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D iz um m i l enar d it a do c hi nê s
q u e “q uan do s e pen sa p ouc o s e f ala
m u i t o”. P r o v ér b i o q u e t em u m a v a-
r i ant e n a t am b ém a nc e st r al cul tu ra
g au le s a, m ui t o u til iz ad a a in da h o j e
ent re famí li as do int erior da F ran ça:
“ pour celu i qui jam ai s f a it ri en i l n e
f aut qu e l ' éc ou t er t out le t em ps” .
C u ri o s o é o b s e rv a r c om o a s a b e d or i a
p o pul a r res u m e em p ou c as p a l av r a s
c on st at a çõe s s ob re c a r a cte r í st i c as
q u e f az em d o s er h u m an o e s s e u n i -
v ers o d e c on t rovérs i as, ora t ão esp e-
c i al, or a tão b an al .

A o p or t u n i d ad e da p re s e n t e
r e u n i ã o, cu j o i n t e r es s e d e d eb a t e d e
um t em a a s s az o p or tun o, qua nt o in a-
d i áv el, t ra n s c en d e a o p r óp rio c on g r a-
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ç am en t o q u e s er i a d e e sp e rar . Ap r e-
s e n t a- se c om o ap ro p r i a d o f ór u m p a r a
d i s cu ss ã o d e q u es t õ e s qu e env ol v em
as democracias, a sociedade, a cul-
tura e, sobretudo, os efei tos de acer-
t o s e e qu í v o c os d o c on h e ci m ent o n a
v i d a púb l i c a e su a or g an i z a ç ão .

O g ran d e r i s c o que s e c o r re , n o
e n t an t o , d i z r e s p ei t o a u m a a r m a -
d i l h a qu e s em p r e am e aç a i n st i t u i ç õ es
c om o a m a ç on a ri a, o u qu em, n o i n t e-
rior de seus quad ros, intui sobre
q u est ões q u e env olv em n ão m ai s os
c ham ad os “ sagrados mi st éri os” t ão
p ecul i ares a el a, m as os as p ec tos
ét ic os da vi da, da p ol íti c a e d as
“ ab er r aç ões ” c omun s a um a e out r a.

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Q u and o se d e p ar a c om u m da d o
h i s t ó ri c o d e m a r c ad a i m p o rtâ n c i a c o-
m o a R ev o l u ç ão F ra n c e s a, por e x em-
p l o, s em p r e i n di ss o ci ad o de i d e ai s
q u e, diz em , t er i am b r o t a d o n o i n t e-
r i o r d a org an i z aç ã o m a ç ôn i c a, cor r e-
s e es s e ris c o.

P oi s a m a ç on a ri a, como i n sti -
tuição secular, que entre os séculos
18 e 19 as sumi ria g rad at iv am ent e
u m e sp aço d e f i n i dor d e c on sc i ê n ci a
n a o rg an iz aç ã o d o e s t ad o, cer t am en-
t e, imp õe n o m ínimo c onc lui r at é qu e
p on t o, ou e m qu e m ed i d a, a i n st i t u i -
ção m a çôn i c a a pó s e ss e p e rí o d o
c on tinu ou a e x e rcer d e fato t al in-
f lu ênc i a. O u, e m out r a s pa la v ra s, s e
ela realmente terá sido fator prepon-
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d e r an t e , c a p az d e d e s en ca de a r a qu e-
l e f at o hi st ó ri c o. U m f at o h ist ó ri c o
q u e, d i g a- s e de pas s ag em , d e i x ou
p r ofu nd as m a rc a s n a o rg an iz aç ã o d o
mundo moderno ocidental.

Quero crer que mais im portante


que o es t ab el e cim en t o dos f at os
c on c ret os qu e d esen cad earam modi -
f i c aç õ e s n a e s t r u t u ra d a v i d a p ú b l i ca
a p a rti r d a í , é o e n t en di m ent o d a
d i m en s ã o d as r al aç õ e s en t re o p e n -
s am en t o d i t o m aç ôn i c o e a s c i ênc i as
d e o rg an i z aç ã o d o e s t a d o m od e rn o.
Se de um l a do ai nda coexi st em n a
g ên e s e da f i l o s of i a p ol í t i c a i d é i as d e
R ou ss e au , M on t es qu ieu, Volt ai r e -
m ai s p r óx i m o s do que se p o d e ri a
d enom in ar “um p en sam en to m aç ôni -
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c o - de o ut r o c onf r ont am- se i dé i as
colhidas em diferentes épocas, de
u m a i m ens a r el a ção d e au t or e s c om o
M a rx, Eng e ls, G r ams ci , T o cq u evi ll e,
B o b i o , M i l l s , Sa r t r e, em p e rm an ent e
c on fr on t o q u ant o à n a tur e z a das
i d éi a s d os p ri m ei ros . M a s i d é i as q u e
em e ss ên ci a e princípio, p o d e- s e
d i z e r, c on f u n d em- s e q u an t o a o q u e
r e a l m en t e s e d e s t i n a m .

