subdesenvolvimento. Os militantes negros, em geral, até hoje manifestam indignagao com as palavras de De Gaulle. E que as “‘culturas de brincar” so, no limite, as culturas negras ¢ nao a brasileira. Os negros sao os responsaveis pela - falta de seriedade nacional, ja que este adjetivo ado cabe aos europeus. De fato, quem vé a realidade racial brasileira pode perceber que ha muita seriedade no tratamento das questdes politicas, culturais, sociais ¢ raciais. Por outro lado, apesar da profecia de Gobineau, uma séria di vergéncia marca os intelectuais negros ¢ brancos no Brasil. Apesar de ambos viverem com o estémago no pais, os brancos tém suas cabegas na Europa, ainda que enegrecidas, enquanto os negros tentam colocar as suas na Africa, uma das regides do terceiro mundo, seu continente de origem. Esta divergéncia diz respeito basicamente as diferentes estratégias gue, supostamente, podem emergir em relacZo ao desenvolvimento na- cional. Dentro desta perspectiva, a hegemonia até este momento coube aos brancos euro-brasileiros, como se poderia nomeé-los, em contrapo- Sigdo aos afro-brasileiros — uma autodefini¢go feita por muitos militan- tes negros que pretendem extrapolar, na definigao politica da naciona- lidade, a cor da pele. . A hegemonia branca ou “europdide” como costuma chamar o deputado federal Abdias do Nascimento, em substituiggo a outro termo que prefere, “brancéide", tem um marco histérico bem preciso: o pe- riodo em que Marx, na Europa, divulga o Manifesto Comunista, na metade do século passado, onde os revoluciondrios europeus tentavam impuisionar a revolugio proletdria na Europa capitalisia — © que, alias, ot ‘acabou ocorrendo na Russia atrasada. Porém, € neste periodo que come- ca a ser esbocada-a politica no Brasil e se comegam a fazer os primeiros investimentos para a imigragdo de trabalhadores europeus, Em titima anélise, a opcao pela imigracZo branca em substituigdo & mao-de-obra negra, de origem africana, reflete uma opc%o politica e a estratégia de desenvolvimento pela via européia 0 que, em outro extremo é 0 fato politico gerador dos movimentos negros no Brasil, como uma forma de resisténcia & discriminacdo racial implicita na estratégia de desenvolvi- mento do pais. Por fim, a conseqiiéncia final da idéia e do proceso de organizagio dos movimentos negros contém a outra face da estratégia do desenvolvimento brasileiro, ou seja, a sua via africana, implfcita em sua tradicdo popular de experiéncia africana — ou de africanizacho — da sociedade. De fato, é importante ressaltar que o trago comum dos movimentos antiescravistas de todo periodo colonial e do império nao foi o aspecto coloralista. Quando muito, as experiéncias mais antibrancas, do escravo, tinham cardter nacional no sentido de resgatar, no Brasil, uma expe- rigncia especifica de determinado povo african (as tribos, segundo os conceitos antropolégicos mais vulgarizados na sociedade brasileira). Na maioria das vezes — e esta foi a experiencia de Palmares —, a rebeldia do escravo estendia-se a todos os oprimidos, indios, brancos explorados até mesmo pequenos proprictarios e muitas vezes até mesmo aos gran- des proprietérios. Afinal, Palmares negociava armas com fazendeiros bajanos, com quem estabeleceram alianga em certo periodo de sua existéncia. Existiam brancos em Palmares. Quando 0 movimento de oprimidos, no Brasil, em determinados segmentos, comega a expressar uma consciéncia étnica especifica, é como resposta ao esforco branco de afirmagio racial. Tal reflexdo genha importincia porque caracteriza o cardter “nie negro” dos movimentos organizados por negros no periodo que precedeu a imigragio de europeus para o Brasil. Este cardter racial é novo na histéria dos movimentos de oprimidos brasileiros e foi definido em func&o das expectativas brancas € da aco do racismo do Estado. Neste sentido, vale a pena citar Carlos Hasenbalg, quando se refere & implantagao do trabalho branco no Brasil (ou das classes trabathadoras braneas): “os trabalhadores negros foram destocados por imigrantes, no. apenas, dias plantagdes de café, mas também dos centros urbanos que estavam numa fase de rapide desenvolvimento econémico ¢ social, Negros e mula- tos foram assim exeluidos dos sotores de emprego niais dintimicos o limi- tados a situagées de desemprego on empregos em servicos nflo-quallificados. 