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Introdução

Há várias situações em que a ordem de um Estado Democrático de Direito pode


se encontrar ameaçada. Terrorismo, catástrofes naturais, guerras, inúmeras são as
possibilidades. Para proteger o Estado, a Constituição prevê o chamado sistema
constitucional das crises: instrumentos que possibilitam a manutenção e a restauração
da ordem social quando ela está abalada – ou pelo menos tem esse objetivo. Tais
instrumentos são o estado de defesa e o estado de sítio.

Além desses instrumentos, o Título V da Constituição no qual eles se encontram


que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas também determina o
funcionamento das Forças Armadas e da Segurança Pública, em linhas gerais, aparelhos
de cunho coercitivo que podem ser necessários para a mantença da ordem civil. Assim,
percebemos que esse Título da Constituição trata não apenas da defesa do território, da
soberania nacional e da pátria, como da própria ordem social do Estado, tentando
garantir formas do restabelecimento dela; é uma forma de equilibrar a “balança de
poderes” da sociedade, quando ela se encontra desregulada. Arycê Santos assim
conceitua esse “Direito das Crises”: “[...] um conjunto ordenado de normas
constitucionais, que, informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade,
têm por objetivo as situações de crises e por finalidade a mantença ou o
restabelecimento da normalidade constitucional” ( SANTOS, 1981).

Temos então que tais recursos, quais sejam, o estado de defesa e o de sítio, só
podem ser invocados quando se preenchem todos os requisitos constitucionais para
tanto. É importante que isso seja considerado criteriosamente, pois a decretação de um
dos dois implica na suspensão de alguns Direitos Fundamentais, o que é muito grave do
ponto de vista do Estado Democrático de Direito, e só pode ser concebido em uma
situação de grande emergência e durante o menor espaço de tempo possível; tem-se que
a decretação desses instrumentos durará apenas o suficiente para o restabelecimento da
ordem, devendo ser revogada tão logo isso ocorra. Caso a decretação seja feita de forma
descuidada ou discricionária, ou tais estados durem mais tempo que o necessário ou de
qualquer outra forma configure abuso, os responsáveis por ela deverão responder por
isso.

Cabe também atentar para uma importante lição que Alexandre de Moraes assim
resume:

A possibilidade do controle jurisdicional do Estado de Defesa


e do Estado de Sítio envolve diversos problemas, mas a
doutrina e a jurisprudência direcionam-se para a possibilidade
do controle de legalidade [grifado no original]. Assim, será
possível ao Poder Judiciário reprimir eventuais abusos e
ilegalidades cometidas durante a execução das medidas do
Estado de Defesa ou de Sítio, inclusive por meio de mandado
de segurança ou habeas corpus¸ pois a excepcionalidade da
medida mão possibilita a total supressão dos direitos e
garantias individuais, e tampouco configura um salvo-
conduto aos agentes políticos para total desrespeito à
Constituição e às leis (MORAES, 2008).

A função do sistema constitucional das crises, resumindo, é proteger a ordem


constitucional e não atacá-la; abusando disso, poderíamos voltar a períodos como o da
implantação do AI-5, na Ditadura Militar.

1 O sistema constitucional das crises

A Constituição traz nos artigos 140 e 141 as disposições gerais dos estados de
defesa e de sítio, que abordo agora para facilitar a organização: haverá uma Comissão
designada pela Mesa do Congresso Nacional após ouvir os líderes partidários para
fiscalizar e acompanhar as medidas executadas para o estado de defesa e de sítio.
Cessado quaisquer dos estados, cessam também seus efeitos, sem prejuízo de
responsabilidade pelos ilícitos cometidos pelos agentes, sendo que as medidas aplicadas
precisarão ser relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso
Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação
nominal dos atingidos, e indicação das restrições aplicadas.

1.1 Estado de defesa

O estado de defesa está previsto na Constituição Federal no artigo 136 e seus


incisos. Já em seu caput o artigo elenca taxativamente as hipóteses de decretação:
“preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou
atingidas por calamidades de grandes proporções da natureza”.

O estado de defesa será instituído pelo Presidente da República através de


decreto. Esse decreto trará o tempo que durará o estado de defesa, as suas áreas de
abrangência e determinará as medidas coercitivas que entrarão em vigor, dentre as
constantes nos incisos do parágrafo primeiro do artigo 136: restrições aos direitos de
reunião, ainda que exercida no seio de associações, sigilo de correspondência, sigilo de
comunicação telegráfica ou telefônica e também prevê ocupação e uso temporário de
bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos
danos e custos decorrentes.

O tempo de duração não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma
única vez por mais trinta.
Antes da decretação do Estado de Defesa, o Presidente da República ouvirá o
Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, mas a opinião deles não terá
caráter vinculativo para os atos do presidente.

Um exemplo de como há restrição mas não supressão dos direitos individuais é


a prisão por crime contra o Estado, que no estado de defesa pode ser feita pelo executor
da medida e não por autoridade judicial competente, como normalmente ocorre; porém,
quando feita a prisão, avisar-se-á imediatamente o juiz competente, que a relaxará caso
seja desnecessária. A comunicação deverá ser acompanhada de declaração, pela
autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação, a ordem
de prisão não pode ser superior a dez dias e a incomunicabilidade do preso é vedada.

Quando da decretação do estado de defesa ou de prorrogação dele, o Presidente


da República submeterá o ato ao Congresso Nacional dentro de vinte e quatro horas que
deverá decidir por maioria absoluta sobre ele. Rejeitado o decreto, cessa imediatamente
o estado de defesa.

