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Em visita ao retorno do Renascença, próximo ao Correio, encontrei um

indivíduo que poderia me ajudar a compreender melhor o cotidiano de um menor


abandonado, pois, esta é a sua experiência de vida.

À primeira vista, sua aparência é assustadora. Ele tem uma cicatriz enorme no
abdômen, é sujo e mal asseado, típico de um morador de rua, exala um cheiro misto de
cola de sapateiro e solvente, tem outra cicatriz na coxa e uma espécie de crosta escura
nos tornozelos que sobem pelas pernas. Pedi a ele para conversar um instante e ele
relutou um pouco e ficou assustado. Expliquei que só queria conversar e conhecer sua
realidade, e fui logo perguntando sua idade, ele me respondeu entre os dentes 25, 25
anos.

A partir daí a conversa fluiu, ele ficou mais à vontade e me contou sua história.

Marcelo, 25 anos, há 17 anos vive na rua. Seu pai foi tentar a vida no garimpo
e morreu por lá. Sua mãe veio a falecer tempos depois. Órfão de pai e mãe, foi morar
com sua tia, que todo dia batia nele. Aos 08 anos de idade, decidiu ir para a rua tentar
sobreviver à sua maneira.

Mendigando centavos, pedindo trocados para sobreviver, logo se envolveu com


drogas e assim se passaram 17 anos de sua maltratada vida. Perguntado sobre seus
planos para o futuro, não teve resposta. Relatou que já trabalhou como padeiro duas ou
três vezes, mas devido o vício em drogas e a facilidade em conseguir dinheiro na rua,
resolveu abandonar o emprego e voltar a mendigar.

Sobre seus sonhos, planeja em viver com sua irmã evangélica em Goiás. O que
lhe faltava para fazer logo isso? Respondeu que não queria ir para junto dela dessa
forma, usuário de drogas.

Perguntado se estava com fome, disse que não, que acabara de comer R$ 5,00
de lanche naquele instante.

O seu rendimento diário varia entre R$ 25,00 e R$ 30,00.

Ficou sem resposta quando perguntado sobre como ele se via dali a cinco anos,
o que ele esperava do futuro, sua resposta: “Não sei não...”

Tive sorte com relação ao trabalho acadêmico por ter achado este “espécime”
que deu valiosa contribuição e também como ensinamento para a vida. Sorte por ter tido
pai e mãe dedicados e preocupados em me preparar para a vida. Desde cedo aprendi a
ler e escrever, treinando e me aperfeiçoando para encarar a concorrência pela
sobrevivência. Desde sempre se aprende que temos que ser os melhores, senão não
conseguiremos uma colocação na vida. Somos bombardeados por ideologias capitalistas
que nos moldam como indivíduos pertencentes a este sistema de coisas. Não nos damos
conta, de como vivemos anestesiados pelo dia-dia alienante, pelo individualismo que
nos cega que não vemos aquilo que nos rodeia: exclusão, injustiças sociais, fome,
miséria, falta de futuro e perspectiva de vida para essas pessoas e tantas outras. Como
poderia ter sido diferente a realidade de Marcelo se ele tivesse tido estudo, educação,
investimentos em seu futuro! É uma subvida, uma triste subvida o que estas pessoas
têm.

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