T ritu rad os, m oí d os, c en t rifug a-


d os, d ecant ad os, coad os , d es ti lad os ,
t o dos e sses a u t o r es , os qu e e s t ar i am
e os qu e n ão est ari am as s oc i ad os à
organização do es tado sob inspiração
de e v ent u ai s i d e ai s m aç ôn i c o s, r e-
s u l t am s em ex c eç ão n u m a m e sm a e s-
sênci a . Na essên cia de um pensa-
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m en t o u n i v e rs a l q u e f o c a a d em o c r a -
c i a c om o a t ri but o i n qu es t i oná v el p a r a
a v i d a do s e r em s oc i ed a d e.

S e , l o g i c a m en t e, o a c e rv o q u e
c om pr e end e o c en ár i o d a i n t e l i g ên ci a
da civi lizaç ão é p roc ed ente n es s e
c am po, qu at ro ques t ões se p õem .
Qu at r o qu est ões q u e, na v erd ad e,
r e m et em a u m a r ev i s ã o d o p a p el e
d a f u n ç ã o d a i n sti t u i ç ã o m açôn i c a n a
a t u al i d a de. A p ri m e i r a diz r e s p ei t o à
autenticidade históri ca d a int e rv en -
ç ã o m aç ôn i c a, di r et a ou i n d i r e t am en -
t e, n a vid a pú bl ica. A s egun d a, ao
g r au d e int e rv en ç ão q u e a in sti tui ção
m aç ôn i c a t e ri a r ea l i z ad o n a v i d a pú-
b l i c a p o r m ei o d e seu s i n t e g ra n t e s. A
t e r c ei ra, à e fi ci ên ci a d es sa int e rv en -
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ção, isto é, até que ponto a interven -
ç ã o m a çôn i c a r es u l t ou em m u d an ç a
h ist óri c a. A qu arta, à l eg it imid ad e
d ess a s mu da nç as qu e, ev en tu alm en t e
o c o r ri d a s por i n s p i ra ç ã o m aç ôn i c a,
t en ham sid o a c eit as t ac it am e nt e p el a
s o ci e da d e.

E ss as que s t õ es f az em par t e d e
um m esm o eni gm a, cu ja s olu ção
p o d e rá r es u l t a r em m el h o r c om pr e -
e n são d a i m p or t â n ci a, ou n ã o, da i m -
p r e sc ind ibi li da d e ou não, da ut il idade
o u n ã o, da i n st i t u i ç ã o m aç ôn i c a n os
d i as q u e c o r r em .

Q u and o se a b o r da a q u es t ã o d a
l a i ci d ad e ( e c om f re q ü ên c i a s e a ss i s -
t e a o i n t er e s s e c om qu e a m aç on a ri a,

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predominantem ente a européia e
m ais especificamente a francesa
t r at a d o t em a) , t em - s e a imp r e ss ã o
de qu e há n um m ot o co nt ínu o a
a l i m en t ar e s s e i n t er e s s e d o p on t o d e
v ist a da ord em. M ai s ou m en os
representando um a in iciativ a in st itu-
c i on al p ar a i m p o r-s e com o u m i n s-
t rum en to regu lador da qu estão. Res-
t a, contudo, en t ender se a i nici ativ a
e s t ar i a r ea l m en t e at r el a d a a u m a es -
p é ci e d e “ r es p on s ab i l i d ad e ” h i st ó ri c a
da in sti tui ção em g aranti r leg itim i-
d a d e ao bom f u n ci on am en t o d o e st a-
do.

Se não, vejamos.

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F i l ó sof o s e c i ent i s t a s p ol í t i cos , a
ex em pl o de Galasso, h á mu it o intu í-
r am qu e a l ai ciz açã o d o e st a d o e d a
s o c i e d a d e p o l í t i c a a p r es e n t a u m c e r-
t o d i v ó rci o d a p r ópr i a cu l t u ra . C om o
ressalta o próprio autor, esse even to
pode ser p e r c eb i d o a pa r t i r de
“ t e nd ên cia s e f o rça s p ol íti co- so ci a is
d e i n s p i ra ç ã o c r i s t ã e c a t ól i c a, q u e
t en t ar am r e c on c i l i ar o s v al or e s r el i -
g iosos com os do li beralism o, da
dem ocracia e do soci alism o” .

T alv ez em fun ç ão do peso


e x e r c i d o p o r t en d ên c i a s e f or ç a s s o-
c i ai s, en t re o s s é cu l o s 1 9 e 2 0 , c omo
a p e r si st ent e inf lu ên ci a d a ét ic a r e-
l igi osa e cristã n os países cat ólicos e
prot estantes, ou as preocupações
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c on s e rv ador a s da s c l as s es dir i g e n t es
d e a l g u n s e s t ad o s e u r op eu s, a p ó s a
r e v ol u ç ã o f r anc e s a, r e ap r ox i m ou o
estado da igreja e das relig iões. Essa
reaproximação prod uziu uma limita-
ção ou, em o u t ras p al av ras , uma
a t enu a çã o do c a r át e r l ai co d e s s es
e s t a d os .

