Você está na página 1de 8
PosFACIO (1943) A perGUNTA "Que é metafisica?" permanece uma pergunta. O ‘seguinte posfacio é, para aquele que acompanha a questdo, um prefacio . A pergunta "Que é metafisica?” interroga para além da ‘metafisica. Ela nasce de um pensamento que j4 penetrou na superacao da metafisica. A esséncia de tais transigdes pertence o fato de, em certos li- mites, terem que falar ainda a linguagem daquilo que auxiliam a superar. A especial oportunidade na qual é discutida a questao da esséncia da metafisica nao deve induzir a opiniao de que tal questionar esteja con- -denado a tomar seu ponto de partida das ciéncias. A investigagao moderna ‘estd engajada, com outros modos de representacao e com outras espécies de produgao do ente, no elemento caracterfstico daquela verdade conforme a qual todo ente se caracteriza pela vontade de vontade. Como forma q comegou a aparecer a "vontade de poder". "Vontade", com- preendida como trago basico da entidade do ente, é, tao radicalmente, a identificagéo do ente com o que ¢ atual, que a atualidade do atual é trans- formada em incondicional factibilidade da geral objetivagao. A ciéncia mo- derna nem serve a um fim que lhe é primeiramente proposto, nem procura ‘uma “verdade em si”. Ela é, enquanto um modo de objetivagao calculadora , uma condi¢ao estabelecida pela propria vontade de vontade, atra- qual esta garante o dominio de sua esséncia. Mas pelo fato de toda cao do ente se exaurir na produgao e garantia do ente, conquis- o, desta maneira, as possibilidades de seu progresso, permanece a so apenas junto ao ente e jd 0 julga o ser. Todo comportamento ona com o ente testemunha, desta maneira, j4 um certo saber atesta simultaneamente a incapacidade de, por suas préprias ‘na lei da verdade deste saber. Esta verdade é a verdade €a histéria desta verdade. Ela diz o que o ente : ee en co en alt ee ee sem contudo, poder considerar, sua maneira © ade do ser. A metafisica se move, em toda parte, no ambito Ihe © fundamento desconhecido e in- ue nao apenas o ente emerge do ser, mas que wir OS PENSADORES eainda mais originariamente, o proprio ser reside em sua verdade verdade do ser se desdobra (west) como o ser da verdade, entio, a pergunia pelo que seja a metafisica em seus fundamentos. Este rT deve pensar metafisicamente e, ao mesmo tempo, deve pensar a r fundamentos da metafisica, vale dizer, nao mais metafisicamente. i sentido essencial, um tal questionar permanece ambivalente. Toda tentativa, portanto, de acompanhar a marcha da prelecao se chocaré, por isso, com dificuldades. Isto é bom. O interrogar torna-se, com isto, mais auténtico. Cada pergunta objetiva é j4 uma ponte para a Tesposta, Respostas essenciais s4o, constantemente, apenas 0 Ultimo passo das pré- Ptias quest6es. Este passo, porém, permanece irrealizdvel sem a longa Série dos primeiros passos e dos que seguem. A resposta essencial haure sua forga sustentadora na in-sisténcia do perguntar. A resposta essencial -€ apenas o comego de uma responsabilidade. Nela o interrogar desperta ‘Mais originariamente. E também, por isso, que a questo auténtica nao é -suprimida pela resposta encontrada. As dificuldades para acompanhar o pensamento da prelecdo sao de duas espécies. Umas surgem dos enigmas que se ocultam no ambito do que aqui é pensado. As outras se originam da incapacidade e também, Mnuitas vezes, dé md vontade para pensar. Na esfera do interrogar pensante podem ja ajudar objecdes passageiras, mas certamente, entre estas, aquelas que forem cuidadosamente meditadas. Também opinides grosseiras e fal- Sas frutificam de algum modo, mesmo que sejam proclamadas na raiva de uma polémica cega. A reflexao deve apenas recolher tudo na serena trangiiilidade da longanima medita¢ao. Podemos reunir em trés proposicGes basicas as objecées ¢ falsas opi- niGes sobre esta prelec3o. Diz-se: 4 —a prelecao transforma "o nada" em tinico objeto da metafisica. Entretanto, porque o nada é absolutamente nadificante, leva este pensa- mento a opiniao de que tudo é nada, de tal maneira que nao vale a pena, quer viver quer morrer. Uma “filosofia do nada" é um acabado "niilismo"; 2—a prelecao eleva uma disposi¢ao