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publ por | graus ‘anos dicio quad 60s, prof culee exc vaste tudo sobn pres: Ose ded Ass fart div Ao pari sob que gak de circ fals dif cic cer ny ese du Fi est re co a Pe ol CLIFFORD GEERTZ NEGARA O ESTADO TEATRO NO SECULO XIX Traducio de Miguel Vale de Almeida uzagdo, SERCASIFL cas CAPES x YA ,06 ; "Yau 138 QA! oO BIBLIOTECA ccsya Negara 0 estado teatro no seculo xix / 992.3 G298 vtis000040536 - Bring Biblioteca cosa "499806 © 1980, Princeton University Press. Princeton, New Jersey “Todos os diretos pare publica desta obra em Kinga rortuguess servicios por Ros D. Estefinis, 46.8 1000 LISBOA Teles: 53 76.79. $4 58.39 Telex: 61030 DIFEL P ‘eletax: (01) 5458 86 ‘Todos os direnos de comercizagdo 40 mersida brio reservados 5 5 EDITORA BERTRAND BRASIL, 5.A Avenida Rio Branco, 99. 20." 20040 - Rio de Janetra- RJ Tels O21) 2692082 Telex: (21) 33798 Fay: (O21) 265.6 sedate 10 tradicional de eremaglo seul XX) (Pintura de uma procs Memena © Colegio coordenads por Francisco Bethencount © Diogo Ramah (Caps: Eno Tatvont Vilar Revie: Femando Mies Conposgio: Mania Exber ~ Gab, Fotacanpos Impressig © aeahomentn- Tina Deposit Lega a2 3871/91 ISBN 972:29.0250-4 NOTA DE APRESENTAGAO Clifford Geertz conchui Negara afirmando que a politica € acco simbélica. Nesta afirmacio resume-se nfo 36 0 conteido teérico desta obra como também 6 essenciat do seu pensamento como antropélogo. Pouco conhecido no nosso pais, pouco traduzido (a sua obra central, A lnterpretayo das Culturas, encontra-se em edigfo brasiles- ra), Geertz € um marco fundamental da antropologia norte- -americana pés-anos 60 e © pat das cotrentes hermenButicas que actuaimente contescam ¢ reformulam criticamente os fundamentos epistemolégicos, a pritica e a escrica da Antropotogia. Negare (1980), no encanto, surge ence The Interpretation of Culture (1973) Works and Lives (1988), sendo 0 primesro o livro em que Geertz expde @ ‘sua antropologia interprecativa como forma de analisar a culeura, ‘©0 tilcimo aquele em que analisa a retdrica de célebres antropélogos como resultado da anterprecagio (a do autot) de interpretagbes (as dos snformantes). No seu ensaio Thick Description: toward an Interpretive Theory of Culture (1973), Geerez afirmava que 0 seu conceito de cultura € essencialmente semidtico: «Acreditando, cal como Max Weber, que 0 homem é um animal suspenso por teias de significagio por ele proprio tecidas, vejo a cultura como sendo essas teins, € a andlise dela no como uma cigacia experimental em busca de leis, mas sim uma ciéncia incerpretativa em busca de significa dos fou sentidos; em inglés meannig]» (p. 5, teadugao livre). Esta linha de pensamenco consciruit, nos Finais dia década de 60, uma promessa de renovagio na ancropologia americana, vin NEGARA Tanto Geertz como David Schneider, pioneiros da_perspectiva ancerpretativa, haviam sido discipulos de Parsons em Harvard, ten- do-se langado a tarefa de definur e analisar o «siscema cultural» que este inclufa na sua teotia abrangente; ao fuzé-lo, porém, o corte com o funcionalismo concretizon-se, ji que a andlise das «coisas culeurats» remete necessariamente para 0 campo da andlise simbsélica A ancropologia interpretativa, contemporinea do triunfo do estru- turalismo de Levi-Strauss na Europa continental, partilhava com sce a influéncia da linguistica; mas distinguia-se dele por via das suas raizes na fenomenologia, na Verstebeudes Samloge de Weber, na conceptualizacio das Geusterwasrenichafien dle Dilthey, na herme- ngutica e, em parte, na andlise critica marxista, Para Geertz, a verdaderra missio da antropologia no ¢ a ob- servagio comportamental das outras sociedaces, mas sim a com- reensio do «ponto de vista» que os seus membros detém. Sendo assim, a acgio humana nio pode ser devidamence compreendicla, fou sequer descrita, se se tomar uma perspectiva abjectivista (asso- ciada as cigncias da natureza), jd que acontecimentos idénticos do ponco de vista comportamental podem assumit significados diver- sos em fungio da interptetacio do observador acerca das intencées clas pessoas envolvidas nesses mesmos aconrecimentos. No seu ensaio — porventura o mas influente nos meios aca~ démicos da ancropologia —, Daxp Play: Notes on the Balinese Cock- Fight (1972), 0 autor interpreta este ritual comunseirio (uma luca de galos de combate) como uma est6ria que as pessoas contam a st mesmas sobre si mesmas — uma maneira de os Balineses repre- senrarem para si préprios, simbéliea © publicamente, a agressto © a rivalidacle que espreicam por baixo da superficie serena da sta so- ciedade. Vale a pena cia NOTA DE APRESENTAGAO x «O que coloca a luca de galos & parte do decurso normal dda vida (...) nfo &, como a sociologia fancionalista defencle- ria, o facto de reforgar as discriminagGes de status (...), mas antes 0 facto de que fornece um comentario metassocial sobre a questio de adscrever os seres humanos a rans hierérquicos fixos e, depois, organtzar quase toda a existén- cia colectiva em vorno dessa adscrigio. A sua fungio, se se The quiser chamar assim, € interprecaciva: é uma leituta balinesa, uma est6ria que contam a st proprios sobre si proprios» (p. 448, tradugio livre) De modo a conseguir descrever ¢ analisar eventos como a luca de galos (ow snseituigées como 0 negara) e anterpretar discursos neles emburicos, como aquele sobre rane (tanto na luca de galos como no negara), Geertz defende que a descrigio ernografica deve ser interpretativa: ela interprecari o fluxo do discurso social, con- sistindo numa tentativa de recuperagio do dite cesse discurso, através da escrita e fazendo-o a um nivel microscépico. Trata-se de um verdadeito projecto de eenografia, em que esta é vista j4 no como colecgio de dacios supostamente neuttos (os dacios «brutos», a recolha primaria» e outras cantas ilusdes objectivistas), mas como expe- riéncia satersubjectiva do antropélogo com os informantes, mais tarde transposta a escrico por mecanismos da retética. E, aids, clesce Gleumo ponto da espiral de interpretagoes que Geertz traca no seu tileimo liveo, Works and Lives — the Anthropologist as Autbor (1988) sobre a eserita de Malinowski, Lévi-Strauss, Evans-Prit- chard e Ruth Benedict. Fiquemo-nos agora, porém, pelo Negene. Bata obra é, funda mentalmente, uma monografia etnogrifica, descrigio minuciosa do todo estrucural de uma sociedad acravés da descrigio das stias ins- x NEGARA treuigies ¢ relagdes sociais. Dois objectivos, contudo, parecem corn -la numa obra de apo diference: por um laclo, trata-se de uma incursio antropolégica na histérie, através da reconsticuicio de uma formagio social do século passado ¢ di instituicio do Estado: por outro, rem impliciea uma cricica ao pensamento ocidental sobre a politica eo Estado, Socorrendo-se (ou dedicando-se a cla...) de uma inerincada ¢ elegante ret6rica, 0 autor desenrola o novelo das formas simbélicas € tearrais da politica tradicional; raz assim i luz do dia 0 aparato, a performance, © simbolismo politico, 0 cerimonial, os mitos — todos elementos que tém sido remetidos ara o campo da ideolo- Bia ou, quanto mutto, encarados como meros mecanismos de mo- bilizagio social manipulados pelas classes dirigences Ao longo do livro, descreve ¢ analisa, sobrevudo, a linguagem