0 Zato crucial, no entanto, é que o desloeamento da forca de trabalho nse branca ndo resuttou da presse organizada da classe trabalbadora branca — que, politieamente, nfo tinka vor dentro da moldura oligirquica da Pri- metra Repdblica — mas antes das inlcfativas, preconceitos ¢ preferéncias dos plantadores e ompresirios urbanos” (1979: 288) Com a anuéncia do Estado, naturalmente, da mesma forma que, trinta anos depois, cedeu aos apelos contra o “perigo amarelo” entio, precavinha-se contra o “perigo negro”. Esta 6, alids, a forma de garantir ndo apenas 0 “futuro branco” do pais mas, de fato, a “via européia” de desenvolvimento. Outro aspecto importante a ser lembrado aqui é a experiéncia impar de dignidade racial e participagdo auténoma dos negros na histéria do Brasil, Palmares. Trata-se da experiencia das populacdes nativas. No limite, a importagdo de escravos africanos para o Brasil se deu, segundo a historiografia tradicional, em funedo da resisténcia.e “incapacidade” dos indios para © trabalho escravo. Segundo a légica colonial, portanto, como méo-de-obra substitutiva da m&o-de-obra local. Se comparadas, as histérias de africanos ¢ nativos, os negros acaba- ram sendo tao priviiegiados na produca0 quanto os europeus, Necessé rios ao trabalho, sobreviveram enquanto a populacio nativa ou subme- teu-se a violéncia sexual dos senhores (no caso das mulheres que acabaram por parir considerdvel populacio mestica, cujos padrées cultu- rais se perderam menos que sua meméria e sua dignidade étnica no processo de formacio do povo brasileiro) ou 4 morte. Basta comparar 0 nimero de nativos calculados pelos primeiros colonizadores ¢ os ntime- 10s atuais; das varias etnias e racas que formaram e viveram a experién- cia brasileira, foram os Gnicos que praticamente desapareceram ante a violéncia da ocupacio portuguesa. Na verdade, cabe lembrar, os nativos de todo o continente americano, quando tiveram contato com a escra- vidio negra em larga escala, desapareceram como os negros argentinos (Reid, s.d.). Além de suas proprias formas de organizacdo que persistem até hoje em intensa tuta anticolonial — a UNI (Unido das NagGes Indige- nas) até hoje Juta por autonomia para as nagdes indigenas —~, a tmica experigncia democrética vivida pelos nativos americanos, em territério brasileiro, foi em Palmares, onde se organizaram de forma independente, num Mocambo, onde eram aut6nomos. Esta realidade organizattva, menos que o “carter intuitivamente democratico”, inerente a0 negro, 93 ‘como sugerem alguns antropéloges colonialistas, foi o resultado de uma necessidade comum aos povos africanos e nativos em sua “experiéncia brasileira”, No regime escravista era impossivel, do ponto de vista hist6rico, sem a superagio do escravisino, a elaboragdo e consecugao, pelo africa- no, de uma ideologia colonial nova. Provou-o a derrota ¢ a ampliacio das perspectivas ideolégicas do Malés na Bahia. £ natural que a excliséo do negro do mercado de trabalho ¢ do centro da produgio econémica, além do seu significado econémico — que sdo as profundas desigualdades raciais que persistem até hoje (ver Nelson Valle e Silva & Carlos Hasenbalg, ANPOCS, 1979-80) —, tem um sentido politico: consolidar no Brasil um projeto colonial de expansiio burguesa. Atras do discurso modernizador oficial de que “o trabalhador branco estava melhor preparado para a industria", esconde-se 0 objetivo central da opeio branco-européia da colonizagio: a docilidade, em fun- do da identidade © da rede de solidariedade do trabalhador europe diante da burguesia branca, como