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As lições de responsabilidade social

Empresas descobrem as vantagens de investir


em projetos voltados para a comunidade

O consultor Peter Drucker, guru dos gurus da área de administração, gosta de


contar em suas palestras que as entidades filantrópicas, por menores que sejam,
podem ensinar muito às empresas, mesmo às megacorporações multinacionais.
Segundo Drucker, creches, asilos e orfanatos são instituições versadas na arte de
atingir metas impressionantes com recursos exíguos. Em outras palavras,
reclamações comuns na vida empresarial, como "não dá", "falta gente" ou "falta
dinheiro", são pronunciadas com menos freqüência no universo da filantropia. Essas
entidades também conhecem como ninguém os segredos de motivar equipes e
organizar o trabalho em grupo. Afinal, ninguém espera que um orfanato busque
ultrapassar metas prometendo em troca bônus no fim do ano ou uma promoção.
"Na área mais vital de uma empresa – motivação humana e produtividade do
pessoal que trabalha com conhecimentos –, as organizações sem fins lucrativos são
verdadeiras pioneiras, elaborando as políticas e práticas que as empresas terão de
aprender amanhã", afirmou Drucker em entrevista recente à revista Exame, da
Editora Abril, que edita VEJA.

A relação estabelecida pelo austríaco


radicado nos Estados Unidos Peter
Drucker não tem por objetivo sugerir
aos empresários que copiem as práticas
utilizadas pelas entidades filantrópicas.
Nada disso. No reino do bem, ninguém
liga para o lucro nem tem adversários
para derrotar. O que o guru tenta
demonstrar é que, no processo de
amadurecimento de uma empresa, ela
não pode apenas pensar na taxa de
retorno que oferece aos acionistas.
Valores mais complexos, como o bem-
estar dos funcionários e da comunidade,
são peças-chave para estimular a
organização a buscar ou manter a
liderança. E aí as filantrópicas têm lições
a dar.

Quer um exemplo? Compare os resultados de três edições especiais da Exame: o


Guia de Boa Cidadania Corporativa, que destaca os melhores projetos empresariais
voltados para a comunidade, o ranking As 100 Melhores Empresas para Você
Trabalhar e a tradicional Melhores e Maiores. Entre as dez empresas consideradas
modelo pelo Guia de Boa Cidadania Corporativa, todas figuram entre as Melhores e
Maiores e apenas três não estão entre as melhores empregadoras. Treze
companhias conseguiram o feito de aparecer tanto nos destaques de boa cidadania
corporativa como na lista das melhores para trabalhar. Essas empresas reforçaram
valores éticos com projetos voltados para a comunidade e se destacaram em
aspectos como a transparência nas relações com clientes, fornecedores e
funcionários. Elas também trataram de zelar pelo meio ambiente e, com cuidados
como esse, ampliam sua credibilidade. Comparando a rentabilidade média das 100
melhores empregadoras com a das 500 maiores empresas privadas do país, o
primeiro grupo atingiu médias superiores nos últimos cinco anos. Esse tipo de
vantagem competitiva vem sendo percebido no mundo inteiro nos últimos anos, e
as empresas que investem em projetos de responsabilidade social já são vistas
como mais atrativas para os investidores.

Daniela Picoral

Isso nem de longe quer dizer que o consumidor se


preocupe com a função social de um fabricante de
sandálias. Ele quer o produto mais barato. Mas
significa, sim, que empresas mais motivadas tendem a
trabalhar de forma mais eficiente e eficaz. Daí por que
as grandes companhias estão cada vez mais
preocupadas em melhorar o desempenho também no
que diz respeito à motivação de suas equipes e no
estreitamento dos laços com a comunidade. Essas
iniciativas já são consideradas vantagens comparativas
em um mercado no qual a competição se torna a cada
dia mais acirrada. "A empresa que mantém uma boa
relação com os funcionários, com a comunidade e com
os fornecedores melhora sua produtividade", diz
Geraldo Carbone, presidente do Rebecca Raposo, diretora executiva do Grupo de
BankBoston: investimento social Institutos, Fundações e Empresas (Gife), instituição
amplia capacidade da empresa de
atrair talentos que orienta as empresas sobre os critérios de
investimento em projetos sociais.

No mercado de ações, os papéis das companhias que investem em projetos sociais


ou ligados ao meio ambiente já são vistos como mais atrativos. O índice Dow
Jones, da Bolsa de Nova York, trata de forma diferenciada as empresas
consideradas socialmente responsáveis, que são destacadas em uma lista
específica. Em geral, elas apresentam rendimento de 20% a 30% mais alto que as
demais, mesmo em tempos de crise, como nos últimos meses. O BankBoston, a
12ª maior companhia em atuação no Brasil em patrimônio, é antigo freqüentador
de rankings de responsabilidade social. Desde 1990, o banco investe em um
projeto de recuperação do centro de São Paulo. Em 1995, criou, junto com o
Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Projeto Travessia, para recuperar crianças
e adolescentes marginalizados que perambulam pelas ruas da capital paulista. O
presidente do BankBoston no Brasil, Geraldo Carbone, diz que os projetos na área
social ajudam a motivar os funcionários. "Para ser grande, a empresa não precisa
necessariamente atuar na área social, mas se fizer isso ela amplia sua capacidade
de atrair talentos", diz Carbone.

A rede de lanchonetes McDonald's foi o grande destaque do guia As 100 Melhores


Empresas para Você Trabalhar. A rede busca envolver funcionários, clientes e
fornecedores na campanha anual em favor das crianças com câncer. Para negociar
com o McDonald's, os fornecedores devem apresentar, além do tradicional
cadastro, o balanço de suas atividades na área social. A atuação da empresa, que
apóia 72 entidades dedicadas ao câncer infantil, vem mostrando bons resultados.
Ela pode dizer que fez sua parte. A taxa de recuperação das crianças com câncer no
Brasil saltou de 35% em 1988 para 70%, graças a muitos investimentos, entre eles
alguns do Instituto Ronald McDonald.

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