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Medianeira v4.

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Fábio Aristimunho Vargas

medianeira

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Copyright © 2005 by Fábio Aristimunho Vargas
permitida a cópia reprográfica para fins não comerciais desta edição

Editoração:
Selo Quinze & Trinta

Capa e diagramação:
Marcelo S. Madeira

Foto da capa:
Menk

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

__________________________________________________

Vargas, Fábio Aristimunho, 1977-


Medianeira / Fábio Aristimunho Vargas. – São Paulo: Selo Quinze & Trinta, 2005

1. Poesia brasileira I. Título


ISBN
__________________________________________________

fabioaristimunho@yahoo.com

2005
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

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para Ju

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SUMÁRIO

1.

o cacto 13
paráfrase de vasko popa 14
elegia ao helicóptero 15
os andaimes 16
antes: uma perspectiva 18
tríptico 19
síndrome de estocolmo 22
condição humana 23
exercício fragmentado das minhas contradições 24
a terra, reciclada 27

2.

boca & plágio 31


: verde 32
bailão do figueira 33
ode à tábua 34
o que poderia ter sido: 35
da arte de amar 36
– faz um pedido 37
notícia de nabokov 38
palindrômica: 1969 39
pronominais 40
en passant 41
nem 42

3.
(pequenas inconfidências)

(i) queria ser revoltado 45


(ii) por três meses se escondeu 47
(iii) inácio já tem casa própria 49
(iv) minha pulga, a que me tranqüiliza 51
(v) defecar com testemunha 53
(vii) compêndio do mau humor 55
(vii) uma vez, do alto da serra 57

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epílogo

lombriga (abrigada 61
voyeur 62
nosso amor sem intestino 63
eclipse 64
meridionais 65
autoclismo 66

agra(N)decimentos 69

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afinal
somos todos
frutos
da
mesma
POE TREE

p leminski

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1.

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O CACTO

São mesquinhos os cactos.


Aptos ante o inóspito,
optam o fluxo (não ínfimo)
reter no oco. Aptos, mas
míseros são os cactos
– com espinho abstêm-se os céticos.

Cético: ser como o cacto:


signo ereto de acúleos.
Ressentir do silêncio
das folhas, conformar-se
à demência dos galhos.
Ser convicto sem fruto.

13

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PARÁFRASE DE VASKO POPA

Amornava,
marcada de batom
vermelho, a bituca
do cigarro de há pouco.

O fósforo, largado,
recém descabeçado,
amargava um beijo
único.

E o cinzeiro (crematório
circunscrito à palma) nos
remetia às cinzas
do quarto apagado.

14

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ELEGIA AO HELICÓPTERO
a partir de ‘Quarteto para
helicópteros’, de K. Stockhausen

As pás que cavam o


equilíbrio são as mesmas
que introduzem
a força dispersiva: suas

revoluções – pessoais –
que se acabam no ponto
de partida. A inércia
vertical é compensada

pela vertigem que


lhe redime as asas, feito
uma queda horizontal
que dispensa horizontes.

De sua rota centrípeta


(não a itinerária,
mas de um curso mais
íntimo) imitar o insondável

eixo é um exercício
de solidão: misantropo
de si, como abdicar da
própria companhia?

15

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OS ANDAIMES

Fulano morreu, escuto


de alguém no telefone.
Não sei quem é fulano.
Que almoçamos umas vezes,
nós e ele, me informam.
Morreu de acidente,
o enterro foi sábado.

Hoje, na Barão de Itapetininga,


tiraram as placas do antigo Mappin.
Na Praça do Patriarca,
procurei – sem sucesso –
o artista de rua de sempre.
São as primeiras das
infinitas mudanças
que virão depois dele.

Por enquanto são as mesmas,


as calçadas. Também as lojas,
prédios, pedintes.
Mas não os passantes.
Esses, como eu, se acham
tão alheios
ao que se perde no meio da rua.
E hoje são um a menos.

16

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Deixou dois pais, que até
já buscaram as coisas,
uma faculdade pelo meio
e um e-mail que eu,
descubro, não respondi.

17

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Antes: uma perspectiva
calcada em palavras surdas,
ainda que óbvias.
Em seguida, o alívio mútuo
pela ingenuidade ilesa.

Abortamos, no fim, mais


de nós mesmos que o diálogo,
preferindo
o erro espontâneo do verbo
a uma vírgula interposta.

18

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TRÍPTICO
para luciana rosa

1. O pão
ao chão.
Faca untada
na mão,
sem o pão,
inútil.
Mão, faca:
comunhão
inconsútil,
estática.
Pão:
o chão
deglute-o,
que nada
é em vão.

19

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2. Antenas:
precipícios.
Faróis
alexandrinos
das ondas
radiofônicas.
Afronta
ao céu,
não à babel
de vícios.
Serão tragadas
pelas micro-
ondas
faraônicas
do silício.

