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Jacques Lizot A | e COLEGAO CIENCIA ABERTA | de Amul — H. Reeves \ ‘Universo — B. Catty ( 2 do Ser Vive — B. Gatty ( ae Rentura das Plantas — JM, Pete JP. Cuny i 6 Caleulo e 0 Imprevisto — J. Ekeland i Elogio da Diferenga — A. Jacquard | ‘A Hora do Deslumbramento — H. Reeves | on | 8 ule dos Fogor J. Liz | y OS FOC OS | i i Préximos largantentos | 'A Mao Esquerda da Criagio — J. D. Barrow e J. Silk (© Polegar do Panda — S. J. Gould { FEIT OS E DIT 0 S | _ DOS {NDIOS YANOMAME © | t -Nico- grou} | ' i | | Martins Fontes ‘Titulo originals LE CERCLE DES FEUX Copyright © Editions du Seuil, 1976 15 digo brasileira: setembro de 1988 Tradusao: Beatriz Perrone Moysés Preparagio do original: Mauricio Balthazar Leal Revisto tipogréfica: Coordenagio de Mauricio Balthazar Le Produgéo grafica: Geraldo Alves Composigdo: Astel — Arjes Graficas “Arte-final: Moacit K, Matsusaki Capa: Projeto: Alexandre Martins Fontes Todos os direitos para o Brasil reservados & LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 — Tel: 239-3677 (01325 — Sao Paulo — SP — Brasil Indice Prdlogo «.. 1 {0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA 1. Cinaase kigrimas 9 | 2) Historias de amor . ene a 35 3 Vids de mulheres : omnes 11 — OS PODERES MAGICOS 4. O caminho dos espiritos 101 5, Os sortilégios = 125 . Osdevoradores de almas 7 Ill — GUERRA E ALIANCA 7. Acagada 6 § Opacto.. 182 APENDICES tp apsisiesonge ae 219 Nota sobre a transcrigao 2 Glossirio . . ee Gutras obras sobre os anomie 2 | Prélogo | estrangeiro partira dizendo: — Mae, vou cagar porco-do-mato. — Va, flo, e mate muitos. Bie tha feito varias fechas finas de bambu e molhado as pontas no Corer Depo's, tinha ido até uma rocha escarpada, chamatia dé “psa ds mulher que est tendo suas regras”, onde cortara Yt ‘tubo seein fazer uma sarabatana. Era um galho muito fraco, nfo ia fazer a serabatana para durar muito. ‘Depois de pronto, embrenhou-se pela floresta e andou por em bom tanpo.ate que o Tuldo de golpes surdos chamou sua atensao Seguis 0 ruido ¢ aproximouese silenciosamente de um yanout’ Sj bata em um tronco grosso a casca dos frutosslvestcs di tinha aie oattdo a seu lado, O estrangeio ficou eseondido atrés do m0; aanaaecando durante muito tempo, antes Je enfiar um dave He i si eam Tasca de bambu voou ¢ foi se enterrar no oho eo AaEEG matador esperou até sua vitima morrer, para entéo carre- giela nas costas. a coertstava gravida. Quando o viu chegar devagar, andando como quem carrega muito peso, gritou, alegre: och! Meu filho matou um porco-do-mato! Eis ieoa radiante: adorava carne humans. Cortaram 0 Come e coniuharann gs pedagos. Vivia com eles um rapaz, ninguém s8bie Gjsom era, Quando a carme ficou pronta, comeram gy exarrefoe, ate qu er legs, Logo #6 festavam oss0s €, quando foram jognos ftcarem Sita ui som estranko, Algo como: tererere. Dava Pars ouvir por toda a vizinhanga, { THaguanto isso, na grande easa cieular, os yanomiam esove 1 ean breovupados com uma auséneia longa dennais- QanG0 rena ocura do compankeiro, estavam desconfiades da Onis No aan recy acharam nada, mas depois comegaram a descobr vesti= iow, arbustos recém cortados, penadas. cascas ‘espalhadas e fiutos “Todas as fotos sio do autor, exceto as das pp. 127 © 174, que Boe ee viram também ovtras marcas: as do matador, FYa ‘Claude Bourquelot Phe (As ausiste aoandonactuinias nos lugares onde o chao ere mole. Seguifam Frogadase chegaram a casa do estrangeiro. O monte de osS08 deixou- 0 cikcuLo Dos Focos , gudas nas flechas e se dispersaram. O estrangeiro defen- Matarano estraigeito einvadiam seas, A0 vos mulher fe bida de raiva. arancou os colares que traza ao pescogoe ts eons se ospalharam ‘pelo chi. 2 =n e crseeu ene cls, eae sends censidrado somo um cls SIsnado exvessems longo Fram pero lugar onde haa as tas pe 5. Onde esti o meu filho? ditou, Alguns homens adultos pediram que ele os Tevasse 40 local ‘9 pequeno estrangeiro. ms ate ms Esse relato di uma idéia de como os yanomami vem os seus visinhos 0 xrangeiros em eral — ads ou branes — freqiien- mente acusados Ge crime de sanibalsmo, O stnocentisoy Prejil o5 nosis extdos eo fel de evitarsndo é de modo Siam ua tite rr ds cages mi. conven esa pretensa superiovidade- encontrado por toda parte, comtato {que se esteja disposto a reconhecé-lo. Para se perpetwar no tem @ mmanter a Mgien interna que Ihe perme exis, toda civllzagte posts s© sulovalorzare. paraiso, Gepreser suas vidchas, por Pouco que sea. Talve soje essa araafo desse sentimenio qvase universal. Na verdade, um grupo étnico que tivesse dos qe imagem favordvel demais seria obrigado «operat a teasformagies necessarias para acabar com uma contradi¢io insuportivel. As vezes éestaa em daquilo que chamamos de aculturagdo. . 2 PROLOGO, assim mais facil compreender a tendéncia dos grupos tnieos # se autodenominarem com termos que, em sua lingua, qu cinicBizer simplesmente homem, gente, ou algo desse tipo, Este Predisamente 0 sentido da polavra yaromami. A etnia & 0 ponto Peptral do Universo humand, & a humanidade por exceléncia, em seminda qual tudo deve necessariamente gravitar, para onde tudo Rue converai. Para um yanomami, tudo © que no pertence 20 SENS soprie mundo socio-cultural é obrigatoriamente estrangeiro, TES palavias yanomani e nabé ao mesmo tempo se complesan Pe Spuem, Os nabé so, em primeiro lugar, os indios de ovtias race mas também os mestigas e 0s brancos. todos confundides saints Inesma categoria, reservada aos eres que nao merecem neni sana eederagto; sao eles tainbém os inimigos, pois, de fato,o estran- Joho ¢ um inimigo em porencial, que s6 serve para roubar © 3I2cat, 2eiiNo de zombaria, relegado a0 nivel de sub-humanidade ao meso Sees desprezada etemida, responsivel pelos crimes mais hortivels ee portanto, que os yaaomami acusem 0s estrangeitos, cos braneos, dé flgo que para eles constitu uma verdadeira abor- unt erime hediondo! . Mejfposo e seu universo mito so marcados por essa ameaga cons cage esa sombra inguietante: 8 antropofagia, real ou simbGtes- Pee. syanomami.a morte € sempre concebida como um ato canibal- ear cee quando a alin foi comida por um ser sobrenatural ow Por tum ser humano. “G relato que precede estes comentitios foi tiado da ideologia: um produto da imaginagio, embora alguns dos elementos. ave § cammioem puddessem ter sido tiados da realidade. Seria interessan serabra esses mesmos indios diante de um acoatecimento histéreo, econhecer a interpretacio que fazem dele. 1u pensamento ¢ dove se situar entre os anos de 1940 ¢ 1945. Varig Comunidades dos atuais yanomami centrais. empurtudas por re je numerosos e valentes,tinham acabado de se instalas Pero ini tlas chuvas",proximo i corredcira Shitoya. num tugar chara, sopsahe, Exataruente ncsse lugar, o rio deixa de ser mavegavel tem scu curso superior cA So ge sabe de onde vinham os brancos. Tinham subido rio em arandes eanoas de tronco e pararam por causa das pedras Fo om Eavogado muito tempo para chegar até al: avangavain *- anni eafigado varas na area instalaram-se na bea do fio, uma ee 0 cixcuLo Dos FOGOS clareira grande o bastante para construir uma cas retangular com telhado de duas dguas. Tinham vindo para extrair a borracha das seringueiras e comegaram a explorar a floresta a0 seu redor. Tinham panelas enormes, sempre em cima de um fogo que nao se apagava “Quando chegou a noticia de que tinham chegado, ficamos cor medo e ndo nos aproximamos. Mas a curiosidade era tanta que toma~ mos coragem e fomos cspiar por trds das folhas. Nessa época, nao {inhamos machados de metal. alguns de nds tinham apenas uns peda- os de limina gasta amarrados num toeg de madeira com um fio Ge arco. Os estrangciros usavam machados, faces e facas: nunca tinhamos visto tantos, Eles também tinham cachorros grandes que nos davain medo, mas que gostariamos de ter. Um dia, 05 mais cora- josos dos nossos resolveram ir visitar os brancos. Os primeiros encon- tos foram cordiais; tinhaios vontade de ter todos aqueles odjet0s, sas nao roubdvamos nada. Trocavamos frutas e mandioca e. agacha- dos bem longe das grandes panelas em que a borracha fervia fazendo barulho, langévamos contra as paredes pedagos de madeira ¢ bolas de terra, Ressoavam com um barulho amedrontador: tin, rin... De Gentro delas saia uma fumaca perigosa: gerava 0s deménios shawara, que entram no corpo e causim dor, provocam doenga e depois a morte, se 0s xamiis ndo conseguirem expulsé-los. Muitas de nossas ériangas morreram, nds sabiamos que era por causa das panclas dos byrancos. “Algum tempo depois Karinahusi. o pai de Shinanokawé, fin- giu que ia trocar o fillio por um grande cachorro que os brancos Ihe ofereciam. O animal era realmente bom: cra grande ¢ alto. Na~ quele tempo, tinhamos poucos cies, ¢ nenhum deles se comparava Aquete animal magnifico. Os estrangeiros tinham dado a entender ‘que queriam usar Shinanokawé em sua inddistria. Quando a troca foi feita, pai e filho jé tinham combinado tudo: Shinanokawé fugiria assim que chegasse a noite. Néo foi dificil: ele experou os homens Gormircm, entrou na floresta ¢ ficou exeutlido até amanheser, com tum certo medo de que uma onga passasse por ali. Depois foi juntar-se 208 seus ‘Depois dessa trapaga, ficamos longe, com medo de revanch as ndo paravamos de pensar nos objetos metilicos, que queriamos conseguir de algum jeito. Deixamos passar algum tempo antes de Feapatecer no acampamento dos brancos, para ver qual seria a sua reagd0. Quando nos viram, nio pareciam ter ficado nem um pouco bravos com o que tinha acontecido. Achivamos que eles eram muito mesquinhos em relagao aos seus bens, e isso nos irritava. A noite, 4 PROLOGO os homens importantes € os guerreiros mais vatentes tinham faiade Pecans para nos inctar a foubar, No deviamas ter medo, dite, bastante Bigos esirangeires. E, além disso, aquelas panelas horivels ‘ausavam morte. causayam 8 MORE canes chegou de Weta ramos parentes ealiados tintamos vivido na mesma casa, € Nos paramos Por Ua feign por causa das mulheres. Iamos buscar os potes de conser. angus coznhamos nossa comida em Wétanami: | perto existe ME sails fina. Aproveitando a presenga dos visitantes, os jovers ‘ecidi- are it una expedigdo para roubar os brancos, Uns dizi pale- an eee incentivo, outros aconselhavam @ tomar cuidado: Fcstam, Yess Ge MSorajamentos e ignoraram os conselhos de prudéncia, Ape” corn remuto jovem — eu no passava de um menino —. Ml sa gies Quando chegamos perto da casa dos nabe. eu fiauel com com eedg que no me aproximei. Os brancos falavam conesro #8 Hingua dees, nés respondiamos na nossa, ¢ ninguer entendia nada crenectrangeiro me vue aproximou-se de mim, eu fiquel em panic ase sai correndo, ga dos brancosTinhmos trazio bananas verdes, que cou hanes $2 Seasa, Tinhamos escondido ume lasca de pedra na forests. Pa na rast Jehados roubados. Enquanto os estrangeiros estavam °°: egos endo prestavam mais atengao em ns, pegamos errs pads « Mio Brcgvondemos na gua, perto da bea do rio; entiaees ae iara: era a estagdo seca, as 4guas estavam baixas. Mew irmio ais velno me fez um sinal ¢ disse: . ve Yamos embora, peguct um faedo. Nao vamos f estou com medo. . ou com 7yetanami tinham pegado roupas, era muito visive, OS rances pevecberam e queriam que devolvéssemos os objet0s, On Broncos Peres eles sncou tm revélver © atou sum impruperes recueareS ead para tris. Ele no morse, mag 0 osso So PTE au a ado, ¢ 0 brago feria alangava,wtado, Covremos Pas eas, com pressa . Fomos atacados pelos estrangeitost eres i gatios fearam fariosos © queriam vingar-se ime- sar mais aqui, Stee Tua ‘morreu, Uma outra se colocou’ no céu. Um dia de sea Lea rer cagar, Era a epoca eM QUE Os MUTURS MaCNES un mag sl Pa mca. sean monstona se owe deste anan-pm t ora ae Tamas atraem 08 casadores, 5 (© CIRCULO DOS FOGOS S que ficam onde os pissaros estio empoleirados. esperando 0 nascer TE a do dia para mataclos, O cagador partiu; estava escuro e ele agitar i PRIMEIRA PAR’ es © igalhos em brasa para clarear o caminho, As vezes ele parava, para : 8 atigar 0 fogo e escutar os barulhos, Ele néo ouviy nenhum mutant 2 ‘chorar’, mas. ao amanhecer, chegou onde estavam os brancos. Co- | & mo cles nao o tinham visto, ele se escondeu atras de uma drvore 2 ¢ lancou uma flecha com a ponta em gancho, que atravessou a gat~ i jganta de um riabé, Quando chegou em casa, sem félego, porque tinha vindo correndo sem parar, gritou: —Flechei um inimi; Logo depois ele vomitou gordura c cabelos, ¢ coneluiu que {ima tinha morrido e que tinha *comido’ a alma dela. ‘Ficamos sabendo mais tarde que os brancos tinham ido embo- ra, Tinham descido o rio seguindo a correnteza e abandonado a casa. Nunca mais os vimos. O brago do ferido demorou para sarar ¢ ficou deformado, Ainda dd para ver 0 lugar onde estava a casa dos nabé, ( mato cresceu. O dia-a-dia da grande casa sua | | Depois de Shitoya. altima corredeira, 0 “rio das chuvas” corre | lentamente por seus indmeros meandros, até se fundir no Orenoco. Passaram-se vinte anos, TYorabé chama-se Karohi e foi instalar-se . ' mais adiante, em diregdo & for, para escapar dos ataques fatais de | seus inimigos. Os habitantes construiram sua casa — chamam ‘shabono — & deita do rio, num lugar mais alto, que nso & ati pelas inundagdes. E um grande toldo circular, feito de madeira e folhas, embaixo do qual se colocam todas as familias. No contro , | ha uma grande drea a céu aberto. As plantagées cercam 9 casa. Mais além, a floresta ocupa uma vasta planicie | » OH eee Qt Be OOE oS 1. Cinzas e lagrimas Mat amanhecen, O rio parece nao correr. Alguns poucos remot hos sae a unica eoisa.que anima um pouco a superficie da Sane ‘Lina nevoa leve flatua em forma de volutas que guase no se menor One eats completamente parado. Logo antes de amanhecer, 3 vumi- oa densou-se nas espessas folhagens superpostas: agora comet? sa gar, cm gota pesadas ¢ barulhentas como chuva, Ad ali, 2 nee so mite as notas curtas deseu canto mondiono. O35 matinal aan aeimiyas {eseo, os indi atigam o fogo eas falscas sober até corer. O sol que aparece n0.horizonte logo iluminars as oP. das 0 oo yatta. A grande casa de Karohi volta lemtamente | Wieat frvores re hamam outtas, as eriangas choram, as Tedes balangom ‘com 0 movimento dos corpes: ‘Ainda nas redes, os homens corta de bambu, comegadas no dia anterior, oe a eet abricarcurare,¢ nao devem fltar pontas a ore wie paso, todos deviam abservars abstinéncia sexual PO} é proi- que Passov Gang ou comer até que o xamd tenha terminado 2 bide 1G Yeneno tem as suas exigéncias: para fazer efeito, reqver 0 tespeito s Tegra. rete eee evanta, J esté na hora, pois ele nfo pode set Si° preendido pela luz plena do sol. Ble traga um efule cor carvo reendio pots punos © bragos, Pare evitar que a5 emanaches ce rues do curare provoquer diarréias fortes ¢ repentinr’ Nee vepeige, as mies amarram una falta larga de palha om yolta de See Eiinumas. Tusaew® pega um Dacore Sa einre que eoncém pedagos de um tipo de cipd © ealoen © 2 iam reat algumas folbas. O, xamd stranea alguns fos 0¢ 20 sede, pde-thes fog0, © aproxima-os das raspas de ipO, dee comegam rede are se apagam assim que os fos Se consomery E preciso wetetr a operagio virias vezes, ¢ fiear mexendo © GO, até que en seeo osufiiente para queimar sozinho. Quando Turacwe eon Suera a torrefagdo suficiente, aperta as folhas ¢ seu ‘contedido entre idea a tre rgcnasentTe as cones, para estregar com mals fora. Traquanto faz isso, recita a invoeagso propiciatoria sm cafiam as pontas das flechas Porque hoje de manha Turac- amarrado no teto, Rasga” ae 0 DIAA-DIA DA GRANDE CASA ushe ha! tem dicegio ao disco celeste onde 0 trovio estoura oe’, shokoriwe, Feche a glande de sew penis, Tushe ha! kus ha E preciso entender-se com shokoriwe, 0 Espirito tamandui, Se ‘ele molar o curare com a sua urina, anula 0 efeito do veneno: voearcas de cipé sio pulverizadas. A pedido do xama, Hitisiwé az Ineus frescas de um outro cipd, colhidas na véspera pelo jovem eas lnsamerte colocadas sobre 0 fogo para secar, esmagadas © a eae gaigs outtas. Enquanto ss0, Turaewe fabrica um cartucho sesietiase coloca neie a mistura, e Hitisiw€ esquenta gua, O carts ce fofhas clo sobre um suporte, a uns quinze centimetros acima do ca ga gua fervendo é despejada em pequenas doses. com uma secs, Logo comesa a essorrer um Kiquido escuro da parted baiso Sees cho, no longo de uma nervura feita espectalmente para iss0- € 0 curare. “ae romens vém, um depois do outro, recolher 2 quantidade de eran jue tém dizeito. Depois voltam « scus fog0s ¢. com Sequenos pines macios, pincelam cuidadosamente #s poate col eee oe as foguciras apagadas, que secam 0 liguido. Hebe ads SOO dor de cabega, © Seu pai vé nisso « prova da forsa do veneno, relpawe & um adolescente, de uns quinze anos. Apesar de si dor 1 abeca —~ que talvez tena sido esquecida logo depois de sor oe ainda —, ele brinca em voz baixa com os meninos de sua fade: muito barulho prejudica o curare. ‘Todos anunciam = quem (guser escutar que exterminardo os grandes inimigos ates: ‘malie- dois rer © curare yartomami destina-se antes de mais nada 3s expe sence guerreiras,embora soja ts vezes utlizado para matas os GF7° gis es eee eearanina, Quase todos os grupos tém seu cspecilista Pare GeepariTo, miso produto, tzado de uma planta co habla é Hh Foculizado, ¢ objeto de um comércio intenso « Sfadas. © que Turaewé utiliza vem da regido rio acima. Nie dis, os homens estio Zo ocupidos com o seu traballio aque as mulleres tém de providenciar@ fenha © 2 comida sozinhas. Gieyado acabam de pincelar seas pontas com curare, os guerTeiTOS Hehewe aos qustorme anos u 2 I © cfkcULO Dos FoGOS (0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA * ‘guardam-nas cuidadosamente, em aljavas hermeticamente fechadas “Turnewé estuda 0 rosto do doente para decifri-to, Ble quer saber com peles de animais, {que mal 0 atinge e mina sua sade, ¢ vé as abelhas negras nocivas. | ae shaki ké na, que se alimentam de coisas mortas ¢ podres. Sew mel nojento bloqueou os érgigs vitais ¢ os intestinos do doente, Na noite seguinte, Hitisivé sente-se febril, seus membros ficam € milhares de mandibulas vorazes preparam-se para comer-Ihe a al- 5 | pesados, 0 estomago di, Todo mundo dorme; ele ndo reclama, ¢ | faa, Turaewé, atento, interpreta os sintomas; explica o trabalho len- Be ot Piaguém presta atengdo nele, De manhd, ele tenta se leventar, mas | to. as inexoravel, dos insetos, os estragos causados pelas mordidas, BS ficatonto e tem de se Geitar novamente. Dois dias depois. o jovem seeregdo de um mel viseoso que se espalha, cobre os 6rgdos internos | tem uma tosse seca ruim, Nao pode levantar a cabega e fale com @ ja eausou a surdez do doente. Bess muita dficuldade, Um irméo mais vellio comeca a ficar preocupado, ‘Assim que o mal € nomeado, definido, localizado, € preciso | © pede a Turaewé que intervenha. Como Hitisiwé néo pode nem combaté-lo fapidamente:'e, para isso, deve-se pedir o socorro dos ficar de pé nem sentarse, arruma-se para ele uma rede perto do ‘ekura maiores, mais poderosos, que s40 0s tnicos capazesde ajudar ugar onde o xamé costuma inalar os alucindgenos, a extizpar o mal. | ‘O