do rawk, da hyerarquia. Para Geertz. essa linguagem formava 0 contexto para as relacdes praticas entre os principats t1pos cle actores policicos em Bali, permeando os dramas ou pegas que em conjunto levavam a cena, bem como o dur reatral € os objectivos para que eram encenados. E assim que, para cle. o Estado balinés cra, antes do mais, uma tepresentagio da forma como a realidade se encontrava organizadla. © argumento central, exposto na conclu: monstrar que se estd perante uma concepgio alternaciva de polieica de poder: escrutura de acco, 0 negara era, cambém, uma esttucu- rade pensamento. Pelo que, descrevé-lo, equivale a descrever metas E neste ponto que Geertz nos diz que, descle Wittgenstein, no deveria ser necessiia afirmar que exta posigio nfo significa uma dlefesa do «idealismon. Mas como — e aqui o auror fiz a sua critica aces aap estado das ciéncias sociais — as ciéncras soctais vivem, NOTA DE APRESENTAGAO xI do ponto de vista filoséfico, em pleno século XIX, («cheias de medo de fantasmas metafisicos»), sente-se Geertz na obrigagio de 6 explicar. E assim enconcramos 0 ponto de contacto entre a neropologia incerprerativa de Geertz € @ sua andlise do poder simbdlico nesta monografia de Bali. Na opiniio do autor, as ideias no sio algo de mental cuja ob- servagio seria impossivel. Séo, antes, significados (meni), vercu- laios através de simbolos, definindo-se estes como algo que signi- fier. B, como vudo 0 que significa, sio intersubjectivos, logo pablicos, Pelo que tanto discussdes como melodias, frmulas, mapas ou qua~ ros si0 sextos para serem lidos, 0 mesmo se aplicando a ricuais, palicios, recnologias ou formagies socrass Nesta cirada semidtica ¢ hetmenéutica, Geertz destréi a opo- sigio — tanto do senso comum como da maior parte da teoria politica ocidental — entre simbslico € real, estético © pritic decoracivo e substantive. Para o autor, o real € tio imaginado quanto 0 imagininio. Coroldrie: a politica € acgio simbélica. Hii uma estéria que se conta muito nos meios antropol6gicos, e que Geerez cambém conta numa entrevista concedida a um niimeto la Harper's; uma estéria que sintetrz no s6 0 pensamento critico de Geertz cm relagio 2 quaisquer fundamentos tiltimos das socie- dades humanas como também revela 2 heterogeneidade cultural clas explicagdes clo mundo e da sua organizagio — quando maco € ‘organizagio social se sobrep3em, como no caso do negara, A est6ria Um indiano diz a um aneropdiogo inglés que 0 mundo esta assente sobre as costas de um elefante, v qual, por sua vez, assenca sobre uma tartaruga. Esperando chegar ao fundo da questio, 0 an- tropolégo pergunta: xu NEGARA — E sobre 0 que assenta essa tartaruga? — Sobre outra rarcaruga, sahib, — responde o Indiano. — F essa rartaruga? = Ah, sabit, dat para barxo & sempre carcarugas. Miguel Vale dle Mtmerda NOTA DO TRADUTOR Esta nota tem por objective explicer algumas opcées comadas na cradugio de Negara, o Estado-Teatro, face a questBes cientificas da disciplina antropolégica, as quais por vezes parecem, enganadora~ mente, set meras questées linguisticas. Fo: minha opgio de fundo ro escrever notas de tradutor ao longo do texto, pelo que os aspectos levantados na presente nota se aplicam a toralidade da obra e abordam conceitos fundamentais do total desca, 1. As tradugées de obras de antropologia envolvem uma ques- Ho paracioxal: por um lado, néo existe uma norma portuguesa oficial para a tradugio de expresses € conceitos antropolégicos gerados fem contextos académicos quer anglo-saxénicos quer francéfonos; por outro laclo 0 conhecimento antropolégico tem sido reproduzido e-crindo em Portugal por pessoas formadas no estrangeiro, poliglo- tas ou, rendo sido formadas em Porcugal, «enformadas» em modos de pensar académicos vindos de fora; torna-se, pois, dificil recorrer 2 critérios estandardizedos, sicuagio que poderi no futuro vir a ser resolvida pela Associagao Portugues de Antropoiogia. Por outro lado, e daqui o paradoxo, este mesmo vazio permice uma grande li- berdade ao cradiutor, a qual resulta em beneficio ou maleficio do lesror consoance 0 grau de especializagdo ancropolégica daquele. 2. Traduzie Clifford Geertz coloca um problema adicional. Geerce € conhecido, sobretudo no contexto da antropologia norte-america- na, como um verdadeiro cientista-escritor. A sua manipulacio da lingua inglesa é mais complexa, erudita, retérica, habilidosa e inclusive echarmosa» que a da generalidade dos antropdlogos americanos. ‘Tendo siclo graciosamente acusado de «barroquismor na sua forma de escrever, Geerte foge 4 regra académica (¢ também cultural) norte-americana da cimplicidade, da frase cueen, da patigeafa cucta, «do despojamento. Mas a sua escrita ndo deve ser consicerada caécica Antes, Geertz defende explicicamente 0 uso de um estilo elaborado 8 NEGARA proprio, por saber que a suposta auséncia de estilo € uma falicia objectivista , afinal de coneas, artficio recénico ainda mats erie ticdvel. Para o autor de The Interpretation uf Cultures e dhe Warks cand Lave: The Ambropologest as Author (solsre a subyeceavidaele e & eetérica da escrita antropoldgica), traca-se de assumar a indissolubilidace de forma e contetido, Tentei, ao longo da eruclugio, manter a arqucec cura sineactica e semfncica do pat da Antropologia Incerpr Hermenéutica dos Estados Unidos. ariva € 3. So dots 05 conceitos que oprer por mancer no inglés origenal aparecencio em stilico na versio portuguesa: stk e earpunte (bem como os deles derivados, como sinking e «wponatelly). Estes dois conceitos, intimeras vezes ucilizados ao longo do texto, sio usados s pela comunidade antropolégica porcugguesa; formuttados outros contextos culcurais, a sua expressividade semantica 86 per- deta com uma tradugio, Rave, que em portugues 1 aparecer como «herarquiay ou xestacutor (e que os como range) refere-se, em inglés, a ambas as coisas: posigiin compa raciva numa qualquet bierarquia com um eseatuto proprio, posigio social, attibutos, etc. Corporate, por sun vez, € um termo de tal forma saido dos referentes juridico-politicos do mundo anglo-saxénieo ‘que 86 enconera craduugses infelizes em porcugués: «corporativon cont conotagdes muito especiars na memérix colectiva ports € a altemnativa «corpdrcon, que me parece — pessoalmente — de- masiado imbufda de metéforas orginicas. Elaborado pel logia social briténica para classificar formas dle assocuagio policica, Juridica e parental de cerros contextos exnogtificos, © des _stupos sociais que agem como todos integeados, como «pessoas co= leceivas», € tradicional em Portugal mancer @ original revendlo, 4, Ouetos rermos surgem no original de Geertz que foram traduzidos mas que requerem uma explicacio. Stat & um con ceito-chave nesta obra (e, alids, no pensamento do autor): resolv manté-lo, sem itilicos, pots parece-me suficiencemence aceite pels Cigncias Socias em Portugal e mais polissémico que westatuco> O conceito de Sinking Status Pattern foi tracizide como Pade de Status Decrescente. traducio debacivel mus que me parece «ar conta do significado implicico. O rermo analisti, usudo por Geerce para referir aquilo que em Portugal se conhece como «his NOTA DO TRADUTOR 9 (versus shistoria-ciéncia») aparece ttaduzido como «analistico», sem diivida um neologismo de eseranha