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Amo Wehling Doctor en Historia del Derecho, Profesor Titular de Teorfa y Metodologia de la Histo- fiaen laTTFRI dle Histria del Derecho Tine Brasileno en la UNERIO y de Teoria de la Historia en la UGE Rio de Janeiro. Investi- sgador del CNPa y Presidente del “Instituto Hiewsrico ¢ Caogrético Rrailiro” TRATADO PRELIMTNAR ‘le i pret inti “Aus coos oxamats x rorTcal, seine y in rine de oe eee ie te ett ‘row mtn Pe one eeeetare ht Gea ‘aan Ilustragao e Politica estatal no Brasil, 1750-1808 Este trabalho analisa a opclo pela reforma da sociedad edo estado de pelo menos duas geragbes e politicos e administradoresportugueses Anima- os pelo espito da lutragéo,voltaram-se conta tudo aquilo que consideravam responsive pelo ‘araso" medieval” de Portugal: nobreza tradicional, deo regular direito comum escola jest, Seu limite era paver absoluto do monarca, AS rnovas concepgtes tinham como pressuposto a Intangiblidade do pode rel Wy Dies, >se> pultius e auniunbuadores enfentaram algumasdficuldades semelhantes dda metrplee outras nova, caatristias de um meio social iferente Fram bem sucedidos? A resposta a esta pergunta €complexaemultifacetada,varando deconjuntura «de reo para regido da coldnia, Cetamente, porém, os resultados ficaram aquém do que cada tum desses homens ambiconava Como emblema do estado psicolégico desses inovadoresIustrados semprenos oareaimagem de Jovellanos retratado por Goya: a mesa de balla replete ue plas eu exessay Ike cansego edesaenta antigo regime e seus fantasm: Arquétipo (revoluciondrio) do Antigo Regime ¢.a.administragao absolutista O essturo histérico das sociedades sob 0 Antigo Regime - uma forma comoda € abrangente para designar vagamente as instituigdes e os homens que viveram dois ou tse eéculo enh n estado absolut na Europa central e ocidental - s6 pode se realizar com um atilado senso critico, que procure neutralizar a violenta carga de preconcei- tos construidos nos séculos XIX e XX sobre o assunto. Quando o tema mais particular é a administracao, tida geralmente como tiranica, incompetente, corrupta ¢, con- seqilentemente, pouco eficiente, as dificuldades aumentam, desde que a proposta de andlise seja a compreensdo de por qué e como funcionavam as instituig6es adminis- trativas, endo a sua condenacio ou absolvicio. "A origem do preconceito em relagao a0 estado absolutista eusnitie-se nas con ‘rugdes ideolégicas conseqjtentes a Revolugio Francesa. A propria expressio Antigo Regime originou-se, pejorativamente, na Revoluco, entre 1788 e 1790, para contras- tarduassuciedailes, a yue mortia~ desigual einjucta ea quenasca sah ne signs da liberdade e da soberania nacional (popular). O termo, ao longo dos séculos XIX e XX. foi de tal forma consolidado, que o historiador Pierre Goubert (1969) poderia dizer que ¢ Antigo Regime rmorreu muito rdpido, se se confronta sua agonia de uns quarenta meses com ‘uma maturidade de dois ou trésséculos¢ com uma gestacdo-infancia de mais de um milenio.' ‘A menor e mais genérica objegao que se poderia levantar conta este raciocinio éa de que se confunde um conflito politico social das ultimas décadas do séculy XVIII com todo um processo anterior, como se ele necessariamente conduzisse ao parto da Revolucio, Numerosos estudos, a partir de metodologias (historia econémica, politica, social, das mentalidades, das IUeias plies juridicas) © peropectivas divereas, ean assinalado as profundas diferencas entre épocas e regides, do final da idade média a0 século XVII, bem como a ainda mais acentuada dicotomia entre as sociedades -e os cestados~ estamentais de economias agrésias, daminantes até a Revolucio Industral, € as sociedades de classes de economias industriais que as sucederam? 