pai de Hebéwe, KaGmané, ¢ Shimoreiw? juntam-se a Turaewe “Taraewe coioca as mios acima dos olhos fia uma linha perpen | So xamis de menor importincia. Principalmente Shimoreiwé, de icular a0 doente. Na ponta dos pés, examina um ponto invisivel para qualquer pessoa que’ nao seja dotada de suas faculdades. De a repente, ele encontra o-que procurava, e grita: w sh! voog, horsivell Espirito tatu gigante, chegue a mimt ‘Asua volta, todos riem quando 0 animal desajeitado € invocado, ; 1 {quem todos riem, dizendo que sua especialidade ¢ tratar de cdes. 3 i Sutros homens, que ndo sio xamds, também vem, e seatamn-se para | tsistir ou participar do consumo das drogas. Sentam-se em troncos B e apdiam os pés em pedagos de madeira. Cada um dos xamis inala \ Varies doses, por meio de um tubo oco colocado nas narinas. Os Maso hekura nao se apressa, ainda estd em sva toca de pedra. Turae- ~ | Dilios de Turaewe se enchem de ligrimas, e logo ele fica totalmente wwé reitera a sua ordem: & Sob 0 efeito das substincias. Em Karohi, ele € 0 mais sbio ¢ © Espirito tatu gigante, desga em mim! ais poderoso dos xamas, ¢ dirigird a cura, Seus labios comegam Guanuo finalmente 0 hekura se apresenta, 6 xama encarna o j a vibrar, langam um apeio aos lekura, os espiritos da floresta que animal, e retoma sua danga e seu canto: | So seus auxiliares na luta contra as oengas. Os hekura invocados ‘ah gu sou o Espitito tatu gigante! Eu sou o Espirito tatu gigante! jogo aparecem. Turaewé deixa de ser um homem comum: torna-se Ele estiperto do doente, arrasta-se por baixo dele, Seus mem- | hhekura e age enquanto tal, Canta ¢ danga diante do doente, movi- bros fortes e suas garras procuram o mel grudento das abelhas negras & tnentando-se para frente & para tris a0 longo de uma linha ret, eo retirain, liberando 08 Srgios prisioneiros e o corpo de sua opres- i | com um passo leve ¢ harmonioso: esté marcando o caminho dos | sio. & | espitites. Os bragos do xamé as vezes ficam soltos, is vezes se afastar \ Kaémawé chamou o Espfrito de uma pedra, dura ¢ cortante @ i Ge corpo. c outras vezes juntam-se na vertical, Sew canto segue \ ‘como quartzo, leitosa como 0 latex: é kukurwié, que corta, arranca a ritmo de seus movimentos: | G deepedaga, unindo sua forca a do tatu gigante. que ja ¢ terrivel. o ! Sccubstincia viscosa é desmantelada ¢ desagregada; entao, os dois 5 Acvore tokor Ja Nis deitam o doente no chdo, para poderem se movimentar mais S com as folhas da qual . Tuemente em torno dele. Ai, deseolam o mel nocivo ¢ enviam-no oo ns, 08 fekuray para o mundo subterrinco, onde iré contaminar um povo de seres a [epee tie estranhos ¢ calvos, os amahiri. oe oa ate ge que'0 crespusculo esconde, ‘Raustos devido a intensidade do combate que travaram, os a gee as ated aaa dn tcés sans rdenam que 0 doent ses levado de volta & sua rede ‘sia boea estd coberta de penugem branca. Sua boca aberta com a penugem branca que sopra o vento | | B SE G 0 ciKCULO DOS FOGOS Nfo se pode fazer amor com uma mulher que est amame tando. A consequencia da transgressio dessa proibigao é designada pela expressio que a teaduz: “prejudicar uma erianga”. Acredita: {que uma nova gravides seria ruim para o bebé, que sotreria de edie Holentas € acabaria morrendo. As relagdes sexuais sio proibid até o desmame, que no acontece antes que a crianga complete trés anos de idade, de modo que osnascimentos so geralmente separados por tr anos. Qualquer que sejaa razio profunda e real desta pratica, Shas conseqiéncias se-unem as do infanticidio (menos frequente do {ue se acredita) e da guerra, paralimitar a taxa de erescimento demo- irafico e manté-la dentro dos niveis aceitaveis, Para que essa afiema- Eye ago conduza a enganos, convém lembrar que os indios da Amé~ Sea do Sul estavam em expansio no momento da conquista, € que © continente estava muito longe de ser 0 imenso deserto humano que, complacentemente, se supés. Ha pouco mais de vinte anos, f populagio yanomami, aproveitando o razo privilégio do isolamen- to. estava aumentando, ¢ foi possivel acompanhar de perto as ultimas fases de sua expansio territorial ‘Kaémawe sonha que esté para prejudicar uma crianga. Ele que’ fazer amor com uma mulher que esta amamentando um recém-nas- ido, Hesitante, cla faz que vai embora. Ele suplica: Nao wi. nbs 36 copularemos uma vez. Depois eu irei embora Nio, meu filho ainda é muito jovem. Estou suja do sangue do parto. Po Uma vez $6, n6s 36 faremos amor uma vez. Eu nio votre mais ‘Enquanto fala, ele aperta a cintura da mulher com a5 coxas. Ela implora: wwintroduza s6 a ponta do seu pénis, no enfie todo! Ele ndo consegue se controlar: penetra a mosa profundamente © exeenta 0 coito. Depois ele se aproxima de unia outra mulher, que tem muitos los no pubis, a pele clarac é meio gordinha: uma beldade, Deita-se 80 lado dela, acaricia seu sexo e diz: — Vamos fazer amor. —Nio gostamos suficientemente um do outro pars isso. Sempre respeitamos um 20 outro. Hoje eu desejo voct. Ele fala, continua a acariciar o seu pubis, ¢ pergunta: —Posso mexer na sua vulva? Vamos ver se iss0 the di prazer. Ela ago responde, mas sorri, o que equivale a uma permissio. Ele desee mais a mao e sente u vulva macia com os dedos. E pensai 4 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA —Esiou mexendo numa vulva, meus dedos vio ficar cheirando Ele acorda com uma impressio estranha. Abre os olhos ¢ perce- be que o dia ndo:demora: uma brisa leve refresca 0 ar, Ouve-se © fat, hate intermindvel da juruva, Ele se levanta e vai urinar na parte baixa da casa, ¢ reacende o fogo. Na luz das chamas. vé que Mia cadela esti para parir. Acorda Mabroma, sua mulher, para avisi- ‘Apesat de ter mais de quatro anos, Kerama ainda dorme com fh mide que, cuidadosamente, escorrega ao longo de seu corpo para thdo acordé-la ao desver da rede. Da uma olhada na cadela ¢ recothe “igumas folhas, para colocé-las embaixo dela. Eles querem assistr ino parlo, mas v0 ter de esperar até amanhecer. Hebewé ¢ Kremoa- awe. maliciosos, observam a cena. Hebéwé brinea: “Sao os filhinhos de Yebiwé! Dizem que Yebiwé vai sozinho para a floresta com 0 seu €20 para copular com ele. Enguuanto isso, a placenta comegs a sair, Mabroma repete baixl- rho, sem parar ; Vio ser machos, vio set machos... Ela prefere edes machos. Mas cessa o lento movimento da pla- ccenta pata fora, A cadela, impaciente, quer se levantar, © Mabro rita: — Forga, forga. e fique deitada! Finalmente, nascem trés filhotes, duas fEmeas ¢ um macho. Ma- ‘roma nao fica muito satisfeita. "A familia toda vai para a roga colher bananas. Os dois meninos também vio, no porque queiram ajudar os pais — essa idéia nem thes passou pela cabega —, mas para chupar cana ¢ ver se acham aigum mamdo maduro. Quando retornam & grande eas, constatam {que a eadela eomeu os seus filhotes. Furiosa, Mabeoma uma surra «ie simul © amarra sus patas. Como todos os ees yanomami, © Pobre animal € magro de dar d6. A perseguigao continua pelo dia rea A raiva de Mabroma aumenta cada vez mais com 0 passor Gis horas. ¢, 1 uma certa altura, surras © gritos ji niio bastam para Compensar o prejuizo éa perda dos cachorrinhos. Enfurecida, Ma- froma acaba pezando uma brasa e colocanda-a sobre o sexo da cade- Mn Uivos de dor, a carne queimada, espalhando um cheiro horrivel. Karama. correndo 0 risco de ser mordida, observa 0 ferimento, com muita curiosidade. Afasta as patas de tise, rindo, exclama: —A vagina dela esta cozidal Hebéwe nio aprova nada disso, € resmunga 15 0 ciRCULO DOS FOGOS — Quando vejo os yanomami agindo com tanta crucidade, 6 rnho vontade de estar longe deles. Nat ole préprio no € exatamente um “coragio moe sempre & delicado com.o8 animals. e nem 0s efes foram introduzidos entre os yanomami recenterene Quanto Karohi vivia'em Shitoya, por volta de 1940, havia someres Quan Rom end comunidad. Muito antes disso, quando os Pe'os aro iors usirawe, no inieiodo séeulo, cram rarissimos, 88 “Megs vivian cir determminado grupo local depois de um longo traicts. © Sragas a um jogo complicudo de trocas econdmicas € ‘matrimoniais. Feertar de ter chegado hd posse tempo, 0 cl0 id en totalmente ‘MSgrado no sistema culural, E o animal doméstico por exceléncia irieD emtanto, nenhum nome especiico o designs: & chamado Tema, palavra que designa todo e qualquer animal domesticado. ioe Bios ndo comem os animais que criam, €, se alguém 2veni a possbilidade de um tal sto, afirmam que s6 05 eanibals de verdade amet eapages de cometer um crime assim to grave, aur See Seto as mesmas sangGes sobrenaturais e 2s mess ‘oengas que stem um matador que nao se submetaag ritual wc at (Os yanoma- rer como todos os indios da floresta, tém animals domesticades. co oreglo, € provavelmente porque de nada Thes seria Se née [cbanino cujos animais nfo se podem comer. O alimen’o ter tex um rebanhe mamma éo operador que permite 9 passage do cst bido da mse estado de cultura, transcend a realidade ics), Wet ae raitMgscido nao pertence a covegoria nenuma antes de Ser Sm" teodm Pasa algo em transigdo, nfo & um ser completo, © POde So! roar iver algema deformagao congénita evidente ou s= 5 PU roe seisorem. Depois de 0 bebé mamaro Tete miaterno ams Yi 0 infanticidio € impossivel. ego é um animal cultural, ainda mais do que Os Outros: fer tum seme, como os homens, beneficiase da cura xaménicn come Use geando morte € queimado, como eles. Suas cinzas so ent ieee ace tiver sido um bom cagador, € homenagcado com U0 pequena refeigio funerdria, Os janomam! gostam. mite dos cies, equent atarmnos e ndo os alimentary; a existencia deles ¢ 2 nica coisa que importa. ‘Goals de Hebewe sempre tiveram azar com os cies, Fas emp tinhare in qué se chamava Irahikibowé, Tioham orgulho dete: va ego ee cage. nenum outso eza tg0 bom quanto ele 16 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA para farejar ants ou seguir a pista de uma cutia, era espero § tinha Pate dan faro. Um dia, Kadmawé foi cagar com 0 emo. 0 cf fareion ae poitity e comegou a seguir pista. Pelos tatidos, pereebia-se que cas pista certa mas, de repente, ele fiepu quieto, Os irmaes Grocuraram por muito tempo, e quando finalmente acharan © cao Bie jd estava morto. Pelas pegadas © pelos restos, entendoram de, oe trad na sua pista, 0 €40 tinha chegado perto de uma onsay Gue cstava devorando um tamandus. A feratinhalangado ua prec tira altar sobre o animal doméstco e maté-lo, Era enorme. 8 julgar pajas peaadas ¢ pelas marcas Gas garras — do amano de ura rs mhardo-paré — Aue ‘inham aberto no pescogo um rasgo profundo e fatal. Bs cagadores choraram c resolveram se vingar, Comegarsm DOr consteair dana espécie de'plataforma sobre os galhos mais baixos coer sevore, de onde ficariam a espreita da onga. © espelarait de ume arvetamanded num pedago de madeira, esperando que ela veitasse para comé-los. Depois de algum tempo. ela aparece. WES voltase Paro balangando no ar como um chicate, mas fot dir fans o corpo doco. Kadmawe estcou seu arco bik 3 Nee partiu, ra oe eertou © alvo e sumiv na vegetagdo. O irmao mals Nevo aaee gor sua vez, a ponta agugada cravou-se no flaneo d6 OFFt- que deu um salto impressionante e desapareceu 00 M0 Os dois fee,ens queriam achivla, cortarlhe a eabega © queimé-ta Ne PEE Te soe, para Gostrir os dentes que tinham provocada a morte. Tet da cata Patjram. Na volta, queimaram o corpo do,cio, que Hnhart nee eee ceenterraram a3 cinzas na parte de tris da casa. Fizeram wath ecriménia com carne ¢ bananas cozidas para cle, Gar dia, uma mulher, voltando da floresta, anunciou: or eresiante vem uma onga. Encontramos os ossos del |. Kerama examina mais uma vez a “vagina cozide” da cade} infeliz, ¢ depois vai brinear com as outras eriangas na praga cent He, eeripose uma menina, © Kerama é amenorzinha. As et sie ijjeutarizam umas hs outas, acusando-se mutuamente Ct Fe creetorme, Cada um mostTa para © outro o tamanho de q¥e wicador ¢ 0 potegar juntos ja nao bastam para ind! yee Togo passa a usar os bragos. 34 Pare emmentos, Haotoive afasta as nadegas € grits pare Os OUTS, uunidos contra ele 7 Gr CCOSE 0 clxcuLo Dos FOGOS — Pronto, olha ai o micu cu peidando em voces! Tia grande borboleta passa voanda; para que cle niin fuja, Kerama the diz: se Miia sogea, minha sogra, tenho sed Eo que se deve dizer para pegar borboletas. Mas as sas colori- das, indiferentes, eseapam dos dedos da menina. De repente, as criangas interrompem a brincadeira, ¢ 0s adultos a converse, para escutara briga entre Morayema ¢ 0 marido, Mokau kkawé. Ela grita: — Pode ficar se fa yerto ¢ rindo. Quem vai buscar Ienha para voce, quando eu ndo for mais? Vocé val tremer de trio Toite, ¢ vai roubar as brasas dos que esto dormindo. Que horror! Griitho que vocé me fez tom a cabega tio grande, que no minime tem dois cércbros! Se cle morrer voce vai se arrepender. acontecer, eu vou dizer: “Olhe a rede que eu durmo. de sujeira, porque vo — A sua roga € to pequena do ¢ eu temos de alitment se Voce sabe que eu ndo posso aumentar a minha parte, porque esté cercada pelas rogas dos outros. Sabra uma clareira nova, atris da ro¢e. Ea brige continua, esgota todos os temas, os mesmos de sempre: do ¢ a primeira vez que Morayema ¢ Mokaukawé discutem, Eles Toomam uma famifia polidndrica, junto com Shonikiwe. Mokaukawé fo segundo marido de Morayema, com o consentimento de Shoni- awe, Indo mais velho dele, seu estado 0 condena a uma situagio igual aguela em que se encontram os adoleseentes que prestam servi obs pre-maritais para os sogros, Com efeito, 0 status de covespos Spublve 2 obrigagdo de cagar para manter’a familia ¢ realizar os Stevigos mais depreciados, os mesmos de que os rapuzes sio encarre ados pelos pals da expose, Mas Mokaukawe no € mais um rapaz- Ele tem um fogo a parte e reccbe de Morayemi o: 20s cozidos E'S lenha, Sua dependéncia © a precatiedade de seu estado obri gam-no a miendigar os favores de uma esposs que Ihe foi concedi Os yanomami ndo tém muito amor pelo trabalho, mas Mokeu se essa desgraga preta , Meu mari= awe é preguigoso cemais, e essa sua tendéncia aatural entra em Contradigao com as obrigagées especificus de sua situagdo; dat sua trrtagdo, seu ressentimento e as altercagoes com Morayema. A pater- inidage do filho de Morayemta lhe é reconhecida, mas nio Ihe € conce- Gide o dircito c nem a possibilidade de demonstrar o afeto que sente 18 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA por ele. A mie, as vezes brutal com a crianga, no tolera nenhuma Pinca a esse respeito, certa de contar com a protegio de Shonikiwe. ‘Numa sociedade em que hi oito mulheres para cada dez homens, conde, além disso, a poliginia € permitida, tem de haver enjeitados. Rapazes prolongam 0 celibato, outros no tém outra sada a ndo Setuividir a mulher com um outro. Nao ¢ dificil imaginar os confitos SShsados indiretamente pelas mulheres, ¢ a competigdo dos homens por elas. ‘Quando, finalmente, as vores se acalmam, o erepisculo esti proximo. Kremoanawé vai cagar inambu. Ble chega com 2 noite. pga mos varias. Avanga lentamente, ¢ jf pode distinguir a massa Soe it da casa no fim do camintho, quando ouve sussurros e pereebe siguma movimentagao na vegetagio proxima, Ele para, atento, Acha que sao, guerreiros inimigos que esto emboscados, ou entéo feiti- qUiros que vieram langar encantos malGficos, Suas mos se contraem sarc uma flecha lentamente preparada. Pronto para langi-la, uve uma voz chamando da casa vizinha —"Rutemi, o que voc’ esté fazendo? “Ko lado dele, nos arbustos, ume voz Sussurraz Sua mae esta chamandy. [Vamos voltar, responde um timbre feminino. Kremoanawé compreende: sio Rut'emi ¢ Moriw’, escondidos Abeira do caminho, fazendo amor. Ble diz: w © que voeés estio fazendo? Bu até achei que voeés eram inimigos! Ete no fiea para escutar a resposta ¢ vai embora, aborrecido com 9 engano que cometera e ao mesmo tempo achando engracado fo transtorno que causara. ‘A linhagem a que pertencem Hitisw étia de Karohi, Seu pai nasceu num grupo de rio acima, onde vivew sare ade de dezesseis ou dezesscte anos; entfo veio para Karohi. para se easar com a ima de Kadmawe, ficou ¢ eriou raiees. D fas pessoas que permanecem, como cle. no grupo de seus SOBTOS Foi pego durante o servigo marital.” Gs genros em geral preferem voltar a0 seu préprio grupo depois de terem ficado um ou dois anos servindo os sogros. © pai de Hitisiwe morreu, certamente de impaludismo, O ramo principal da linhagem a que pertencia permaneceu nos grupos de Fo acima, dividido em trés comunidades vizinhas. 