melhor opedo em relagao ao escravo, ante a hipétese do confronto racial. O preco da docilidade do trabalhador branco, ainda que os histo- riadores marxistas ou progressista em geral procurem taxé-la de rebelde, foi o privilégio racial, ou seja, a desigualdade racial a seu favor, a chance de ascensio social (ideologia do enriquecimento de que fala Flo- restan Fernandes) e a protecdo do Estado diante da competicao com 0 trabalhador n&o-branco. A dtea de conflito cm que atua o trabalhador branco, porianto, € entre brancos, com as classes dominantes ¢ jamais em relagdo & populacéo negra ¢ ndo-branca; af o Estado assume a res- ponsabilidade branca. O operdrio imigrante nunca se insurgiu contra 0 privilégio racial. O limite, no sentido politico da imigracao branca para o Brasil, porém, néo se encontra na docilidade do trabalhador branco para com as elites brancas, em caso de conflito racial. O limite se encontra no seu engajamento no projeto colonizador e civilizador que as classes burgue- sas pretenderam dar 20 processo brasileiro. A argumentagio utifizada na Europa para atrair o imigrante (0 enriquecimento facil, segundo Florestan Fernandes) revela a capacida- de das elites brasileiras em recuperar, no continente de origem, os velhos argumentos que moveram a colonizacéo. Recupera a utopia descrita por Sérgio Buarque de Holanda (1985) de busca do paraiso 94 Perdido e que, tedescoberlo, lez a Tiqueza da Europa, a Amenea, Para as elites locais, portanto, a imigracZo tem o sentido de resgatar a sua propria dignidade racial, ou seja, representa, ainda que de forma tardia, a esperanca branca da colonizacio. Nao € &-toa, ou to simplesmente um acaso econémico, que as populagdes brancas se concentrem em de- terminadas regides ¢ recebam estimulo para experienciar todo tipo de novas formas de organizagao social Na verdade, se compreendermos que as classes burguesas tém um sentido mundial ¢ que a imigracdo brasileira ocorreu exatamente no periodo de emergéncia do imperialismo, nada mais correto que admitir- mos 0 essencial do processo imigratério que é o adiamento para o futuro; afinal (néo somos o pais do ano 2000? Alids, esta data foi estabelecida para que af sejamos uma naco branca e Paulo Maluf, em contraposicao, em documento sobre controle da natalidade, teme que o Brasil se torne negro) da tarefa inacabada: a consolidacio do projeto colonial ¢ a construcéo da grande civilizagdo branca do tépico, Neste sentido, os imigrantes sé (ou foram) a “esperanca branca”: representam a oportu- nidade, néo s6 de garantir a hegemonia, como de purificar a “raca”, branqueando-a ainda mais. De certa forma, eis aqui outra face do racismo brasileiro: a sua face colonial. Alids, vale 2 pena indagar: a experiéncia branca da nacio- nalidade nfo teria sido a experiéncia do privilégio? Na medida em que foi excludente, a identidade branca nacional nao teria sido também a face da repressio? Volta as raizes As fissuras causadas no ritual do racismo e da ideologia da demo- cracia racial brasileira no podem ser entendidas como conseqiiéncia apenas da agao cuitural. Ai encontra-se apenas uma das faces da estra- tégia de lula anti-racistas travadas pela populagdo negra. A outra face é politica. E, no seu limite, reflete as aspiragdes e transformacées econd- micas da sociedade e, de forma particular, da populacéo negra, no seu interior, Na verdade, pode-se dizer as mudangas provocadas na ideologia da democracia racial sio resultado de um longo processo de lutas, mudancas e acumulagao de forgas politicas que, apesar de desenvolvidas num ritmo diferente das lutas culturais que, no limite, também so poli- ticas, combinam-se e, a partir das conquistas econémicas consolidadas durante a década de 70, chegam a um ponto de reencontro. 