1 GOUBERT, Pine. amigo rine, Siglo XL, Mec, 1971, p18 2 Gamo, ene guten MARAVETL fot Anta, Bade moderne ¥ mented ai, Revista de cident Madr, ee ee ea a fed Aol Siglo Nana 098, p.I9/ Si LEROY LADUN Som (6 sso mons, Companhia das Las Séo Paulo, 1994p. 20s; ROOT, Hilton 1, La cosucion det trader en Bape, PUR, Paris 1998, p. 11s. A interpretagdo dominante sobre as sociedades e estados do Antigo Regime, em todo o século XIX ¢ parte do XX foi, euuetanty, a dus paitilésivs da Revuluyav. Ene historiadores e nao historiadores (por exemplo, politicos que utilizavam a Revolucio para balizar seu discurso ideolégico) construiu-se assim um arquétipo do Antigo Regime, consideradn vilida para toda a épaca do absalutiemo e também para a Ida de Média -arquétipo cujos elementos principais, ou seja, os privilégios senhoriais, a desigualdade perante a lei, a hierarquia das ordens sociais (clero, nobreza, pavo), 08 direitos locais, as corporacdes, a venda de cargos publicos e a justica patrimonial constavam todos, sem excecio, do preambulo da Constituigao francesa de 1791 como exctecéncias que deixavam de existir pela vontade soberana da Nacao. sighificado da sociedade e do estado de ordens passou a ser dado, desta forma, or seus opositores, compreendendo, no século XIK, duas grandes correntes forma- doras da opinido académica e leiga sobre o assunto. A liberal, bem representada pela Histéria da Revolujdo Francesa de Adolphe Thiers, procurou acentuar as deficiéncias do Antigo Regie enn mater, sobrerado, de liberdade poittica, destacando a arbitrarie- dade do estado, a censura, a repressio, a oposigdo e a desigualdade dos stiditos ante leis que os tratavam discriminatoriamente, de acordo com sua inscrigao nas ordens privilegiadas ou no teresiro estado. Eota matris interpretativa identificava 26 com a acio burguesa na Franca revolucionétia do século XIX, particularmente quando, até 1830, constituia-se ainda uma forte ameaca a possibilidade de restauragao do Antigo Regime. ‘A corrente jacobina, posteriormente absorvida pelas interpretagdes socialistas a Revolugio Francesa (marxistas ou nao), como na Historia Socialista da Revolucado Francesa, de Jean Jaurés, acentuava as deficiéncias sociais do Antigo Regime ~a ab- soluta falta de perspectivas para camponeses, arteséos e mesmo pequeno-burgue- ses, no quadro de uma sociedade atcaica e em grave crise econémica. Para esta corrente, alids, teria havido uma revolucio superficial, apenas sob o angulo politi- co-administrativo. Acusavam uma continuidade entre o Antigo Regime e a Franca, burguesa do século XIX, com ambos os regimes marginalizando a maioria (pobre) a populacio? Portanto, muito do que é afirmado sobre a suviedale, v estalu © 4 atlusinise tracio do Antigo Regime ao longo de mais de um século, tem sido recentemente revisto, pelo fato de apresentar distoredes que, historicamente, dizem mais sobre 0 momento em que foram emitidas do qute sobre o tema proposto & anélise. Quanto a histéria administrativa, um revisionismo deste tipo ja é, alias, antigo, se bem que ouco disseminado: coube a Alexis de Tocqueville publicat, em 1856, 0 cléssico O ‘Antigo Regime e a Revolugdo, no qual procurava demonstrar a continuidade, muito ‘mais do que a ruptura, entre as instituigGes e as praticas administrativas anteriores 3. FURET Francois Ocstecsmo revluciondno, in Pau aReeu,Pax Tes, Rio de ano, 1989.98 ¢ posteriores a 1789, particularmente entre a politica centralizadora dos itimos Duurbuns ¢ a da Revolugéo, tida até entio como original. No caso portugués e brasileiro, nao é dificil apontar incompreensdes semelhan- tes, Grande parte da historiografia liberal portuguesa do século XIX via 0 Estado da época da ahenhitiema a partir das canflitos entre liberais e restautadores. isto 6, como uma instituicio desorganizada, cormupta e defensora de privilégios inadmis- siveis. Oliveira Martins, por exemplo, numa versio jacobina, s6 veria no Brasil co- lonial centralizacio absolutista. Para o Brasil, ésignificativa a critica do Visconde de Sao Leopoldo, realizada numa instituigdo identificada com o establishment imperial, como 0 Instituto Histérico e Geografico Brasileiro: princiios, idéias,instituigdes ant-socias, swfocadoras de quaiquer progresso, predominavam; mando despstio e obedecer cegamente: es 0 exo do nosso _governo colonial * (Os demais historiadores que viveram o processo de independencia ou a consoli- dacio do estado nacional tiveram julgamento semelhante. Robert Southey (1810) considerou a adminictrasio colonial despética, sem contre legal, com numa jnstica “escandalosa” e um fisco “optessivo"*Jodo Francisco Lisboa, estudando o Estado do Maranhao (1864), chegou a conclusdes semelhantes.’ Handelmann (1860) criticou 16 cans na legislacao e a coruncao dos funciondrios e, citando Saint Hilaire (1822), comentava a diluigao das boas intengdes eventuais de alguns administradores, refe- rindo-se particularmente aqueles identificados com as idéias da lustracio: cexistem nas fungdes do cargo de um capitio general trés épocas:febre com Aeliio,febre sem delirio e esgotamento, Um governador chega ao seu terri rio sem o conecer(..) ele tem na mente a idéia de arrancar da barbie wm pais colossal e tornar-se famoso por grandes vinas. Cheiv de planus de toda ‘espécie, chega ele; mas, apds tomar conhecimento das localidades, ele percebe que as suas idéias, nascidas na Europa, ou no Rio de Janeiro, nao de adaptam so interior do Brail.(.) Os homon 0 as creunetnciascontrapoom-the uma resistencia passiva, que & mais insuperdvel do que a mais volenta oposgao; ele cansa-se da causa e deixa-a cair na mesma apatia, em que estdo afundadas todas as pessoas do seu cfrculo® DETOCQUEVILE Ae, Un pnts Raton, Galina Pest 1967, 92028 WEHLING, Amo, Toeqe ile ato htc Abn drs aus eo sor, UGRLUFE Ri de fave, 194.55 DESAO LEOPOLD, Vsconds Programa Hitec, Rad since Hse arf ra, 1839.65. SOUTHEY, Raber Hua do Bas Obelic, So Plo, 197, Vl. 350. LUSBOA, Jodo Banco, poem prs iti do aan. Coad Bra Celia Ves, estos 3975, THANDELMANN, Hensique, Haid Br Mehoraentos Sto Palo, 1975, vo. I. 175.DE SAINT HILAIRE ‘Avge, Vig 3 pois de Sap Pau, Narins 0 Palo 1972p. 175176. ‘Com as “boas intengdes” da Coroa argumentaram Varnhagen (1856) Pereira da Silva (1864)! para jstificar a adminiatracia colonial, emhara reconhecenda que clas se diluiam freqientemente nas atitudes de corupgio e despotismo dos funcio- nérios locais. O primeiro, mais condescendente com a dominacao portuguesa, consi- derava a preocupacio real em equilibrar o poder dos funcionérios, das camaras e da igreja como mecanismo consciente para atenuar o despotismo, em suas piores mani- festacdes locais, longe do poder disciplinar do monarca. Mais tarde, j4 no século XX, o estudo do estado colonial adquiriu nuances mais sofisticadas, & luz dos problemas contemporaneos ¢ do desenvolvimento das cién- novos, os quais, sem forca para mudaro conjunto, representam algumas das caracte- risticas que itdo se impor na méquina judiciéria do Império, int prineity lugat € preciso assinalar que houve duas juctigas coloniais: a afi representada pelo aparato dos tribunais e ouvidorias, aplicando a legislacdo das Or- denagdes, leis extravagantes e outros instramentos normativos; e a “local”, isto é, a8, diversas formas dle Fjnstica" consnetdindtia, geralmente, Drivada, exercida no inte- rior pelas forgas do mandonismo rural.“ Entre ambas imiscuiu-se, na segunda meta de do século XVILL, o novo direito natural (racional, na expresso de Bobbio), com a nova concencio de justica haurida dos ideais iluminista, redefinindo os direitos in- dividuais e a organizagéo do estado. Em Portugal esta inovacio correspondeu a0 projeto Melo Freire (1778) de renovacio legislativa, afinal abandonado pelas resis- ‘éncias que desencadeou'” e 20 projeto de Rodrigo de Sousa Coutinho. ( projeto de Sousa Coutinho propunha uma reforma completa da magistravurs, com especializagdo de funcées, separagao das atribuigSes fazenditias dos juizes e ouvidores das comarcas, redugao do niimero de funcionétios da justiga e maior auto- idade para os utayistrados, de modo a reforgé-los nas suas telagdes com governado- res evice reis.* Quanto & estrutura judicial, ela compreendia a Casa de Suplicacao, como tiltima inotdncia, em Lisboa e a relagiee de Parte (jnriedicia enbre Portugal e has). Bahia (jurisdigdo sobre Brasil e Africa) e Goa. Em 1751 foi criada a Relagio do Rio de Janei- 10, com jurisdiéo sobre o centro sul do pais. Em outras capitanias criaram-se tribu- nis locais, as juntas de justica (Maranhao, Minas Gerais, Rio Grande e Pemambuco), instaladas eregidas por carta régias especificas. Sobre o funcionamento destes tibu- 654 COMESBEZERRA CAMARA, Jost, Sub ra astra do a i vo I, rasan, Rio lane 1964, p18 (55 PRADO, Ca yl iced ra, BraslbenseSBo Pal, 1974, p. 8038 (6 WEHLING, Amo, Admiagio prague no. p. 15 58. 