19 EEE 0 cIRCULO Dos FOGOS Em dois dias, o estado de satide do rapaz tornou-se desespe- rador: nao pode comer, nem se levantar, em ao menos falar; seus maxilares ndo se mover. Como os xamiis locais ndo eram eapazes de extirpar o mal, pensou-se em ir buscar um parente de rio acima, também xamé, © que talvez pudesse conseguir 0 que 0s outros ndo ‘conseguiram. Discutiz-se a idéia, mas jé era tarde demais: um solugo lancinante anuncia a morte do rapaz. "Ergue-se um grande clamor, que logo toma conta de toda a casa coletiva: solugos, lamentos fiinebres, choros interminaveis. Ins- fantanesmente, as mulheres unemse em tomo do morto, sentadas hho chiio: batem nas proprias espaduas, batem palmes, grandes lagri- mas rolam em suas faces, Logo chegam os homens, que se colocam atrds; uns se sentam, outros ficam de pé, arcos ¢ flechas em punho iante do corpo. Miitos dedos correm ¢ agarram-se 20 peito agora ‘sem vida, como se quisessem rasgé-lo, outros pegam os cabelos. O rosto do morto esté incrivelmente relaxado e tranquilo. As pélpebras foram fechadas. O lébio inferior ainda segura o eterno pedago de tabaco, que se pode ver dentro da boca entreaberta. A pele est pilida, amarelada; as mos, um pouco contraidas, esto sobre 0 pei- Be, Os dois irmios estdo Id, ubobados pela dor, ¢ Fepetem sem parar: — Inmaozinho! Irmaozinho! Suas vozes roucas de desesper0 so interrompidas por solugos pesados. Hebewé ¢ Kremoanawé esto junto ao seu fogo. Sua rede Balanga com o impulso dos corpos. Eles também choram: Meu cunhado! Meu cunhado! Cada pessoa declara ao morto 0 seu pesar invocando 0 paren- tesco que a unia a cle, "Uinn mensageiro é enviado sein demora para avisar os parentes de Tayari, que ehegam logo. 1-4 estdo Mamikyima e seus dois filhos. Bokosawé, 0 xami, acompanhado de sua graciosa filha, ¢ outros. Ebréwe anda nervosamente em circulos na praga centra Tou-se do areo do defunto ¢ langa flechas cujas pontas foram tiradas. Outros vio na frente ou atrés. Cada um traz consigo um objeto que portenceu a0 adolescente morto e exibe-o a todos pela sitima vez, seinulher de Bokorawe danga e prossegue em suas lamentagoes fine~ bres: tem nas méos dois rolos de fio de pesca, uma aljava pendurada nas costas, mas a alga, em vez de estar colocada em volta do pescogo. Como convem, esté apoiada na testa da mulher. Morayema, a sogra Hivsiwe poueo antes de morcer 0 CARCULO DoS PAGUS do defunto — ele in casar-se com a filha dela — estica os bragos se radbols rolos de fume bragudeiras de algodo, Shonikiwe, 00g. brande um facdo. ‘Umma verdadvira multidéo movimentarse no centro da casa. os abjetos mostridos em pablico em breve serdo destrufdos pelo fogo, pos nenhum pertence deverd doravante lembrar uma prescnga {jut tratario de abolir em todas as suas manitestagdes materiais. Al= fhuém ja foi droga, desenterrar as plantas mugicas ¢ cortar as palme\- fas que pertenciam a Hitisiwé. Ouve-se a voz rouca de Shonikine fazer o panegitico de seu gento: o Ble era bravo € corajoso, ndo temia os golpes nem a dor. Nunca tinha medo, era sempre 0 primeiro no combate aos inimigos. Era um grande eagador orewé, ainda empunhando o arco, péra diante de ume passa- gem estreita que dé para fora, para um caminho. Ble diz: 36, meu genro, vocé nunca mais passard por esta porta. Este arco que tenho aqui e que Ihe pertenceu nio mais servird para cagar. hhunea mais sua flecha atingird mutuns e antas. No entanto,a c6lera se faz sentir sob o pesar. Explode em acusa- ded dizetas, Alguém tom de ser responsavel por essa morte. O5 Eulpades sio encontrados: sio os yanomami do sul, os terrivets sha- Snattari os inimigos, 0s nabé. Agora no restam dividas de que @ mMpleseente foi vitinia dos sortilégios deles; seus xams maus envia~ sam os hekura que trouxeram a morte a Karohi, Vozes femininas. insuportavelmente agudas, exortam & vinganga, Os homens, dizem Jas’ ndo podem se mostrar moles, é preciso devolver ataque, por Sitaque, morte por morte. Se nose efetuar uma vinganga iempledon, se ilimigos, convencidos de nossa fraqueza. cairao sobre nds € nos fnilingitdo perdas e mais perdas: hossas Légrimas no vo parar de wairee. Isso dizem as mulheres, principalmente as velhas, que viram muitas coisas no decorrer de uma longa existéncia. Te irerentes. a eriangas pequenas continua brincando ¢ sta alogria as vezes corta as dolorosas manifestagdes de luto coletiva Mae amulto vai diminuindo, e,um por um, os adultos vo volando fos seus fogos. Wishami assa bananas verdes, um pacote de peines fepouse sobre as brases. Exausto, Kadmawe engole uma fatia de epoido antes de adormecer. Mabroma oferece aos filhos peixe enso- pado e bananas. Hebéwe percebe que a fauta de tés Duracos ave pagpara de fabricar estd rachada c interrompe seus lamentos para aeaMear ae oinstrumento ainda funciona. Todos, em todos os cantox. {Piimentams a noite estd se aproximando. O morto agora esi $6: 2 10 ibd A Bel Ba UIA L rede abandonada. O mondtono, 0 cotidiano, 0 automatismo dos estos habituais realizados sem pensar voltam a imperar. “A noite cai, Como sempre, Mabroma acende 0 fog0 a0 lado de sous dois flhos, que, vivendo afastados dos pais ¢ das iemas manifestam sua necessidade de independéncia. Hebéwé se deita; vé Baiwé instalar-se perto do corpo de seu irmio para veli-lo, preparar tum fogo que logo se aviva, dobrar as laterais da rede sobre os seus membros rigidos. Recomecam alguns lamentos, logo calados pelo Sono, De repente, Hebéwé percebe algo que se move desajcitada- mente entre as toras apoiadas na base do teto, que garantem protegao tficuz contra as feras, 0s inimigos, 05 espiritos noturnos ¢ as almas penadas. Atiga 0 fogo e descobre um sapo esverdeado. Chamam-no funament. © rapaz fala com cle delicadamente, quase com defe- réncia: = Afaste-se, vi embora, no fique aqui: vocé esti vendo que eu no estou doente. Ele tem de afastar o, animal a qualquer custo, sem violéncia Diz-se que f noite ele sobe no peito dos que esto dormindo ¢ mo- iha-o com sua urina vencnosa. E preciso se mostrar delicado para com o batraguio porque antigamente cle foi um famoso xamé, Se. por azar, for ferido ou morto, outros certamente virio vings-lo. “A noite € calma, O céu esté aberto, sem nuvens; & quarto cres- conte, ¢ 0 firmamento esti repleto de estrelas. Ao longe, na floresta, suive-se os gritos surdos de um bando de japacanins. Ao longo de todo o “rio das chuvas” © nos pantanos vizinhos, sapos de todos 19 tipos coaxam loucamente. De tempos em tempos, 0 canto kigubre do curiango faz tremer. Ao amanheger, as mulheres esto com as faces enegrecidas em sinal de luto. O procedimento que utilizam para obter aquele negro que adere com tanta forga & sua pele. terrogadas, todas afirmam n suis légrimas com a sujeira das bochechas. cYobter desse modo 0 negro escuro, to marca- do, que forma uma espécie de casca, como se fosse betume. As kigri- snus’ mesmo sobre a pele suja, s6 deixam marcas amareladas. Quan~ do se sugere que a marca que tém nas faces pode ter sido feita aeres- Centando-se einzas ou carvao, as mulheres, mesmo que intcrrogadas fom particular. rejeitam categoricamente essa hipdtese; € um segredo fuidadosamente guardado. © negro. para as mulheres, & simbolo Ge luto, a plumagem branca dos passaros predadores € de uso exclur sivo dos homens. 2B [ess DIOP? Henepe yy Or 0 CikcuLO DOS FOGOS ShOnikiwé pés-se a limpar a praga central diante de seu {0E0. Ebréwe e Ubrawé cortam toras ¢ talham-nas, Desta vez para o timo Faoae todos se retinem em vorno do cadaver. ainda na rede. Reco- meggatn as dangas e lamentos finebres, ¢ a exibigio dos bens. do mmetto. Mabroma carrega a filhinha apoiada no quadril, Bomamor Teegm, apoiada num bastdo, com os grandes ollios opacos voltados para'o ceu, perdeuse no meio da praga porque quis partcipar do macabro ritual. se est preparando 2 pira para a cremagio, exatamente no lugar que ShOnlkiwe acabou de limpar. Ebréwe arruma wmn-tando de toras uma a0 lado di outra, e depois um quadrado de paus cruza- dos que formam um retdngulo, No centro ele eoloca folhagens © Gallas secos e depois vai buscar tgSes e brasas em ris fogueiras, Hergieamenteativado com um leque. o fogo nao demora a lamejar 56 gta reforgar a esirutura enfiando estacas resistentes dos lados. ‘Subitamente um clamor aterrorizante toma conta da cast gran- de. Ebréwe bate com 0 facio nos pilares de sustentagao da cast Gritos, choros e lameatos se intensficam.. Todos esto em volta do aero oe mulheres estdo sentadas ¢ os hiqmiens, de pé, trouxeram morta armas. Ebréwe ¢ Kaémawé desamarram a rede em que © ae a estd deitado para levé-lo, cada um éarregando de um lado, res fogueira, Aschamas envolvem o corpo, 2 rede pega fog0; Hebe SNE. aprossadamente, cobre o cadiver com pedagos de madeira. TO os se afastaram, menos Bomamoma, desorientada, presana fumaga Espessa que sobe da fogueira. E essa fumaga estécheia de deménios Ser Soenga, os shawara, que partém com els, liberados pela cremagéo- {R pobre velha, em panico, nao sabe para que lado fugir; els sufocs a Bomios tatelam em vao. Ninguém percebeu 0 seu desespero, cxce- to Mabroma, que manda Remaemalevé-la paraasua rede, Eaquarto seen eaomawé destruiu as penas das flechas que pertenceram a Hiti- SAG. quebrouthes 85 pontas. partiv © arco e jogou tudo no fog devorador. "Tudo esté calmo de novo. Tem-se pressio de que. por alguns instantes, toda a comunidade sofre, de amnésia total, que se vai com ipevama rapidez com que velo, criando uma dramstica alternine ‘Jo desespero excessivo e de indiferenga fingida. A dissociagio do Gover, do rito e da vida cotidiana é quase perfeita: ¢ estranha, incon- cebivel para nés. Os bens do morto ainda nao foram todos queima. GeOING Rasto € enkregue a varias pessoas que os guardarso, até 0 pos ato em que tiverem de devolvé-los para a destruigio, Como Magus Gisputam essa honra, a repartigho Se faz entre discussdes & 24 (0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA tratos, Mabroma exigi que the dessem algumas pontas finas. Mos- tra-as orgulhosamente a Hebewe, dizendo-the: + STAqui esto, meu filho, as posses do seu cunhado Sous bihos e suas faces esto cheios de Iigrimas, c sua vor mar~ cada por uma tristeza infinita, Mabroma embrulha os bens do genre caer mn pedago de tecido velho € guarda-os dentro de um pequeno cesto pendurado no teto. ‘Um grupo de hiomens revinese para conversar no fogo de Shei kiwé. E preciso se vingar dos xamas inimigos, mas as represdlias ES diadas para mais tarde. Critica-se 0 missionério de Mavaca, Sue quer levar as eriangas embora para tranci-las num internat; Ge quer impor sua vontade aos indios é egoista; a gente de Kara are quer entregar os filhos eno gosta de receber ordens. Con\ir- re aisore vases coisas, as novidades circulam, opina-se acerca dos case Seimentos. Ebréwe deixa a assembléia para juntar as brasas ga pita erematoria. Percebe que o crénio do moto estd descobero- Ge Pitpate de carne derretida ameaga desabar. Ele arruma tudo com i paste comprido, levantando, deslocando, juntando. Depois co Toca mnais lenka, antes de yoltar'ao seu lugar junto 20 gT4po. Bana trouxe da floresta um tronco descascado da érvore kanaye, dc aproximadamente um metro de comprimento e vinte centimetros de aprosito. Dele se7d feito 0 pildo dentro do qual sero pilados oe oem galeinados do defunto. A parte interga € cavada com uth $eo0 ie paredes sio endureciéas no fogo. E um trabalho cific} {acd eiosd, no qual Baive, Fréremace Shimiwé se sucedem. Quando 6 pildo fiea pronto, a parede externa € pintada com urucum ¢ cada. 0 ia coxtremidades¢ enfeitada com uma penugem branca colada. © ogo apaga sozinho. No final da tarde, quando ji estoy, ‘9s inméoe do morto vio recolher os restos dos ossos. Agachados. Gepositam os ossos em cestos; s6 a mao dircitatrabalha, a esquerde cero sporada sobre a coxa, No final varrem o local da eremagio, ca peg cinzas ¢ 0 carvdo. © solo fica limpo, ressecado pelo eaNor: aaa ass indios dizem que esta “vozido”, assim come “corida’” ores Ofe uma roca apes a queimada ¢ a dispersio das brasas, Sara a plantagio; « Yerra "erua” no pode ser cultivada. a2 Gols irmios pilam.0s 0s90s no pil, até que se obtenha um ppobem fino, que € colocado em cabacas pintadas de urucum ¢ here: Pe rmente fochadas com cera de abelha. Shonikiwé recebe uma dela porzer 0 sogr0, Baiw8 outra, por ser oirmao mais velho, Uma res Pore servada para os parcntes de Warabawe. que virdo reclamar Pua parte do morto. Mais tarde, 0 pilao vai virar lenha, 25 SPER PREP OS Ne & f ‘Menino grethando tars Hitisiw€ agora pertence ao pissado; deve cair no esquecimento absoluto. Seu nome nao pode ser mencionado em hipdtese alguma. 0 6 dos oss0s ¢ 0s times bens do morto desaparecerso quando as ceriménias apropriadas. A existéncia passida do rapa deve ser apagada, nada deve lembré-la aos vivos. Hebéwe fiea melancstico. Ele diz a0 paiz 26 0 DIA-A-DIA DA ORANDE CASA —Tenho medo da morte. Tenho o pressentimento de que nunca lornar um homem maduro; vou desaparecer antes. As epide- ine levar, serei comido por uma onga ov mordido por uma cobra, Sei que minha vida vai ser curta ¢ isso me di vontade de Chora, Par que temos de morrer? Como ¢ o pais das almas? ae Morremos por eausa da fumaga e por causa de Jacaré, respon de Kadmawé. cle lembra 0 mito da origem do fogo. mente, 0 Jacaré é que tinha o fogo. Ele vivia na terra perio de um rio chamado o rio ‘dos dois que comeram gua’, Era para Id que Jacaré ia com a mulher cozinhar larvas Sem ser visto, Naquele tempo, os yanomami niio conheciam @ fogo © comiam a comida erua: ouvia-se o ruido de sua mastigagéo. Um ia, a filha do inambu colérido, Bokorariyoma, arranhou o cho e descobriu pedagos de folhias queimadas, ¢ uma larva cozida que eafra por descuido. Levou inada, © Geduatu-se que Jacaré tinha o fogo, e que eozinhava 05 seus alimes tos. Eles resolveram: Vamos fazer gragas ¢ fazé-lo rit! ‘Quando Jacaré voltou com a mulher, Brucheyoma, uma pe- quena rf, eles juntaram-se ao seu redor. Jacaré tinha um pacote More o qual tisha colocado as larvas eruas que pretendia ofrecer, fe tratara de colocar embaixo as que queria comer. Eles comegaram Sbrincar e fazer gracas, mas Jacaré nem sorria com as palhagadas Gque faziam. Eles urinavam uns nos outros. Quando fot a vez do Beijacfior, ele levantou o traseito e cobriu os espectadores com um jato de exerementos fluidos. Jacaré escondia o fogo na boca; cait nha gargalhada e 0 fogo escapou. O pissaro Yorekitirawé pegou-o Imediatamente, mas nao podia subir bem alto € Brueheyoma amea- fava apagar 0 fop0 urinando sobre cle. Entio um outro péssaro, {GGnaboromi, pegou o fogo e colocou-o no alto de uma érvore, Jacaré ficou enfurecido. Bis 0 que disse aos yanomami 'Siisse fogo que voces acabam de tomar de mim, esse’ fogo ‘eterno, vai trazer-lhes tormentos: sua fumaga vai fazer com que adoe- Game morram, ele vai consumirlhes os corpos. Seus essos ficarge pulverizados. $6 eu serei imortal, na gua fresca em que vou viver” Kagmawé prossegue *Nossos antepassados eram imortais, deixaram de sé-lo quando se apossaram do fogo. As almas deixam o corpo no momento da morte, Sobem pelas cordas Gas redes ¢ pelos pilares de sustentacao dds casa, para it viver no céu. Quando 0 corpo ¢ queimado, a alma 2 OG PURSES SIBOR: & & ‘Menino com o rosto pintado de aga Fe at en chca. No pl ds aay Hee om 2 daquir tem muitos rutos, mel © caga; It hd grandes bandos de oters-dovmato. Asalmas ficam reunidas numa grande easae Trovo Paint sobre elas, Raio 0 lho de Trovio: €inervelmente belo; Tid won Incestucsamente com a mae. Nacasa das ames vive Her 28 0 DIA-A-DIA Dé GRANDE CASA ‘é um deménio, senhor das cobras que carrega enroladas no corpo: Siar sio suas mascotes. As vezes Hera simula a morte; entdo sua boca fede muito, sua cabesa se inclina, uma saliva nojenta escorre pelo canto dos Hibjos a0 Fongo da bochecha. As almas pensam ave eres realmente morto ¢ dangam na praga central. Trovso manda {que eonstruam a fogueia € queimem o corpo. Mas, quando as ebay aime esto altas ¢ as almas comegam a desamarrar a rede em que le esti, Hera volta a vida e ri sarcasticamente. Os yanomami que ndo foram generosos com os seus Bens Ci rante a sva existéncia ndo vo para a grande casa das almas. Ag; Thado na beira de um caminho esta um ser medonho, ¢ Watawatawe, ie\ndiea 2s suas almas perdidas o caminho que devem tomar; enti Fi poreorrem uma picada estreita que contorna uma colina, Atrés Sela encontra-se um braseifo gigantesco, o shobari ke waké, dentro i ne grande folha nova e tenra: as almas so atrafdas, enem nele cee tongomem. Hd também o myndo subterrineo dos amahiri, que Se Sono nds, mas sio carecas. A terra deles & como a nossa, eles tém casas parecidas com nossos shabono, cagam ¢ {Em plantagdes. iE ora Id que os xamds mandam, para livrarse dels, os maus spe vm do corpo dos doentes. Os amahirificam contaminados ym no nosso mundo para roubar 2s Simas dos yanomami. Eles nos véem como nds Vemios 0 ecu: 05 alos ‘ge sol chegam até eles, porque o nosso chao para eles transpareate, Diz-se que outros yanomami que vivem no norte ngo trata! os Mor” Rieck Himente do mesmo modo que nés. Para. refeigéo do conse ee aitzas pintam o corpo de vermetho, e sobre esse fundo desenhans. casi mass escuros com uma substincia na qual misturam © Po eye do morto, Para mostrar 2 sua afligio, as mulheres baters soe homens com bordunas. O resto do pé de ossos ¢ em seguida Austurado a uma compota de bananas contida num pote.” sas ado explica Kaémawé longamente ao filno entristecido, ritos que c , as vezes, por vinganga, entra assou-se um més quando se decide organizar a primeira rete qo de consumo das cinzas do morto. Shonikiwé va até sua Tose rman quatro exehos de bananas, que pendura no wero da east, Gian Ge weal fopo. Na condigio de lider de facgio sogro do defunte, Kaomawé decide pagar ele também uma parte do custo da corim Kaomfmwerd, consegdentemente, duns cagadas de Tonga duragso C duas distribuigdes de carne. Kadmawe Color os euchos de banana assim pendurados para amadurecer com 29 2 ae am ee | B 0 cIRCULO Dos FOGOS Gs un laa ae Carlene fel adehalerie arocado & ma refeigao funerdria. ee Quatro dias depois, as bananas adquiriram uma outra colorag: gue ee» fonts ast mart. Noi Se ‘admawé ordena ags cagadores de sua facgdo que se ponham em marcha no da seguinte: a5 bananas logo etaio aarels; Mencions tas estrus que os passaros fazem nas plantagées, seu Ta Foeee ata Toe RED fats conita Tesminaso's tea cicunso dl ge-se ao seu cao ¢ Ihe diz abruptamente: . Vest alt do eee cog equ Cu voc el paca da ou the dou uma surra. ee arora dacara M prvetando altima luzes do cep , ‘ tues do ceptsclo, evans se diver (eau jogando para o ar a bexiga inflada de um tamandud. Outros im ero ures num ee eps doa Ticks oa enuam gears ee ‘No dia seguinte, aos primeiros raios de sol, dois grup« eo dia seine. 1 sion de ao, dos anges eeace Soess poems 8 caminho; um € liderado por Baiwé, 0 outro por Shinada om so na cbse omen ce oe re. Um dos erapos sors plot des ehvas” pare chepar © seguird para o Norte. Hove Ccnn decepe cvs Gunde apde vinta sit wuntaca eles retomam: hd pouca caga ¢ banguete no serd abundante, “Ent deve anda 3 a coun gia mada orogens dan cham. on cagadores rece amae, untam 0 corpo de-irucam e de wa plntura marfom, arru- mam as penas de pissaros coloridos de seus aderegos e reinem-se : ie don aucndgeno, Engi, Sh Felwe 4 voltas em frente da casa, agarra cada ‘um dos planes de ret eet oatnanctan iodoron homensimporants de Kero Sins perorseaae oars coe piseste ner cepa Nees elspa skcsarice baanas verdes uy sto Geis satay ce Scare, caiurts saloon part Extek a9 eon tmp ae ce mas eens Gentes oie gad aces aca abo de pee ma aa do tet ou ma peters 30 (0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA dda praga central: sfo 0s homens que euidam desses fogos e do cozi- fnento dos alimentos destinados a ceriménia. Foi preciso separar Uy resto dos animais cacados os jacarés, impréprios para banquetes fanerdrios, de modo que Testou © minimo necessario para cumprit o ritua ‘O choro ¢ as lamentagées recomecam de tempos em tempos. Cuve-se 0 lamento doloroso de Baiwe: — Meu irméozinho! Meu irmaozinho! Nem por isso cessam as brincadeiras obscenas de Bbréwe ou 0 risos que provocam. ‘Matronra acaba de fiar um grande novelo de algodao, Ela conse dera a sua obra com satisfagdo e dizz o You trocé-lo por um cio com “os de rio acima”. Faromi, como sempre, est embriagado da droga yakéana, que se produz com a easca d¢ uma drvore, Ebréwe observa-o com am ar de desprezo ¢ comenta: ssple ndo para de inalar a droga yakdana, que faz envelhecer ‘antes do tempo quando consumida em excesso. Olhem como as niidegas dele ji estio enrugadas! ‘NO dia seguinte, tudo fia finalmente pronto quando 0 sol ating o zénite, Deseasear as bananas maduras, amarelas ¢ bem doces, para 1 compote, Elas sio fervidas por bastante tempo na daa, ¢ partidas com um galho com vérias pontas; depois sio misturadas ‘com gua fria, até atingirem a consisténcia desejada Os mosquitinhos que sugam o sangue sio tantos que algumas pessoas para fugir de seus ataques, penduraram as redes bem al10, Embaixo do tethado da casa ‘Baiwé preparou um cesto cheio de ban eo oferece 4 Arusiwé. Num banquete funerdrio, aquele que fornece $e alimentos nunca os cistribui ele mesmo. Transfere essa tarefa Ssvaa pessou que deseja honrar; o escothido pode ser um visitante, “iguémr que ado pertence A comunidad. Arusiwe,lisonjeado quando areata e colocado & sun frente, ndo consegue conter um sorriso Genatisfagao. Shonikiwe eseothe um héspede recém-chegado de ums ceeihidade vizinha. Ao mesmo tempo, ¢ felta uma distribuigao geral serasnipota de baninas, depois de separada a quantidade suficients para a ceriménia funeraria. ‘Be repente, o choro recomeca. Montes de fechas entrecho- ‘nav maos dos homens; ha um agrupamento diante do fogo ide cabaga de compota de banana inzento dos ossos