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FAMILIARES DO SANTO OFICIO NO PORTO Por Eugénlo Cunha @ Freitas © tema que me foi proposto— Os familiares do Santo Oficio no Porto—ainda que do mais alto interesse para © conhecimento da sociedade poriuense dos séculos XVI aos inicios do XIX, 6, no entanto, muito dificil de sintetizr numa simples © des: Pretenciosa comunicagao como esta sera, Impossivel fazer aqui a sua hist6rie, impossivel sequer enunciar os nomes e qualidades daqueles que serviram 0 Santo Tribunal —Inquisidores, Deputados, Promotores, Notdrios, Quali ficadores, Comissérios 'e seus Esctivaes, Familiares, Meirinhos, Alcaides, “Guardas, Portciros, Solicitadores, Médicos, Cirurgiées ¢ Barbeiros, todos com as suas funcées pormenorizadamente deter- tminadas nos respectivos Regimentos, de que oiltimo data de 1774, em tempo do Cardeal D. Jodo Cosme da Cunha— aquele Eminen- tissimo purpurado que tinha uma famosa liv-aria de 11000 volu- mes—a que chamavam as Onze mil virgens...>. Como ¢ geralmente sabido, a admissio’ destes Ministros e Oficiais da Inquisi¢ao era precedida de rigoroso inquérito sobre us qualidades que o Regimento exigia—quanto ads familiares serem pessoas de capacidade reconhecida e terem fazenda de que pudessem viver abastadamente, de boa vida e costumes, sem infamia de facto ou de direito. A exigincia de nao terem sangue algum de judeu, mourisco cou de outra infecta nagao», foi substituida no Regimento de 1774: que ncs pretendentes, scus pais e avés néo houvesse culpas provadas de judaismo. Afastemos, desde ja, a falsissima opiniéo, que vé nos Minis- los ¢ Oficiais do Santo Oficio implacaveis julgadores, tenebrosos esbirros, inumanos fanéticos a condenar idocentes vitimas, x Regimento / do / Santo Offcio / da /Ingulstpfo / doe Reinoe de Portugal, /verdenads com / 0. Real Bereplacita + Regio Awailio / ‘pelo Z Bminénitssimoy ¢ ‘Reverendissima / Senor / Cardeat da Cunha / “doe Gonsetnos de Bsiato, e Gadmete / de ua Mogestads, / e Inguisidor Coral ZL nestes Reinos / ¢ em todos oo sous dominion 7 Inpreeso em Lisboa / Na’ officia de afiguet Maneseat do Casta, 7 Anno NDSCLIGY. 229 Eles julgavam os muitos crimes sob algada da Inquisicéo, © que nao eram sé os de apostasia—eram também os blas- femos, os jacobinos, os feiticeiros, adivinhadores e astr6logos «maléficose, os bigamos, og que falsamente se ordenavam de ordens sactas e exerciam fungdes sacerdotais, ou pertencentes a0 ministério do Santo Oficio, os confessores . Houve, portanto, dois autos de f¢ no Porto, ambos na Porta do Olival, e nfo na Porta do Sol, como resultou de uma errada leitura da carta de Francisco Toscano, Cotregedor da Comarea, a el Rei D. Joao III, em 15 de Fevereiro de 1543". E nfo sé estes testemunhos inyocados que. provain. Os processos dos primeiros que defrontaram aqui a Inquisicao 0 Dr. Anténio Baido sumariou, assim o dizem". © Santo Oficio foi extinto no Porto pelo Papa Paulo II, em 16 de Julho de 1547, ¢ os processos da sua algada passaram para a Inquisi¢ao de Coimbra. Como estes Cristovéo de Leio ¢ Fernando Camelo, nao foram poucos os nobres. portuenses que se viram recusados, ou que tiveram sérias dificuldades em ser admitidos familiares. ie Colleccdo de Listas impressas, ¢ Manuscriptos... por Anténio Joa ‘quire Moreira, Lisboa, 1888, na Bibl, Nae, de Lisboa, @, 868, 8. 