sonoridade; eleve-se tal opcio 20 facto de, em certas partes do texto, 0 autor utilizar «erénici» além de sanaliseico». Ourto neologismo é «Indicrzador como craducio de Indicrzed. Nas Notas, Geertz explica que ele proprio inventou a palavra, dando um novo sentido & raiz desta, Indico, assim como explica 0 conteiido exacto do conceito, O conceito de descent fot traduzido como «descendéncia»; traca~ se de uma opgio polémica, jd que na ttadigio anglo-saxénica se discingue descendéncia de filiagio, conceptual e descritivamente, ao paso que na tradicfo francesa nfo. (Ver, sobre a questio, o Posficio de Maty Bouquet a Parentesca e Casamento de Robin Fox, ou Os Deointos do Parentewo de Marc Augé.) Na actual anttopologia social portuguesa esta craduglo & genericamente aceite, na medida em que 0 texco em causa explique 0 concexto da sua aplicagiio. Caso diference € 0 do conceito de sural, cracluaido aq como «juridicor, A falta de melhor, mas que deve ser entendido como imbuidlo de valores morats e de consenso cultural, ¢ nfo como termo mera- mente técnico, como «juridico» pode levar a crer. O conceito de Glientsbip aparece eraduzido como «Clientelis- mo», estando implicito que se reporta aos conceitos de «relagoes patrono-cliente» ¢ de «patrocinato» aceites pela antropologia em Portugal. Ja em relagio a customary (law, rights...), pte! por usar alternadamente os termos «consuetudindrion e «costumeiro», in~ tercambiveis e usados ora um, ora outro, por razdes de estilo. Por fim, hi dors cermos muito usados ao longo do texto que implicam, subtilmence, formas de relagées sociais: hamlet © bon seyard. Quanto a hamlet, opter por uma conciliagio entre o critécio clas formas de povoamento ¢ 0 critério sociolégico: «lugar». Quanto 4 huuseyard, opter pelo termo «pétio», por este sugerit ao leitor portugués a realidace social, interactiva, subjacente 3 descricio estrrtamence fist 5. Por fim, a0 longo do texto surgem frases em inglés colocadas centre plrenteses rectos, a seguir i sua tradugio. Trata-se, sobretu- do, de citagées literirias ou cientificas a que Geerca recorre, € explicadas nas notas, pelo que a eradugio portuguesa visa simples mente facilitar a leitura e nfo pretende sobrepor-se a cradugées que porventura jé existam. Certos conceicos, alguns deles jé referidos no 10 NEGARA ponto 4, aquando da sun primeira ocorréncia no texto, © $6 af, surgem ‘traduzidos mas acompanhados do original inglés encre parénteses rectos. O exemplo mais flagrance seré por vencura 0 teunémio polity/poliy/polittes, que opte: por traduzit como «formacio policica/politicas/politica» Quero exprimir o meu agradecimento ao meu colega Brian ‘Juan O'Neill (SCTE) pelas suas sugestdes quanto a cradugo de alguns conceitos. Miguel Vale de Almeida Ancropologia Social/ISCTE PREFACIO Este estudo propde-se atingir varias audiéncias pelo que, na esperanga de que o venha a conseguir, foi construfda de forma a poder ser lido de varios modes. ‘Concretamente, as noras foram separadas do texto de uma forma muito mais abrupca do que 0 normal em obras monogsificas; refe- remese ao texto de forma solea, por pagina e linha ¢ no através de notas numeradas; e assumem uma forma extensiva, constituindo muitas deias comentérios gerais sobre assuntos levantados no texto, recensbes criticas relativamente extensas da bibliografia adequada a lum ou outro ponto, ov mesmo mini-ensaios sobre assuncos algo tangenciais em relagio & narraciva central. Como resultado, 0 cexto fo escrito de modo a que qualquer um — erudlito, estudance ow leitor yenérico — interessado nos estados tradicionais, eeorva politica, anilise aneropolgica, ou 0 que for, mas nfo especialmente preo- cupado com as mitidezas dos escudos indongsios, © possa ler com pouco, ou nenhum recurso &s noras. A ese encontra-se coda no fexto, juntamente com o material empitico essencial que a susten ti, liberea de apartes, chamadas, ou definigdes 86 para iniciados. Por outro lado, qualquer um — inddlogo, estudioso do Sueste asicico, especialista balinés — interessado numa visio cizcunstanciada ca hase sobre a qual o argumento for construido ou em avangar mais rralguns aspectos técnicos especificos, achara as noras de importin- cia erucial, uma vez que o assunco do Estado balinés tradicional fnunea foi antes abordado de modo integral — na realidade, quase rnunca for cle coco eratado —, encontrando-se os marerinis relevan- tes muito disseminados, sendo de tipo variado ¢ qualidade dest- igual, A maioria dos leitores posicionar-se~é algures 20 longo desce rontrunusr, entre 0 generalista © o especialista, tendo a organtzagio ppouco comum da narrativa ¢ do comentitio sido concebida para Ihes facilicar a lestuta maior ou menor do aparaco académico em fungio dos seus proprios objeceivos. ‘Um crabalho tio demoraco na sua feitura como este gera um 12 NEGARA grande niimero de ddivicas. Os meus princspais informantes baline- Ses aparecem citados nas noras € a minha gratiello pars com eles & incomensurivel, De entre os que leram 0 manuscrito, devo agrade~ cer especificamente a Hildrét Geercz que também ajuciow a coligie 0 material, a James Boon, Shelly Errington, F. K. Lehman e Peter Carey, embora eles sejam apenas representativos dlos murcos que me ajudaram, nfo tendo de assumir responsabilidades especiais por serem mencionados. Mrs. Amy Jackson providenciou assiseéncia de secretariado invulgarmente extensiva, pela qual estou muito agra- decido, Gostaria também de agradecer a Mr. William Hively da Princeton University Press pela sua assiseéncia ¢ conselho edicorial Finalmente, este trabalho for ajudado em varias ocasides pela Rockfeller Foundation, pelo Commurcee for the Comparative Stucly of New Nations of the University of Chicago, ¢ pelo Institute for Advanced Study, Princeton, Princeton, Agosto de 1979 INTRODUGAO Bali ¢ 0 Método Histérico Em a, © pecido caprral é fazer perguntas cua resposta se sabe impossivel, assim como em politica dar ordens que no se espera serem obelecicas ou, em religito, pedir a Deus 0 que s€ suspeita que Ele no dacs. RG. Callingwond Quando se observa, de forma panorimica, a Indonésia de hoje, cla parece constiturt uma sinopse imemorial do set préprio passa- do, do mesmo modo que os artefactos de diferentes camadas de um local arqueoiégico hi muito ocupado, ao serem espalhados sobre uma mesa, resumem um relance milhates de anos de histéria humana. Todas as correntes culturais que, a0 longo de cerca de trés milénios, afluiram sucessivamente a0 arquipélago — vindes da India, da China, do Médio Oriente, da Europa —, tém algures a sua representagio contemporinea: no Bali hindu; nas chinarowns de Jacarta, Semarang ou Strabaya; nos baluartes iskimicos de Aceh, Makassar ou das cerras alas de Padang; nas regides calvinrzadas de Minahassa ¢ Ambon ou nas catdlicas de Flores e Timor. O leque de estrucuras sociais € igualmente vasto ¢ recapitulacivo: 0s sistemas tribais malaio-polinésios do interior de Bornéu ou das Celebes; as aldeias camponesas eradicionais de Bali, Java Ocidental e parces de Samatca ¢ das Celebes; as alderas «pés-tradicionais», de proletat clo rural, das planicies aluviais da Java Central e Oriental; as alder de pescadares © contrahanddisras nrienracios para o mercado. mas costas de Bornéu e das Celebes; as apagedas capictais de