1G Publicado em CARNEIRO DF MENDONCA, Marcos Otte Cla, 30058 69 WRTILING, Aro e WEHLING Mara Jost, Aseigos de. p. 155. nai e sua burocracia nao ha diferencas marcantes a assinalar em relacdo ao perfodo. anterior a 1750 Nao parece ter havido, para a segunda metade do século XVIIL, diferencas tam- \bém para 0 padrao encontrado por Stuart Schwartz para a Relacao da Bahia”, isto 6, ©.acesso aos cargos mais altos dos tribunais fazia-se sem distincao entre portugueses ebrasileiros, descle que 0 candidato tivesse cumprido o “cursus honorum”: bachare- Jado em Coimbra, ingresso na magistratura (Portugal ou Ultramar) como juiz de fora, ouvidor de comarca e desembargador, admitindo-se uma média de trés a seis, ‘anos para o exercicio tanto de magistratura como da ouvidoria, o que significava cerca de quinze anos entre o término dos estudos e o ingresso num tribunal supe- riot” No plano social, continuavam freqiientes as relagbes, inclusive matrimoniais, ‘unt ay elles 1ocaty, U que desiua de algunas Inverpretagoes (como as de rrandel- ‘mann e Faoto), para quem repetir-se-ia no Brasil o modelo espanhol as vésperas da independéncia ~ a alianca de comerciantes e funcionétios reinois contra a aristocra- dia Yesiollat?? {As relacdes entre a magistratura e os govemos nao foram tranqiilas no final do século XVIIL Precariedade da administracao da justica, com morosidade nos proces- 808, despotismo e incompeténcia, sao queixas apresentadas pelas cAmaras das vilas ‘ou por particularese freqiientemente endossadas pelos governadores “ilustrados”. 0 ‘marques do Lavradio foi contundente em seu Relat6rio, que sintetiza bem os confli- tos existentes entre a nova mentalidade administrativa e a rotina tradicional “Bm onze para doze anos que tenho govemado na América me nao constou zunca que um s6 juiz procurasse acomodar as partes, persuadi-las a que nao se arrui- ‘assem com contendas e injustos pleitos..” A administragao militar continuava cstruturada nas tropas de primeira, segunda € terceira linha. A primeira linha ~ regimentos de tropa paga, profissional ~ regia-se por normas estabelecidas @ época de Pombal, em 1763 (Regulamento do Conde de Lippe) ¢ 1767 (orientacin estratégicase tatieas), eje ahjetivn era atializar a evército portugués de acordo com os modelos dominantes no restante da Europa, durante a ‘guerra dos Sete Anos.”* A execucio da nova politica militar no Brasil coube ao tenente general Joao 70 SCHWARTZ, Saar B, Brae sda no acti. Peper, in P3979 pai 71 WEHLING, Amo e WENILING, Maraoxe,O magsrace do Tibual da ago do Ro de Janel: gem pogice social Aa da XV Rami drat da Scie Brasbi de Psu Hus, Cub 1997, 151 72 WEIILING, Amo e WEELING, Mara ost A jusig bereamescana colonia aspcorcomparads dae Annie ¢ ‘abun da lake Ci Humes (19) 2p. S88 i D3 74 MAGALHAES, oto Bat Elo Mitr do. .282 Henrique Bohm, que nao foi apenas o chefe militar vitorioso da reconquista do Rio Grande, mas 0 autor do planejamento defen além de introdutor das reformas do conde de Lippe no Brasil’ Bohm, como inspetor geral das tropas, acompanhado por diversos auxiliares europeus deu a primoira estntiiracia *modema’ — no sentido dos exércitos profissionais do sé- culo XVIII ~ as tropas no Brasil.’® ‘A politica de defesa entre 1750 e 1808 aspirou criar um sistema no qual se articularam as tropas profissionais, as milicias e as ordenancas. Esta concepgio apareceu claramente nas instruges de Martinho de Melo e Castro ao vice ret Las de Vasconcelos e Sousa, em 1779, ao afirmar que nenhum pais jvo de Rin de Janeita para asaul por mas formdaves que posse tentara ave encao defender sua wvtonias win as tinicas forgas do pats dominante... as principais forcas que hao de de- {fender 0 Brasil sao as do mesmo Brasil ” Na realidade, porém, a articulagdo era precéria, pelas dificuldades materiais ¢ pelos conflitos de autoridade que ensejava, como ocorreu entre o general Bohm e © marquée do Lavrarrin, cam este terminando por impor sua autoridade como vice rei e capitio general.” Pode-se afirmar que, no