95 A caracteristica comum de ambas, porém, é que procuram impul- sionar a populacéo negra de volta a seu antigo lugar; no centro da producao. Esta, alids, € a grande ironia do racismo na histéria brasi« Ieira: a violencia do processo excludente, na produgio, foi capaz de forjar, no negro, uma ilusfo de que o retorno a eseravidao seria uma saida mais “fécit” do que a sua integracio no mundo dos trabathadores livres. Esta talvez seja uma via explicativa para a aparigéo, durante a década de 30, de correntes do movimento negro que pregavam o re- torno A monarquia (Fernandes, 1978). Sobre a violéncia do proceso de substituigao da mao-de-obra no Brasil, um texto bastante significative é a obra de Carlos Hasenbalg (1979). Ele lembra, por exemplo, que nos primeiros 18 anos apés a aboligao legal da escravatura, ingressaram no Brasil quase 1,5 milhdo de imigrantes europeus, mais da metade da populacdo brasileira branca em 1872. Outro dado bastante ilustrativo deste problema é aquele relativo a0 niimero de empregados domésticos em 1890, na cidade do Rio de Janeiro (até hoje uma cidade visivelmente de maioria negra), De 74.785 domésticos, apenas 41.320 eram ndo-brancos. O fato ¢ revelador, quando se sabe que a fungio da imigracdo teria sido a de abastecer o Brasil de mao-de-obra especializada, Para finalizar este capitulo sobre a substituicao racial da mao-de- obra, outro dado nao € desprezivel quando se considera que © projeto modernizador inicia-se junto com a imigragdo, que segue pelo menos, até 1910, em ritmo febril e; em 1940, 65,9% dos trabalhadores brancos estavam no setor agricola da economia. Ainda que a industrializago no tenha sido um fator de democra- tizagao racial, quando ocorreu de fato, no Brasil, foi um fator de desen- volvimento para a populacéo negra. O que se deve considerar para entender tal fato é que a industrializagio brasileira teve um inicio efetivo, apés a década de 30, em que foi estancado o proceso migrat6rio. Outro aspecto importante, também lembrado por Hasenbalg, para caracterizar a desigualdade na distribuigdo de oportunidades raciais, € 0 fato de que, com a guerra, a intensificacéo econdmica beneficiou ao negro norte- americano. O mesmo, porém, nao ocorreu no Brasil, j4 que a populacdo negra ingressa percentualmente nas classes trabalhadoras na proporcdo de dois para quatro em relagdo aos brancos. ‘De qualquer forma fica evidenciado que, durante a década de 30, com a paralisacdo da imigragdo e com a regulamentacao da situacao das classes trabalhadoras, as condiges de vida das classes trabalhadoras 96 negras comecam a se modificar. Comeca a inverter-se, por exemplo, durante 05 iiltimos 56 anos (de 1930 a 1986) 0 proceso de concentragio de populagdes brancas, na regidio Sudeste, que havia se exacerbado du- rante 0 proceso migratério; diminui também a légica de maior concen- trago negra no campo, em relagio aos brancos majoritérios nas cidades. ‘Os negros comecam a procurar os centros de poder. Para exemplificar melhor como 0 avanco dos anos € da industria lizago diminui as distincias entre as racas na produgdo, vale a pena analisar a tabela a seguir, relativa aos anos 40 € 50: NB — Cai menos de 9% no campo, Vai de 77,4% para 68,7 B — Cai 10% no campo. Vai de 65,9% para 55,8%; NB — Sobe 2% na indiistria. Vai de 8,6 para 10,6%; B — Cresce 4% na indtistria, Vai de 10,9% para 14,6%; NB — Sobe menos de 7% no comércio € servigos. Vai de 14% para 20,7% ; B_ — Cresce 6% no comércio e servigos, Vai de 23,2% para 29,6%. * A populagio branca no Sudeste aumentou na proporgio de 30% ; pouco mais de 3% no resto do pais e em 20% no total do pats. ® A populagio ndo-branca aumentou 40% no Sudeste, por volta de 22,5% no resto do pais, e aproximadamente 21,5% em todo pafs (Censo 1940-50). Outra tabela, tratando da concentragéo da populagdo nas regides, das quais destacaremos apenas SP, RJ e Nordeste, mostra a evolugaio da populagdo etnicamente, por regides: Their 70 78 B [3B [5 [xs|s [xp a a0 | 85 102 | 24 | 200 | 107 ma | 30) zis eo | a1 _| 307 XE 25,0 [586 208 [526 | 189 | 472 onsow 1950-00 ¢ PNAD 78 Como se vé, portanto, apesar de persistir a concentragao branca na regido Sudeste, notadamente Sao Paulo ¢ Rio, aumenta a populagio de negros nesta regio. Em contrapartida, 0 Nordeste comeca a se transformar numa cidadela negra... 