provincia € as pequenas vilas da Java interior € das ilhas Extervores; ¢ as mecropoles _gigantescas, desorganizadas e semimodernizadas de Jacarta, Medan, Surabaya e Makassar. O leque de formas econémicas, 4 BALI E 0 METODO HISTORICO dé sistemas de escratificagio ou de orgunizagia do purencesco & também ele, vasto: agniculcores stinerantes em Bornéu, casta em Bali, matrilinearidade na Samatra Ocidental. No encanto, deste vasto conjunco de padres cifleurats € socias, est ausente uma das anseicuigBes mais importantes, Seno a mars importance, pana a fe magio do cariccer bisico da civilizagio indonésia; desaparecica cle uma forma tio completa que, perversamente, confirma @ sta cen- tralidade hiseérica. Trata-se do negara, o Estado chissico da Indoné- sia pré-colonial ‘A palavra negara (nagara, nagart, negeri), amportada do sinserica ¢ significando, originariamente, «cidader, € utilizada nas Linguas indonésias com o significado simultineo © comutivel de «palicio» capita do mais lato, a palavra que designa ervilicagio (eldssica), remecen- do assim para 0 mundo da cidade tradicional, pana & alea cultura que essa cidade sustentava e para o sistema de aucoridacle politica superior nela concentrado. © sew oposto € dese — cambém uma palavra imporcada do sinscrico —, que significa, com semelhance flexibilidade de sentido, «campo», «region, «aldeta», «local» ¢ por vezes, também «dlependéncia» ou wirea yovernacli» No sett sentido mais lato, desa € a palavea que define @ mando — organt- zado de maneira tio variada em diferentes partes do arquipcl do povoado rural, do camponés, clo rendeiro, do siibdito pol tuco, do «povon. Enere estes dois pélos, wcgara e de, definidos por contraste miituo, desenvolveu-se a formacio politica chissica, a qual, no contexto geral da cosmologia sndica cransplancada, assumiu a sua forma diseintiva, para no dizer peculiar », «Estado» e «reino» além do de «cidade, Nu seu senti- E impossivel contar 0 nimero de wagers que existimam na Indonésia, sendo certamente da order das cent mente da ordem dos milhares. Desde @ cempo dos mars antigos escritos sinscritos, datados dla primeira metude do século V, reinos de varias dimensdes ¢ duragio ergueram-se, intrigaram. luGaram &, Finalmente, incorporaram-se numa corrence regular € cada vee mats ampla. Os nomes mais iluseres — Mararam, Shailendra, Shrivijaya, Melayu, Singasani, Kediri, Mayapahit e. apos a conversio islimica, © provavel- InTRODUGAO 5 Demak, Bantam, Aceh, Makassar e neo-Mataram —, referem-se apenas aos parcicipantes mats proeminentes de um ptocesso continuo de formagio ¢ dissolugio de Estados, 0 qual 56 cerminou com 0 dominio holandés (e, em algumas partes do arquipélago, $6 no presente sécula). O desenvolvimento politico da Indonésia pré-colonial nnio consistiu num desabrochar inexorével de um s«despotismo oriental» monolicico, mas antes numa nuvem em expansio de pequenos principados localizados, frigers e vagamente inter-rela- cionados. A carefa de reconstituir esse desenvolvimento é fundamental para quem se preocupe com a compreensio do padrio politico tanto dla fase indica como das fases islimica, colonial ¢ republicana que Ihe sucederam; coloca, porém, uma série de dificuldades, grande parte das quais artificialmence construidas. Nio s6 05 dados si dispersos, pobremente apresencados e equivocos, como 0 modo de os interpretar — carefa que tem estado sobretudo nas mios de filélogos —, tem sido, salvo poucas © honrosas excepsbes, extrema- mente fantasioso do ponto de vista sociolégico. Analogias com a Europa cléssica, feudal e até moderna, crénicas forjadas e & partida incomprovaveis, bem como especulagdes aprioristicas em torno da natureza do «pensamento indonésio», conduziram a uma imagem do mundo indico que — ainda que no desprovida de alguma plausibilidace ou mesmo verdace —, se apresenta com 0 aspecto evidence das fancasias sistematizadas, 0 resultado da tentativa de saber © que nfo se pode saber. ‘A maioria dos especialistas da Indonésia indica procurou escre- ver 0 tipo de hist6ria para a qual ndo reve, e certamente nunca cer, material, eendo negligenciao escrever 0 género de histéria para a qual o material existe ou, pelo menos, se pode obter. A histéria de uma grande civilizago pode ser descrita como uma série de gran- des acontecimentos, tais como guerras, reinados € tevolugdes, os quais, quer a tenham ou nfo moldado, pelo menos marcaram as principais mudangas do seu percurso. Alternativamente, pode ser descrita nfo enquanto sucessio de datas, locais € pessoas proemi- ences, mas enquanco fases de desenvolvimento sociocultural. ‘A énfase no primeiro género de historiografia rende 2 apresencar a hiseérta como uma sétie de periodos estanques, unidades de tempo mars ou menos distineas, caracterizadas por um significado especial, represencam A Ascensdo dos Shailendras, A Deslocagto para Ovtente da 16 BALI E 0 METODO HISTORICO Civilizagin Javumesa ow A Queda de Meyapuibit, A segunda bord can muda histérica como um process ‘que mostra 0 gem, pelo contrato, apreser social € cultural relacivamente-continuo, processo esse poucos ou nenhuns cortes rigidos, revelando ances umva alters Tenta, ainda que padronizada; embora as fases de desenvolvimento possam ser discernidas quando 0 decurso do processo € visto como fim todo, é quase sempre muito dificil, sendo mesmo impossivel apontar exactamente qual o ponto em que as coisas desxarum de ser fo que eram € se cornacam em algo de diferente. Esca perspectiva da mudanga, ou do processo, em ver de colocar 9 acento na crémica analistica daquilo que as pessoas fizeram, acencua 0s paces for- mays ou estrururais da actividade cumulativa ‘A abordagem por petiodos diseribur ferxes de aconcecimentos concretos a0 longo de um cansnman cle cempo, no qual a distingio ptincipal é entre «anterior» ou «posterior». a abordagem do dese Volvimenco distribus formas de organrzagio e padrBes de culeura 40 no qual a distingo princapal & si- ncia. O tempo & em tha ao longo da jum meio através Jongo de um continuum de tempo, multaneamente condigio prévia e consequé ampas, um elemento crucial. Na primeira é a I {qual os acontecimentos esto fixados; na segunels do qual se movem cercos processos abscractos. "Ambos os t1pos de historiografia so, naturalmente, vilidos e, quando ambos so possiveis, complementares. O curso de aconce- Cmentos concretos, guando posto pormenoriaadamence em erdnica td substdincin ao esbogo esquemacico da mudanga eserucural; © as fases conscrufdlas ca hise6ria do desenvolvimento — que, em si, slo _quadros para a percepgio da histéria ¢ nila segmentos de realidade Iistéeica —, cornam inteligivel 0 fluxo registado de ocorréncias reais. Porém, quando, como no caso da Indonésia indica, 0 sr0s80 das ocorréncias nao é, pura ¢ simplesmente, recuperivel — por munto delicadamente que se lei nas entrelinhis dos miros & escri- os ou se intuam paralelos com artefitctos distances —, wma cenci~ tiva de reconscrugio de fe1ros parciculares conduz, na melhor des hupdceses, a controvérsias infinckivers (porque irresoluvers) em corno de questies hipotéticas; na pior das hipaceses, conduz ao fabsrico dle uma westéria» acerca dos tempos cli cembora parega his €/na realidade um olhar para a bola de cristal com intuttos eereos- pectivos. «A histéria