pulverizados, nas fervidas e carne, cam: Ue Baiwe. Ebréwé enche uma gran |. tinda quente e salpica-a com 0 pé cit 31 i SOCHCCOCHOSS 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA snisturando-o com a ponta dos dedos da mdo direia shor Oferece aa nomawé, que 2 engole de uma weds S20) 1 parar furs resp, Simiwé e Warami, io ¢ tla makeries Baiwé, irmao Para respi moto, embem ingerem & mistura- YI ceriméniit rs tar ce Soiiwé em que s6 cle € HUET Mcinaas mortusrias 980 reCe- ravocaria dores de estOmage Ssemelhante tem | SSirsomem os assos. Os que consoner fom nem um pedago de carne: cla p terrivels wes ag manifestagoes de pesar essa bauscamente, COG it vot as i ldnde, Firs, converse-s, clans DNBRT das ve pela metade sio recolocadas no peavens St vermelho: eabagas Pe pastante para um Segund.cerimonia; Daa! & um ‘ano, talvez. asia fando algodio 33 DED cD @ A © 2. Histdrias de amor A sextialidade dos pequenos yanomami ndo ¢ reprimida, contan= to que se mantenha disereta e confinada, Nesse ponto, é como a dos adultos. Embora portador de'um semtido especifico, 0 sexo no deixa de ser um érgio como outro qualquer. € portanto sujeito as exploragdes Ididicas. Os adultos falam abertamente da sexualidade das fungdes de reprodugio, 0 papel do acasalamento humano € © prazer que cle d& nao so de modo algum acultados das criancas. Na verdade, é tudo muito natural, As criangas e adolescentes as veZes se entregam a sodomia. S6 fatam disso em particular, pois, comoa masturbagao, é uma atividade sexual marginal confinada & intimidade dos que a praticam; mas ndo provoca nenhum sentimento de peso na consciéncia ¢ este, como © arrependimento, ¢ justamente banido da moral india: acusagées de sodomia sio raramente feitas, ¢ quando o so arrancam apenas leves protestos da parte dos suspeitos. Nao ¢ razdo para se ofender, © que mostra bem 2 pouca importineia que se Ihe di. comum ver meninos de todas as idades simulando-a em piblico por brinea~ eira; freqiientemente sio cunhados, em geral unidos por uma afei- Gio reciproca e duradoura. As priticas homossexuais, mais freqiien- les nessa categoria de parentesco, ndo sio excepcionais entre irméos ¢ primos-irmaos. Se ¢ escandaloso “comer a vagina” de uma rma sa € 1 expressio dos indios —, no hd esciindalo algum em “comer 0 anus" do irmio: a sociedade impée a troca das filhas € das mulheres, nag codifica uma sexualidade que opera entre pessoas do mesmo sexo. E preciso, entretanto, notar que ahomossexualidade dos cunhados difere daquela dos irmaos. No primeiro caso, um senti- mento miituo de amizade liga dois rapazes que trocam entre i mulhe- Fes e bons materiais, © se consideram como iguais: a relagio homos- Sexual com um cunhado prefigura a relagio, desta vez heterosexual, {que se ter com @ sua irma: € algo como uma espera. No segundo caso, 2 relagio € circunstancial, nio envolve sentimentos © ocorre nize desiguais: no grupo de irméose primos paralclos, os mais velhos {dm autoridacle sobre os mais novos, e sia os primeios que “eomem ‘nus dos otros. 35 ® © é 8 © e € € 0 Orenaeo perio de Mavaca indiozinhos, Hebéwé teve ums sexualidade a0 mesmo tempo precoce e indecisa quanto ao objeto, A regra era qu Tadeo qu df pase bom emsi-Dasexpermentagdes dana, cle fala pouco, mas sem pudor, como de um tempo que ji acabou Seus raros confidentes so os rapazes da sua idade, em quem ele confia, ¢ que em geral foram seus cimplices. Recorda que ele e outros meninos faziam buracos na terra com 36 cos dedos, ¢ umedeciam as paredes com dgua ou saliva antes de neles ntroduazit o penis. Faziam de conta que o buraco era uma vagina jue estavam fazendo amor €om una mulher. E claro que ndo conse, fuyam © menor prazer com um meio tio rude. Um deles, um pouco ane velho, atingia 0 orgasmo simylando o eoito com uma cabaga Gaquelas com que se fazem as cuias, Um dia, Hebéwé acompanhou Vebiwe numa pesca, Yebiwe pegou uma arraia; era grande ¢ tinha 37 > 3 3 6 @ 6 GOSSEO CCD ee 1) DIA A DIA 1A GRANDE CASA belos desenhos no dorso. Esse peixe tem na cauda um ferro muito perigoso, com que pica os imprudentes, deixando no ferimento mi hares de espinhos venenosos que provocam uma dor intensa. Yebiwé cortou-lhe o rabo e voltou a pescar. As minhocas acabaram, e cle foi procurar mais, deixando 0 menino $6. beira do rio. Aproveitando ‘6 momento de solidio, Hebéwe copulou com a arraia. Era to fria que ele quase desistiu, mas perseverou ¢ afirma ter sentido algum prazer. Num outro dia, Hebéwe acompanhou um grupo de homens Adultos que iam até a cusa de um missionério evangelista para pedir algumas coisas. O branco cra avarento. Discutia a quantidade, queria brigar os indios a trabalhar ou participar de rezas a fim de merecer © que queria. Hebéwé morria de tédio. Saiv, andou a esmo pelas Fedondezas ¢ encontrou galinhas ciscando, Sem pensar no que estava fazendo, correu atrds delas, conseguiu agarrar uma e levou-a para tris dos arbustos. O que fazer com o animal? Tentou copular, mas ‘1 galinha nao parava de cacarejar ¢ se debater. Hebéwe perdu a paciéneia, ficou com medo de ser descoberto, quebrou a cabega do animal contra uma drvore € jogou-o no Orenoco, Com a cara mais inogente do mundo, entrou novamente na casa do missions ‘Quando eram pequenos, Hebéwé, Kremoanawé e Moriwé — trés “irmaos” — cortejavam juntos a pequena Rut'emi, De todas us meninas de Karohi,, era a tiniea que Ihes era permitida; dirigiam-se a ela usando um termo de parentesco que significa “esposa”. A rari- dade de esposas poteneiais sempre foi um problema para os meninos de Karohi. Para conseguir uma mulher e casar com ela, nao thes esta outra alternativa a nfo ser cometer incesto ou cumprir numa Comunidade estrangeira 0 servigo pré-matrimonial que devem aos sogros. E esse o motivo de tantos homens de Karohi terem se insta- Jado em outros lugares. A continuagao deste relato mostra bem quais foram, para Hebewé © Moriwé, as consequisneias de tal situagiio. ‘Os irés meninos eram mais cimplices do que rivais € faziam de tudo para conquistar a jovenzinha, Um dia conseguiram conven cé-la a if com eles até a floresta, sob o pretexto de que desejavam colher frutos hayie, que sio vermelhos ¢ do tamanho de uma cereja, deliciosos. A menina era bastante esperta para desconfiar de suas inteng6es, ¢ assim podemos ter certeza de que, a0 concordar em acompanhé-os, ela assumia os riscos. Primeiro brincaram de balan- Mosive » So e@ eee @eo0e@ eeace o OCMC DAN EUS {gar num cips que descia até bem perto do chin © yullavae a subir 2t6 a copa de ui devore. Lles ehegavam a ficar sem flegoe balang~ vam tio alto que gritavam de medo. Kremoanawé foi o primeito air direto ao assunto: —E se a gente fizesse amor? Rut'emi fez uma careta e parecia recusar; estava fazendo char ‘me, evidentemente ela gostava de contrariar 05 meninos. Kremoa- nawé no se deu por vencido ¢ levoura para dentro do mato. Depois foi a vez de Moriwé. A menina, € claro, era virgem. ¢ eles se conten- taram em esfregar o pénis na’sua vulva, sem penetré-ia. Quando chegou a vez de Hebewé, ele fez um ar de quem nao tem press: deixou os mais velhos irem embora antes ¢ ficou s6 com a amiga. Demoraram tanto, que sua auséncia comegou a preocupar. Os pais se perguntavam. —Onde cles esto? O que esto fazendo? —Estio fazendo amor, informou maliciosamente Kremoan: wé, que ja tinha voltado. Os adultos, muito preocupados, imaginaram os acidentes mais improvaveis. Comegaram a procurar as criangas, avangavam pelo caminho gritando os scus nomes. Viram-nos voltando sem pressa, nem um pouco preocupados com 0 susto que tinham dado. ‘A primeira paixio verdadeira de Hebewé foi desencadeada por ‘uma menina de Wayabotorewé. Chamava-se Bawahoma, Seus pais tinham morrido hi muito tempo, ela vivia com a avé € a ajudava a realizar as tarefas domésticas. As duas tinham vindo passar algum tempo em Karohi. As vezes Hebéwe ia para a rede dela; mas tina de tomar muito cuidado, pois a av6, com chime da neta, no podia admitir que ela tivesse um amante. As vezes era cla que ia se juntar 1a Hebéwé, assim que a avd adormecia; neste caso eles ficavam tra Quilos, porque os pais do menino mostravam-se indiferentes, © até ‘cmplices:ficava claro que evitavam atigar 0 fogo com muita freqién- cia, para nio atrapalhar o namoro. De dia, eles marcavam encontro na floresta, Hoje em dia Hebéwe ainda mostra, a0 longo do caminho, os lugares aonde veio com ela. Uma vez, teve 0 prazer de manté-| consigo durante uma noite inteira, Eles $e amavam muito. Ela era atirada; mordia-o até sair sangue; rasgava as tangas dele, de modo que ele perdeu muitas. Certa vez, ela Ihe disse: — Vamos pintar 0 corpo de urucum! — Cuidado, as pessoas vo pereeber a nossa relacio, vigiar. Com efeito, quando dois jovens se pintam um pa 40 PPE EDEL PLU ANI CL suspeita-se intediatamente de que estejam apaixomads. Hntia, se contentou em passar apenas um pouco de tinta no rosto. Quando queriam marcir um encontro, usavam como mensa- sgeiros criangas a quem revelavam 0 segredo. ‘Um dia a av6 resolveu ir embora. Os dois ficaram consternados com a noticia, Bawahoma tentou exigir que Hebéwé viesse com ela nas era impossivel. Sua tristeza foi tio grande que eles choraram. Um ou dois meses depois, Hebéwe acompanhou visitantes que se dirigiam ao grupo de sua companteira, rio acima. Fez sinal para tela assim que a viu; cla fingiu que nao tinha visto nada e, desde entéo, ele nao gosta mais dela ara exprimir o niimero de vezes que fez amor com ela, Hebéwe mostra os dez dedos das mios e acrescenta os dez dedos dos pé ‘9-que, no pensamento de um yanomami, é um némero realmente grande, Afirma que foi cle que a desvirginou. Quando quer louvar ts qualidades de sua vagina, afirma que era to apertada © quente quanto alguém pode desejar. Para definir melhor © calor, passa a mio acima de brasas ¢ diz: cexatamente assim Ja faz muito tempo que Hebé jogos pueris, como esfregar o pénis na terra, copular com peixes te pissaros e se masturbar, No maximo ainda pode se sentir atraido por um rapaz. Mas sio as mulheres que captam o seu desejo. Ele fntrou no jogo ao mesmo tempo complicado, apaixonante e perigoso Gas rivalidades masculinas pela conquista das mulheres. A Gnica coisa {que 0 preocupa € a afirmagio de seus pais de que amores precoces Provocam inevitavelmente a queda dos pélos pubicos. deixou de se interessar por Ha virios dias, um rapaz de uns eatorze anos chegou a Karohi, Seu grupo re she bem afastado, fica a varios dias de caminhada, numa regido montanhosa, fis margens do “rio do mel”. Ele chegou com um grupo de visitantes que s6 ficaram uma noite. Como mani- festou o desejo de ficar em Karohi por algum tempo, KaGmaweé con vidou.o a viver com sua familia. Nao se sabe nem o nome nem quer sdo os parentes do menino. Sabe-se apenas que ele é de Bashobé) os homens mais velhos de Karohi lembram-se de que os antep: Sados desse grupo foram no passado aparentados aos seus; ¢, inclu- Sive, que guerrearam uns contra os outros hii muito tempo. Isso signi- fica que as duas comunidades tiveram antigamente relagoes estreitas de parentesco, hoje em dia totalmente esquecidas, 4a 2 aw GOe@SOee@ 2AGQSSSHOHOCSSE © OG 0 ciRcuLO Dos FoGOS ara resolver o problema da identidade do menino, chamam-no de Fama, A palavra fama significa “visitante™, substituindo h por f, zombam do dialeto da “gente de rio acima” diz-se em Karohi {que essa gente fala “como papagaio”. ¢ ¢ vista com uma certa condes- cendéncia: “os de rio jcima” sdo, de certo modo, os selvagens dos “de tio abaixo”. Essa atitude deve ser vista como .o resultado de uum processo histérica recente que levou a uma leve diferenciagio dos modos de falar e como a conseqiiéncia da influéneia das misses junto s populagées ribeirinhas dos grandes rios, enquanto as comu- nidades do interior, afastadas do contato com os brancos, nio tém aacesso direto aos bens inanufaturados ¢ ainda ignoram alguns habitos ji assimilados pelos grapos de rio abaixo. “"Nio 56 0s yanomami pocem ser detestsveis para com os estran- geiros, como também podem sé-lo em relagdo a membros de sua Etnia quando estes se encontram isolados numa comunidade em que nao possuem parentes consangiiineos que possam ajudd-los em caso de enfrentamento, E Fama é um estrangeiro em Karohi. No entanto. a atitude dos anfitriées para com o joven héspede nio é totalmente regativa; é, antes, uma mistura de cortesia, generosidade e maldade. De um lado, Kadmawé ¢ sua mulher, Mabroma, tratam bem Fama e Ihe dio sua parte de comida, Hebéwé ¢ Kremoanawé, seus filhos, dao provas de sentir por ele uma afeigéo sincera, que se reforca A medida que sua permanéncia se prolonga. Mas, por outro lado, nndo podem evitar ridicularizi-lo ou humilh-lo de algum modo. ‘Varios parentes chegaram de Tayari, A tarde, um grupo alegre de criangas e adolescentes vai a roga comer cana-de-agticar e mamécs. jovem Fama, intimidado pela presenga no grupo de pessoas que le ndo conhece, prefere ficar em casa. Kremoanawé, que nfo ve as coisas do mesmo modo, ordena: —Venha, visitante, venha conosco. Nao fique sozinho, nossos amigos vio pensar que voeé os detestal ‘Caminham lentamente sob as bananeiras. Os menores se atra~ ‘sam, porque ficam flechando lagartos que se esquentam ao sol, Fama ‘caminha prudentemente no fim da fila, e Kremounawé diz aos outros em voz baixa: — Vamos descobrir a glande dele. Nada € mais humilhante para um indio do que ser visto com a glande descoberta: é 0 ctimulo da obscenidade, A decéncia exige, 20 contrério, que 0 prepticio fique bem esticado sobre a glande amarrado a cintura por um corto fino. S6 € desamarrado para uri- nar, e depois que se esté agachado. Hil nfo muito tempo, os rapazes 4a (© DIA-A-DIA DA GRANDE CASA amarravam-no assim quando se aproximavam da puberdade; agora, Com a difusio das tangas de tecido, deixam o pénis solto, protegido pelo pano; mas a vergonha que sentem quando so vistos com a glande descoberta no diminuiu em nada. Formase um circulo em torno de Fama, cle olha os rostos mali- ciosos, desconfia de que tramam algo contra ele ¢ foge para as planta- ges, Hebéwe sai correndo atris dele, nfo consegue aleangé-lo, mas faz com que se canse de modo que os outros o agarrem sem muito esforgo. Endo, Kremoanawé segura um brago, Hebéwe 0 outro. Moriwé prende uma perna, Tohéwé agarra a outra, ¢ Fama fica imobilizado no chdo. Mabroma passa nese momento; atraida pelos risos, chega mais perto. Senie pena do menino, pede que o soltem: mas ninguém presta atengao, Hebéwe pega duas varetas pequenas com elas afasta lentamente 0 prepticio. A glande surge, rosada © dmida, saudada por gritos de satisfagdo de todo o grupo. Fama Se debate, chora de raivae de humilhagao. Depois de rirem bastante, Tibertam a vitima que, furiosa, Ianga punados de terra ¢ galhos. Eles se divertem. 3 De volta a casa, ndo tém o que fazer, ¢ se retinem no fogo de Hebéwe. Diante deles, Wishami se ocupa das tarefas domésticas. ‘Seu filhinho rola na poeira. Ocupada demais para perceber que os rapazes a observam, ela se abaixa, com as pernas afastadas, ¢ expde fo sexo por um segundo. Eles tiem cobrindo a boca com as méos € se empurram com os cotovelos; Kremoanawé fica indecentemente {esos a forma do pénis aparece claramente sob a tanga. Para acabar Coma eregdo, {az uma pressao vertical sobre a extremidade do pénis, dobrando-o, Wishami & para cle uma “iemd mais velha”, uma pessoa com quem nao pode ter relagdes sexuais. Ennoite. e Hebéwé nao consegue ficar parado um segundo: repa- rou na jovem Kiaroma, que chegou pela manhi com um grupo de parentes. Varias vezes, envia Tiyetirawé como mensageiro ¢s6 para Quando ela vem juntar-se a ele. Prudentc, ela senta na beirada da sige. Conversam bastante: Hebéwé conta em detalhes suas proezas lle eagador, reais ou inventadas. Finalmente, Kiaroma se dei tad dele. Hd muito movimento em volta isso os incomoda; Remae~ mma vem buscar lenha, Baiwé mata a sede na panela colocada no chio. Kremoanawé demora muito para beber uma mistura de palmi- toe agua, Essa agitagaio sempre precede 0 sono. Tudo acaba se acal- nando, pereebe-se na rede alguma resisténcia, uma luta confuss ‘A vor de Hebéwe, quase inaudivel, torna-se insistente ‘TINGo, ja, jd. Néo vi embora, agora mesmo! 43 GS & & © S @ @ € € ‘9 cikeuto Dos FoGos Kiaroma finge que precisa urinar urgentemente, Hebéwe a deixa it depois de fazé-Ia prometer que voltard em seguida. A jovem desa- parece na grande casa. Quando volta, em vez de manter a promess Uesviae vai para junto dos parentes. HebEwe ndo esconde seu despre 20 ¢ profere insltos grosseiros, Riguns dias depois ocorre um fato que ter conseqiéncias consi derivels para Hebéwé. E de manha, o sol ainda ests baixo quando Ebréwe chega de Tayari, razendo um reeado de Bosiarima que che ma Hebéwé para ser sc genro. J fazia muito tempo que corriam umores, antes do convite oficial. Hebéwe ndo esconde suas divides. Uma fragio importante de sua linhagem vive em Tayari, ele sabe que ndo seri perseguido e maltratado como Fama em Karohi; mas em preguiga e nao gosta de mudangas. Em Karohi, recebe da mae a comida e a lenha, ¢ $6 vai pescar ou cagar quando tem vontade. ‘A ciniea coisa desagradivel &a falta de mulheres. As vezes consogue encontrar RutYemi por uns breves instantes, mas precisim tomar Cuidado com o homem que agora é marido dela. Ele conhece jovens {que correspondem 3s suas investidas quando visitam Karohi ou quan do vai encontré-las na casa delas. Indo a Tayari em resposta a0 con- vite que Ihe irazem, sera obrigado a participar todos os dias das texpedigdes de eaca ¢ de pesca. O genro deve prover os sogros de aga, earregar a lenha, cortar as grandes arvores da floresta para preparar as rosas, trepar nos troncos para colher frutos selvagens, pjudar a construir as casas ou consertar 0 teto da casa comunitaria Vio acabar para cle os longos momentos de écio na rede © os passeios de fogo em fogo. Receberi dos sogros comida ¢ tabaco, mas nada flém, Bm Karohi, costuma exigit que @ mae se submeta dia € noi a seus eaprichos variados, Por isso Hebéwe ndo se mostra nem um pouco apressado para responder a Ebrewe. Este, alids, nao apressa 0 sobrinho, espera pa- Cientemente, nota que 0 sogro insistiu muito para té-lo como gento: tudo indica que ele serd bem tratado. A mulher que the oferecem indo € de se desdenhtar: € jovem e bonita, e, de qualquer modo. nao é em Karohi que ele vai encontrar uma esposai e, se demorar Gemais, Bosiarima, cansado de esperar, vai dar a filha a um outro. Esses argumentos, éspalhados ao longo da conversa, acabam conven- cendo Hebéwe, que de repente toma uma decisio. Sem dizer uma palavra, sem demonstrar de modo algum sentimentos profundos. Uesamarra a rede, pega 0 arco € as flechas c se afasta, seguido por Ebréwé. Mabroma fica em siléncio, duas kégrimas molham seus olhos quando ele desaparece. 