final do século XVIII, o Brasil dispunha de um inarti- enlado coro de defesa, constituido por tropas profissionais irregularmente dis- iribuidas pelo territorio e alguns regimentos de milicias e ordenangas, variaveis em organizacao e eficigncia de capitania para capitania. Medidas complementares para instituir um exército local foram tomadas. A mencionada instalagio de aulas de artilhana, arquitetura e engenharia miltar, mais tarde (1792) transformadas na Real Academia da Artilharia, Fortificagdo e Desenho da Cidade do Rio de Janeiro, foi passo importante para a formacdo de oficiais na propria colonia, pois os formados pela academia, apés um estigio probatério, poderiam optar pelo servigo na infantaria, cavalaria ou artilharia.”” Outra medida no sentido de institucionalizar no pais a atividade militar foi a criagdo da juotiga militar, em 1763, com a estahelerimenta das anditorias. A jul- gar pelas criticas de Luis do Santos Vilhena, no inicio do século XIX, esta justiga foi pouco eficiente para coibir o mau comportamento generalizado de soldados e oficiais na Bahia, pois 0 esprit de corps fazia com que nenhum réu 175 WEBLING, Amo, Adina prague. p.187 8. 776 ROHN, Jake Heng Manat apoio a lad Ans de Sinpo Comma do Bred do io Grin v I GR, Ro de ane, 1979, p- 9230. 17 Inseuges de ano de Melo eCasuo a0 mats de Valera, n DE VARNHAGEN, 178 WENILING, Ame, Adina pormguss ro. p.189, 79 SAMPAIO PIRASSUNUNGA, Adaton, Enno mar. p92. RA, Hira Geld. ol jamais chega a pena ultima, seja qua for 0 dtito * Podemos, assim, afirmar também ter havido, para a administragao militar, um “cartesianismo administrativo”, especialmente no periodo pombalino, o qual viriaa chocar-se,freqtientemente, com 0s objetivos prebendirios da elite local, que encara- va 0s cargos militares como quaisquer outros da estrutura antigo regime ~ isto é, indicadores de status, mais do que instrumentos de uma politica administrativa.* (O contflito se evidencia na organizacio das milicias e ordenangas e na resisténcia ao recrutamento (particularmente torte 4 epoca das guerras do sul), 1mpedindo que tivesse efeitos maiores o planejamento defensivo global que Pombal e Melo e Castro desejavam. Este fracasso, entretanto, nao impediu que resultados imediatos e par- ais oc Wonnsctleaooei, a wiamuteayay Ua Tika de fanteiies © a viganaayau Wu cate ito do sul, considerado o mais importante devido a instabilidade da regio platina. A administracao eclesidstica entre 1750 e 1808 continuou intimamente ligada a do estado, © clero secular nada mais era do que um ramo da administracdo pablica, dentro da politica regalista, recomendando-se aos governadores a supervisao das ati- vvidades do sacerdécio, mesmo teconhecendo a precedéncia do bispo em assuntos da diocese Esta, presidida por um bispo, tinha como principais Ongdos a camara ecle- sidstica (espécie de conselho), a chancelaria (emissdo de atos administrativos) e © jnizo ecleststico (espécie de tribunal eclesidstico, julgando a luz do direito canénico mas bastante esvaziado pela agdo dos tribunais civis)." ‘Continuavan fieyiiernes us Coniflitus das autoridades eclesidticas cout os denals escaldes do poder. Entre govemnadores e bispos e entre magistrados e bispos os conti tos eram em geral sobre questdes de jurisdicdo e precedéncias, Entre cimaras, bispos ¢ vigitios paroquiais prevaleciam aspectos financeiros, devido aos excessos cometi- dos na tributacio edlesidstica. 4, também, continuidade na atitude dos administradoresilustrados, que se re- velaram em geral tao tradicionalmente regalistas como seus antecessores. Rodrigo de Sousa Coutinho, em geral “modernizador", na sugestio sobre a reforma administra- tiva do Império, citando Bossuet, justificou o padroado e defendeu céngruas justas para o dro. {80 DOS SANTOS VILHENA, Ls Noi topotanas asi Impresa Of. Salvador 1922 vl Lp. 16 [SL_WEBLING, Arn, Adour porgusa no.» p.205 56 {82 JACOBINA LACOMBE, Améia A igej o rl Calon n BUARQUE DE HOLANDA, Serio (pond), Hii pl cao bases wl De, So Pl, 196, p70. 