20

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3. Gira a hélice
no auge seu
(eu?)
o helicóptero
que, sem ela,
não confronta
o chão nem
chega ao céu.
Ateu da
academia,
a fazer que
deus morreu,
também tenho
minha hélice:
eu – eu – eu

21

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SÍNDROME DE ESTOCOLMO

certa vez na suécia


duas mulheres casaram
com seus seqüestradores
depois de cativas
6 dias num assalto a banco.

também um poema
vai de refém a cúmplice:
acabar pingente
daquilo de que se queria crítico.

22

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CONDIÇÃO HUMANA

Fo-
me
de
co-

mer
a
ter-
ra.

(Há
quem
ten-

ha
se-
de.)

23

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EXERCÍCIO FRAGMENTADO DAS MINHAS CONTRADIÇÕES

(a)

sou humilde no que sou bom


mas arrogante com o que não sei
: línguas, contabilidade, teoria musical

• entre a humildade e a arrogância, o orgulho


• entre o frio e o quente, o morno

“ a ética aristotélica e a moral cristã se


contrapõem na forma como tratam a
humildade e o orgulho, considerando-
os, cada qual inversamente, um vício e
uma virtude ”

esse meu orgulho pecilotermo


de quem não se exerce à vista

24

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(b)

sempre fui da maioria (


homem classe média branco hétero
sem ideologias nem outros vícios
senão tabagistas, que não contam
) e ainda assim das minorias
me atribuo uma que não sei qual
: serão os trejeitos? cacoetes
deste senso-comum
que é sentir-se à parte?

25

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(c)

se retomo os rascunhos
quando feito um tempo que guardados,
quase sempre eles têm algo
que me busca: não leio

– sou lido
pelo meu outro daquele tempo,
visto de dentro para fora
por mim mesmo de antes,

mas ainda que entrevisto


na treliça das palavras, de mim
a mim não digo nada,
feito elas, que um dia já disseram.

26

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A TERRA, RECICLADA

E se por fim o barro seca


feito que foi de pedra e água
retoma a terra o seu aspecto
marrom despótico

E se do nada o mato ascende


feito alvejado a sal e lama
se esconde a terra em baixo séquito
ao verde imposto

E se do mato expõe-se o fogo


feito união de sol e vento
revela a terra um outro espectro
vermelho vivo

E se do fogo o lodo vinga


(gênese feita: apenas chuva)
ressurge à terra a terra crítica
em cinza – ou asfalto.

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2.

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BOCA & PLÁGIO

Barangueiro
(até) de idéias:
não fale perto
senão eu cato.

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: VERDE

Motoboys em revoada
que a vida não espera.

32

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BAILÃO DO FIGUEIRA

são dois pra lá

dois pra cá

dois

pra outro lugar

33

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ODE À TÁBUA

As horas
não passam.
Eu: sim.

34

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O que poderia ter sido:
– Eu não pedi pra nascer.
– Isso é com a sua mãe,
por mim ela tirava.
Mas o atraso era falso.

35

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DA ARTE DE AMAR

a noite – virá-la

o álcool – virá-lo

a vida – virar-se

você – revirar-te

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– faz um pedido
– qualquer pedido?
– qualquer
mas sopra logo
– dinheiro mulher e balada:
................................................................
– genial, aladin
só que isso é vela
não lâmpada

37

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NOTÍCIA DE NABOKOV

Caçador mata vovó e come a chapeuzinho.


A menina deu
a cestinha
para o lobo-mau.

38

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PALINDRÔMICA: 1969

Emílio no espelho:

– Ato idiota.

Emílio no espelho.

39

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PRONOMINAIS
(ou dos possessivos)

quando chegava lusitano


de tudo se dizendo dono
dona benvinda resumia:
minha nossa!

nem parece que o seu donato


(desde a pilulazul) só pode
sair à rua acompanhado.

40

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EN PASSANT

Baudelaire
Ela passa

Balzac
Ela passou

Botero
Ela não passa

41

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NEM

gastrite
rinite
sinusite

: seu apetite.

42

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3.

(pequenas inconfidências)

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(i)

Queria ser revoltado.


Usar jeans rasgado, militar na esquerda.
Mas sou filho da classe C,
esperança de casa,
tinha que fazer direito.
Acabei é fazendo poemas.
Hoje são palavras: se voltam contra mim.

45

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(ii)

Por três meses se escondeu. Se enchia de papel


e lavava os coágulos à noite.
Foi do médico tardio que a mãe soube. Até aí, nem palavra.
Sentada ao espelho, recém crescida, o que Joana viu
ninguém nunca veria.
O pente zuniu até o vidro: sua inconfidência pessoal.
Nunca lhe disseram que mulher se exerce borboleta.

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(iii)

Inácio já tem casa própria.


Tivesse uma vida própria.