44 Muiher de Bishaasi (Mavaca) Hebéwé e Ebréwé caminham depressa, sem falar. O caminho, muito freqiientado, ¢ largo e bem marcado. O sol est baixo quando chegam em Taya Jina casa espacosa ergue-se bem junto & margem do Orenoco Deve ter chovido na nascente do grande rio, cujas 4guas esto barren ‘ca margem embebida de égua, milhares de borboletas amarelas fe brancas matam a sede, numa grande agitagéo de asas, © conjunto dos residentes, um pouco mais de setenta pessoas, dlivide-se em duas grandes linhagens, cada uma ocupando um pedago tem delimitado da casa. Essa bipartigao da populagio na casa grande io € de reera; as vezes a comunidade & composta de trés ou quatro 45 © 6 6 @ Se © @ @ ® @ S$ @ aa 0 € » & G € 0 CIRCULO Dos FOGOS linhagens que se dispdem de modo regular uma ao lado da outr para ocupar todo a espaco habitado. Hebéwe se instala na parte ‘que cabe 10s seus parentes, no fogo do jovem Tohdwe. Nada mais simples: basta que deposite as armas junto a uma estaca € estique a rede para estar em casa, Ha muitos jovens em Tayari, que provocam uma agitagio agra: davel e alegre. Hebéwe, silencioso, como convém a um recém-che gado, dobrou um dos bragos sob a nuca e mantém a mao livre diante da boca, como os visitantes que acabam de chegar. Ele observa as criangas que brincam na praga central; divididas em dois times, en frentam-se com bordunas feitas de uma madeira leve que niio machu- ca a pele, mas pode fazer galos. Nunca sabem de onde vern um golpe, e as que sto atingidas cerram os dentes para ndo mostrar que sentem dor e tentam revidar o golpe no adversirio. Quando 2 brincadeira acaba, as criangas enterram as armas em duas séries paralelas. Bem perto, um grupo de adolescentes inala um alucindgeno. Para fazer graca, um grandalhdo chama um menino de uns dez anos e manda-o participar, dizendo que seria um covarde se nio o fizesse ‘© menino nao ousa recusar, sopram-lhe varias doses muito fortes cle, fulminado pela substancia, despenca e bate a cabeca no chao. ‘Aleste, uma nuvem escura, carregada de chuva, ameaca. Perto do fogo vizinho ao de Hebéwé, Bokoraweé, 0 xama, instala 0 poleito noturno de seu papagaio: dois pedacos de arco unidos por uma va transversal. O grito de um pica-pau atravessa a floresta; Tohowe responde com a frase convencional —Ainda sou jovem, ainda sou joyem! De repente, a nuvem se rompe. E uma dessas tempestades de fim de tarde, breves ¢ violentas. O vento sopra ¢ dobra 0 topo rvores; as gotas caem, cada vez mais compactas, raios rasgam 2 ‘massa sombrin das nuvens. Os agamis domésticos, montacios em suas patas compridas, andam pela praca central; para eles, as grandes pogas d’égua que se formam sao piscinas nas quais se agacham, baten Go na gua com as asas; fs vezes emitem 0 grito impressionante {que thes valeu © nome de passaros-trombeta. Mulheres se lavam nas goteiras do teto, outras aproveitam para encher as panelas. Hebé- wé nota que, no fogo vizinho, a velha Yerusi tosse cada vez que peida. Hisami vai para a parte posterior da casa com uma amiga, elas urinam de pé, pernas afastadas ¢ tronco arqueado, para fazer com que 0 jato de urina vi o mais longe possivel. No fogo de Rubro: ‘we, um certo trangado, pendurado muito baixo, perto do ogo, come- 46 OIA ADI DA GRANDE CASA ga repentinamente a arder em chamas. Contém peixes defumados, due cxem um por um, Tentam apagar 0 fogo com as maos, depois decidem jogar agua, Os vizinhos morrem de rir, divertindo-se com o incidente, Finalmente, aparece Tabrobemi, mulher dele, trazendo um pa- cote de bananas assadas amarradas por uma fibra. Entrega a comida fo jovem marido e vai embora sem the dirigir uma palavra ‘Ouando ainda era pequena, Tabrobemi ficou gravemente docn- te, Foi vitima de uma dessas intermindveis diarréias que, muito fre- @iientemente, colocam em riseo a vida das eriangas indias; ela tinha emagrecido muito, tinha fieado feia, quase tinha morrido, Sarou gra- {gas 4 dedicagao dos xamas que cuidavam dela sem descanso. Voltou 2 engordar ¢ logo teve a primeira menstruagio. Apesar do cabelo fraeo, liso € ralo, que Ihe vale 0 apelido de “a carcca”, atualmente € uma bela moga cortejada pelos rapazes. Tem um temperamento Simpatico e gracioso, mas também tem os seus caprichos. Desman- ‘chasse em kigrimas sempre que é frontalmente contrariada. Como todas as adolescentes yanomami, é muito apegada aos pais, © ndo tem vontade de deixé-los, Dizem que & generosa com os rapazes fe corresponde is suas investidas. Cala noite? 0 ar esti fresco novamente, 0 céu agora est limpo, sem as nuvens que 0 cobriam. E lua cheias logo ela surgird por tras Ga cortina de drvores. Algumas criancas perseguem vaga-lumes que Se perderam dentro da casa; pegam-nos e soltam-nos para pegi-los hovamente! alguns conseguem escapar. Alguns homens, cansados de ouvir seus gritos, pedem para pararem com a brincadeira. Néo fo obedecidos. As mulheres intervém, ¢ uma delas diz ——Eles vio entrar no olho de vocés! Mas as criancas nio se afetam. Acabam dispersando-se por von- ade propria, uma por uma, algumas levando um inseto, que amar- ram ha rede com um fio para vé-lo acender durante a noite, Para Feconhecerem uns aos outros quando andam no escuro, os yanomami Esmagam vaga-lumes nos ombros € n0 peito, que ficam fosfores- Centes, Dizese que os vaga-lumes so estrelas que caem do firma- mento. “Tahowe afasta-se e vai ao lar de Rubrow8, onde eneontra 2 bela Brahaima em visita, Ele se deita numa rede paralela & da moga; scus COrpos esto tdo préximos que chegam a se tocar. Conversam cerca de coisas sem importancia. Brahaima coloca uma perna sobre ‘coxa do rapaz, despertando 0 seu desejo. Continuam a conversa Tohowe, perturbado nao sabe mais 0 que diz. Uma mio tora a 4 d D D > D > > D © OGeeoe > @ € © © CIRCULO bos FoGOS sua virilha e, para evitar as caricias que virdo em seguida, ele se protege com méio, Intimidado pela presenga de Rubrowe, ele diz ‘que ji vai indo; mas pedem que fique mais um pouco, Estava quase decidido a fazer amor, quando o disco prateado da lua comeca a emergir pouco a pouco, projetando sua luz dentro da casa Uma profunda amizade logo se estabelece entre Hebéwe, Tohd- wwé e Erasiw@, Este ttimo chama os outros de “pai, embora a dife- renga de idade entre eles seja apenas de dois ou trés anos. Sao eim- pilices em tudo, vio juntos para a floresta eagar e pescar. compar tilham as refeigdes, ajudam-se mutuamente em qualquer cireuns+ tincia, contam uns aos outros milhares de segredos insignificantes. Tabrobemi, por sua vez, ¢ fria com 0 esposo; ela the traz, como se deve, os alimentos enviados pelos seus pais ¢ prepara todos os dias um'punhado de tabaco, cata cuidadosamente os piolhos dete, € aperta com as unhas ou com os dentes os pequenos pontos verme- Thos que a sucgdo dos flebstomos Ihe deixa na pele. As vezes ela se deixa levar e §¢ deita ao lado dele. Mas finge ignorar seus apelos. Por mais que ele suplique: — Vamos fazer amor? Ela sempre responde negativamente. Como a esposa 0 despreza, a atencao de Hebéwé volta-se para agraciosa Shubama, casada com um de seus primos-irmaos chamado Hishokoiweé, também origindrio de Karohi. Shubama mostra-se sin pitica para com Hebéwé ¢ Ihe lanca olhares incendiirios. Assim, © rapaz manda Tohdwé marcar um encontro com ela na floresta. Ela concorda imediatamente e inicia-se uma relagio amorosa as e condidas do marido. Os amantes encontram-se em locais eombina- dos; TohSwe e Erasivé, coniventes, ajudam o compadre. Todas as manhis, Shubama manda recado a Hebéwe para que a encontre na floresta; cada um sai por um lado diferente, fazem amor, andam 4 procura de frutos selvagens ¢ os comem. Separam-se quando 0 sol esté & pino e vollam para casa em momentos diferentes, 130 dura uma lua inteira, sem despertar as suspeitas de Hishokoiwé. Certa noite, eles se encontram atrds da casa para fazer amor atrés das moitas densas naquele lugar. Ficam tao perto do shabono que escutam as conversas. Nesse meio tempo Hishokoiwé precisa da mu- ther e constata que ela ndo estd; nota também a auséncia de Hebéwe. Tera ele descoberto essa coincidéncia sozinho ou foi avisado por tum amigo das escapadelas da mulher? Por ctimulo de azar, a mae chama Shubama bem alto: 48 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA —Shubama, onde voot esti? Volte js! sua mie, diz Hebewe, que escutou. 0 que tem isso? Voce esti com medo? Hebéwe ndo quer passat por covarde endo insiste. Eles de moram, é imprudente, Finalmente Shubama volta ¢ vai para junto dios pais. Hebéwé espera alguns minutos antes de espueitar-se para dentro © deitar na rede. Hishokoiwé ests de olho: pereebe tudo, sabe da ligagio, mas fiea quieto {A partir desse momentoras relagdes entre os dois rivais tornam: se glaciais. Shubama, vigiads de perto pelos pais e pelo marido, ja nao pode ir aonde quer. Circula um rumor: Hishokoiwe, certamente por bravata, disse dos amigos intimos que vai mator Hebewe. Este fos companheiros se rednem:; levam a ameaga a sério € decidem que € preferivel nao scr pego desprevenido pelo adversério, adian: tar-se ¢ atacar primeito. ‘Os homens influentes, velhos e lideres de faegdes, decidem con- duzir 0 grupo para acampar na confluéncia do “rio das ehuvas" & ddo Orenoco, Li existem muitas drvores wabu cujos frutos estao fican~ Go maduros- Comodamente instalados num acampamento provis6= Flo. 0s Indios alimentam-se dos produtos da coleta ¢ da caga, e assim permitem que as plantagées das rogas tenham tempo para crescer e fornecer colheitas abundances. Providas do estritamente necessério, as familias penetram na floresta ¢ chegam ao destino apés uma noite passada no caminko. O campo € etigido & beira de um riacho sombreado e calmo. E a estagao das “grandes iguas"; 0 Orenoco ¢ 0 “rio das chuyas”. engros- sados pelas chuvas recentes, carregam galhos e tronces. Passando Sem transigéo do vGo a0 nado, os martins-pescadores mergulham has aguas, ressurgindo com um peixe brilhante atravessado no bico. ‘As vezes um peixinho surge na superficie e, para escapar de um predador, dispara impulsionado pelas vibragdes da cauda, Uma ruir dosa coldnia de japns fe ninhos nos gas baitos de um jen) pero, so talentosersimitadores dos gritos dos animais e sua conversa papagaios, as araras ¢ 0S tucanos. Uma velha drvore morta, corroiéa hela umidade e pelos cupins, vem abaixo com um estrondo de trovao. Hebéwé, Tohdwé ¢ Erasiwé alojam-se sob o mesmo abrigo: 8s varas dispostas em tridngulo sustentam um teto.em forma de trapézio, Coberto com folhas ketiba; & simples, de construgio ripida, e protege bem da chuva, desde quc o teto tenhia a inelinagao correta eas folhas tenhiam sido cuidadosamente arrumadas. 49 D 3 SSGGEoE Acampamento proviséio na forests Os trés rapazes, decididos a entrar em agio o mais ripido posst- vel, esperam uma ocasiZo favordvel. Certa manhd Hishokoiwé vai, junto coma mulher, busear umas frutas que vira na véspera, enquan~ to cacava. Empunha o arco, 0 facio e embarca numa canoa com mulher, que leva um cesto, para subir 0 “rio das chuvas”. Hebéwe e seus companheiros sentem que chegou o momento. Esperam que 6s abrigos 20 seu redor se esvaziem. O sol esti alto quaindo pegam 30 um rolo de fio, alguns anzéis ¢ suas armas; a uma velha que ficou para ferver as frutas dizem que vao pescar. Margeiam o rio em diregdo a nascente em busca do casal. Nas, partes baixas tém de enfrentar a dgua que inunda o solo; a vegetagao, muitas vezes cerrada na beira dos rios, obriga a varios desvios. Seu desejo assassino diminui 4 medida que o tempo vai passando € 0 esforgo para avangar aumenta, Cagam pequenos pi B 8 @ 2 DE @OG OSSCEOHE 0 CIRCULO bos FoGOs guem macacos, fazem graga e ji estio quase esquecidos do motivo Ge sua partida quando sua atengao & desviada por vores que vém do’ rio. Prestam atengio e reconhecem Hishokoiwé e a mulher, {que estéo voltando. Rapidamente, os rapazes abrem caminho por Entre um emaranhado de cipds; # corrente carrega 8 embareagao fem ritmo acelerado e € preciso andar mais depressa: Hebéwe mur- mura —Desta vez, vou maté-o. Prepara uma flecha, empunha 0 arco ¢ mira: TohOwe, afasta 1 folhagem para ele. A canoa passa diante deles: HishoKoiwé; feman~ do na popa, fica'de costase se afasta. O arco se distente brutalmente, fouve-se 0 ruldo seco da corda chocando-se com a vara: aflecha parte, fe sua ponta afiada de bambu penetra 0 ombro do rapaz, mas cai, brecada pela omoplata ‘A dor e a surpresa sio to violentas que Hishokoiwé larga 0 Femo e berra: —Quem quer me matar? ‘Shubama nio perde o sangue-frio, recupera o remo que flutua perto da canoa ¢ golpeia a égua com tanta energia que logo cla & } marido somem da vista dos agressores. Bem a tempo: Hebewe tinha encaixado outra flecha na corda de seu arco. Desnorteados, os trés cimplices nao sabem o que fazer. Hebéwe decide que devem voltar ao acampamento; aconteca o que acontecer, ino quer passar por covarde. AA vitima ¢ sua mulher chegam antes ‘Quando Hebéwe se apresenta, 0 sogro de Hishokoiwé, ladeado pelos jimios, avanga em sua direc, de modo ameagador; TOhOwE € Era- siwé néo esto diretamente envolvidos ¢ acham mais prudente voltar 40 abrigo. Num piscar de olhos, Hebéwe & desarmado, suas flechas io quebradas, seu arco cortado em pedacinhos. Uns agarram-he © brago, brandem machados acima de sua cabeca ¢ juram que vio Fachéein; outros se aproximam para cutucé-lo com a ponta de suas flechas, Das redes, mulheres vociferam insultos ¢ gritam que deve ser morto. O pai de Shubama dé-lhe duas bordunadas. Hebéwe, onto, esta quase perdendo os sentidos, um véu negro passa diante de seus olhios, tudo se embaralha, ele se enrijece ¢ fica de pé. O Sanpue escorre pelo pescago, pelts costas © pelt testa, cegando-o. Entdo, deixam-no, satisfeitos com a punigao; cle pode voltar a sua rede, Ele sofre c nao diz nada. Seus parcntes nio se manifestaram; tera dbvio que ele estava errado, s6 0 pai poderia defen “Pohowe limpa o singe do amigo, tira os eabelos grudados na ferida: 0 couro vabeludo esti fendido, mas o ferimento nao € grave 32 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA A noite, 0 sogro de Hebéwe 0 Ihe serve um gento indtil que fa I a de lado, Diz. que de nada amor com a mulher de outto © ga a propria mulher, ¢ t&o preguigoso que nem caga nem pesca! {40 0 quer mais ¢ tira-Ihe sua filha, Ele que va embora. Ao amanhecer, Hebéwe enrola a rede, empresta de Tohdwe tum arco ¢ algumas flechas ¢ desapareee na floresta, voltando para junto dos parentes. Assim que fica conhecida em Karohi, a aventura de Hebéwe cristaliza rivalidades, acirra os animos, inflama as paixoes. A fofoca € 0 gosto pelo esciindalo deformam os fatos reais © exageram st importancia. As duas faccdes antagonicas que compdem a comuni- dade agora se enfrentam abertamente, tanto mais que uma delas é insuflada por Kadmawé, pai do agressor — Hebéwe —, ¢ a outra por Shimoreiwwé, pai da vitima — Hishokoiwé. Os conflitos sempre ‘ocorrem segundo o sistema de relagSes de parentesco ou aquele — ‘em geral subjacente — das oposi¢des faccionais. Os pais tomam 0 partido dos filhos, ndo importa o que possam ter feito. Osatos jamais sio julgados por referéncia a um eédigo moral, nunca hi artepen- dimento ou remorso por parte do autor; a condenagao advém, antes, da ruptura de um equilibrio social frdgil e sutil, da desproporgio centre as forgas rivais em presenca, Se a facgao do transgressor for minoritéria, ele nio escapard do castigo. Mas. se for a mais forte, cle ficard impune. Pode-se dizer que, ainda que nao seja necessirio um enfrentamento armado, a desordem social causada por qualquer transgressio €, pelo incdmodo que causa no seio da comunidade, ‘uma sangdo suficientemente forte para agir como um freio contra a ma vontade © a agressao. Shimoreiwé faz uma declaragio pablica curta mas violenta: —Se meu filho morrer devido ao ferimento, teremos de lutar. 0 corpos de vocés receberio a minha vinganca. Se sobreviver ¢ ficar curado, vamos nos separar de qualquer modo. Nunca mais poderei iver com pessoas que quiseram assassinar o meu filho, Que ainda por cima quiseram mati-lo por divertimento! Por divertimento! Nao havia outra razio, Ele foi atacado & traigdo, nao estava preparado. Vocés sio maus! Voeés so maus! Mabroma também do economiza em violencia verbal, Mas set iscurso, ignorando 0 de Shimoreiwe, € dirigido contra 0 homen {que atingiw 0 seu filho: Shikowei é um homem profundamente mau e covarde. Mew filho € inocente, apenas se defendeu. Ja que vocés nos detestam, vamos viver em fhatinawé, onde esto meu itmio mais velho, Vamos 53 Ow WOO WW © @ ww & OO OOOOS YUE eOeeo 3 (0 CIRCULO DOS FOGOS 1nos refugiar a. Voces s6 me dio nojo, sua covardia ndo tem tamanho. Nao, ndo fiearei mais com vocés, que nos detestam! iE a questio da cocxisténcia que se coloca: a comunidade esti prestes a se desfazer e desaparecer enquanto tal. A divisio de wm {Brupo local em facg6es antagonistas em geral prefigura, quando um Eontflito muito grave a atinge, uma possivel dispersao, nto, 0s pro- jetos mais insensatos sio enunciados. ‘Menos violentos, provavelmente menos afetados, outros comen- tam 0 acontecimento assim oi por que Hebéwe quis tanto fornicar com Shubama’? ‘Até entio, Kadmawe fiea calado. Espera 0 cair da noite para langar-se num discurso violento, digno do papel preponderante que assume em Karobi ot Voeés querem partir? Vo embora, Nao thes diremos para ficar, talvez até eu vd antes de vorés. Prefiro ir para junto de nossos inimigos de Mahekoto, pendurar minha rede perto de “boca torta”, t olhar para suas caras feias. Por que quebraram 0 arco ¢ as flechas de meu filho? Por qué? Que fagam isso aos nossos inimigos comuns, fesses covardes, Mas eles tém medo! Shikowei, vocé atingiu meu filho, venha aqui medir forgas comigo, num combate com a borduna. Voce cha que eu vou deixar essa ofensa sem a devida resposta? Quando Yooes nos acompanham na guerra, sabemos que s6 ficam andando Sirs, Vocés nunca tiveram a iniciativa de langar um ataque: jun- Tamese aos outros para andar atrds deles. Vocés perdem 0 seu tempo, tornam-se ridjeulos, nunca mataram ninguém, nunca langaram uma flecha contra um inimigo. Vocé, Shikowei, que faz ares de feroz fe corajoso, tem a pele oleosa como a dos assassinos, mas todos sabem gue nunca matou ninguém. Os seus olhos fiearam injetados de dao Guando voc? atingiv o meu filho. Va matar Asiyawé, nosso inimigo, {que pelo menos é valoroso. Lutaremos de borduna, esteja certo disso Yoek talver me atinja, mas no pense que vai car de pé. Ataque-me coma borduna ou com o machado, pouco me importa, nao o temo. Tremos lutar. Uma vez, para se gabar, vacé disse a0 povo de Wito- Kaya que queria me matar, ¢ eles vieram me dizer que voce queria ma deixar estirado no chao. Fiquei esperando em vao. Vou me juntar fos de Witokaya, eles so meus parentes, vamos fazer vocé fugir Hi algum tempo voce disse que ia matar os de Batanawé € ndo demorou nem uma lua para ir visité-los ¢ pedir coisas. Vocé nao pasca de um mentiroso, um fanfarrio. Em Tayari, as mulheres urram Te raiva, seus labios ficam contorcidos de maldade; que se calem. fu entae os encorajem a se mostrar corajosos diante do inimigo. 