183 MONTEIRO BA VIDE, Sebans, Cons prnra dowcspad da Baba, So Paulo, 1853; wate da principal 12 Aigins exces denen os WEHLING, Aro, Adina prune. p. 176177, {85 DESOUSA COUTINHO, Reign, Tees poten, comics. aL 30 De modo geral, estes administradores do despotismo tinham em comum com 9s te6ricos ihuministas. no aspecto religioso. apenas a critica ao mimero excessivo de sacerdotes (que associavam & ociosidade e ao atraso econdmico do Império) ¢ a persistencia do clero regular, pois as ordens religiosas pareciam-Ihes ainda ex- cessivamente poderosas € com patriménio desproporcional a seus fins, Nos demais aspectos da admmustracao civil propriamente dita, a segunda meta- de do século XVIII apresenta-se razoavelmente dinamica, para os padrées da épo- ‘a. Antigos problemas persistem, mas as solugdes encontradas pelos administra- Wuice sevelaus uit uury siuwy ad que orientassem os processos decisérios foi enfrentada com a elaboracéo de ma- pas, roteiros, memérias, descrigdes e outros instrumentos que acumularam uma qvantidade de informagéies até entin inexistentes no Brasil colonial As dificuldades de comunicacao e transportes foram enfrentadas, com a aber- tura de novos caminhos, por iniciativa de cimaras municipais e governadores das capitanias, com sua administracio cabendo a uns e outros. Os corteios, anti- ga reivindicacao colonial, foram instalados no final do século XVIIL {As obras puiblicas em alguns niicleos urbanos, como o Rio de Janeiro , intensi- ficaram-se, acompanhando a expansdo demografica; 0s recursos necessétios ori ginavam-se da fazenda real ou das Camaras municipais, com a mao de obra sen- do formada por assalariados, escravos ou vadios obrigados ao trabalho, este tilt mo procedimento, aliés, comum ao despotismo europeu.”” Nos Campos da educayay, cultura © saddle ULieLant anudaiyas siguilivativas, menos pelos resultados e mais como exemplos de atitudes favoraveis as transfor- macées. A expulsio dos jesuftas acatretou o estabelecimento, pelo governo, das aulas régias, em substituigdes &s escolas por eles mantidas. 0 fracasso dessa expe- riéncia deve ser atribuido a escassez de professores, insuficiéncia de recursos (oriun- dos de um imposto especifico, o subsidio literario), ma aplicagao de verbas € falta de coordenacio administrativa.* ‘Accarta régia de 19 de agosto de 1799 procurou organizar o sistema de aulas régias, determinando a realizagao de concursos puiblicos para preenchimentos das vagas, a nomeagao pelo governador ou vice rei (com a anuéncia do bispo) ea inspegao escolar.” Logo depois criou-se a figura do inspetor escolar, obrigatoria- itiouativo. A crOniva covassee de informagses 16 WEHILING Amo, Admins pues no. 75-76. [7 DEVASCONCHLOS E SOUSA. ls Rear insta eceunsandada para se entegue 20 seu sues Rei do Ins Hine e Geo sles, (6), 1842, .157 8 BOSSANTOS VLE Lass Novus optima. oT. 439, {8 DELGADO DASIVA, Antoni, Callan da al. vl It mente professor, a quem caberia visitar com periodicidade as escolas e elaborar relatérios sobre assiduidade e proficiéncia dos mestres. métodos de ensino e li- vos didéticos.” A comparacdo entre o periodo anterior e a experiéncia das aulas 1€gias, porém, revelou-se desalentadora para os criticos dos jesuitas. (0 fosso entre o pafs legal e o pais real, no que respeita a instrucao publica em fins do século era enorme. As intengGes legislativas e a realidade do ensino pri- mitio e das aulas régias chocavam-se frontalmente, com os governadores das ca- pitanias freqtientemente queixando-se, para Lisboa, de insuficiéncia de escolas e Professores, ma formacao dos quadros docentes, barxa remuneracao € atraso sis- temético de pagamento.” De 171 a 1794 tentou-se dar & Real Mesa Cens6ria o encargo de supervisio- nar o cnsine leigo no Br corrupcao € 0 nepotismo, Em 1794 a supervisdo voltou aos governadores e vice reis. Os prdprins dirigentes eolaniais atuavam desordenadamente no ascimnto, clusive ao sabor de suas opinides pessoais e atitudes ideoldgicas. Caso extremo foi o do governador do Para, Femando Antonio de Noronha, em 1795, que deu despacho contrario a0 pagamento de salarios atrasados ao professor de filosofia de Belém, sob o argumento radicalmente anti-ilustrado que il, mag @ capericucia wereluurse inefivas, favuscccindy a 0 abuso dos estudos superiores 56 servia