1.2 Estado de sítio

O estado de sítio está previsto nos artigos 137 a 138 da Constituição. Ele é
assim definido por José Guilherme de Souza: “[...] um regime jurídico excepcional, a
que uma comunidade territorial é temporariamente sujeita, em razão de uma situação de
perigo para a ordem pública, criado por determinação da autoridade estatal, ao atribuir
poderes extraordinários às autoridades públicas e ao estabelecer as adequadas restrições
à liberdade dos cidadãos.” (SOUZA, 1990), ao que completa Alfredo Canellas da Silva:
“O emprego da medida de Sítio é ato extremado e configura a existência de situações
mais graves que aquelas que justificariam o estabelecimento do Estado de Defesa”.

As hipóteses de decretação do estado de sítio são: comoção grave e de


repercussão nacional, ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida
tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a
agressão armada estrangeira.

O procedimento para decretação do estado de sítio é semelhante ao do estado


de defesa; o Presidente da República o fará por decreto após ouvir o Conselho da
República e o de Defesa Nacional que darão seus pareceres que o chefe do executivo
não estará obrigado a seguir. Contudo, diferentemente do estado de defesa, o Presidente
deverá consultar o Congresso Nacional antes de poder decretar o estado de sítio e tal
deverá ser aprovado mediante maioria absoluta.

O decreto do estado de sítio indicará sua duração (que não poderá ser superior a
trinta dias prorrogáveis por outros trinta quantas vezes for necessário no caso de
comoção e enquanto perdurar a guerra ou agressão armada estrangeira nesses dois
casos), as normas necessárias à sua execução e as garantias constitucionais que ficarão
suspensas. Depois de publicado, o Presidente indicará o executor das medidas
específicas e áreas abrangidas. O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento
até o término das medidas coercitivas, atuando como uma garantia do Estado de Direito
ao fiscalizar tais medidas.

As medidas de que tratamos são as elencadas no artigo 139 da Constituição, ou


seja: obrigação de permanência em localidade determinada, detenção em edifício não
destinado a acusados ou condenados por crimes comuns, restrições relativas à
inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de
informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei (não se
inclui a difusão de pronunciamento de parlamentares efetuados em suas Casas
Legislativas, desde que liberados pela respectiva Mesa), suspensão da liberdade de
reunião, busca e apreensão em domicílio, intervenção nas empresas de serviços públicos
e requisição de bens.

2 Forças armadas

As forças armadas são constituídas pela Marinha, o Exército e a Aeronáutica,


sob comando e autoridade supremos do Presidente da República, podendo este nomear
comandantes, promover oficiais-generais e nomeá-los para cargos que lhes são
privativos, além de aplicar sanções disciplinares de natureza administrativa. As forças
armadas são instituições permanentes e regulares, destinadas à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem.

Os membros das forças armadas são denominados de militares. O serviço militar


é obrigatório, sendo isentos dessa obrigatoriedade, em tempos de paz, mulheres e
eclesiásticos. Há também previsão de que àqueles que alegarem imperativo de
consciência por motivos religiosos, filosóficos ou políticos, as forças armadas devem
atribuir serviço alternativo em tempos de paz.

Aos militares, aplicam-se várias disposições constitucionais, dentre as quais a


proibição de sindicalização e greve além do que mais vier na forma da lei.

3 Segurança pública

Maria Sylvia Zanella di Pietro, citada por Pedro Lenza, diz que “o poder da
polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos
individuais em benefício do interesse público”. A Constituição nos traz que a segurança
pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através
dos seguintes órgãos:
I – Polícia federal (responsável por apurar infrações penais contra a ordem
política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de
suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações
cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão
uniforme, segundo se dispuser em lei; prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da
ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência; exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteira; exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União);

II – Polícia rodoviária federal (responsável pelo patrulhamento ostensivo das


rodovias federais);

III – Polícia ferroviária federal (responsável pelo patrulhamento ostensivo das


ferrovias federais);

IV – Polícias civis (responsáveis por exercer as funções de polícia judiciária e a


apuração de infrações penais, exceto as militares);

V – polícias militares e corpos de bombeiros (as primeiras são responsáveis pela


polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros
militares, além das atribuições previstas em lei, incumbe-se a execução de
atividades de defesa civil).

Os municípios poderão também formar uma guarda municipal destinada à


proteção de seus bens, serviços e instalações conforme dispuser a lei.

Conclusão

A defesa do Estado e das instituições democráticas é uma matéria que desperta


polêmica por abordar diversas formas de coerção a direitos fundamentais e individuais
dos cidadãos. Contudo, é notável que a previsão de tais instrumentos é importante e
necessária para a preservação da ordem social e política da nação. Porém, cabe àqueles
com poder de fazê-lo não esquecer dos erros passados, dos arbítrios cometidos usando-
se formas anteriores do sistema constitucional de crises, por exemplo. Se aprendermos
com tais erros, usando de bom senso e cuidado, tais ferramentas podem ser muito
importantes para a garantia da cidadania.
Referências

Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Ed. Método, São Paulo, 2007.

Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. Ed. Atlas, São Paulo, 2008.

Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, São Paulo,
2006.

Silva, Alfredo Canellas Guilherme. Direito de Crise na Constituição De 1988: O


Emprego do Estado de Defesa e do estado de sítio. Estado Democrático de Direito
Excepcional. Disponível em
http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/alfredocanellas/estadodesalvaguarda.htm#_ftf
49 Acesso em 10/07/2010.
Universidade Federal do Maranhão

Centro de Ciências Sociais

Departamento de Direito

Direito Constitucional II Profa: Edith Ramos

Aluno: Carlos José Penha Everton Cód.: DT08281-47

A Defesa do Estado e das Instituições Democráticas


São Luís

2010

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