de humor isolada e ainda por ‘cima deprimente, a angistia, ao privilégio de unica disposicao de humor fundamental. Entretanto, porque a angiistia é o estado de 4nimo do "me- droso” e covarde, renega este pensamento a confiante atitude da coragem. Uma “filosofia da angistia" paralisa a vontade para a aco; 3— a prelegao toma posi¢ao contra a "Iégica". Entretanto, porque ‘© entendimento contém os padrées de todo cdlculo e ordem, este pensa- mento transfere o juizo sobre a verdade para a aleatéria disposicao de humor. Uma "filosofia do puro sentimento" pde em perigo o pensamento "exato” e a seguranca do agir. _ A postura correta diante destas proposicSes surge de uma renovada “meditagao da prelecao. Ela deve examinar se o nada, que dispée a angustia “em sua esséncia, se esgota numa vazia negacao de tudo o que é, ou se 0 que jamais e em parte alguma é um ente — se desvela como aquilo ngue de todo ente e que nés chamamos o ser. Em er qualquer amplitude em que a pesquisa explore o ente, em encontra ela © ser. Ela apenas atinge sempre o ente porque, damente, j na inten¢ao de sua explicacao, permanece junto do ‘Ser, porém, nao é uma qualidade éntica do ente. O ser nao se presentar e produzir objetivamente 4 semelhanga do ente. O ab- te outro com relac4o ao ente é 0 nao-ente. Mas este se desdobra ser. Com demasiada pressa renunciamos ao pensamento quan- Passar, numa explicacao superficial, o nada pelo puramente dor e 0 igualamos ao que nao tem substAncia. Em vez de cedermos de uma perspicdcia vazia e sacrificarmos a enigmética mul- f Tetetiade do nada, devemos armar-nos com a disposigao tinica de expe- timentarmos no nada a amplidao daquilo que garante a todo ente (a pos- sibilidade de) ser. Isto é o préprio ser. Sem o ser, cuja esséncia abissal, mas ainda nao desenvolvida, o nada nos envia na angistia essencial, todo ente permaneceria na indigéncia do ser. Mas mesmo esta indigéncia do ser, enquanto abandono do ser, nao é, por sua vez, um nada nadificador, se € certo que 4 verdade do ser pertence 0 fato de que o ser nunca se manifesta (west) sem o ente, de que jamais o ente é sem o ser. » Aangistia dé-nos uma experiéncia de ser como 0 outro com relacéo a todo ente, suposto que — por causa da "angistia" diante da angistia, dizer, na pura atitude medrosa do temor — nés nao nos esquivemos, da voz silenciosa que nos dispée para o espanto do abismo. Se abandonarmos arbitrariamente o curso do pensamento desta prelecao, ao nos referirmos a esta angistia fundamental, se despojarmos a angustia, ‘engquanto disposigao de humor instaurada por aquela voz, da referéncia ao nada, entdo nos resta apenas a angiistia como "sentimento" isolado que podemos distinguir e separar de outros sentimentos, no conhecido sorti- Mento de estados de animo vistos psicologicamente. Tomando como guia asimplista diferenca entre "em cima" e "embaixo", podemos registrar, en- “disposicgées de humor" nas classes das que elevam e das que de- em. Sempre haverd presa para a caca entusiasmada de "tipos" e "an- c sentimentos", de espécies e subespécies destes "tipos". Contudo, xploragao antropolégica do homem nunca terd possibilidades de lar 0 curso do pensamento desta prelecao; pois esta pensa a ateng4o a voz do ser; ela assume a disposigéo de humor que voz; esta disposicao de humor apela ao homem em sua esséncia prenda a experimentar o ser no nada. 3 i ; icdo para a angiistia é o sim a insisténcia para realizar o © tinico que atinge a esséncia do homem. Somente 0 ho- a todos os entes, experimenta, chamado pela voz do ser, 1 de todas as maravilhas: que 0 ente é. Aquele que assim € | sua esséncia para a verdade do ser est4, por isso, continua- jlvido, de maneira fundamental, na disposic’o de humor. A a angistia essencial garante a misteriosa possibilidade OS PENSADORES da experiéncia do ser. Pois, préximo a angistia essencial, como espanto do abismo, reside o respeito humilde. Ele ilumina e protege aquele lugar da Si ain do homem no seio do qual ele permanece familiar no permanente, _ A “angiistia” em face da angiistia, pelo contrario, pode enganar-se aisteaiando que desconhega as simples referéncias na esfera essencial da angistia. Que