97 De acordo com o PNAD, a estimativa das pessoas que trabalharam or cor, segundo os setores de atividade, em 1976 é a seguinte: Campo. Tahiti Comeéreto ‘Outre Pode-se perceber que ha uma evolugio em diregio a retomada, pelos negros, de sua antiga posiedo no mercado de trabalho. Em linhas gerais, diga-se de passagem, pode-se estabelecer trés diferentes fases politicas das Jutas anti-racistas no Brasil durante o periodo posterior 20 fim legal da escravatura: uma primeira, marcada pela criagdo de enti- dades negras culturais, escolas de samba, de surgimento dos candomblés novos, imprensa negra na regio sul etc., que-vai ao fim da abolico até © final da década de 30. Esta fase, além da organizacdo das culturas negras, 6 marcada por um processo intenso de debates ideol6gicos ¢ de afirmacao racial por parte do negro brasileiro, que est nas fronteiras dos mundos negro branco, rente produedo. A segunda fase, interceptada pelo Estado Novo, inicia-se durante a década de 30. E quando se dé um proceso de unificagéo das entidades negras, ou seja, um esforco neste sentido nas regides Sul e Sudeste, mas com repercussao em varias regides do pais. Neste periodo organiza-se a Frente Negra Brasileira que, a0 se transformar em partido politico em 1936, é fechada pelo governo. Ha um dado particularmente importante neste perfodo. & quando o segmento chamado-politico do movimento negro (ou seja, aquelas enti dades cuja “agao de conjunto esto explicitamente voltadas para o com- bate ao racismo”, como se refere Joel Rufino dos Santos & polémica interna do movimento negro sobre a legitimidade maior das entidades militantes no mundo branco ou de organizagio cultural do negro no combate ao racismo e tém uma composigio social de negros considerados praticamente aculturados ou sob um processo de “branqueamento”) atua no sentido de legitimar o reingresso do negro na sociedade; sua reivin- dicagao basica € o trabalho e praticamente organiza os negros que “atuam e tentam viver no mundo dos brancos”. A filtima fase encerra-se em 1982 ¢ pode-se dizer que ela germina desde 0 fechamento da Frente Negra. O primeiro sintoma de seu inicio se 4 durante a luta pela Assembléia Nacional Constituinte e persiste numa petspectiva de afirmacdo da cultura negra no mundo branco, pratica- 98 mente durante toda a década de 50. Esta, vale lembrar, é também a fase que sintetiza uma experiéncia de aculturacdo do negro no mundo branco, a© mesmo tempo em que se inicia sua busca pela volta as origens, ou seja, 0 mundo negro que, no limite do isolamento politico ¢ cultural a que 0 negro brasileiro foi submetido em relagao ao resto do mundo, §, em esséncia, sua busea desesperada por uma identidade — a pedra de toque para a reconstrugao da sua dignidade racial que, no caldo de cultura a que se submeteu, em meio a todas as contradigdes nacionais, & a sua dignidade humana. Ainda que esta fase do movimento negro tenha sido interrompida pelo golpe militar de 1964, ela acabou nao sendo de todo sufocada, Primeiro, porque, se 0 novo modelo econémico significou um achata- mento para os saldrios das classes trabalhadoras em conjunto, por outro, significou a expansio da economia ¢ a ampliagao das oportunidades de emprego para maiores camadas da populaco negra. O que para o branco foi a sua proletarizagdo (no limite do projeto colonial, nio des- prezado ainda pelas elites, foi, para os filhos dos imigrantes brancos, 0 fim da utopia do paraiso nas Américas, a traigGo & sua propria esperanga branca ¢ a esperanga dos brancos pobres, eapaz de gerar a indocilidade €, até mesmo, em muitos casos, o fim da opgio pelo projeto europeu, esmagado pela divida externa), para os negros foi a armadilha que a histéria Ihes dew para enredar a ideologia da democracia racial, Por mais irdnico e