hindu-javanesa de Krom», segundo comencou inTRODUGAO 7 aé uma estéria sobre reis € 05 seus feitos, na qual cacontramos observacbes dispersas sobre elementos culcurais. Eu preferina uma hust6ria da cultura ¢ dos elementos de civilizagio na Gqual 0 lexor enconcrasse comentarios dispersos sobre res». E prs GMamente este cipo de histéria que os documentos, inscrigdes € fextos do periodo clissico, uma ver incerpretados em cermos de processes ecol6gicos, etnogrificos ¢ socioldgicos, nos permicem eecrever, no entanto, a excepcko de alguns esforgos fragmencistos € Sbortades, como os de B. K. Schrieke e J. C. van Leus, esta con tinua por eserever. Cc. €. Berg, mo tipo de historia depende de forma decisiva Escrever este Giles elo apeopriado de proces- da possibilidade de construcio de um mod so sociocairaral; um modelo que seja ao mesmo cempo concepcual- ue tenha uma base empirica, que passa ser usado fragmentos ambiguos ¢ inevitavelmente disper~ oléwico. Ha varias modos de o fazer. Podemos seeorter-nos clos conhecimentos sobre oucras sequéncias de desen- ‘nto, comparivers mas melhores estudadas; neste C280, 38 ica pré-colombiana ou a0 antigo Médio Oriente, podemos formular, com base numa ipos ideais que isolem os cornadt mente rigoroso € q) para interprerar 0s sos do passado argu volvimer respeicantes 8 Amét por exemplo. Alternacivamente, sociologia hist6rica de largo espectro, je fendmenos eelevance — abordagem t tragas centrais ca classe Frmosa, evidentemente, por Max Weber. Podemos ainda descrever c analisar pormenorizacamence a estrucuta ¢ funcronamento de um al (ou recente) que julgamos cer pelo menos uma ir com aqueles que procuramos reconsteust, ilu- mminando assim 0 mais remoro com a luz do que 0 € menos. Uti~ fagens complementares, esperando poder fortes de oucra. Colo- ro da minha andilise, aso presente, como sistema actus semethanga familias Tizare1 codas estas abor corrigir as fraquezas de uma com os poncos casei, porém, a terccita, ou etnogtifica, no cen tamu porque me parece a mais relevante 0 Ca 1a ancropélogo social endo arqueélogo ou historia- porque, sendo et peico da qual é mais dor, é aquela que melhor domino ¢ # resp provivel ter algo de novo a contribu. Tspecificamente, conseruirei a partir do meu proprio trabalho is BALI £ 0 METODO HIS "ORICO le campo e a partir da bibliogeafia, um reeraco circunstanciado da organrzagio estatal no Bali do século XIX. centando depors esbogar a partie dele um conjunto de linhas de oniencacio, amphis mas sub- stancivas, para 0 ordenamenito do marerial pet Indonésia em geral (¢, para li desta, no Sueste asiitico indico), ‘Tem sido frequentemente realgada a aparente releviineta de Bali 0 diltimo refiigio de cultura «hindu» no arquipélago —, para uma compreensio do perfodo nico na Inclonésia e, em particular, do seu centro, Java. Mas ésea relevincia com sido também mal com- preendida, De maneira a rornar claro de que modos o Bali recente pode ser usaco para iluminar 0 pasado distanre da Inclonésta (em Come os modos como nio pode), worna-se essencial afiscar uma série de faldcias metodolégicas musco divulgadas. Trata-se de um terreno de cal maneira traigociro que se deve dar cada passo com um eliberacio obsessiva, avangando, ral coma na aleygoria como uma lagarca rasteyando sobre a sigu. 7 A primeira faldcia a desacreditar € a nocio pela primeira vee popularizaca por Thomas Raffles, de que o Bali moderno € um semuseu» no qual a culeura da Indonésit interior pré-colontal cer sido preservada intacta. No ha razdes para crer que Bali no cenha mudado nos 350 anos desde a cescruicio ce Majapahse (cerca de 1520), apesar de todo 0 seu isolamento em relagio A corrence de desenvolvimenco indonésia posterior & rslamizagio do resco do arquipélago (um ssolamenco que cem, também ele, silo por vezes sobrevalorizado). Pelo que € muro eibra qualquer eentaciva de ver a Java dos séculos XIV e XV como simplesmente um século XIX balinés mais requintado, Qualquer que seja a utilidade de um estudo dle Bali para a hiscéria indonésia, esse estuclo nfo se pode basear 80 pressuposto de que, por uma esti sore, ail cena sido poupada avanesa, Em segundo lugar, deve-se reconhecer que a prova da existén- cia de qualquer pritica social ou forma culeural, qualquer costume especific, crenga ou instrtuigio em Java (ou oucras partes do Sueste asiitico fndico) deve assentar, em altima insténcna, em provas evaiesas, cunsbupasis, ow ejiquer uit, dy balinesas. © facto de 0 Balineses terem patrilinhagens endévamas, socicdades dle ir- rigago e um culto da bruxaria desenvolvido no constitu, em si, a prova de que costumes semelhantes renham existido na anciga Java. A finica Fungo possivel de cats fa bi “os € a de sugerir possibi- INTRODUGAO 19 lidades para as quars provas javanesas (ou cambojanas, tailandesas, bbirmanesas, etc.) possam eno ser procuradas. Sio titeis para a obtengio de hipéteses, mas intiteis como suporte de tais hipéteses, uuma vez construidas. Talvez esta questio seja elementar, Mas tem sido ignorada mais vezes, € com resultados mais perniciosos do que ‘qualquer outra maxima mecodolégica em reconsticuigdes antto- poldgicas — no s6 na Indonésia, mas em geral. Em cerceiro lugar, mesmo quando a muitagio histérica da cul- cura balinesa é comada em linha de conta ¢ é reconhecida a ausén- ‘oa de légica na rentaciva de provar ceorias sobte Java com dados de Bali, comna-se ainda necessasio compreender que mesmo no século XIV (para nio falar dos séculos X ow VID) a Inconésia era social, culcural ¢ sobretudo ecologicamence, udo menos uniforme: mesmo com a «conquista» do Majapahit e eudo 0 mais, 0 Bali diferia da Java Oniencal € muito mais ainda das regides indicizadas do arq ‘pélago como um todo. Pelo que, embora convencidos de que um padtio particular balinés — por exemplo, uma forte énfase na es- tratificagio com base no prestigio — se verificava nousros pontos da Indonésia indica nio se pode excluir que assumisse exactamente fa mesma forma exterior. A escala dos Estados balineses, apertados nos estreitos sopés do Sul, por exemplo, for certamente sempre menor que a da mais espacosa Java, com efeitos dbvios na sua organizagio. Mais, a oricntago nacural da ilha para o sui € para 0 traigoeiro oceano Indico em vez de para o norte ¢ para o cranguilo mar de Java, tornou-a quase totalmente marginal 3 claborada economia mercantil internacional, » qual jogou um papel crucial na genera~ fade da economia do petiodo indico. O magnifico padrio de drenagem em Bali, € 0 seu clima — talvez 0 mais ideal, em coda f_Indonésia para o tradicional cultwo sawal — tornou a s¢igacio ‘menos ptoblemética, teoticamente € menos incerta sazonalmente do que em qualquer parte de Java. E assim sucessivamente, Os daclos sobre Bali devem ser corrigidos em termos de tempo ¢ em rermos de lugar antes de poderem ser usados como linhas de orien- tagio germs para a interpretagio da civilizaglo indica na Indonésta 20 BALI E 0 METODO HISTORICO 4 Como pode entio a etnogeafia do Bali recente ser de todo ttil para uma tal interpretagio? Em primeiro lugar, € embor a vicla balinesa tenha de facto mudado de forma significativa enere os séculos XIV © XIX, a mudanga for em grande parte endégens. Especificamente, nao ocorreram em Bali dors acontecimentos revo~ Iuciondtos