34 CLL EDEL UIA EAL Porque vocés siio uns covardes, é isso que voeés sio! Shikowei, sei muito bem que vocé costuma esticar 0 pescogo para olhar os guet~ teiros enfileirados na praga central, prontos para atacar os inimigos. Vai juntar-se a eles? Vooé derramou o sangue de meu filho, agora prepare-se para os meus golpes, E nfo vi morar na outra margem G9 Orenoco, pensando que ird escapar, fique onde esti, em Tayari Por mim prefiro juntar-me aos nossos inimigos, fazer alianga com cles; se me concederem hospitalidade, hd entre eles homens a quem cu chamo de “pai”, “itmao” ou “filiio”, eles sio meus parentes. E nao me acuse por essa alianga, vocé sabe muito bem que as suas mulheres, apesar da guerra que travamos, continuaram a visitar Ma- hickoto e chegaram a trair nossos projetos. Nao, ndo vi embora, fique em Tayari, continue amarrando aqui sua rede, aumente sua roga, Estarei entre os guerreiros que vitdo atacé-los. Aprontem os areos, facam-nos flexiveis ¢ prontos para o combate, torgam as cor Gas. Endireitem suas flechas. Quando voeés nos virem pintados de preto, seus olhos vio abrir-se de terror, vocés vio ficar nas canoas, indecisos, sem saber em que margem descer! ‘A discussio encontra-se nesse ponto quando se descobre outra ‘coisa: um incesto entre Moriwé —“irmao” de Hebéwe — ¢ Hiyomii. Ji faz tempo que os dois jovens encontram-se &s escondidas, na flo- Testa ou na rede, depois que os outros dormiram. Moriwé “come ft vagina’” de Hiyomi embora cla seja uma “mae” para ele. Agora. tle a quer como mulher e a instala em sew fogo, tornando assis manifesto o incesto que comete. "A censura inicialmente disereta ¢ indireta, Certa maha, bem cedo, antes da aurora clarear 0 céu, Frérema grita bem alto: "0 que estd acontecendo? Por que 0 dia ests demorando tan- to? Moriwé sabe que 0 comentirio dirige-se a ele e que Frérema se refere a um acontecimento preciso. Conta-se que nos tempos miti- ‘cos dos antepassados yanomami, jovens cometeram incesto com suas jimis, Entao 0 dia acabou, abateu-se uma total escuriddo na casa. {que durou tanto que o combustivel acabou. Eles tremiam de fri0, @ fogo estava se extinguindo, procuravam desesperados alguma bra- Sa, Alguns deles eram inocentes, resolveram sair para fora do shabo- no e descobriram que li fora era dia. Foram se afastando da casa f. enquanto isso, 05 outros se transformaram em preguigas ¢ a noite 2 dissipou 55 > D B SOSOSHOSSOHGSY WE OG OG 0 circULo pos FoGoS Mabroma no fundo nao aprova o incesto, mas evita qualquer comentario piiblico. Tirando a ligdo da situagao, ela lembra aos f- thos: —0 que eles esto fazendo & impuro. Os que caem no incesto nndo queimam quando so cremados. Os dois irmaos limitam-se a dar broncas em Moriwé, dizendo em vor baixa: — Sua testa est oleosa, voce ¢ incestuoso! a fazer amor,com. cla, ¢ ela no 0 chama de “i antigamente; ¢les usam apelidos ou entdo evitam tratamentos pre: sos. Renunciando aos seus respectivos termos de parentesco, abolem ficticiamente os elos de consangiinidade, Entretanto mantém 0 uso correto quando se dirigem aos parentes: Hiyomi chama de “irmao mais velho” 0 pai de Moriwé, a irmazinha de Moriwé continua a chamar Hiyomi de “mae” apesar de ela ser a esposa de seu irmao. ‘A manipulagdo do vocabuldrio de parentesco afeta unicamente os termos pelos quais os culpados se dirigem um ao outro; é muitas ‘vezes uma aparente contradigao no modo como as pessoas se chamam que revela uma relacao incestuosa, ‘Os yanomami desaprovam o incesto, mas o Jevam a sério. D pende da personalidade e da situagao politica local no momento em que um caso é revelado. Brinca-se muito dizendo: —S6 minha boca a chama de “mae” (ou “itm, toda a parte baixa de meu corpo a chama de “esposa”. Raros so os yanomami que, pelo menos uma vez.na vida, nao “comeram a vagina” de uma parente proibida, “irma”, “sogra” ou “mie™. Os culpados niem sempre sao descobertos, a condenagao no € necessariamente violenta quando 0 sao. O caso de um adolescente surrado por ter feito amor com uma “ima” ¢ excepcional ‘A tensio aumenta durante uma sessio de alucinogenos. Moriwe esté num grupo de rapazes, inconsciente como a maioria, quando Wakamoshiwé, dentes cerrados ¢ um fio de muco verde no nariz, se volta em sua direcio © murmur —Incestuoso! Incestuoso! Voce & incestuoso! Moriwé nio esta em estado de entender. Mas Turaewé ouve 0 insulto, ¢ espera a noite para defender seu filho publicumente: —Por que vocés falam baixo? © que dizem? Nunca véo parar de dizer maldades? Fiquiet quieto até agora, mas estou cansado de cescutar os cochichos. Basta! Deixem meu filho em paz. Vocés len bram 0 incesto? Por acaso nao sabem que s6 0s corajosos 0 comet 56 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA porque nao temem os insultos ou os eastigos? Outros no lugar dele {eriam se escondido na floresta, ele se expde porque nao tem nenhum medo dle vocés. Calem-se, bocas maldosas deformadas pela inveja. ‘Os que tém corpo belo e tragos agradiiveis sfio incestuosos. Mew fitho esté aqui ao meu lado, nao pensem em langar flechas sobre cle ou atingi-lo na eabega. Vocés falam em ir embora, se separar de nds, pois cu também vou me afastar, para nao ter mais de escuts- Vou descer 0 “rio das chuvas”. Vou abrir novas rogas. Enquanto isso. fiquem quietos! Na manha seguinte, explode uma briga entre Natoma ¢ a mie de Moriwé. que diz que Hiyomi nio consegue conter seu apetite sexual, tem relagSes com o primeiro que aparece, mesmo que seja lum filho ou um parente prdximo. Natoma, mulier ho irmiio de Hiyo- mi, responde: —'Hé muito tempo cles fazem amor. Vocé nao tinha notado? Nio diga que néo sabia de nada, quando cles se abragavam bem a0 seu lado. Voce niio os via se levantando durante a noite? Vocé ‘ger0u um lixo incestuoso, porque do seu filo que estamos falando. Elas vao subindo de tom, a tal ponto que, enfurecidas, para insultar uma a outra, gritam seus nomes pessoais ‘Como que indiferente, Morive fica calado. Pega seu fio de pes- ca, um remo e uma faca, ¢ se dirige ao rio. Hiyomi fica sé e chora fem sua rede. Espera a partida dos pais de Moriwé, que vio a roga colher mandioca, levanta-se, espalha suas coisas que estavam numa bolsa, rasga raivosamente um pedago de pano, quebra colares de contas. Natoma percebe que ela quer ir embora, © vem recuperar fs objetos que Ihe pertencem: uma panela e uma cabaga ruim. Curis sas, algumas mulheres vém se sentar. Enquanto isso, Hiyomi embru- Tia’0 que quer levar. Mabroma tenta segurd-la, mas cla finge que nao ouve, desamarra sua rede ¢-parte. Ouve-se o ruido surdo de ‘uma canoa, depois o da sigua levantada pelo remo. Kokobirama pega Fapidamenie os pedagos de pano espalhados no chio ¢ um pedago de beiju esquecido numa cesta. * (sol estd.a pino quando Moriwé retorna. Ni fa auséneia de sua mulher. Arranca algumas bananas maduras, tum pedaco de beiju e se deita. Hebéwé, de longe, the faz. um sinal part que venha ter com cle. Quando ele chega, conta-the os uhimos Acontecimentos ¢ a fuga de Hiyomi. Moriwé ndo demonstra preocu- pagdo. Volta para o seu fogo. verifica se suas flechas esto bem retas € endireita-as no calor do fogo. Quando sai. uma mulher diz: —Para que ir procuré-la! Devia deixé-la onde est parece notar 7 D > > 5 OE a & 9 OOOO 88G SOO OSE 0 cIkCULO Dos FoGos Moriwé acha que sua mulher foi pa é . Verifica atentamente o solo, em vio: nenhuma peg: fn india 4 Ihe resta dar meia volta, Ao se aproximar de Karoh encanta ‘A determi neenisin cipés ¢ os arbustos. ela senta e tranga as cestas do casal. As in familia é capaz de suprir todas as suas necessidades: os alimentos uunt cusal tem condiges sl Ee fabricar todos ox objetos indispensiveis 8 sua existeneia ma ‘O tempo passa. Morte uma lua, outra eee eieitate 10" tolerada: Moriwé ¢ Hiyomi ganharam a paradia, =e f a lisso, corre a noticia de que Hishokoiwé se recuperou, e diz-se que 0 sogro de Hebéwé, esquecendo o rancor, deseja a volta fala em separagao. ae le |. Com o incesto, Mofiwé abriu o caminho para ele “loos”, © asin i direito mulheres. Hebéw que. esquecer que Pi ele Hiyomi é uma “mae” ¢ lembrar apenas que mdse aco pra tomar ban. Hebewe wl ars dla. Fat a oe ane hee amante, cla néo oferece nenhuma resistén- +s copulam. De repente, um clara E é ta, ouve os lamentos de Hiyomi fevando uma surra. meee 58 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA Enquanto isso, em Tayari, a amizade de Tohowe ¢ Erasiwé se manteve apos a partida de Hebéwe. No fogo vizinho vivem Bokorawé T Yerusi.e Hisami, sua filha. O co-esposo de Yerusi é Ayawé, irmao Suis velo de TOhowé. Ayawé vive em outra parte do shabono. pureee as vezes no fim do dia, deita-se ao lado de Yerus, fica | bastante tempo, em siléncio, quase totalmente imov tolo de vez em quando 0 filho mais novo do casal. Sua discrigio Sesemplar, Ayawe e Tohowé participam das ativdades ceondmicas Ga tamilia Bokorawé, Na verdade, s6 0 mais velho faz algo. TOhOowe $3 far aquilo que quer e, em trocs do trabalho irregular que realize, secebe de Bokorawé parte de sua alimentacdo: bananas assadas, um pouco de peixe ou carne cozida e frutos, dependendo da estacto. Mhowe divide tudo com Erasiwé, que também the a parte dos alimentos que recebe do pai. Uma solidariedade absoluta une os Gols rapazes em todos os atos da vida cotidians TeMawe era ainda pequeno quando perdeu o pai ¢ g mie. Foi criado sucessivamente por todos os irmaos mais velhos. E um rapaz geralmente simpatico,solicito e que costuma ajudar a todos sempre fue Ihe pedem, qualidades muito valorizadas em Tayari, No entanie sis. ataques de edlera so especialmente violentos, ele destrdi tudo S que encontra no caminho, primeiro as suas proprias coisas © depois seios outros, porque nesses momentos, descontrolado, jé nfo teme ninguém. Depois disso se fecha num mutismo absoluto de que nada Consegue tirdlo, Recusa qualquer alimento, Esses acessos denotam sane etfsibilidade quase patoldgica, mas 20 mesmo tempo revelam. int ielicadeza e sua fragilidade. Quando crianga. era feio. A adoles- SERGS tomnou mais firmes e harmoniosos os contornos de seu corpo. imau os tragos do rosto, e sua pele conservou a maciez ¢ 2 beleza, ro levernente escura tio apreciada pelos fndios intia uns doze anos quando chegou a Tayari, Ante mente, tinha vivido em Wayabotorewé ¢ Karohi, onde viver seus aaeroc irmdos, Andava completamente ni. Lembra-se de que Mako- Rolwe fol quem amarrou a sua primeira tanga de algodso vermelho, {ue cheirava'a nova. Ele gostava muito de usi-la. Be se masturbors Aispia nas mdos e imitava 0 movimento de quadris do coito “com cregal a masturbagao deve ter o maximo de semethanga posse). satuncla os indiozinhos. Depois veio a puberdade. No inicio ele in weebuese por meninas ainda “verdes”, ¢ levou varias para tris dh epostos, para esfreyar sou pénis mothado de saliva em suas wulvas aoe paigo-ventre. Diz que isso faz doer 0 pénis. Com muita aten~ pservou 1 cor de scu primeiro esperma: diz-se que, quando 59 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA we v éamarelado, se estd destinado a gerar criangas que morrerdo jovens. Espantousse a0 ver que era praticamente incolor. Por muito tempo Fieachou que as mulheres, como'0s homens, s6 tinham duas abertu= fas: o dus ea vagina, que também servia de uretra ‘Em Tayari tem o apelido de “barbudo”. por alguma razio js esquecida, mesmo porque nao tem nenhuma barba. Muites vezes, para provocé-lo, os adultos dizem: ee joes, "6 barbudo” , arranca os pélos do queixo antes do ama mhecer ¢ esconde-os durante todo 0 dia para replanté-los & noite. Depois que Hebéwé partiu, Tabrobemi, sua mulher, ronda To héwé. Com o pretexto de ser muito amiga de Hisami e querer visi frequentemente, passa lia maior parte de seu tempo. Langa olhares iiitmados discretamente na difegao do rapaz. Com outros adoles- vntes, eles brincam juntos. Gritam, correm uns atrés dos outros, Se imordem, jogam 4gua durante o banho ou rolam na arcia. Tohowé igalmente nao tem consciéncia do sentimento que inspira no cor gro da menina. Nem por um momento pensa que entre cles posse fiver algo a no ser uma boa camaradagem. Apesar de terem pavera idede, ela é para cle uma “filha”. ou seja, uma mulher cor Gjuem ele nio pode ter relagoes sexuais. O parentesco Ihes ds ber x D y © w Dw @ S gage de serem amigos € ficarem juntos sem despertar suspeitas, B Fabvobemi, que se apaixonou primeiro, que mostra mais paixo = . mais ini So contrario, demonstra uma grande inge- Ss nnuidade. 5 ieeiowe descobre o quanto Tabrobemi é importante em sua vida o quando cla se ausenta durante varios dias, para ir com 5 pals 20 e qaatano, moguear peixes. Sem notar, Téh6ws tina s= acostumage be Feecngn da jovem. Ele sente um eerio malvestar, uma vantage S are a tediatamente, a distancia € insuportavel e the tira o apetite, € wee Tonsegue tirar da cabeca a imagem dx amign ¢ mada mais the Tnlerenea, Bensa por algum tempo numa idéia maluca de ir procuri-la pura convidé-la a fugir com ele para a floresta, onde viverdo juntos Bae saber o que fazer, abandona Erasiwe por algum tempo para aera fo togo de Tabrobemi, onde esté o irmaozinho dela. de atone anos. Apega-se ao menino ¢ transfere para cle a afeigio ue sente pela irmé. Dorme com ele, The di muitos presentes ¢*t Gomnida, ¢ fica contemplando os lugares onde vive Tabrobemi, na Sraao de sua presenca difusa, que sua sensibitidade torna real Teihdind Mechando peixes 61 SOUT UUY Et eee Ceeeee e 6 © © e] @ @ © circuto bos Focos Numa manhi, ela volta, carregada de peixes ¢ frutas, com rama Ihetes de flores amarclas enfiados nos lébulos das orclhas, pintada de vermelho. Téhwé quase nao consegue esconder sua emosio. Logo depois, o irmiozinho, certamente obedecendo a ordens dela, 4.4 ele um peixe defumado enrolado numa folha verde. Tabrobemi nao demora a vir, trazendo jenipapos que pretende preparar para se pintar. Toh6wé enfia um prego num pedago de metal para fazer um ralador. Ela trabalha, mas nao tira os olhos dele, como se quisesse transmitir © que senie. A polpa do jenipapo ¢ raspada ¢ socada; aplicado sobre a pele, seu sumo ao Secar produz uma tintura azul bem escura que permanece por varios dias. No dia seguinte, todo 0 grupo vai acampar na floresta, perto de um local em que hii grandes quantidades de frutas more. AStirvo- res que dio esses frutos 86 produzem a cada quatro anos. Para expli- ‘car essa anomalia, os indios dizem que Trovao é senhor delas, e que retarda sua floragio o quanto pode. Para obrigar Trovao a fazer as drvores produzirem, os xamas viajam até a abdbada celeste onde ele mora. Encontram-no ¢ Ihe dio um susto tio grande, fazendo-o cair na agua, que ele concede o que exigem: as flores aparecem, © em seguida os frutos. ‘Toh6we e Erasiwé querem ficar juntos na mesma cabana. Jun- tam criancas para colher as folhas do teto. Andando pela floresta, chocam-se contra um ninho de vespas escondido sob uma folha gran. de. Os insetos furiosos picam os que estio na frente e dispersam ‘grupo. Quando se reencontram, esperam que as vespas se acalmem ‘e comesam a provocar-se utis aos outros, para saber quem tem cora- gem de'destruir 0 ninho com as maos. Sempre valente, Erasi decide. Aproxima-se com precaucio, 0 maximo possivel, € suas mos, movendo-se bruscamente, esmagam os insetos. Algunis conse guem escapar ¢ picam-no; estéico, nao se mexe e protege os olhos om as maos. As criangas se dispersam, No caminho de volta, carre gados de folhas, Tohdwé descobre um anfisbenideo, uma espécie de lagarto pode, cujo corpo tem listras pretas ¢ brancas, que passa parte de sua vida debaixo da terra. Os yanomami. que o classificam centre as serpentes, acham que sua mordida provaca uma hemorray mortal, TohOwe leva um susto ao vé-10, os meninos depositam seus fardos e fazem um circulo, tomando cuidado. Observam 0 movi- ‘mento desajeitado do animal e se divertem obstruindo a sua pass gem penosa. Erasiwé di — Um yanomami grande ¢ forte deve ter sido morto por un fecha, porque essa cobra é de bom tamanho. 2 (0 DiA-A-DIA DA GRANDE CASA 1b te rraineo onde vivem OS ammahiri, Nao Taro ¥ ela emieree agudos: Ge ficar quieto, é melhor tomar cuidado. va Gai anote, obo ‘brasa € as nuvens acima das er gites © horizonte ests em brasa © as muvens acima ds fonest vermelho do crespisculo cigios funestos. dizem que o verm spseule prow as epider das por um demdnio para cor cres das epidemias espa acurece ¢ vra violeta, Pouco a poueo cheg 08. iho escurece ¢ Vi a pouco cheds Duman ere lua pesada como um nel A {uz das foguel a mite rma no sos morefersidos, que parecem pequenss 220 ra. coment os nana asada. Pouagos d= ele curs era fos dedos quando 0s frutos S60 amass 848 eos indios dizem que so a origem das sardas: sig engoidos e.os indi item Oe scem aa superficie da epdezme; TOROS, GUE por aim sarda ad bochecha esquerda, preferu corti 8 ABO 1 reasmos dos outros rapazes, sempre dispostos ait Os eT gs sarcasmos dos ov ome ela sempre reaparece, cle sempre tm 1 sens amber iam veers, Trac So. Antes a dor 0 sab ry de comer quando aparece ens rot ae Ela dz p livre uma rede, porque log ‘i ia diz para deixar Wi ue} sirio de Tabrobem Te Site de Tohowe &eiminuidn els apreet wi, com Hin seu vt eometer um ies, A has U0 fogo baixaram e 1 ‘a brasa vermelha, que. sem go baixaram e resta apens rn gus A eE do Togo balan yas As ogaschlegam alegres como dois pass como Stine de vida e de risos contidos. Hisaml traz uma 0" Ft alos eels doedealgodo sujo,e amarra-a aa parte bala da cab Fess ase ve bisa sopra a fumaga para esse lado © torre © mia, Mas wma eye robemrinstalse na rede que ficou agi Com sively, Tabrobem instatarse na rede ae ficou wae Hoe lca incomode, Tabrpey agd bend forte no peo um dss} ela pedi. Poyando conta dele, azendo-o ferver de impaciéncis, 66% poderoso roman rece imediatamente, No fosse pelos (O95 med do ineepg pelos. mas friorentos « Fang sabre € eaten ido para juno dels grandes rv 68 @ e © eee © G S © « 0 clkxcuto bos Focos Em volta deles, as conversas param, todos dormem, alguns ron- cam, Tabrobemi puxa TéhOwe pelo brago. Ele vai para perto dela. ‘Ao lado, Hisami e Erasiwé conversam, para dar a impressio de que tudo estd normal, Tabrobemi se dobra para facilitar uma penetragio profunda, Eles se olham, as pernas dela cercam as de Téhowe e suas méos apertam-Ihe os rins, TohOwe sente o prazer de sua compa nheira quando percebe o tremor em seus movimentos. Eles descan- sam lado a lado, tranqiiilos Ela diz: —E preciso comer, vocé sabe que precisa comer, Ele obedece, espremendo entre os dedos os frutos de uma pal- meira dentro da gua de uma cabaca e bebendo a mistura, que tem cheiro de avel 5 indios ignoram a fungao dos testiculos na reprodugio, e pen- sam que 0 esperma, produto direto dos alimentos ingeridos, provém do ventre. Dizem gue por isso € to dificil conseguir uma eregio quando se tem fome. ‘TohSwe sente-se revigorado quando volta para ju bemi, para mais carinhos. Hisami comega a ficar imy convencem a esperar mais um pouco. Erasiwe ji esté dormindo quando eles finalmente se separam. Entéo as duas mogas movem-se silenciosamente na escuridao, tomando o cuidado de evitar 0s latidos dos cdes enrolados perto das fogueiras. De manha, Toh6we conta um sonho que teve: —En estava aumentando a abertura de um ninho de abelhas eneravado no tronco de uma drvore. Joguei os favos que continham ‘08 dejetos das abethas e separei as ovas, que ia comer assadas. Baixei 8 olhos e vi Tabrobemi ao pé da drvore, olhando para mim. Sem fazer nenhum barulho, mexendo apenas os labios, disse a ela que queria fazer amor. Ela concordou com a cabeca. Eu desci e disse: “Vamos para o mato." Fomios nos sentar e ev acrescentei: “Vamos fazer amor agora.” Mas onvi.o ruido de galhos pisados cada vez mais perto, tive medo que alguém chegasse e disse: "Vamos deixar para outro dia, alguém esté vindo.” E 0 inicio de dias maravithosos para Toh6wé. Todos os dias ele se encontra com Tabrobemi na floresta. Com a cumplicidade de Era- siwé, Hisami c Yebiwé, arranja encontros notumos. Quando o grupo volta a viver na casa grande, cles tém de ser muito mais cuidadosos, Para que seu amor incestuoso ndo seja descoberto, Certa noite,como de habito, Tohowe encarrega Yebiwé de combinar um encontro com amoga ld fora. Ela esté com Hisami, as duas seguram-se pela cintura, 64 pene 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA se bastante. Yebiwé a oto, e entra no mato que circuns ros Gade s al intensa demais, ele nao consegue rapidar ee oi fecent les demoram. Quando terminam, © 9 rapt se ee — Vocé nao a chama de “filha seus sew caminho. Mas oe ete toa snot € 23 ut peira do rio, de nada adiantanco SW no rp que esta acontecendo; sabe que nso a deix Yebiwé e Hisami se casam. A diferenga de ide ro ¢ pelo menos trinta ¢ cinco anos. Yebiwé € as a eles wl es ens stnn cmp o= os Gas Pn regres posterior 20 Cor em tempos. Mas, hs vrios dis. el 56 iia 0 mar oe as assim que vem o crepiaclo, TONG no quer saber dle estado dos isultos que ee pression aha gue ee apne guns rapazesconvicaram HUSA Be een ey despetads, cles Jsseram: amor com oes Fl ons, Vooe prefers “er a vagina com wm velo com nda emai de a filha € nfo pra por de avis pode ter medo do marido, ou entio fesse velha TAP fidos, ara os seus encontros. a Tonos pros 8 vs vac avi read a TORE paso AS TENE. - ‘i esperado. pede que ele traga Hiss 2 — ‘escutou. Young denen Po Aerie a conver ae 65 > HSSGOVNwst @O0¢ OOO O6CCOO ©. cikcuLo bos Focos Speen es sek Sis eta a ste de um jeito meio infantil: soln ig Pines capenr io os cio dormindo, tenta por os pés st sas Mia dingo, por os pés no chiio e quase pisa em |, que, niio se sabe por qu dele. t deixado sobre um peda pede, Varias vezes, Bosiarim: , Bosi la cnviou mensas é diz jue queria té-lo de volta en ox Ga SE ani en es me squecido © nada mais impede o seu rel ray Heteye tara ido, fe todos eh Raven adds tocar neeass a cep eet pire na cradgcuig eee er fe eens ler Tanga ruins, Bosiarima finge-se espantado com ete onvn eden Dis gue ringnem vai dizer nada se Hebéwé voltar, ott pati emGiumata, Heband comaarur Pecan eee eee Ste ee yc ee nce ees ae isan stab pote Smee academe ine ceoysae team ene oes pre ipazes. Hebewe manda a mulher instalar-se n¢ my Yebimé, que ests € 1 qu iro vive, ers 66 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA cl, uma traigdo, Nem por um instante imaging dive Sia post estar sofrendo tanto quanto ele. A OKs inesperada de cla poset Fovoca uma ruptura. A decepgao é grande, PSHOwe eta Hepa eusam um ao outro, Uma wisteza enorme toma cones de erawes Tabrobemi agora é ume mulher casada ¢ nunes Mah estard romwate dicponivel para casos amorosos. Hebéwe. ve dese vote igh deitase a0 lado do amigo, cantemte par reyé-lo ¢ poder rir com cle, Takowe esconde 2 dor ¢ Tings te alegre ‘Amargurado, TR6WE nao dé amiga um presente ave The tinha prometido. Nao ouso dirigicthe a palavra ¢ assume de total Foe e, Enquanto Hebéwe participa de uma sesso 0 alucin6. eee tito estado de torpor que se seBue para deslar a etabrobemi o quanto esti decepcionado: robert o quancegel seu amigo. Estow bravo, estou cheio de raivas Bu tna The prometido pérolas brancas, mas nfo Yo dé-las, ince pode passat 0 tempo tado elhando pars rim com olhares de suplica. evo seu rancor & intl, cla responde Tarot esti sendo injusto, esté exagerandor.mas esté ferido, desorantad pela decepgio, € ji ndo sabe o que di viento Meatitude de indiferenga fingida que jurou Nate nfo resiste ao tempo. Ambos tem de se eomodar a presenca de Hebewe. ea oreo depois, TOhOwE manda entregar asus ans ee pérolas eum corte de tecido. Esse gesto desfé imediatamente o clima desa- sqdavel, No fm da tarde, Hebewe e Yebing 0 Pag Tabrobemi arifisami se aproximam de TohOwe, sentam-se Ne bbcirada de sua Sebe enquanto esté claro, e depois se deitam, assim, ite escurece. rede onal senem 0 prazer de se reencontrarem, de sentirem de Oe amareiro eo calor de seus corpos. Conversam durin bastante MSmpox sem ver 0 tempo passar. Querido cheasn mais perto, para tempo, Ser isan avisa que os pescadores esto voltandh ‘Asmo- om Galtam depressa para fora da rede ¢ Se mostram interessadas, pelo peixe que trazem. . ee aijado, TohOwe e Tabrobemi voltam a encontesrs ais excondidas, sempre auxiliados por seus cmplices, Conse To fazet ceca tebewe no suspeite de aad. Mas, numa ce Hisa- seiquase estraga {udo. Eles esto juntos No mess ogo. Tabroberni reas ccatdo deitadas nia mesma rede. TOMOWE © Hiebéwe numa is go excitadas que comecam a rir histericar Gum golpe terriv outta. AS mogas fican - cane gem razao, gyitam palavtas obscenas, se desemfrguer-se a1guns «FONcOS ESPINTETT Gas palmeiras rashes oes trutos de um belo verde BHI que cue em cachos com tes O farfallar sas palmas ma DSS eve, quente e dimida. ahunmijelicado arrepio que passa SObre egetagdo vizinha, Nao gouge loresta ergue a barreira Cspot: para além da qual Fesso® tomas “ensurdecedor das cigarras. Remacity fescuta 0 Seu cANtO & bem baixinho, para acelerar © jadurecimento das rash Ge abe bem gosta. modula a voz no mesmo Tom € murmurs > Seadura, madura, amadurecera Pols dizem que 3s cigarras anunciam proximidade da matu= ragio das rasha, ¢ desse modo 2 ‘comemoram. aes Feo inelemente, wm cagador Telos apressado, com vm muturn balangando nas costas © Penee ‘brancas do passaro presas muta Gezinnos de suas orelnas, Jovens Wt iransbordantes d& ‘Remaema, uma jovem mie carrey ans ygoberba insolencia. Perto de um Seem-nascido nos Dragos: Um SOD vaigcreto mostra seus Gentes on Uifrega 0 dedo indicador na vulva da egutares; de brineadeira. eee cola um tufo de adele mo Pea pal nga cole jan que cla vai ser quando cresees Tora mulher fia e conversa com Mabroney Hebewd se espanta, ressentindo ume anomalias feta Comer idedos do pé de sua vizk presque proseia sem The dar aten ‘Coloca diante de cada artetho mia igo ae sua mao. E assim descoore “rsingutaridade do pé: posst um Gedo a mais. Para chegat & e586 resultado, Hebéwe teve de usar um devs capacidade de concentra‘ ‘O sistema numérico dos Ya is © diz apmmnentar: wm, dois, € mais do que ‘dois. Para avaliar o >OSOSHOSSOSSHHOSDOG © circuto Dos Focos quantidades maiores, usam os dedos da mio e, se preciso, os do pe. E possivel ouvir frases como: ""Muitos visitantes chegaram ontem: havia dois homens, mais dois, € mais um outro; mulheres, eu vi duas ¢ uma outra; havia tantas criangas quantas mulheres.” E wdo Edito com o suporte material dos dedos das méos. Essa aproximagiio basta, Surpreso com a sua descoberta, Hebéwé corre a contar 0 fato a0 irmio mais velho; ¢ os dois pdem-se a rir da pobre mulher. Kadmawé, a mulher e os quatros filhos esto visitando parentes numa comunidade vizinha de Karohi, Wayabotorew8. Kaémawé ti nha ouvido dizer que haveria uma festa ki; como se dizia que os anfitri6es possuiam maravilhosos grdos slucindgenos em abundancia € estava precisando muito deles, resolveu ir até Ii para consegui-los. Esses graos sio colhidos em arvores selvagens, que crescem nas altas savanas de arbustos; so 05 famosos yopo. De troca em troca, chegam. até a comunidade das regides de floresta seguindo itinerarios comer ciais em geral complexos. Quando Kadmawé chegou A casa coletiva de Wayabotorewé com a famflia, foi recebido com amizade. Oferece- ram-lhes imediatamente tabaco e comida, como ¢ de praxe em rela- 20 aos visitantes. La vivem virias pessoas ‘is quais Kaémawé se dirige pelos termos “cunhado" ou “fll ‘Hebéwé nasceu perto de Ié, num lugar chamado makorima. Nax quele tempo, Karohi e Wayabotorewé formavam uma tinica comuni- dade. Um dia Kadmawé e seus irmdos resolveram comecar uma nova roga a beira do “rio das chuvas”. As primeiras colheitas foram abun- dantes © como o lugar era agendivel resolveram morar i, May os outros nao quiseram unirse a eles e preferiram ficar no lugar que J ocupavam ¢ onde se sentiam bem. Sem nenhuma briga — o que nem sempre ocorre quando hé uma fissio,— se separaram e mant veram relagoes de boa vizinhanca, ‘Quando um lider de facgdo toma uma decisio, s6 envolve a si mesmo e aos que esiao ligados a ele. Os outros fazem 0 que quise~ rem. Os “chefes” yanomami s6 tém autoridade moral, dispéem ape- nas de seu prestigio e da possibilidade de conseguir aliados pelo meio dda palavra, Nao podem empregar coergéo ou obrigar os que porven- tura discordarem. Mesmo no caso das expedigées guerreiras, a parti- cipagdo é livre e depende apenas do cédigo moral vigente: a obriga¢ao {de mostrar-se corajoso ou vingar um parente, Mas nunc: é «i ordens aos guerreiros p: grupo é fraca, as diver a thes dizer 0 que fazer. A coestio do as podem ser numerosas. Todo 0 jogo 10 (0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA potico no interior da residéncia € um equilforio fri ¢ sail ewe roi me ge nhagens que = compoem. a facgaes¢ 2 etal odo ders, Freqaentemente,o cvento-interssesdieisen Pessoal dos jgdo pola mulheres, adultério — desir ese equilorio Entao ver o combate com a borduna, a separagio, as ve at et ‘Kaémawé descansa em sua rede quando alguém vem ct ne ne para euidar de uma eviange doente, O xamd inal a droga preps Pipa elec logo é ekura, Seu canto diz: Ble arranea penas da a ce apesar de ter pegudo poucas, ccobre com elas a eabegt (Os hekura dangam e cantar aga 05 tucanos . para tecer cocares ‘com as pens. Acranga est sentada, comportaa, Come um belt enduan\® o xaina extirpa de seu corpo o8 deménios da doenga | TEnquantoi$0, Hebewe ¢ Kremoanawe ago tiram os ofhos Ce Bawahoma, que vive a0 lado dele. E uma mogs oni, Oe ree : . aofos bem firmes, a curva do quadril harmoniosa. Ela redone et Teno cudadosn, Ue area fina travis Se array nasal, duas mais curtas marcam os cantes dos {ébios seu septo nasal, duas mais ream os catia os is © 2 seh ra bem no centto do ldbio inferior. Quando fala ou coms, ‘i uma ou um modo engracado,como osespinhos 6 um Po 3 de pai e mi io Orthos domestics. Por so wali ela para ostra oma ena é moter isa com a avo materna, que prec Po inda ¢ soltei- usénein das das mulheres © se per n Bawahoma —Bawahoma foi acompanbiar seu homem na caga, porque, co- mo todo marido ciumento, ele ndo a deixa sozinha na ¢ No dia seguinte, as mulheres v4o para a floresta, Atravessam uma parte da roga antes de penetrar na sombra fre nham em fila indiana, devagar, com 0 cesto balangando ao ritmo dos passos, ¢ criangas rechonchudas € resmungonas nos « meninas correm de um lado para o outro, Desocupadas, parecem. n ila © perambulam 20 sa0¢ \de vio, mas, como conhe- Wem onde esto: um velho ;composigdo, uma raiz enru- Tinada com 0 tronco coberto nde um riacho © jesenrola um fio de se afastam dau estar passeando, Logo se afastam da Go relevo e dos obstculos. Nao se sabe a cem perfeitamente a regido, sempre tronco de avore no ultimo estégio de de 10, uma drvore in gada que atravessa 0010, re inatinad co « espinhos, tudo thes € familiar. Chegat de espinhos, tue her a woatade. Uma dels d B 4 OS OHH GOO OGOHS HHO OHH GHOH OHS! esca ¢ langa-o com um gesto negligente mas preciso, apoiada nos galhos baixos de uma drvore inclinada sobre a gua. Logo Gas por uma nuvem de insetos que se langam sobre a pele nua, ¢ as palmadas secas se sucedem. As vezes, um inseto empapugado Ge sangue voa pesadamente. Elas seguem sua trajetdria e esmagam ‘no com uma folha para ndo sujar os dedos A pescadora pega alguns peixinhos ¢ os ka id margem, onde Mutheres vatando da cata de madeira RUS am cl gus pono. ere Assim que um ‘com um bastio, omo enguias, de 8 S 6 @ © CBCCEOCO eee Geeee 2 © OE 0 cfkcuto bos Focos Assim, vaseutham 0 Asim, 0 barca mutocament, xm por de brn belo pacotes bem impos com fase pear ee nee ‘Casas rte assédio dos insetos, resolvem c a.iiniad ear o nacho aus foma opti. a fF em que a terra foi revolvida; abalxamrse e reconecem tn bio de grandes cupins chamados ose due gostum de masiay como acompaneto dt Banas tds. vat are ty a sondar o solo e descobrir as galerias supericiais, expondorss 5 spar terr. Uina ds rleninasdeseobre tin unsoe Soe introduz nele um canigo, Os cupins-soldados, provides de mands bulasfespetivets mordemocanig com presera aia benny uno ara peg los. Mas nao muitos coins, eas meninas loge Perdem ointrese ¢retomam a conversa caminhads. ia ces minutos, ss fala do neesocometido Por Braha um esciadalo que inflama os espititos. Ea uma I, Brahma fe mor sm Tenpoem Tayart Digese que Boban nia fol more gum tepo em Tayar, Diss que Bakorat auqueria come segunda mulher, mas asim que elachegou etbele- GaUs sein ene el ¢ Moin fho de Bokotave Fugiam pare forests para realizar seus amores querendo em dos ents ¢ sess gu eidentemente suse Eagan ‘ob a5 irvores, as mulheres lembram que Brahai live para fazer amor desde rammed cua eo lesen i eal lve par ar amor deste a morte de seu mado e ques sexsi Ela pegava a rede, esten nos pequenos para fazer amo nat ela Geixa um “lho dizia a ele “meu pa Ge""mae”, Agora e tesco. Ela ngo vai queimar na incineragi ve ia indineragio, © corpo dos que come- tem incesto die dequsimar. a whas no quem ¢ os aos fey gata gomen camas Soret: qsinan om a autmar td. uma muther-tamind ui bchorprepug sa 5 transforma num destes dois anima, assim como cles mesos ansformaram em bichos depos de eometerem inceiO. return abd de Se ada sam et perdido, 0 feta qian ido arose ps ora ao pelo cheiro dia expulsaramenos, eles voltaram para as eaveanas nas rochoe na floresta ¢ atrafa até os meni ‘comer a vagina”. Antigamente ela “lho” “come amente ela is" Gomo se diz uma erianga, Ele a chamava s fornicando ¢ querem esquecer 0 paren- iS rochas 16 i ' i | ' 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA ainda chama os hekura, toa: seu peito esta va ‘onde viviam antes de vir a ele. Ele que ainda é um xamé; mas se cansa poder anulado. 'A procissdo avanga lentan mente. De tempos em tempos, elas apontarn para frutos de palmeira maduros ¢ se arrependem & nao son travidos as machadinhas. A que est na frente € picada por caren porque entrou descuidadosemente num vespeito. Foge rinde Tprotegendo os clos com as mis. As outras, prudentes,contornam 0 vespeito. Dimtnada, a pescadora lanca sua finha na agua em cada parada- Gragas a sua perseveranca, pega peixes suficientes para a relcigio Geeta. A um dado momento elas se alvorogam, porque recone ce ea no chido os sinais da terrivel jararaca, cuja mordida pode ser Ge" pensam em seguila para maté-la, mas a prudéncia diz no. Sra pes uma delas puxa um belo cipd, liso © sem nds, que mas ATES Gaudo para fazer um cesto, Abaixamse para pegar gelhos saree Sauebram-nos e os coloeam no cest0, passando-os por cima do ombro, se estiverem secos. ree oevind quando elas voltam. fora de preparar a ‘Oe homens vao voltar da roga ou da caga e as eriangas re eae a fome. Na praga central, os meninos brineam de queimar felnoe, HHebewe nota um deles e 0 chama para perto de si. EIe se as Vintikakiwe — orelha — porque suas orelhas so. efetiva- spate, grandes ¢ de abano. Hebéwé faz o menino dancar 99 54 mente» Bromyanda puxar as orelhas com toda a forga, Rie desafia: Gove, puxe com forga! As mulheres esto olhando para yoct, para ver se voce tem medo. Dance ¢ puxe mais, assim clas saberdo que vocé é valente! . TEnquanto isso, Kadmawé conseguiu' a droga. que queria, 47) pacote iteiro, Cuidadosamente, ele o embrulhou ¢ amarrou. Aes Pacts lonfia partiré de volta 2 Karohi. Kremoanawe ¢ Hebéwé nfo ida avo e Bawahoma continvou ina Sobre a velha todo sew sar~ refeigio. conseguiram burlar a vigilancia Cessivel; arrasados © furiosos, langam do Orenoco, em diregdo a embocadura, Korita, Os cagadores as vezes vio até ld ‘da ocupagiio antiga. Hiyomi nasceu ness¢ id eresceu e teve uma infancia feliz. fa noite, uma amiga veIo ‘A alguma distancia contra-se 0 antigo sitio fe percebem ainda as marcas: lugar ha menos de vinte anos. I Ela devia ter uns dez anos quando, cert n i} >OB & @ e @ 6 © © @ e@ S © @ @ 8 @ Oo @ g 8 entem at ‘A outta insistiv tanto que ela acabou nto que 0 toque prolongado dava prize: fa sensagio que tinha tido com a ami crvore, convidava & amiga ou outras meni Corimento de eure raidas umas pelas outris ‘concordando. Descobri 1 E conseguiu recupetar Podia provocar o prazer "vulva num tronco de inas que, por sua vez. ini- 9 & © & G @ i] © 6 e iS] © 6 ce) S @ S 6 @ o @ S e@ g @ © ciRcULO Dos FoGos Tinha acabado de ter a primeira menstruagio quando a deram ‘como esposa a um homem que jd tinha duas mulheres. Hiyomi era ‘a mais jovem ¢ também a mais bonita. O marido nao podia mostrar abertamente sua preferéncia por ela, temendo o ciime da mulher principal, que maltratava Hiyomi com gestos e trabalhos ingrates. Em geral a primeira esposa, mais velha do que as outras, tem uma espécie de precedéncia: ¢ ela que comanda os trabalhos domésticos realizados pelas mulheres, se nio estiver velha demais, Neste caso, seu valor sexual € seu interesse econémico podem tornar-se nulos. ¢ entdo ela ¢ praticamente abandonada pelo marido, Depende dos filhos para comer. ¢ se faz amor ao seu lado sem pudores. Hiyomi foi deflorada sem delicadeza. Sentia pouco prazer nas relagdes rapidas. Por isso, tinha de buscar outra coise que a satisf zesse. Voltou aos seus antigos haibitos, e encontrava em segredo os jovens da comunidade que mais Ihe agradavam. Mas quanta sto! Era preciso tomar todas as precaugdes: seu marido era, ¢ violento que certamente a mataria se descobrisse que fazia amor com outros. Um dia estava sé na roga, sonhando acordada, cheia de fantasmas sexuais € desejos ¢ sentiu vontade de se masturbar. Viw entéo os brotos de bananeiras, que safam da terra como lingua. Olhou ao redor, deu varias voltas, certificou-se de que estava s6. Entéo agachou, introduziu na vagina a estremidade de um broto € comecow a se movimentar como no coito. Ela estava nessa posi¢io. sentindo as primeiras sensagées que precedem o orgasmo quando. de repente, seu coragao parou: um jovem estava de pé. bem perto. olhando para ela, Cheia de vergonha, ficou imével. Ele dew um sorri- 50 €, aproveitando a vantagem que tinha sobre ela, propés: — Vamos fazer amor! Ela concordou e foram refugiar-se sob as arvores grandes. Seu marido nfo demorou a morrer. Chorou por ele sem sofri- mento, Nao 0 amava, O rapaz que a tinha pego de surpresa na roca quis casar-se com ela, Os irmaos de Hiyomi nao quiseram. Entéo ‘05 dois amantes resolveram fugir para a floresta. Pegaram a rede € f6sforos, mas esqueceram de levar um facdo. Era plena estagio das chuvas, 05 rios estavam em cheia, a floresta inundada e infestada de insetos. Para néo serem facilmente descobertos, andaram o mais que puderam. Construiram um abrigo cortando arbustos com as mos € 08 pés. Cortaram cipss com os dentes, racharam lenha golpeando a madeira na terra ou em troncos pesados. Tudo estava molhado c inchado de umidade e 0 fogo demorou bastante a pegar. Eles se revesaram para sopri-lo ou ativé-lo com folhas dobradas a0 meio. 80 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA Ni a ads trios sagen Tveram de se coment ‘com animais indignos. Passavam as noites se amando. Comendo ps coe jodiam aguentar enquanto a paixdo os susten~ Be eesintes mteraie eo caso sex eA fo tes demais, Lornaram-se amargos ¢ Tes veram voltar. Hiyomi fot Fores demas. orn ee seu compunheitd foi cloctrs2 a a eee Ela pronase os ims sober sb spre dos Pernt ome ou ple este toda mane pores ee pes sangravam. aes fa oe oe ec, gurmaram de abn ©8038 or espiahos, Fara st os a eabeg. 