contraditério que possa ser, foi quando apareceu para os: negros, no horizonte da sociedade brasileira, a perspectiva de igualdade. Negros e brancos foram socializados na miséria, E ai apare- ceu, de forma definitiva para a populacdo negra, a brecha para o seu reingresso histérico definitive, nfio sé no centro da producdo, como no centro da vida politica nacional. Como diz Lélia Gonzales (1979-80), em seu texto sobre racismo © sexismo: “O rei té pelado, E 0 corpo do rei € preto e o Rei € 0 Escravo”, © reencontro Sobre o encontro entre as duas vertentes da cultura negra, naio nos esquecamos de dois aspectos fundamentais deste periodo. O primeiro, a letra de um samba, cantado pelas escolas de samba nas avenidas do Rio de Janeiro, quando o carnaval, ao invés de softer perseguicio poli- cial por fora da expansao econdmica ¢ da imposiedo cultural dos negros aos brancos brasileiros, j4 se transforma na “maior festa do mundo”. “Vou mimbora, vou m'imbora / Eu aqui fico mais néo / Vou morar no infinite / Vou virar constelagio. ..” O segundo aspecto que, aliés, nos remete novamente ao debate comum entre negros e brancos, com interpretagdes e conclusdes dife- rentes sobre cultura popular e de elite. E importante, a esta altura, ao invés de manter 0 personagem branco, do cenério alternative apresen- tado, aprisionado no gueto de “branquitude” em que se meteu, localizé-lo no mundo em que ele, sob o impacto do projeto europeizante das lites brasileiras © a ideofogia do branqueamento assimilada pelo conjunto da populagao brasileira, como uma necessidade para a sua sobrevivéncia € disputa de privilégios (€ 0 caso dos negros aculturados da segunda fase do movimento negro — cis aqui a esséncia da docilidade branca que, no limite das classes trabalhadoras, sem a conviegio da “branqui- tude” que tinham os imigrantes trabalhadores, 0 mesmo acomodamento, © lugar do negro na sociedade), uma tética para a sobrevivéncia, em contradigao & ineréncia da revolta ou da submisso na sociedade. & que © debate, em geral, quando travado entre brancos, leva a uma nova discussio: a cultura de massas, em tese, o subproduto das cuituras das poténcias coloniais Esta questéo € importante porque, da mesma forma que o negro reencontrou sua dignidade pela socializagdo da miséria diante do em- pobrecimento do branco, foi o enriquecimento das elites nacionais e seu atraso cultural, em diregio & constelagio dos Estados capitalistas, que o levou a encontrar, no limite da formulagéo durante o periodo dos sonhos, 0 “projeto do Brasil Poténcia”, a sua parte no latifindio branco, o subproduto principal da experiéncia racial norte-americana: a cultura de massas da indiistria cultural que, no limite da miséria eco- nomica das massas brasileiras © da miséria filos6fica das elites loceis, Ihe impés aquilo que os brasileiros pensavam’ ser o melhor da huma- nidade em contato com a grande sociedade, miisica soul, 0 rock e outros subprodutos da sintese da cultura negra em contato com a cultura euro- péia, A elite comeu gato por Iebre; j4 era impossivel 0 sonho branco de cultura pura; jé ocorrera nos Estados Unidos a primeira revolucio negra. O soul, apesar de todo desdém que mereceu por parte dos inte Iectuais brancos brasileiros, “com a cabeca na Europa e 0 estémago no Brasil”, acabou sendo a ponta através da qual a juventude proletdria filha dos novos proletdrios negros, assim como o rock, dos proletirios ¢ proletarizados brancos, romperam o isolamento racial imposto ao branco brasileiro. Os jovens brancos brasileiros, e agora toda a elite, por sua vez tiveram o segundo reencositro com 0 rei, E ele novamente era des- 100 possuido, novamente estava pelade ¢ como determinou a marcha ine- xordvel da histéria, novamente era preto, O Rei, novamente era o Es cravo, - Praticamente, dois aspectos maream as conquistas anti-racistas dos Gltimos vinte € cinco anos no Brasil. De um lado, a introducio pelos movimentos negros, no ideério politico da