que eransformaram radicalmente a ordem social ¢ cul- tural nouttos lugares: a islamizagio e 2 incensa dominacio holan- desa, Pelo que, embora a histéria da itha no seja menos dinfmica do que a de oucras regides indicraadas do arquipélago, ela & mars ortogenérica e musto mais compassada. Bali nfo tera sido, na segunda metade do século XIX, uma mera réplica do Bali dos meados do século XIV, mas pelo menos verificava-se uma continuidacle cotal. um desenvolvimento razoavelmente regular. Resulca caqui que muito do que for apagado ou alterado de forma irreconhecivel em Javit € nas regides costeiras de Samatra, permaneceu em Bali. Embora no fosse um féssil culcural, esta ilha pequena € apertacia er, no obstante, & semelhanga do Tibete ou do lémen, culeuralmente bas- tance conservadora, Em segundo lugar, ao renuncrarmos a qualquer propdsiro de escrever um relaco croniseico do perfodo clissico, libertamo-nos clo principal incentivo para gerar fébulas hist6ricas. Se niio cencamos usar 0 material ecnogrifico pars reconstrusr uma sequéncia enca- deada de ocorréncias particulares, uma wesc6rta» de rers e dos seus feitos, encio a tentagio de responder @ perguntas sem resposea fica poderosamence diminuida. Se Kercanagarn era um simples bébedo ou um santo intoxicado, se os Shailendeas eam uma dinastia java- rnesa dominando Samacra ou uma dinastia de Samatra dominando Java, ou se a divisio por Airlangga do seu reino se deu ou no — todas estas controvérsias perduram na biblioyrafia cronistica sobre © periodo indico, nao so 0 tipo de assuntos para os quits cents pertinéncia uma andlise da organtzagio politica em Bali. E verct- desramente pertinente, sim, para a compreensio da forma carac~ teristica do estado indicizado na Indonésta, a estrutura incrinseca da formagio politica clissica. Esta afirmacio € verdadeira uma vez que, fossem qua fossem as alteragGes que 0 Estado balinés sofrera até 1906, por muito especial que fosse o seu enquadramento ambrencal ou divergence 0 INTRODUGAO 21 seu contexto cultural, era ainda apenas um exemplo de um sistema cle governo que tinka sido em cempos muito mais extenso. Com base no material balinés pode-se, pois, construir um modelo dle negara enquanto vatiedacle distinta de ordem politica, modelo esse que pode entio ser usado geralmence para alargar a nossa com- preensio da hnstéria do desenvolvimento da Indongsia indica (Cam- boja, Taikindia, Birminia) ‘Um tal modelo é, em si, abscracto, Embora seja construfdo a partir de dados empiricos, ele € aplicado experimencaimente, € 1 Sedurivamente, a incerpretagio de dados empiicos. E, pois, urna teneidade conceptual, no uma entidade histérica. Por um lado, trata-se de uma representacio simplificada, necessartamence inexac- ta, € teoricamente rendenciosa, de uma institwicio socioculcural relativamente bem conhecida: 0 Estado balinés do século XIX. Por outro lado, trata-se de um gua, uma espécie de projecto sociolégico para a conscrugio de representagies — no necessariamente ou sequer provavelmente idéncicas a ele em estrucura —, de todo um conjunco de snsticuigdes de alguma manera conhecicss mas presu mivelmente similares: 0s estadis clissicos do Sueste asidcico indico do sécuio V ao século XV CAPITULO I DEFINIGAO POLITICA: AS FONTES DA ORDEM 0 muta do centro exemplar Em 1891, aquele que viria a ser 0 dltimo de cerca de uma dizia de reis de Mengwi — um palatinado do interior de Bali a uns quinze quilémetros a norce da actual capital de Den Pasar (ver mapa L) —, vi a sua capical cercada pelos seus doss tradicionais snumigos, Tabanan e Badung, finalmence aliados contra ele. Com 0 seu exercito desbaratado, os nobres em fuga ¢ com as tropas de Badung lideradas por uma companhia, pequena mas cerrivelmente competence, de atiradores mercensirios Bugis esperando 3s portas da cidade, ele era um rei de xaclrex em fim de jogo, derxado sem pedes © sem pecas. Ja vellio, doente, ¢ incapaz de andar, ordenou aos scus servos que 0 transportassem na liteira real desde o palicio ‘em direcgio aos invasores. Os aticadores Bugis, que tinham estado espera de uma aparigio deste cipo, dispararam sobre os carrega~ dores, cendo 0 rei caido desamparaco no chao. Os soldados Badung (na sua majoria da casta inferior Sudra) avangaram para 0 aprisio- nat, mas ele recusou a capeura, e eles foram obrigados, por uma {questiio de respeito, a mati-lo. Os sete reinos principais do ineeriot do Bali Meridional — Tabanan, Badung, Gianyar, Klungkung, Karengasem, Bangli ¢ Mengwi — foram assim reduzidos seis. No entanto, a gloria dos vencedores for saborenda por pouco cempo. Em 1906 o exército holandés apareceu, por iniciatrva propria, em Sanur, na costa sul, ¢ abriu & forga 0 caminho até Badung, onde © rei, as suas mulheres, os seus fillhos € 0 seu enforrage marchacam 1a direcsio do foyo das armas, no que fot um espiencovosa surcfdio em massa, No espago de uma semana, 0 rei ¢ o principe herdetco fle Tabanan cinham sido capcurads. tendo porém consesuiclo macar- -se — um com veneno, © outro com uma fea —, ta sua primer noite sob prisio holandesa, Do's anos mais catde, em 1908, este MAPA 1. Bali CAPITULO I 25 estranho ritual repetiu-se no Estado mais ilustre de todos, 0 de Klungkung, a «capital» nominal do Bali cradicional; o rei € a corte também ai desfilaram em parada, meio extasiados, meio acurdides pelo 6pio, desde 0 paldcio ¢ em direcgio aos dlisparos hesitantes dos desorientados holandeses. Foi, literalmente, a morte da velha or- dem. Expirou como cinha vivido: absorta num especticulo. 2 ‘A natureza expressiva do Estado balinés foi not6ria a0 longo de toda a sua histéria conhecidla: € isto porque nido se inclinow para a tirania, por incapacidade de levar a cabo uma concentragio sis- cemacica do poder, nem eo pouco para a governacio, a qual exer- ceu de forma hesitance e indiferente, mas antes para 0 especticulo, para a ceriménia, para a dramatizagio piblica das obsessdes domi- nantes da cultura belinesa: a desigualdade social e 0 orgulho do status, Tracava-se de um Estado-teatro no qual os reis ¢ 0s principes leram os empresiios, os sacerdotes encenadores, ¢ 0s camponeses crores, equipa cénicae pablico. As espectaculares cremagées,limagens de dentes, consagragées dos cemplos, peregrinacdes ¢ sactificios de sangue, mobilizando centenas ¢ mesmo milhates de pessoas ¢ grandes aquantidades de riqueza, nio eram metos pata fins politicos: eram 0s proprios fins, aquilo para que 0 Estado servia. © cerimonialismo da corte era a forga motriz da politica da corte; e 0 ritual de massis fo era um dispositivo de apoio do Fstado; pelo contrdsio, era 0 Estado, mesmo no seu Glkimo suspiro, que era um dispositive para a realizagio do ritual de massas. O poder servia a pompa € nilo 0 coneranio. Por detrds desta, para nés estranha, relagdo invercida encre subs- rAncia e apararos do poder, encontra-se uma concepgio geral da navureza € bases da soberania a que, por uma mera questio de simplicidade, podemos chamar a doutrina do centro exemplar. Esca teoria afiema que a corce-e-capital é, simultaneamente, tum micro- cosmos ria ardem sobrenacural — «uma imagem... do universo numa escala menor — e a encaragio material da ordem politica, Nilo é somente 0 niicleo, 0 motor ou 0 piwar do Estado; ¢ 0 Estado, ‘A equivaléncia entre sede do poder ¢ dominio do poder, expressa pelo conceito do negara, é mais do que uma mevéfora acidencal; é 26 DEFINIGAO POLFTICA «1 afirmagio de uma idem policica controladora — a de que, pelo simples acto de fornecer um modelo, um procéeipo, uma imagem impecivel da exiseéncia civilizada, @ corte molds © mundo 2 sta volta numa aproximacio, mesmo que rudimencar, da sta propria perfeigio. A vida ritual da corte, como aliis a vicki da corse em sgeral, é pots paradiymacica da ordem social, € nfo apenas um reflexo desta. 