para nutrir o orgulho préprio dos hhabitantes do Meio Dia e destruir os acos de subordinagdo politica e civil que devem ligar os habitantes da colénia & Metrépole A.atiude du estadu portugues ante 4 Luluuia, neste petfody, fol Udbia: Ue uit lado, estimulava-se, desde Pombal, a difusao de idéias iluministas que contribut- ssem para a modemizacao do estado e da propria sociedade, na medida desejada pelas elites reformistas; por outro, estabelecia-se um marco, nem sempre clara- ‘mente identificivel, entre o permitido e 0 nao permitido, em geral procurando-se distinguir a ciéncia e a técnica “newtonianas” das idéias politicas da Mustracio. Na década de 1790, com os acontecimentos da Revolucao Francesa ¢ 0s processos de conjuracao no Brasil (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia), adotou-se politica mais rigida, com 0 endurecimento da censura a material impresso e controles sobre a difusdo de livros estrangeiros, Se em Portugal, a censura cabia concomi- tantemente a Real Mesa Censéria (criada em 1768 por Pombal), Santo Oficio, ordinétio eclesiastico e desembargo do Paco, no Brasil sua responsabilidade era das autoridades locais, o que nao impediu que nas devassas da conjuraczo minei- 90 DELGADO DA SILVA Anton. Colca dL. 31 WHALING Ama Admonaro porns no p.93 92 MARQUES, Cis Aug, Dione htc da prs do Maran Sade, Rio ani 197.346. amanidads ra ecarioca se encontrasse grande ntimero de obras proibidas pela censura portu- guess ® Devemos observar, entretanto, que o estimulo & cultura, naqueles limites fixados pelos detentores do poder, também ocorreu a época, bastando lembrar a fundagéo de instituigdes como a Real Academia de Ciéncias de Lisboa, ¢a Academia Cientifica ea Sociedade Literaria, no Rio de Janeiro, estas pela acio direta dos vice reis Lavradio e Luis de Vasconcelos. Dominadas pela preocupacio de fomento econdmico, estas instituigdes dispunham-se a assessoraro estado na tarefa de enfientara crise conjun- tural do final do século, havendo, tambem, em seus textos, propostas de reformas mais profundas, aparentemente estimuladas pelos setores mais ‘modemos” da bu- rocracia.™* © conclu mode de saddle pablica sunseite facia sda entiada iy Brasil & época. Os hospitais eram, em geral, militares, além das Santas Casas de Misericérdia, (Os governadores e vice reis tinham apenas uma influéncia indireta nestas instituicbes. Hospitaie pablicos, higiene urbana © proflavia eram prencupagiies.evenniais dox ‘governadores, sem que existisse orientacao sistematica a respeito. As endemias e epi- demias eram atribuidas por Vilhena a “motivos remediaveis’, nao corrigidos por falta de "governo politico”, como o controle dos cemitérios, da 4gua potavel, dos esgotos ¢ das areas pantanosas. Administrativamente, até 1782, a responsabilidade da higiene publica cabia as camaras municipais, supervisionadas pelo fisico mor € pelo crurgido mor do Reino, que enviavam representantes ao Brasil. Em 1782, sem eliminar a atuaao das Cémaras, foi criada a Real Junta do Proto Medicato, no que pode ser considerado 0 embrido de uma administragao "modema” da satide publica. A.atividade conjunta foi entretanto muito precétria, Farmécias sem controle, hos- pitais inoperantes ou a mingua de recursos, falta de medicus & Cnuigides wonpusr ham o quadro da satide publica, substituida normalmente pela medicina nistica de fundo indigena, afticana ou peninsular, Apesar disso, a aco paiblica revelou-se eficaz, na introdugio da vacina contra a variola, quando ela ainda se iniciava na Europa, na propria década de 1790. Bem disseminada pela maioria das capitanias, a vacinacao permitiu a diminuigao da incidéncia da doenga, fato constatado a partir de 1808 por viajantes como Liiccock, Spix e Martius. © abastecimento era responsabilidade das camaras e govemadores, No final do século XVII, em tomo dos niicleos urbanos mais significativos, jé existia uma pro- ducio voltada para o abastecimento, plantando-se mandioca, milho, feijéo, horta- licas e frutas, além da criagdo de pequenos animais, A administracdo publica cabia supervisionar a distribui¢ao e de abastecimento, enfrentando problemas como a fal- 17 WELLING, Amo e WELLING Marin fou, Forage do Bras. p38, MAXWELL Keath, Ades de das, Pe ‘94 WEHNG, Aro, Feo port... 202, 95 DOS SANTOS VILHENA, Lu Nos tropotianas 6... 