49

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(iv)

negativo de paulo m.

Minha pulga, a que me tranqüiliza,


perdi-a numa rua dessas.
Desde então, no intuito consciente da coça
e não esquecido das cadelas que me rondam,
eu, o faminto, o estropiado,
o vira-lata que um dia volta,
procuro a mão pesada mas segura que me afaste os pêlos dessa
[ardência
involuntária
por me atirar inteiro às carniças de sempre.

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(v)

Defecar com testemunha: esse era o impasse.


Encontrasse indícios na latrina destampada
a conseqüência não seria maior que uma descarga.
Não teve jeito. Acabaram
logo que se instituiu fechar a porta.

53

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(vi)

Compêndio do mau humor:


a vida aconteceu e eu na mesma.
Talvez uns quilos a mais, outras manias agregadas,
mais perto dos 30 que dos 20
e as imprudências começam a cobrança.
Me exerce desde cedo essa visão de mundo
– de um velho que vive
como se relembrasse.

55

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(vii)

a propósito dos Diários de Motocicleta

Uma vez, do alto da serra,


baixou um quixote pop,
que constelou uma geração de feitos, de causas.
Mas (caído de si) não esperou pelo último sono
na terra dos sonhos – que pena.
Ficou só o da garupa
a desatrelar rocinantes.
Pra ele, sim, bem feito: a vida numa ilha.

57

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epílogo

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lombriga (abrigada
no sobrante do ventre)

músculo retrátil contra golfadas

lombriga lombriga lombriga

lembrar que uma LOMBRIGA


é cobra atocaiada no estrume
havendo da terra
do ar
da água
: da própria cauda
a contaminar de bocas o itinerário do teu húmus

l o m b r i g a

nossa gula
recíproca minha
sede por bocas

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VOYEUR
para ana e tânia

A pele junto à pele. O corpo junto


ao corpo. Duas bocas hesitantes
simulando a certeza dos amantes:
matéria que se faz um só assunto
para os olhos. Um todo a outro adjunto
(quase dois num só), páginas dançantes,
se fazem ver por quem em volta – antes
que mãos leigas desfaçam o conjunto.
Ver, porém não tocar: olhar, apenas.
Imaginar seus pêlos loiros frente
a frente, arrepiados, às centenas.
E ver-se prisioneiro repentino
daquela espera inútil mas crescente
por um beijo todo ele feminino.

62

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nosso amor sem intestino
ele é feito de estômagos vazios
e desfeito
se resolve na cadeia que o alimenta
:
fotos rasgadas e coladas
manchetes sobre ilícitos ainda não consumados
buscas nos classificados
suas pernas abertas como um jornal.

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ECLIPSE

Márcia
sob o sol.
Servida. Temperada. Um susto
de ondas na ereção dos pêlos.

Márcia. Sob o sol,


um eclipse.

Mas que fazer dessa Márcia?


mordê-la
surrá-la
tombá-la na areia?

Amaria
não fosse a Márcia.

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MERIDIONAIS

A cartografia do seu corpo, em que debruço e em que me perco, tem os traços de


uma obra cubista:
os seus pés – chucros – são gaúchos, de uma nudez que antecipa a sua própria,
o joelho afobado é catarina,
do Paraná vêm as suas coxas: generosas, roceiras, coloniais,
incansável o seu sexo paulista, que freqüento com um quê de profissão,
a bunda, essa é carioca,
e, opostas ao planalto central de sua barriga, as costas pantaneiras, em que me
inundo, turista.

Mas – como bom sulista – pouco sei do seu norte, além dos seios inquietos, quase
nada mineiros.

65

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AUTOCLISMO
para f.a.vargas

mesmo estômago
a decompor
outra vírgula:

estar magro
e ter a gula
de um gor-

do: supor-
-se, antes do alto
mar, já um náufrago.

um fedor
tal que o poeta
não defeca

(reciclando-se,
é transfor-
mado em

66

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varredor
quando seus
dedos doem).

ser gari da
mão ferida
de compor.

gari não
sente dor
– sente a mão.

mão que, igual


ao cocô,
retorna ao
mesmo estômago

67

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agra(N)decimentos

à turma da AL – dita Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo –,


que aqui espelho em ANA RÜSCHE e PAULO FERRAZ, pelas discussões e pela amizade;
a ALFREDO FRESSIA, LUIGI AUGUSTO DE OLIVEIRA e DONIZETE GALVÃO, pelos olhos e
pela orelha; e a meus pais, GREGÓRIO e VENINA, por tudo.

Medianeira v4.p65 69 01/09/2005, 21:10


a quem possa interessar, esta obra foi composta em
garamond book condensed 12 e impressa pela [Gráfi-
ca] sobre papel off-set para o selo quinze & trinta em
meados do mês de setembro de 2005, com tiragem total
de 500 exemplares.

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