0 reflexo sim, segunda os sacerdotes, dit urcem sobre natural, «0 mundo incemporal dos deuses andianos», a parcir do qual os homens devem procurar padronrzar as suas vidas, propor~ cionalmente 20 seu scatus, A carefa crucial de legitimagio — politica com a real distribuigio do poder no Bali do scculo XIX — foi levada a cabo pelo mito; curiosamente, por um mito de colons zagdo, Em 1343 os exércitos do grande reino javanés oriental de Majapahue tertam derrorado, perto de Pejeny, os do «Rei de Bali», tum monstro sobrenacucal com cabeca de porco. Neste aconteciren= to exeraordindrio véem os Balineses « onigem de toda a sua evvili« zagio ¢ mesmo de si préprios, uma vex que, salvo uma mio-chera de excepgdes, véem-se como descendentes dos invasores javaneses ¢ fo dos ur-balineses invadidos. A semelhanca do mito dos Pats Fundadores [Founding Fathers) nos Estaclos Unicios out do mito da Revolugio na Riissia, 0 mito da Conquista Mayapahie cornou-se a histéria das origens, através da qual relacdes efectivas de comande ¢ obedincia foram justificadas ¢ explicadas. «"No principio for Mayapahic”: para tris dele estencle-se 0 caos dé demonios € wilds sobre 0 qual o balinés pouco ou nad sale.» Quanto ao que se seguy, 0 balines sabe-o, tockivit, com exCes- siva preciso, € quase sempre de forma demasiado sistemacizach ‘A seguir & conquista, Gajah Mada, 0 famoso primerro-ministro de Mayapahie solicitou a assiseéncia espircual de um sacerdote Brah= mana javanés para @ pacificacio cle Bali, a sua ill vizinha cxdtic porque sem dingentes. Este sacerdote teve quaera netos semidivi- nos (© seu filho casara com um anjo). O primeiro for nomeado por Gajah Mada para ret de Blambanygan, uum peaueno Estado da ponca mais orientai de Java o segundo fin colocauo uy doniniy de Pasur ruan, um reino porcuirio na costa noreeste de Java; 0 terceiro (uma mulher) for daca em casamento ao ret de Sumbawa, © terceito, Hela Dalam Ketur Kresna Kepakisin, for enviado para governar Bali Em 1352 este rer inventado, acompanhaclo por um séquico de alos ‘oneiliaglo desea mevaffsica CS cariruto | ” nobres javaneses, instalou a sua corte € pakicio — 0 seu mara — em Samprangan, a apenas alguns quilémecros do local onde o senivor balinés da cabega de porco enconera 0 seu descino fatal. Com a ajuda da sua forca carismética inaca € de varios objectos sagtactos trazidos como heranga desce Majapahic, Kepakisan cedo impos a ordem sobre a anarquin, Em 1380 — prossegue a narrativa —, 4 dliscérclia eclodiu no se1o do grupo quando for comprovaca 2 in= sanidade do herdesro cle Kepakisan (casara a sua itma com um cavalo) pelo que for deposto a favor de um irmio mais novo, o qual cera eo-somente dissoluto. Por razdes espinittis @ corte for crans- erda para Gélgél, imediatamence a sul de Klungkung, inauguran- do assim 0 que 05 Balineses consideram ter sicio 0 seu petiodo cle maior grandeza. Perto do comeco do século XVII, uma rebelio mais grave teri dissolvido completamente a unidade da classe dingence, escilhagando 0 remo em fragmentos. A corte principal desiocou-se para Klungkung, a uma mera milha de distdincta, © as ‘ouceas corces dos tempos recences — Badung, Karengasern, Taba- an, etc. — espalharam-se pelo campo, anstalando-se ce forma subs- tancialmence independence daquela, embora continuando a reco- ahecer formalmente a suit superioridade espiricual Quaisquer que sejam os elementos de historicidade desta lenda i parce algumas datas arredondadas, acontecimentos esquemicicos € personagens de repertério, so muito poucos), cla exprime nas imagens coneretas de uma bistéria «cal ¢ gual, a visio balinesa do proprio desenvolvimento politico. Aos olhos dos Balineses, a funca- gio de uma corte javanesa, primeiro em Samprangan © depos € Gilgél (onde, diz-se, 0 palicio estava concebido de modo a espelhar com detalhada exactidio 0 palicio do mais exemplar os cencros exemplares — Majapahit), criou nfo apenas um centro de poder — fo que jf antes existira —, mas também um pada de civiliza A conquisca Mayapabic for (e @ consiclerada como a grande lina diviséria da histéria balinesa por ter afastado o Bali antigo, da bnarbsirie animal, do Bali renascenee, 0 cla elegiincia estética ¢ do splendor lietixgico. A transferéncia ca capital for a cransferéncia de ina Uviliaagio, val Lomw, mais tate, a dispersio da eapseal viria a set a dispersio da civilizagio, Apesar do facto de ambos serem, de certo modo, mitos coloniais, uma vez que comegam com o estabe lecimento de gente oriunda de cerras estrangeiras m concepgio balinesa do seu desenvolvimento politico ni s culea presenta, 28 DEFINIGAO POLITICA 10 contritio da americana, uma smagem do foryar de uma unidade parcir de uma diversidade original, mas sim a dissolugio de uma unidade original numa crescente diversidade: aio um pracesso snexortivel no sentido da boa sociedade, mas um gradual esbacimen- co de um modelo clissico de perferci. Este esbatimenco é concebido como cenda acontecide tanto no espago como no tempo. Durante o period Gelgel (cerea de 1400- 1700), os virios soberanos das rexides ce Bali (Badung, Tabanan, Blahbacuh, Karengasem, Bangli, Kapal, etc.), presumivess cescen~ dentes de um ou outro membro do circle de nobres que acompa- nharam © rei emigrante, cero vivide em palicios secuneciei0s, rodeando de forma ordenada o do ret suserano ¢ descendente direc- co do préprio Kepakisan. Bali era, pois (em ceoria € nao de facto), xovernado a parcir de uma $6 capital, euja organtzagio incerna era luma expresso da estrucura geral do Feino, nio sé em ccrmos espa~ s1a1s como também cerimoniais, westracifieatérios» ¢ adminsseea vos. Quando se dew a revolea lielerada pelo senhor de Karengasem, ‘rer fugiu para a actual Bangli, no interior; 0s viros senhores (que permaneceram leais, & excepcio «lo senhor de Karengasem) recua- Fam para as suas regides. Apés o esmagumenco ckt revolta, 0 ret (ou melhor, 0 seu sucessor) regressou, no pura Gelgel, desacredicada do ponto de vista espiricual mas sim para Klungkung, de modo a recomecar do zero. Os senhores outrora adljncentes fi via, nas suas regides. Com 0 passar clo cempo, © mesmo processo — segmencagio e separagio espacial. de parceria com uma conti- nuada deferéneia formal para com a linha pac ocorrido, nfo necessariamente de forma violenta, em cada uma estas regides ¢ sub-rexides, produzindo a guantidale de corees — grandes, pequenas, mintisculas © infinicesimais —, que pon- tuam a paisagem da histéria conhecida © resultado Final, isto é, a situagier lo século XIX, for uma pirimide acrobicica de «reinos> com graus varrados de autonomia substancial e poder efecriva. © senhor suiserano sobreptinhitse aos principais senhores de Bali, os quais por sus vez dominavam os senhores cuyo status derivava do seu, do mesmo moxlo que 0 