seria toda coragem se nao tivesse, na experiéncia da angistia fundamental, seu constante elemento de confronto? Na medida em que diminuimos a angistia fundamental e a referéncia do ser ao homem, nela iluminada, aviltamos a esséncia da coragem. Mas esta é capaz de suportar 0 nada. A coragem reconhece, no abismo do espanto, o espaco do ser apenas entrevisto, a partir de cuja ilumina¢ao cada ente primeiramente retorna aquilo que é e é capaz de ser. A prelegdo nem se compraz numa "filosofia da angastia" nem procura insinuar a impressdo de uma "filosofia her6ica". Ela pensa apenas aquilo que apareceu ao pensamento ocidental, desde 0 comego, como aquilo que deve ser pensado e permaneceu, en- tretanto, ‘esquecido: o ser. Mas o ser nao é produto do pensamento. Pelo , © pensamento essencial é um acontecimento provocado pelo ser. E por isso que também se torna necessaria a formulacao do que até agora foi silenciado: situa-se este pensamento ja na lei de sua verdade se apenas segue aquele pensamento compreendido pela "légica", em suas formas e regras? Por que pGe a prelecdo esta expressao entre aspas? Para assinalar que a “légica" é apenas uma das explicacdes da esséncia do pen- samento; aquela que j4, o seu nome o mostra, se funda na experiéncia do ser realizado pelo pensamento grego. A suspeita contra a l6gica — como sua conseqtiente degenerescéncia pode valer a logistica — emana do co- nhecimento daquele pensamento que tem sua fonte na experiéncia da ver- dade do ser e nao na consideragao da objetividade do ente. De nenhum modo € 0 pensamento exato o pensamento mais rigoroso, se é verdade que’o rigor recebe sua esséncia daquela espécie de esforgo com que 0 saber sempre observa a relacao com o elemento fundamental do ente. O Pensamento exato se prende unicamente ao cdlculo do ente e a este serve exclusivamente. Qualquer cAlculo reduz todo numerdvel ao enumerado, para utiliz4-lo para a préxima enumeragio. O cdlculo nao admite outra coisa que o enumerdvel. Cada coisa é apenas aquilo que se pode enumerar. Oquea cada momento é enumerado assegura o progresso na enumeracio. Esta utiliza progressivamente os ntimeros e 6, em si mesma, um continuo consumir-se. O resultado do cdlculo com o ente vale como o enumerdvel consome o enumerado para a enumerago. Este uso consumidor do ente revela o carter destruidor do célculo. Apenas pelo fato de o ntimero poder ser multiplicado infinitamente e isto indistintamente na direg3o do maximo ou do minimo, pode ocultar-se a esséncia destruidora do calculo atrds de seus produtos e emprestar ao pensamento calculador a aparéncia da produtividade, enquanto, na verdade, faz valer, j4 antecipando e nao subseqiientes, todo ente apenas na forma do que pode ser produzido e consumido. O pensamento calculador submete-se a si que se subtrai a si e sua estranheza das garras que, entretanto, em toda parte e constantemente, se fechou as exigéncias do célculo e que, contudo, jé a todo momento, teriosa condicao de desconhecido, mais préximo do homem t No qual ele se instala a si e a seus projetos, pode, de tempos dispor a esséncia do homem para um pensamento cuja verdade "légica” é capaz de compreender. Chamemos de pensamento il aquele cujos pensamentos nao apenas calculam, mas s4o de- pelo outro do ente. Em vez de calcular com o ente sobre o ente, mto se dissipa no ser pela verdade do ser. Este pensamento e ao apelo do ser enquanto o homem entrega sua esséncia historial nplicidade da tinica necessidade que no violenta enquanto submete, as que cria 0 despojamento que se plenifica na liberdade do sacrificio. preciso que seja preservada a verdade do ser, aconteca o que ao homem e a todo ente. O sacrificio é destituido de toda vio- "porque é a dissipacdo da esséncia do homem — que emana do mo da liberdade — para a defesa da verdade do ser para o ente. No $e Tealiza 0 oculto reconhecimento, tinico capaz de honrar o dom >... se entrega a esséncia do homem, no pensamento, para que assuma, na referéncia ao ser, a guarda do ser. ‘Opensamento origindrio ¢ 0 eco do favor do ser pelo qual se ilumina ode ser apropriado o tinico acontecimento: que o ente é. Este eco é a humana a palavra da voz