sociedade, de reivindicagdes antiracistas ¢, de outro, a crescente consolidagio de uma nova iden- tidade racial ¢ cultural para o negro e, em certa medida, também para ‘0s brancos brasileiros — senéo para as parcelas mais proletarizadas do mundo branco, deslocadas, com o regime militar, do que deveria ser 0 mundo dos brancos para os segmentos mais explorados da sociedade, © mundo dos negros. Os dois fendmenos tém além do aspecto da recuperagdo, de certa forma massiva, das identidades negra e racial, um trago comum: dentro do contexto atual, criam um espago positivo para a afirmagio de elites negras que, ainda que embrionérias, tm importancia fundamental, no sentido de estabelecer cabecas de ponte dentro das estruturas de poder ideclégicas, econdmicas e intelectuais do chamado “o mundo dos bran- cos” segundo Florestan Fernandes, e que, na verdade, so as estruturas de poder da sociedade. © fendmeno perpassa as varias classes sociais ¢, a nfo ser que se acirrem o confronto e © conflito racial, estarao estabelecidas as condigGes definitivas para a subversdo negra. processo, no seu momento ideal, porém, néo pode parar ai, j4 que a subversio negra em si nfo tem necessariamente um contetdo popular ¢ de massa, Ela ndo é, apesar de ter um potencial, revolucionéria, Seu aspecto democratizador, que define sua esséncia, pode se limitar apenas o cardter racista da sociedade, ou seja, deseavolver-se na dire- do da ampliagSo pura e simples das oportunidades raciais entre elites € entre proletérios nas estruturas atuais. O enriquecimento politico que isto pode gerar para a sociedade, porém, néo € capaz de modificar a esséncia do cardter autoritdrio da sociedade brasileira, Afinal, o poder >ranco, em tiltima anélise, néo é mais do. que um poder de classe e, como o tem demonstrado a experiéncia brasileira de pactos (como o de Ganga Zumba) ¢ de conciliacio (como na aboligé) nao titubeia em acionar seus mecanismos de cooptacao. A subversdo negra precisa, a partir daqui, assumir 0 sew contedido social e de massa para perpassar todos os segmentos sociais ¢ impulsio- 101 ‘dar, em direcao ao poder, as camadas exploradas © mais oprimidas da sociedace, ainda majoritariamente negras, como mostram as pesquisas de Nelson Valle, Carlos Hasenbalg e, especialmente Licio Oliveira, Rosa Porcaro € Aratijo Costa (1980), A hipotese de reagio e acirramento do conflito racial também nao estd descartada de todo, o que certamente desmascararia definitivamente © mito de democracia racial e da cordialidade do brasileiro. Mas nao & © methor caminho, nem para negros, nem para brancos. Porém, alguns sintomas neste sentido jé comecam a aparecer, especialmente em vista de certa tendéncia a resisténcia de setores da classe média, que se negam, para ndo se verem deslocadas do mundo branco, onde tém privilégios, a incorporar as reivindicagdes ¢ as transformagées na cultura e nos di- reitos sociais, a serem impostas pela nova populace negra. O caso do jogador Paulo César Caju, praticamente excluido dos cenirios esportivo € social, e também da imprensa, ¢, da mesma forma, as reagdes da classe média brasileira & postulagdo presidencial de Edson Arantes do Nascimento, séo dois exemplos, na vanguarda, contra a nova postura negra na sociedade brasileira, Ha também casos de artistas como Elza Soares, produto de uma época onde a consciéncia negra era ilegitima, que acabou sofrendo puni s0es sociais ¢ protissionais por se antecipar a0 aparecimento da legiti- midade dada pelos movimentos negros, ao protesto racial contempora- neo. Um exemplo do perfodo posterior 6 Raimundo Sodré, cujo disco Coisa de negro, apesar da qualidade sofisticada, foi praticamente boico- tado pela midia brasileira, © caso mais exemplar, porém, porque é ele mesmo, em suas varias facetas, um dos principais protétipos da transformagao sofrida pelo negro brasileiro durante os tltimos vinte e cinco anos e que foi duramente ameagado pela classe média ao assumir