0 sage cob com raas ees Fea cone, Ninget he dss 0 ce Tin rate porque vie Bs ee a na mas los Phi 5 aga cm Que oem dara um outa, O mari de Akai rae tte Meu aman tno romady op Seen ee iu Thos se eles peo deseoat seu conse Ina com mevsfemos ma wen ada par me PeBOW Po mero, Fas 0 su Fa ata Fors ae 8 Pele um rage & sas gieto. gules mace ches de ANNE ¢ gritando de dor. Mas ninguém ligava. O mari ae Ne setande ce or, Nm reno comer ne leva. is sam, 105 ot os bigram coneso co Meu irmao mais ro ie ceneidas. Meus irméos mais velhos eram eee vio tinham medo de, ninguém. Louco de raiva, am mado doin taorne incendiob rou oben ogo ap resto do abo: Ae eenioes dos adherst Smite de Akan tera meine js em nossa roga, Nds nao tinhamos mais o que comer, 140 tin ree a azmpre era prec tomar cuidado para no ser fe chado. A vida tinha se tornado impossivel. Por isso oa co oe nals velho ¢ os seus foram para Wayabotorewe, Nao querem idadé continuava Tutar com meus irmdos mais vel muito corajosos. meu irmdo mais novo tent nosso teto, Mews irmaos mi no, afrancaram as plantas trios, cortaram as bananeiras, 81 & © & 6 © OCCESCASHCAOS OSG OCCCHOGG 0 cikcuLo Dos rocos mais novo, temos ddio dele e um dia vamos. Assim foi a vida de Hiyomi — ids tirios desagradaveis cessaram, e 0 casal pode viver anqailos, Ag eu entre esta ligeiramente arredondado ¢ 0 bico de sete Ela pega um gafenhoto, arranca a Ela pega um gatenhoto, a as longas patas de tris e as coloca = Sera macho, macho, macho. 2 quelma ¢ faz win barulhos ela afem AEP pvoz de um meninol srg Fs BeA amen Se psf muds. © pens ave nua fazendo experiéncias «as interpreta em fangdo de see desorn al pole: de Hiyomi, absorta, a irma de Moriwé brine: com ino domesticado eulasorelhas furou, para colocar brine de ‘migangas alternadas, azuis e vermelhas. As vezes ela pega o t2 com mt forse ginca de dor. Ou 2 meni a aue fecha a pare ders dn cs, sopranos do mundo exter urante algum tempo, ninguém acha o ratinho, e a menina chi f pensando que o perdeu, . eee Fatlgmints nls ue vod roa pga banans. Kee rea pelo bragoe tents azastila para fazer amor Ble des Nees nt sho mh aga pesé-la& forca. Ela consopue cosspar inrgi’e conto cows tenn ae guzrem abut de eo mardo que desc dla empo o. De rava, fica com vontade de desir tao, psotla as be cabagas que alguns dias antes pola com tanto euidado, Mabroma tentaacaimésla; P'e5ma a chara ¢ consla algum inho 2 | 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA ‘Toma entende bem Hiyomi: ela também nao é feliz, Tin ido com o primeiro marido para Krauwé, onde ele morava. Foi brutalizada que, temendo pela vida, refugiou-se em Karohi. Quando chegou, viram gue era <6 ¢ indefesa © abusaram dela um depois Go outro. Frérema era o mais decidido © quis que fosse sua mulher. Ele a maltratou e surrou sem picdade. Ela aprendeu que, para se defender, tinha de dar 0 troco. Entio se recusava a ir para o mato fingindo que nao ouvia as ameacas, ou parava de preparar as refei- ges, ou quebrava algum objeto da casa. “Apds o nascimento do primeiro filho, Frérema ndo parow de desconfiar que ela o traia, apesar da interdigdo em que estava de ter relagdes sexuais. Contrariando 0 costume, quis que © acompa- hhasse numa eagada longa. Eli tinha de ir com ele nas caminha ‘Um dia, cansada de carregara crianga ¢ de ficar atris dos cagadores, ela aproveitou uma parada para sumir. Voltou ao acampamento, onde encontrou Moriwé, que estava doente e tinha ficado para cuidar do moquém. Ele era um menino entdo, ¢ pensou: por que ela voltou sozinl Ela sentou, em siléncio, ¢ se aqueceu junto ao fogo. © bedé estava colado ao seu corpo, apoiado numa faixa de casca. De repente, ma apareceu, fulminant, Pegou um arpio pelas penas ¢ enfiow nna coxa dela, atingiu-a com uma brasa. Ela se esquivou por um triz dde um dedo que pretendia rasgar 0 ldbulo de sua orelha. Tentava proteger o bebé, que chorava, Num dado momento, desesperada, sritou para Moriwe: —"Pegue o meu bebé! Depressa, ele vai mati-lo! Mas Moriwé nao queria se envolver numa briga que néo Ihe dizia respeito, ¢ teve medo. Nao se mexeu. ‘Assim fol 0 inicio do casamento com Frérema: dificil. Desde entdo, ela aprendeu a se fazer respeitar ¢ leva menos surras do que fntes Ela tem dois filhos: uma menina, agora com oito anos, que se chama Boshomi-— tartaruguinha —c um filho de um ano. Frere- ma, respeitando a proibigéo de relagdes sexvais durante o periodo {is amamentagao, nao pode fazer amor com cla, Ele sodomiza um Tapazinho e tem uma lipagio com Ritimi, que encontra na florest. TPeoma tem citime da rival, mais jovem € mais bonita, ¢, assim, denuncia-a publicamente ¢ nao para de the dirigir comentarios desa~ Hiveis, Ontem, Ritimi, furiosa, veio quebrar scus colares de mi- Gamgas: para se vingar, T*E5ma queimou-lhe o pubis com um tigo ‘Apesar de sofrerem a prepoténcia masculina, as mulheres tém 1s seus lugares protegidos. Formam grupos de solidariedade, dirigi- 8 @ © »>BSOSSSSOOCSOE e dos informalmente por uma ou v de frutos, na coleta de Essas matronas tém experiénciae si tém 08 seus pequenos segredo clos, na eaca aos ci boas conselheiras. As mulheres . Sua magia, seu mundo prdpi is na vida econémica l dacomu sexualmente inativas, podem desempenhor um No momento das trocas com os visitantes, ©O000006 nidade. As velha Papel na. vida pol 6 € Biyori clas contém a generosidade. Durante as brigas internas e combates guerreiros, incitam a violencia, exortam a vinganga e estimulam :t agressividade dos homens. As mais sibias aconseiham os maridos ¢ sio por eles ouvidas Hiyomi acompanha os progressos de sua gravidez. Tirou os bas~ tonetes de orelha que o costume a impede de usar de agora em diante. 85 OOOOH SOOO SOHO HOCAHOOHOSHOEOHODORE © Cikcuto bos rocos Ela deve evitar olhar para o cai is Onde esto amarradas as pirogas, pois 0 olhar de uma mulher gy madera Tada ae vida faz a madeira rachar. Antiga: mente, quando os yanomam ainda coainhavamn ie par i ee no era permitido as mulheres que esperavam um fill loose neleg pois poderiam quebrar. Hiyomi e Moriwé nao comem os peixes mars, Fes porque o espirto deles, ou melhor, o principio vital ave males habita pode apoderar-se do feto e atorments-Io até cavsarhe a mnece te: Como ocorre com todss as mulheres gravidas, ela acha deseo: ‘vel o gosto de eertos alimentos: os peixes em geral Ihe de ectac as bananas assadas ficam de repente com um gosto ruin, a betelog Breparads com os frutos das palmeiras hokoe kere ipido dos recém-nascidos, Morivé comparilha da mulher €, desse modo, participa da graven Certa mania, dores & contr mao. € depois esguei- ita perto de seu fogo Fase discretamente pela abertura estreita fel nna base do teto, Ela se afasta das imediagdes da casa, cheias ue dlejetos humanos, urina, coed de cachorro e restos de cozinha. Segue © caminho que leva para a floresta, As outras mulheres chy \egam cor- fiearia descontrolado de medo. Elas esperam um pouco pela expulsio. Entao Hi }aued pela expulsio. Entio Hiyomi agacha € 8 apcia no tronco de uma grande tvore. Debaina dele eaten uum punhado de folhas recém-colhidas, A crianga comega acae Nave ina parcra experience, masageiadlicadsmente deca a bartiga de Hiyomi com uma mao, enquanto a outre sec at mio, enguanto a outra aeompanha a sada do bebé. Quando a cianga ea placenta saci Tlie fee € perdendo sangue, quer voltar para casa. Mandan uma mening gorrendo buscar Moriwé. Ele vem, segura Hiyomie a ajuds aca © caminto de volts ¢ sofrido, varias vezes ela acha que val desman ou cair. Moriwé quebra galhos e bate levemente nos ombres dele para que recupere as forces - Natoma cortou o cordio untou de sangue oslibios da laaprenda a falar mais depressa © raspou o mueo que cobrie s ehaanae folhas komish eta embrulha a placenta Fa fie indechse onc cota umbilical com uma lasca de bambu, crianga para que, mais tarde, opacoteentre os gsthos de uma vere plane cnt de um paca ou de-um tats ou. mais snp, soe nan nae & 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA lembra que os filhos de Hiyomi morrem logo apds 0 nascimento e resolve enterrar a placenta, © que, dizem, favorece a sobrevivéncia do recém-nascido, Antes de ir embora, joga terra fresca sobre a mancha de sangue no solo no local do parto. Na casa, sentada no chao, as costas apoiadas na rede, Hiyomi, _para facilitar 0 escoamento do sangue, colocou um tronco sob as coxas cruzadas, Quando Natoma chega, ela fica sabendo que teve um menino € a noticia & reconfortante: seu desejo foi realizado. Natoma fica 0 tempo todo com o recém-naseido, perto de um fogo que mantém aceso, e s6 0 entrega & mie para mamar. De tarde, 0s raios obliquos do sol penetram na casa e, para proteger a erianga deles, Natoma coloca na frente uma barreira de folhas de equilibradas numa madeira transversal No dia seguinte, Hiyomi comeca a se recuperar. Natoma the 64 0 filho ¢ ela, como todas as maes yanomami, enfia 0 bico escuro do seio na pequena boca contorcida sempre que 0 nené chora. Ela afirma que the dé o seio direito, jé que € um menino. As meninas sio associndas ao lado esquerdo. Outras proibigdes alimentares jun- tam-se ds anteriores ou as substituem. A mie para temporariamente de comer peixe caribe, para que a lingua do bebé nao apodreca. O pai fica formalmente proibido de comer carne de tamandud e anta: a faria o filho morrer e a segunda provocaria ulceragdes em sua pele. 4 barriga da crianga, Hiyomi o amarra com um fio ¢ prende-o cintura. Alguns dias depois, 0 cordao tera secado e caird sozinho. Entao ela ird embrulhs-lo numa folha e penduré-lo na corda de sua rede; depois disso, id amarri-lo a uma “érvore da alma penada” (bore ké hie, com o filho pendurady junto dela, na faixa, da Virias voltas em torno do tronco, 0 que Tara com que a crianga deixe de ser chorona e tenha vida longa, A noite, 0 bebé dorme colado & mée; durante o dia, fica junto, dela, na faixa ou em seus bragos; sua urina e fezes deixam marcas na mae, que as enxuga pacientemente. Ficam 0 tempo todo encos: tados um no outro, num contato vivo que perpetua 6 refigio uterine. S6 muito depois, quando termina definitivamente a amament por volta dos quatro anos, € que os pequenos yanomami deixam de dormir com 2 mie e recebem sua propria rede. Entéo o calor do fogo substitui o enlor matemo, e hii entee eles uma espécie de 87 @ae@e @OCSOSOSCHO EOE ® POG OCEEEE O-CRREULO DOS HOCUS continuidade, uma relagio indefinive G0, ou melhor a wansgae Sue presence-é constante, quase hum Soo necro SOF do Fogo estio em relagto’ de equates gue amie mbidveis. O calor delicado e recontortante de va hey a noite inteira & indispensavel. E muito mais do elementos hosts, € uma necess 10 depois de terem sido separados Se de queo contato:da pele morna vel. Dato prazer sensual que seme de: iso Ihes di seguranga ‘certeny um elemento doméstico vivo, dade profunda, fundamental. Mesm: das mes, os indiozinhos lembram- € uma coisa extremamente agrada tem em dormir varios na mesma re de amizade e prazer. AS criancas yanomami sac is comunidades meridionais, ito ra e inidos levem surtas. Sua dnieaaprendiagem ¢ das water eee um lado, devem-se trocar bens e ali ar bens ¢ alimentos com os amigos do outig & dever vingar-se das agressdes. O estado de nuewra seen oe Eg givem 05 yanomami é apenas uma consequcncia de aplicagi GEEES dots principio. socedade intern, 2 tomuntnte anes “0 apenas os parentes, sdo deles um e3 ami saeagbents 5 Parents, s40 eles um exemplo tive © oione a, Contudo. 0 preceito im dente por dene” Serum ae inte ao Tonge: = Vingue-se, vingue-se dele! Som Pare de chorar, di a —Morda vocé ag Hiyomi, estirada na rede. saboreia : vo & a tegra do “olho por olho . Se um menininho derruba TO x 2 ven ba outro sem querer, ue cain inca o fio a bater no dessjeltade: ween sta corre ¢ faz com que te a Se vingar. Se o filho fora! Vocé precisa se vingar! Paulada, ela coloca o pau nas maos da mesmo 0 brago. E assim, 8 vezes ats brigui- igrentos entre adultos, a querela se acirra, @ preguiga das horas escal- 88 ue torna concebivel a separa. ‘ania. No espitito dos indios, 0 DIL-A-DIA DA GRANDE CASA dantes do dia. Perto dela, Mamobrei esta sentada enquanto 0 marido Ihe cata piolhos. Sua filhinha tenta subir em cima dela, mas no consegue instalar-se confortavelmente ¢, contrariada, comega a fazer manha. Mamobrei sorri e diz a filha: — Fique quieta, vocé vai atrair a onga! Vocé vai ser comida! Enquanto isso abre a rede para que a crianga suba com facili dade. A menina muda de idéia em seguida, levanta e vai ver a panela ‘que guarda a proviséo de dgua potavel da familia. Fica brincando de derrubar gua num cantil, derrama um tanto e estraga 0 resto, enchendo-a de sujeira. Ninguém a repreende. Quando ela cansa da brincadeira, vai novamente para junto da mie, resmunga um pouco eda a entender com mimicas que quer sentar-se no colo dela. Aju- dam-na a se instalar e, nesse momento, ela paira de resmungar, agar- raese a0 seio materno e mama avidamente. ‘A alguma distincia, Boshomi e Marauwé brincam de boneca. Elas carregam uma grande banana verde numa faixa, e na extremi- dade mais fina do fruto— a que fica do lado oposto do ponto de ligagio a0 cacho —enfiaram ima varetinha como a que as mulheres uusam atravessada no nariz, o que confere um sexo ao brinquedo. passarinho que Boshomi estava tentando eriar acaba de mor- rer, de tanto ser manuseado. As menininhas vio buscar brasas nos fogos vizinhos para incineré-lo, ¢ fazem a fogucira com gravetos que recolhem pela casa. Quando o passaro termina de queimar, elas reco- them com cuidado os mindsculos fragmentos dsseos e dizem que ido comé-los durante uma cerims Kremoanawé ¢ Ut'ekawe voltam da caca exaustos. Eles sairam de manha bem cedo sem comer, andaram toda a manha ¢ uma parte da tarde. Procuraram caga em vio. Sem nem olhar a sua volta, Kre~ moanawé despenca numa rede. Seu rosto reflete 0 cansago, € 0 €3t0- mago d6i de fome. Fica em siléncio durante algum tempo e depois fala em altos brados: Remaema, estou com sede! Traga-me uma cabaca d'agua, Nao obtém nenhuma resposta. Fica carrancudo e repete 0 pedi do, agora de modo mais imperativo. Quando cansa de esperar, man- ‘ekawe buscar gua na reserva, ¢ este traz uma cabaga cheia até a borda de um liquido limpido e fresco, Af anuncia —0 quarto de reclusio foi construido para sua irma. Remaema esti tendo a primeira menstruagao. Kremoanawé vol- os olhos para 0 fogo de seus pais, Num canto, na base do teto 89 @e SSOSOSCCORESSEOHSEE © © G e @ @-circuto vos rocos dh casa 6 na frente das columas de apoio, encerram a jovem. No miniscalgcseeg we chamas vivas do fogo, e pode-se ver 0 vulto d Des que ft infornoas Inergos oso provéin de um aust Na época de floragaio. 9 de cada pesto fa is paredes de folhas fechiado, brilham as la enclausurada, Mabroma saiu rapidamente para co- ruagdo™ (ybi ke henaki), Esses ramos 10 chega a ter dois metros de altura, fa menstruegao cla avise mae de isolamento, para que os homens nao a pos " mG feasse ness estado, exposta aos olhares msec dade correria gt pos miticos n ver. Sea menina 8s, toda comuni« plenamente que o ¢.sem demora. Quando toma alucinogenos, faz esse relato, que diz ter ouvido da boca mantes dretos: fo da “Estavam preparando uma f ando uma festa. Ja tinham envi £98 para convidar os hspedes que acimipare na cular. Veioa noite. As mulheres reuniramy-se heri na praca central. Um homem gritou: Spats 2s mulheres, sem exces, devem dungar e cantar. ‘nto, uma jovem que estava enclausurada atras de paredes Ae folhas por causa de sua primeira menstruagio atastou'ee mince . Ela tinha ouvido a ordem e pensava que era para cla tambem, Juntou-se ds outras mulheres. No inicio, ninguém notou sua presen m r {¢2. Ela entoou o primeiro canto: ‘amente, precisamente. Turaewe muitas vezes dos hekura, seus infor- iado mensagei cdondezas da casa para realizar o ritual nnaikié kere, naikié kere nnakbu kara, nakba Kara 7 ,Meu filho, chame os hekura para que cles conjurem a Deslizamento para o mundo subterraneo © fi Tod petrificagio ame: 0 DIA-A-DIA DA GRANDE CASA sam a comunidade dos homens se néo se conformarem as obrigagées, do ritual. Veremos que. para a reclusa, as prescrig6es sio mais es- tritas, ‘Como para marcar seu retorno 20 estado de natureza, Remaema € obrigada a renunciar aos elementos culturais e vestimentas relacio- nados as plantas cultivadas. Pode usar tabaco contanto que seja nosi, isto é, sem valor, sem gosto, sem efeito, insosso de tanto ter sido chupado. Em vez de sua rede de algodio, usa uma mais grosseira, feita de cips. Deixou sev saiote, desamarrou os fios enrolados que usava cruzados sobre o peito ou em torno dos membros ¢ estd total- mente nua. Até os bastoes de orelha ela teve de tirar. Esta proibida de ter contato direto com a sigua e para beber ust um tubo oco, colocado para tris dos dentes, que cairiam se entrassem em contato, com a gua, Ela tem uma varetinha afiada para se cocar. Se, por descuido, usasse as unhas, seus pélos e cabelos cairiam, sua pele sc cobriria de feridas. Para atigar o fogo, usa um leque em vez de soprar. Quando fala, s6 pode fn2é-loem voz baixa. As meninas impi- beres podem chegar perto dela para conversar, mas 0 som de suas, vozes nao pode ser ouvido de fora. Seu regime alimentar esté cheio de restrigées severas. Sao proibidos os cozidos e a carne em geral assim como as bananas e a cana, Ela s6 tem direito a algumas bana- nas-da-terra assadas na brasa ou raizes de ocumo por dia e come essa alimentagio frugal usando uma vareta como palito, Sev tinico prazer gastronémico é chupar de vezem quando a casca de um caran- ‘guejo, que faz durar o maximo possivel. Essas varias obrigngdes no modo de se comportar contribuem para manté-la isolada de tudo. Ela urina no centro de seu abrigo e defeca sobre folhas, com as quais faz um embrulho que mais tarde sua mée iré jogar fora. Diz-se que a reclusa tem “valor de umidade” se chove muito durante 0 seu isolamento. As meninas que gostam de yubuue na — condimento liquide preparado com as cinzas de uma casca — todas entram na categoria das que tém “valor de umidade”, Os indios dlizem que eada iva é acompanhada de tempo bom ow ruim; as mulhe- res nisso se parecem com as luas, suas regras também sao um clemen- to de periodicidade. Essa semelhanga é mareada na lingua: tanto fa lua crescente que aparece no céu como uma mulher menstruada sentada num tronco que ela suja com 0 seu sangue sio chamadas @ 100 — est colocado, sentado. Embora esteja livee para ir & floresta, Moshawé, o marido de Remaema, esti sujeito as mesmas obrigagses de comportamento € fas mesmas restrigbes alimentares que a mulher. Ele dorme numa 91

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