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Lada Verdiani Trouni | LETRAMENTO E i ~ ALABETAACAO g & ® edgdo ER \ roe | ei os uses sociais da escrita, s. . no entanto saber Jer nem escrever. Foi dessa constataglo que surgiv ‘0 neologismo letramento, Creio que nos capftulos que compiem este ivro (0s Ieitores encontarso justificativas mais do. que suficientes para a adogio do termo. Linglistes, edu adores, psicsloges, fonoaudislogos, pedagozos, & odor agueles que tém interesse ou curiosidade pela natureza da linguagem encontrario aqui espero, mo= tivos para uma reflexdo exftica sobre estas questbes io atuais que slo 0 letramento, a alfabetizacdo € 0 analfabetismo, Leda Verdiani TYouni ibeirio Preto, janeiro de 1995 1 ESCRITA, ALFABETIZACAO E LETRAMENTO* Como decfrar pltogramas de hé de mit nas seme se deca mha era (Caras Drnnond de Andade, "0 ou ‘Apesar de estarem indissolivel e inevitavelmente ligados eatre si, eserita, alfabetizagio € letramento rem sempre tém sido enfocados como um conjunto pelos estudiosos. Disa inicialmente que a relacio entre eles € aqucla do produto © do_processo: fenquento os sistemas de escrta ado um produvo cultural, a alfebetizasso e o letramento slo procestos de aquisigio de um sistema escrito. ‘A abei2aGBD refere-se& aquisigio da escrita Sere dr para etur, rita ¢ as Ghamadas préticas de linguageio T5s0 levado a ef, em-gera por mei. do proceso de escolarizagZo e, portanto, da instrugdo formal. A alfabetizagio pertence, assim, 20 Ambito do indivi- dual. © tare por ue ver, fain o asta nie Outs esos, procura estudar e descrever o que ocotre mas + Hts cap xine pabldo sb a fem de argo 1 peso Caden CEVEC 4, 198, pp. 15-28 sociedades quando adotam un stema de escritura de maneira restrita ou generalizada; Procura ainda saber quais priticas psicossociais substituem as pra \icas “letradas” em sociedades dgrafas. Desse modo, 6 letramento tem porigbjeti investigar no soments ‘quem_¢ alfebetizado, mas também quem no é alfabetizado, e, nesse sentido, desligs-se de verificar © individual eGentraliza-e no social A segvir, fare Ccomentirios mais especificos sobre os trés compo- nents desse ema, Adianto, no entanto, que a questio ‘io se esgota af; pelo contro, ela apenas se inicia, Excrita A sia & q polite cilifh por excencia* E, de fato, o resuiado tio exemplar da atividade humana sobre 0 mundo, que gelivragysubprodutg {usfora”do-corpo humanos fala-se nas “orelhas” do “liv; na sua pigina de “rosto"; nas notas de roda- “pé", © 0 capftulo nada mais € do que a “eabesa” em latim. Historicamente, a escrita data de cerea de 5.000 ‘anos antes de Crist. O processo de difusio e adogéo dos sistemas escritos pelas sociedades antigns, no entanto, foi lento e sujeto, € Gbvio, a fatores poll- tico-econémioos. © mesmo se pode dizer sobre os + stu cntndend “atu, aul no seaio do meine india, onde sto ena ae eee cascade fee) poder de deci epaiio de faa. ese Nistiiade: eoasigoe wsomagto dh mena 10 tios ¢ ebtigos exerts criados pelo homem: pi togrticos, ideogrfins ou fonicos, todos eles, quer imbolizem dretamente os referentesconcreos, quer represent” 0 “pensamento” (ou “idéias") ou sinda ‘os sons da fala, do S40 produos neutros; so antes resid das relagées de poder © dominagfo que txstem em toda soredade. Falarei mais detaltade- rente sabre esse aspecto a seguir. Costume pease que a esrta tem por finaiéade ifondir as idéins (principalmente aescrita impress) No entanto, em muitos casos ela funciona com 0 objetivo inverso, qual seja: ocatar, para garantr 0 poder agueles que a cla tém acesso, Serve como IiustragGo 0 caso da India, onde a escita esteve inimameate ligada as textos sagrados, que s6eram acessves aos sacerdotes, © 206 “inciads”, ito 6, agueles que pastavam por um longo proceso de “preparagio” (que era, no fando, a garantin de que poleram ler esses mesmes textos guardando segredo sles). Als, o cater hemético de algumss cei ies, seus segredos seus poderes, est relacionsdo fom 0 maior Ov tenor contole sobre seus textos escrtos. Relativemente rocente € 0 caso do catoli- tismo, que, quando premio pelo avango de religGes “alternative”, resoleu “popularizarse”, ea primeira providencia neste sentido foi traduzir of textos Sagrados, que antes eram em Iatim, para gess vernéclas. 'Na China temos outro exemplo dessa nio-neura- dade, agora relaivo 20 tipo de o6digo escrito dota: 0 sistema Heogsfico da escrita chnesa funcionou durante séculos como forme de garanir © poder aos burecratas e 205 nists). Com efeito, tanto a quantidade elevada quanto (© grau de sofisicacio dos ideogramas so bareias ape impede qu pees do pore pssam ape Kathleen covan (1968:68), falando sobre 2 ques- to, relata que “spesar de a escrita alfabética ser conhecida dos chineses desde 0 séoulo II dC., les se recusaram a accitéla até a época atual (.,) rovavelmente porque [..] seu c6digo mais dessci- tado [..] havia, hd séoulos, se tomado 0 meio de cexpressio de uma vasta produgdo literéria, além de estar inextricavelmente ligado as insttuigSes reli- giosas @ de ser aceito como marca distnta das classes educadas” (rifos meus).