seu am, toda- capiruLo 1 2» derivava do do suserano, ¢ assim sucessivamente a0 longo da linha descendence. Toda a esteutura, porém, assentava primariamente na ceriménia € no prestigio, tornando-se, como veremos, tanto mais frigil e cénue em real dominio politico ¢ subordinagio, quanto mais alto se subia na pirimide; dai que a outra comparagio que pode surgir sey a de um intrincado castelo de carcas, consecuido rank sobre rank até atingic um cume periclitante, O centro exemplar dos centros exemplares ainda era Klungkung, herdewo directo de Samprangan ¢ Gélgél ¢, através deles, de Majahapit. Mas a sua imagem orientada de ordem enconcrava-se tefractada numa série de centros menores, modelados & sua imagem e semelhanga tal como ele fo havia sido a partir de Majapahit, caja imagem diminufa de inten- sidade ao difundir-se através deste meio cada vez mais grosseit. Esca imagem nfo enfraquecen apenas ao espalhar-se «horizon- talmente» na paisagem; também se prolongou «verticalmente» através das geracdes, como resultado de um processo intrinseco de corrosio culcural ‘a que poderiamos chamar padrio do status decrescence {Sinking Status Pattern) © padeio do stacus decrescente assenta na nogio de que a humanidade descende dos deuses, nfo s6 genealogicamente mas também no sentido de eer um valor sntrinseco inferior. Terd decli- aco com ritmos diferentes, em linhas diferentes, através cle varios acontecimentos mundanos, terrenos e sociais, até 3 mera humani- dade, produzindo assim o actual, ¢ extraordinariamence complexo, sistema de ranking do prestigio. Devido ao seu aparato indico, este sistema é normalmente apelidado sistema de castas, mas em Bali € mais rigoroso referir-se-the como sistema de titulos ou de grupos de citulo, O sistema fornece, pelo menos em ceoria, vim stacus adscrito, inequivoco € imutivel (no respeitante a0 individuo) posicionando numa hierarquia honorifica cada pessoa em Bali (ou, mais precisa- mente, cada familia). O estatuto de cada pessoa, indicado pelo seu titulo, € um reflexo da histéria mitica da sua linha paterna no seu percurso descendente desde a origem ancestral divina até ao estidio ‘menos augusto do presente. A dliferenga qualitativa em prestigio tentre vaciae linhas (isto é diferences eieulos) resuiea cas suas dif rentes taxas de declfnio; nem todos desceram até ao mesmo nivel ‘Ao contriio da casta de uma pessoa na India, o nine presente iio 6 uma consequéncia das acgdes praticadas em encarnagoes anterio- res, mas sim dos meros acidentes de uma hist6ria caprichosa, 30 DEFINIGAO POLITICA No que diz resperto 2 linha régia balinesa, a expressio deste padrio é co manifesta quanto conscientemente reconhecida A linha comega, como todas as linhas umanas, com um deus, cuyo titulo é poreanto, Batam. A descendéncia seyue através de viras figuras semiclivinas que cém o titulo Mpu, até a0 par do primeiro ret javanés de Bali, um sacerdore Brahmina com o eftalo Dangiang. O ret, Kresna Kepakisan. porém, nv permanecett Brahmana apés a sua passagem para Bali, cendo descido um «fur» para o status de Satri, passanclo 0 seu ticulo Dangiang a ser Dalem € aio Dangiang, titulo esse que codos os reis Gelgel que se The seguiram cambém detiveram, Mas enquanto os seis primetras dlestes Feis ascendleram directamente apds a morte ao mundo dos deuses, sem deixarem cadiver — um processo conhecido por waksa, «de sencamnagion, libercagion —, pi 0 sétimo, durante cujo reimado rebencou a guerta civil que condenou Gélgél i queda, morrew de morte comum, mundana, Mais, ele for o iileimo ret a ser chamado Dalem. O seu sucessor, © fondador de Klungkung, chamava-se Déwa Agung, um titulo mais barxo ainda, pelo gut de Klungkung foram subsequencemente conhecides, Algo de semelhance se passou com os reis «secundirios» ou jonais. Como nfo eram descendlentes do (originalmente) Brah- mana Kepakisan mas sim de Sarrias jwvaneses cio seu entaiage (os quais cambém haviam descido um «fro» com a mudanga), come- Garam a um nivel mais barso logo a partida ¢ também clesceram subsequeneemente, em graus variados © por rizées varuidas, i= clusndo o seu werrom inicial de cerem dersaclo Gélyel para erguerem 0s seus préprios meuaras. Os ramos cercuries que, por sua vez, deixar fs pakicios dos reis regionais para fundlarem oueros nas umediagdes, tveram titulos ainda mats baixos. E assim cé aos nivets inferiores da pequena nobreza. Assim, ¢ se dersarmos por um momento de laclo os detalhes etnouniticos nem sempre consistentes ou bem compreendidos, 0 quacro geral é de um declimo ylobal em sracus € poder espiricual, nfo so chs Jinhas periféricas, 0 seu movimento de afastamenco do niicleo da classe diriente, como também do proprio nGcleo & medida qu as Linhas perilésieas dele s¢ afastam. No decurso do seu desenvolvimento, a farca exemplar todos os res ado balinés enfraqueceu_no sew amago medida que se desbastava nas suas maryens. Pelo menos assim 0 pensam os Balineses, CAPITULO I 31 4 No entanto, 1sto no for sentido como uma inevitavel deterto- ragio, um declinio predestinado de uma Idade de Ouro. E certo gue alguns intelectuais sofisticados invocaram, dle um modo desco- nexo, 0 sistema indico Mahayuga ou dos «Cons», vendo o presente como um Kaliyuga, a diltima e & pior das quacro grandes eras antes do comego de um novo ciclo; mas esta concepgio no parece ter alguma vez sido importance, cle um mado geral. Para a maioria dos Balineses o declinto for simplesmence 0 modo como a hist6ria acon- recen, € no © modo como cinha de aconteces. Consequentemente, 05 esforcos clos homens, e em particular os dos seus lideres politicos e espirituass, niio deveriam ser dirigidos nem no senciclo de inverter a huistéria (0 que é impossivel, sendo os acontecimentos incorrigivels), em no de a celebrar (0 que nfo faria sencido, uma vez que ela nfo € mais do que uma série de recuos em relagio a um ideal), mas no sentido de a anular — reexpressando directamente, de forma imediata, ¢ com s maior forga e vivacidade possiveis, o paradigma culeural que servira de onenta vidas dos homens de Gélgel a Mayapa- hit. Como Gregory Bateson fez notar, a visio balinesa do passado no & de modo nenhum verdadeiramente hiscérica, no sentido proprio do cermo, Com coda a sua mitificagio explicativa, os Balineses ‘buscam no passieo nfo canto as causas do presente, como o padrio pelo qual 0 possam julgar; isto é buscam o padrio imutivel a partir do qual o presente deve ser devidamente modelado mas que, por acidente, iggnorincin, indisciptina ou negligéncia, raras vezes € seguido, Era esta correcgio quase estética do presente, de modo a con- formi-lo com uma visio do que fora o passado, a que os senhores tentavam levar a cabo com as suas grancles composigbes cerimo- nniais. Descle 0 mais pequeno até ao mars elevado, eles luravam con tinuamence por estabelecer, cada qual ao seu nivel, um cenero ainda mais exemplar, um megara aucéntico; negara esse que. no podendo iqualar ou sequer assemelhar-se a Gégil em brilho (e poucos de entre os mais ambiciosos tinham esperanga de 0 conseguir), podia pelo menos procurar imité-lo € assim receiar, até certo ponto, a Imagem radiante de ervilizagio que o Estado clissico tinha incor- porado © a degenerescéncia pés-clissica obscurecido,

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