silenciosa do ser. A resposta do pen- Dé a Origem da palavra humana; palavra que primeiramente faz a linguagem como manifestac4o da palavra nas palavras. Se, de tempos em tempos, nao houvesse um pensamento oculto no ento essencial do homem historial, entao ele jamais seria capaz mento, suposto que, em toda reflexao e em todo agradeci- e existir um pensamento que pensa originariamente a verdade s de que outro modo encontraria, um dia, uma humanidade o para o reconhecimento origindrio que nao pelo fato de o favor ao homem, pela aberta referéncia a si mesma, a nobreza nento, no qual a liberdade do sacrificio esconde o tesouro de 2 O sacrificio é a despedida do ente em marcha para a defesa ser. O sacrificio pode, sem diivida, ser preparado e servido duzir na esfera do ente, mas jamais pode ser por ele rea- emana da in-sisténcia a partir da qual todo homem bém o pensamento essencial é um agir — protegendo a a defesa da dignidade do ser. Esta in-sisténcia é nao permite que seja contestada a oculta disposigao ja de cada sacrificio. O sacrificio tem sua terra acontecimento que é 0 ser chamando 0 homem cities: _E por isso que o sacrificio ndo admite célcul ia calculada sua utilidade, sejam os fins visados meg. os. Tal cdlculo desfigura a esséncia do sacrificio. A Mania a limpeza do respeito humilde (preparado para a an. para o sacrificio, que presume morar na vizinhanga : ‘O pensamento do ser nao procura apoio no ente. O pensamento _ essencial presta atencao aos lentos sinais do que nio pode ser calculado enele reconhece o advento do inelutavel, que nao pode ser antecipado pelo pensamento. Este pensamento estd atento a verdade do ser e auxilia, ‘desta maneira, o ser da verdade para que encontre seu lugar na huma. nidade historial. O auxilio que este pensamento presta nao provoca su- ‘cessos porque nao precisa de repercussdo. O pensamento essencial auxilia com sua simples in-sisténcia no ser-ai na medida em que nela se desen- cadeia o que lhe é semelhante, sem que ela, entretanto, disso pudesse dispor ou mesmo apenas saber. O pensamento, décil 4 voz do ser, procura encontrar-lhe a palavra através da qual a verdade do ser chegue a linguagem. Apenas quando a linguagem do homem historial emana da palavra, estd ela inserida no destino que the foi tracado. Atingido, porém, este equilibrio em seu destino, entao Ihe acena a garantia da voz silenciosa de ocultas fontes. O pensa- mento do ser protege a palavra e cumpre nesta solicitude seu destino. Este é 0 cuidado pelo uso da linguagem. O dizer do pensamento vem do siléncio longamente guardado e da cuidadosa clarificacio do Aambito nele aberto. De igual origem é 0 nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual Somente ser igual enquanto é distinto, e o poetar e 0 pensar terem a mais Pura igualdade no cuidado da palavra, esto ambos, ao mesmo tempo, maximamente separados em sua esséncia. O pensador diz o ser. O poeta momeia o sagrado. Nao podemos analisar aqui, sem diitvida, como, pensado a partir do acontecimento (Wesen) do ser, 0 poetar e o reconhecer e o Pensar estao referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados. Prova- velmente 0 reconhecer e 0 poetar se originam, ainda que de maneira di- versa, do pensamento origindrio que utilizam, sem, contudo, poderem Ser, para si mesmos, um pensamento. Conhecemos, é claro, muita coisa sobre a telac&o entre filosofia e poesia. Nao sabemos, porém, do didlogo dos poetas e dos pensadores que “moram pr6éximos nas montanhas mais separadas". Um dos lugares fundamentais em que reina a indigéncia da lingua- gem é a angustia, no sentido do espanto, no qual o abismo do nada dispoe o homem. O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser. No ser ja todo o destino do ente chegou originariamente a sua plenitude. A ditima poesia do ultimo poeta da Grécia antiga, Edipo em Co- Tonos, de Séfocles, encerra com a palavra que incompreensivelmente se “volta sobre a oculta hist6ria deste povo e conserva seu comego na ignota -verdade do ser: tide kyro. ‘agora cessai e nunca mais para o futuro suscitai; lo ee © que aconteceu fretém Guardada uma decisao de plenitude." junto a si

Você também pode gostar