* Outra evideacia de que nfo é casual a relagéo cenire a resisténcia de algunas classes sociais chinesas 1 adocdo do alfsbero, ea manutengio dessa sociedede fem estado feudal até recentemente, € apresenteda Por Jack Goooy (1968:23), quando cita um poeta revoluciondrio chints, Hsiao San, que fez a seguine dendncia: “Na realidad, a escrita hieroglifica nada mais € que um sobrevivente arcaico da époce feudal, tum sfmboto da escravizagio das massas trabalhadoras pola classe disigeat”. E Mao Tsé-tung (também citado por Goody) declarou, em 1951, que “e line ‘guagem escrita deve ser eformada; ela deve seguir * Todi a wae de abs earings, const mt rat, so de response Aor 12 dir ‘0 comum da fonetizagio, a mesma que foi seguiaa pelas linguas do. mundo” (1968:24), Se a escrita esti associnds, desde suas origens (como acabei de mostrar), 20 jogo de dominaci/po- der, participagiofexclusio que caracteriza ideologi- ccamente as relagSes.sociais, ela também pode ser asiociada ao desenvolvimento social, cognitive © cultural dos poves, assim como a mudangas profundas nos seus hibitos comunicativos. A mais antiga forma, de escrta de que se tem noticia surgiu na Meso- potdimia (atualmente partes do Irie do Iraque). Era fa eserits suméria, pegas de arg utilizadas dentro dos templos para gravar as relagies de toca © fempréstimo de mercadorias que Id se realizavam, © ‘que coincide historicamente com outras:“inovagtes ‘como rods, a orgonizagio da agricultura © a ‘engeahuria hidréulica", assim como “um comércio ‘que cresceu regularmente ¢ uma cultura que se estendeu a povos vizinhos e aleangou terras longin- aquas como a fndia e a China” (VALVERDE, 19873) No Ocidente, a escrita alfabética (sistema foro- arifico, em que sinais grficos representam sons de fala) foi inreduzida na Grésia e JOnia por volta do séeulo VIII aC. Ticialmente, contudo, nfo ocorreram mudancas decorrentes na cultura de tradigio oral daquela so- ciedade, visto que 0 processo de difusio de um sistema escrito & demorado, levando, muitas vezes, steulos, Por esse motivo & que somente nos séculos Ve VI ac, foi posstvel reconhecer a sociedade ‘rege como gencralizadamente“letrada™. Nao & por ‘coincidéncia que esse seja © momento histrico em 3 ‘que a sociedade grega pastou x um processo de radicais tansformagées cultuais e poliico-sciis © aparecimento, entre outras costs, do persamento \6xico-emplico flosfico, a formalizarto da his. Gra © da logica enquarto diseplinasineectsis, 4 propria democraciagregatém fatima relagio com 8 expansio © soidficapio da eserta fonsica na Grecia © Joni Segundo VALVERDE, um dos motivos dssas pro- fndas mudanges em varias Areas esti no fate de que “80 contririo de outras civilizagdes de. seu tempo, a sociedade grega nfo conhece uma casa sacerdotal que monopolize os livios sepredos, A ‘ropra excrita nao é um segredo dos governanter « seribas, mas de dominio comune discussto de idéias” (1987-14; rior meus) Em resumo, a etrita pode ser tomada como us as causa pincipasdoaparecimento ds cieagoet ‘modemas © do desenvolvimento centfica, tecnol- ico psicossocial da sociedad nas quas foi adotada de maneira ample, Por outro lado, nao. podem ser esquecidor fares como as relagies ue poder € dominagio que esto por tris da ulizagio reste ou generlizada de um c6digo escrito. Alfabetizagio [Existem dus formas segundo as quais eomamente se entende a alfabetizasao: © alentendido que parece estar na base da primeira perspectiva € que a alfabetizacio € algo {que chega a um fim, e pode, portanto, ser desecita s0b a forma de objetivos instrucionais. Como processo. que é, no entanto, parece-me antes que omque v" De ft, alfbetizagio sé fiOnEnERIERGuAANSIUeRS Por esse motivo, muitas vezes se desereve 0 processo de alfabetizaeao como se ele fosse idéntco a0s abjtivos que a escola se prope enquanto lugar ‘onde se alfabetia ‘William TEALE parece separar os dois processos (alfabeticagio e escolaizagio) quando afirma que “os a pritica da alfabetizagio nio & meramente a habildade abstraca pare produzir, decoiicare com preender a esr; pelo conti, quando as ciangas slo alfebetizadas, elas usam a leitura c a esctta para a execugio’ das priticas que constituem sua cultura” (1982559). Ficaaparene, poranto, que, de um ponto de visa socjinteracionista, daliabetizagdovenquamtoreosesse ‘navi, . visto que a | or exemplo, produzit ou

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