7 (Bl6-18) Mr Anténio Bait, Yoo. et 234 Luis Brando Pereira de Lacerda, senhor do morgado da Boavista, ou Torre de Pero do Sem, foi recusado em 228-1718, por via ‘de sua mulher D. Brites Josefa Peixoto dos Guimaraes, mas j4 sew filho e sucessor Joao Rodrigo Brandio Pereira de Lacerda aleangou a caria em 1-1-1741™, © Licenciado Bras de Sousa Delgado, morador junto A Sé, morreu no decurso de um laborioso process> (1723-1725). pois seu tio 0 Cénego P. Anténio de S, Carlos fora regeitado (1701- -1702), como descendente dos Britos Aranhas, infamados justa- mente de X.X.N.N. Antonio Pereira de Sampaio, ascendente da nobre casa do Ribeiro, em S. Lourengo do Douro, viuse também recusado em 1691, por via da crista novice de sua mulher™ ‘Multiplicavam-se os exemplos, se os quisessemos, entre eles dois parentes do jé mencionado morgado de Vilar do Paraiso, —Diogo de Andrade Gramaxo, Capitio Tenente da Fortaleza de N. Senhora do Socorro da Poria Nova, e o Escrivio da Correicio do Porto, Francisco Caetatio de Lima’ Gramaxo, que sé a muito custo alcancaram a desejada carta, respectivamente em 1720 ¢ 1773, Outros se viram também recusados por imoralidade de seus costumes. Conheco dois casos impressionantes, que nao citarei porquanto de ambos hé numerosa descendéncla aqui no Porto € seus aros. Para terminar, mencionarei ainda mais alguns notéveis portuenses que serviram o Santo Oficio, sem qualquer preocupa. s80 de ordem cronoldgica ou alfabética. Martinho de Madureira Toscano, morgado do Freixo, em Guilhabreu, (1703); Francisco de Tavora de Noronha Leme’Cer- nache, senhor da ‘Quinta do Freixo, em Campanhé, e da Casa de Vandoma, no Porto (1730); Francisco Diogo de Sousa Cirne, senhor da casa do Poco das Patas, nesta cidale e da Honra de Gominhaes, em Guimartes (1729); Joao Alves Pamplona Carneiro Rangel, senhor da Casa de Beire (1730); 0 Doutor Luis Alvares Ribeiro, secretario da embaixada de D. Fernando ‘Teles de Faro, na Holanda:—a seu cargo ficaram os negécios de. Portugal, quando da traicéo deste—tendo C, de Familiar em 1665; 0 4 IR. T, Gab. do S. Oflolo, ms 75 de Jogo, al. 1880. 3 TT) Hab, do 8 Osieio, ms 4 de Brdg, al, 62 HTD, Hab, do S_Ofielo, m° $0 de antonio, al, 195. i TT, Hab. do S, Oficlo, m+ 9 49 Diogd, i, 208, e ms 119 de roncisco, ail. iB 235 Doutor Luis Delgado de Abreu, Lente em Coimbra, Desembar- gador do Porto e da Suplicacdo, Familiar em 1637; Joo de Valadares Carneiro e seu irmfo 0 Promoto: da Inguisicéo de Goa, Baltazar do Amaral Tavares, 0 Chaneeler_mor do ‘Reino, Desembargador Joio Carneiro de Morais, instituidor do morgado de Santo Ovidio, «acima dos Ferradores*, agai no Porto (1665), na sua Quinta da Boavista; D. Garcia Pessoa de Noronha, senhor da Quinta da Prelada (1691); Joko Antonio Monteiro de Azevedo, seahor da Quinta do Pinheiro ¢ autor da Descricéo Topografica e Historica de Vila Nova de Gaia, que foi Familiar em 1773" 'E tantos, tantos, que seria um nunca acabar. Portanto, fiquemos por aqui”, 10 Para milo sobrecarregar por demais 0 texto, deb de cltar as ‘otag dos respectives procssaos que so podsm encontrar na ‘Torre do Tombs x, Podro Monteiro, no. IIT das Momériae da A domia, Real da Hst6ria, p. STH, #0 autor’ da Histéria dos principais actos © procedimentos da Ingvisipaa, .°208, aflemam que touve no Porto. vérios Autos de fé, na Porta do Clival ed porta da Sé Afirmam ter havido um ‘inico auto de f6 no Porte, o de 11 de Fevereiro dz 1948, reallsndo na Porta Sol, Ribeiro Gulmardes, Swmndrio de Varia Histéra,' TV, p..75, Olivelra Binlor ‘O° primeira ato fe seallzado no Porto, em Pirivoals, i947, Amileat Paulo, A Faquisiege ne Porto, sep. do’ Douro’ Literal, 1980. 236

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