sociaimente a sua consciéncia negra (negritude, para os franceses) ¢ Gilberto Gil. Seu retorno da Ni- géria € 0 marco da punigéo, apesar de que sua experigncia sintetiza também a hipétese de cooptagao. Os exemplos poderiam diversificar-se 20 infinito, “até virar constelagao. ..” Mas nio é 0 caso. © caso em questéo é um grande desafio para o movimento negro na atual conjuntura, A sua necessidade basica é a sua propria superacio © a das suas conquistas. No limite, a superagio da sua propria cons- ciéneia negra em busca de uma nova consciéncia social e nacional. O desafio, na verdade, ¢ do retorno as rafzes politicas do perfodo escra- 102 + vista, onde a estratégia esbarrava em busca da via africana. preciso extrapolar @ fronteita e estabelecer a sua estratégia nfio apenas a partir da necessidade dos negros, mas de toda a sociedade. Isto era impos- sivel no periodo da escravidio e 0 foi durante todo este século, onde as distancias que separavam um eseravo de um cidaddo livre, um ex-es- cravo de um imigrante, eram insuperdveis através de um movimento Politico. Era nesesséria ume historia, que se fez Por fim, ante a sofisticagdo dos processos de cooptagéo desenvol- vidos, através da tética da miscigenacao, da aculturagao e do branguea- mento e, finalmente, das pequenas concessdes econdmicas e politicas, © negro brasileiro, diante dos desafios da revolugao tecnolégica que ja se inicia, néo pode se dar ao luxo de permitir que se realize uma segunda aboligdo. Precisa antecipar-se, precisa ser ele o agente da transformacao ¢ deter o controle do processo revolucionario em andamento, Afinal, ainda que 0 mundo esteja sendo sacudido por sucessivas crises econdmicas, além de uma crise mundial da identidade branca, @ concentragao de capitais, tecnologias e conhecimento ainda sio armas essenciais, que podem apresentar alguma utilidade para reciclagem do poder. As estrelas esto préximas € a questio central é quem vai pri meiro virar constelaco ou como isto se dard. O projeto colonial, apesar de inacabado, no Brasil foi apenas adiado. E 0 Brasil continua sendo uma nacdo estratégica dentro do contexto mundial, como tém acentuado Jiderangas brancas (capitalistas) mundiais. As conquistas das lutas antirracistas na sociedade brasileira durante 0s tltimos vinte ¢ cinco anos, nem sempre se inscreveram: dentro do espago definido como relative aos movimentos negros (da forma como tradicionalmente tém sido definidos, ou seja “as entidades, cujas acdes estao voltadas explicitamente para agdes de combate ao racismo”). Na verdade, elas tém sido miiltiplas, envolvendo aspectos culturais, poli- ticos, sociais e econémicos. Ainda que tenha sido uma experiéncia brutal, selvagem ¢ desu- mang, especialmente para com a populagio de origem africana, 0 escta- vismo colonial nfo teve como esséncia o racismo no Brasil. Esta, talvez, tenha sido a razéo central da nfo emergéncia da discriminacio racial individual e dos conflitos raciais de massa. O racismo brasileiro, por outro lado, se insere dentro de um contexto muito mais implicito de confronto colonial, onde, de um lado, os brancos privilegiaram o aspecto, da dominagéo econdmica e, de outro, as suas relagdes genéticas © cul- 103 Turals com as mairizes coloniais. Isto nao significa que nao tenha ocor~ rido a brutalidade do racismo com a mesma intensidade de outros paises, O que mudow foram as formas. De fato, até o periodo da emergéncia do capitalismo ¢ © apareci- mento de novas necessidades econdmicas mundiais, ao contrério dos Estados Unidos, a populacao de origem africana expandiu-se, no Brasil, até 1872. Bibliogratia CHIAVENATO, José J. 0 negro na Guerra do Paruguai, SGo Paulo, Brasiiten: se, 1981 FERNANDES, Florestin. 4 inteyragdo do negro na socledade de classes. 34 00, Nao Pauilo, Atien, 1978. MASENEALG, Carlos. Diaeriminagoes © desigualdades saciais no Beusit, Rio de Janeiro, Graal, 1979, LOLANDA, Sérglo B. 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