300. ta de uma boa rede de transporte, de depésitos e celeiros piiblicos, de locais para comercializaglo, além da agSo de intermediérioo. Os governadores enfrentaram a época um problema antigo e que se originava na propria condicéo colonial, a concorréncia da agricultura de exportacao. Dependendo das condicdes do mercado extemo, abandonavam-se as lavouras de subsisténcia. pro- vocando crise de abastecimento e alta de precos; este problema tomou-se mais agudo quando da recuperagao do mercado acucareito, apés 1780, afetando especialmente o abastecimento em Pemambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Aordem piblica era, gualmente, responsabilidade de camaras e governadores. quadro geral de inseguranca existente desde o século XVI ampliou-se no final do s€culo XVII. Se no sertao vigia a justica privada e multiplicavam-se os casos de ban¢ tusmo inaividual e organizado, mesmo nas areas urbanas era arnscado © desloca- ‘mento em determinados horérios. Os govemadores procuraram enftentar 0 proble- ma com a detengio de criminosos evadios, a ampliacao das prisbes eo seu emprego cm trabalhos forcados. Além da cri blica a prostituiclo, com diversas normas e priticas repressoras € 0s conflitos de terra que se estendiam por todo o pais, seja nas éreas de “fronteira mével” do sul, em Minas. na norte fliminense ait na notte e nowdeste: a estos 2 adminis ‘quase sempre impotente, restringido-se a acio publica a relatoriose reprimendas dos govemadores aos abusos mais notorios (como no Rio Grande) e a tentativa de uma nova legislacdo azréria no final do século XVII, frustada pela incapacidade do poder estatal para colocé-la em pritica Finalmente, a administracio dos setores marginalizados revelou tracos das novas concepgbes politicas e sociais da segunda metade do século. A eliminacio das res uigBes jurfdicas disctiminat6rias dos cristéos novos e ciganos e a modificacao da atitude ante os indigenas, sao caraterfsticas. Neste tiltimo caso, a sucessio de expe- riéncias politico-administrativas ~em meio século passou-se do regime de aldeamen- tos para o dos diretrios com dineyo oficial (1757-1798) eo de liberdade~ revelou a perplexidade da administragao puiblica em lidar com um problema que tradicional- mente envolvia interesses contradit6rios dos proprios indios, dos colonos, da igrejae da burocracia estatal, em goral contrados na questdo da ocupagio da terra, ou os) 00 contflitos entre as frentes colonizadoras em expressdo e as populacées indigenas. alidade exam encatados come de vislem pai A administracao portuguesa no Brasil entre 1750 e 1808 revelou-se, em sintese, ‘no plano teérico, uma transicZo entre o modelo patrimonial do Antigo Regime “uadicional"(isto é, anterior ao chamado “despotismo esclarecido ") 0 modelo bu- rocrético “modemo” que os administradoresilustrados iniciavam, tanto por opcio ideol6gica, como pelos condicionamentos materiais, Encontramos, assim, 0 que Ri- {ggs chamou, para outro comtexto, ae ‘modelo prismatico”, onde conviveram tragos (predominantes) antigos, como os sistemas de arrematacao de cargos puiblicos econ- aes ttatos e modemos, como a burocracia especializada judiciaria ou contébil, além das Temrativas de renovayav leyisativa Sea propria condicio colonial inibiu a consolidagao de alguns aspectos raciona- lizadores, da administracéo piblica, os existentes foram, entretanto, subsidio nao Goopresivel embora 0 artunto demande navae preeptieae ~ para a organizacio do estado administrativo brasileiro do século XIX, cujas origens buscam-se mais fre- qiientemente no transplante de instituigoes realizado época da transferéncia da Corte portuguesa para o Brasil, a partir de 1808. Os politicos e administradores ilustrados, apesar de todas as limitagbes, que Ihes foram impostas, fora os responséveis pelo primeito esforgo racionalizador sistemati- camente empreendido para consolidar o estado colonial em novas bases, superando ‘oempirismo tradicional. #

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