Um ex emp l o d es s a t o l er a d a
a b e r r aç ã o - em p e r í od o q u e u l t r a-
p a s s a a q u e d a d as m on ar q u i a s a b s o-
lutistas na Europa e a guerra de
i n d ep e n d ên ci a d o s E st ad os U n i d os -
l ocali za-se n a paradoxal organi zação
da d emoc raci a am eric an a, tu t el ad a
d e u m l ad o p e l o i d e a l r epub l i c an o e,
d e ou tro, p ela ai nd a ret rógrad a in s-
p i raç ã o m a ç ôn i c a de o ri g em i n g l es a.
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Qu er dizer, na próp ri a g ên es e
d o s i d e ai s d em oc rá t i c os que c i rcu n -
d am a o rg an i z aç ã o d a qu e l e p a í s, s ã o
f a cilm en te l o c al iz áv ei s os p r e c eit o s
i ncont ornáv ei s de landm a rks em tu do
h os ti s a: ( a) l ib e ra l iz aç ã o d o s c os -
tum es, (b) in dependênci a da rel igi ão,
( c) l i b e rda d e d e e x p r e ss ã o n ã o c r i st ã
ou n ão ju daica, (c) int ol erânci a ra-
c i al.

S e r ia d e t o do c omp l et a hi poc r i-
sia ab st er- s e d es sa di scu ssão. E n-
q u a n t o n a E u r o p a a p r ó p ri a rev ol u ç ão
f r anc e s a a c a b a ri a res u l t an d o n o ap a -
reciment o de um n ov o person ag em
a b s ol u t i s t a , N ap ol eã o B o n ap a r t e, n a s
Am é ri c as p ó s i n d epen d ênc i a o s on h o
repu bl ic an o con v ert er- s e- ia em m ero
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son ho, porqu ant o as est rut uras de
p o d e r ( p el o m en os a s q u e n os ch e-
g am p el as v e rs õ e s o fi ci ai s da hi s-
t ó ri a) s em p r e i n d i c a r am , ou g ru p os
m on ol í t i cos c on t r ol a dos por o l i g ar -
q ui as e co n ômi ca s e f und iá r i as, ou
g ru po s pol í t i c os f o r t es con t r ol a d os
p o r d et en t o r es d a f o rç a d e c o e r ção
social , ou ainda grupos de interesse
c om h ab i l i d ad e su f i c i ent e p ar a a r re-
b a t a r e p re s e rv a r o p o d e r.

O c e rt o é qu e qu a se t od o s es s es
g ru p o s , h i s t o ri c ame nt e , c ont r ibu ír am
para just if icar um “m odelo de dem o-
c r a c i a” em n ad a s e m el h an t e à v er s ão
orig in al int uí da e av ent ada n a rev o -
l u ç ã o f r an c es a. Som e- s e a i s t o o i n -
t ermin áv el el en co de s it uaç ões b iz ar -
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r a s, n as qu ai s s e i n s e r em o s m od e l o s
p o rt u g u ês d e r epú bl i c a, e st a s i m , d e
i ns pi ra ç ã o m aç ôn ica , qu e i ri a d es a -
gu ar n o Es t ad o Novo d e S al az ar, cu jo
e p í l og o t ão b em s e c on h ec e.

Já tive ocasião de abordar o


m esm o as sun to em liv ro, qu an do
r e s sa l t e i a d i s s oci açã o en tr e E st ad o e
Igreja acontecida em Portugal, Bra-
s il , Al em anh a e I tál i a d as d it a du ras.
P oi s qu em p od e r á n eg a r que em t a i s
s itu ações a soci ed ad e n ão exp eri-
m en t ou a r e a l s e p a r a ç ão ent r e e s -
tado e igreja? Qu em poderá negar
q u e n o pl an o d a e d u c aç ã o – p r e ci -
s am en te no p e r íod o em qu e st ão -
t ai s países não ex perim ent aram uma
o r g an i z a ç ã o de en s i n o, do f u n d a-
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m en t al a o s u p e r i o r, e m n a da c om pr o -
m et id a com out r a f il o sofi a q u e n ã o
f o ss e a s ec u l a r?

O c o r r e q u e d i t ad u r a s s ã o d i t a-
d u r a s . D i t a d u ra s q u e, p or n a t u r ez a,
ex clu em a d em oc r ac i a. P or ém, a sim-
p l es con v i cç ã o do qu e el as r ep r e-
sent am na civ ili zação g arante, igu al-
m ente, a sólida certeza de que nada
do qu e tenh am gerado, em t erm os
p r at i c o s d e o rd en a m en t o ju rí di c o e
s o ci al , pod e ser c o n si d er a d o ( ou
a c eit o) c om o legít im o. F oi as sim c om
S a l az ar . F o i as sim c o m G etú li o Va r -
g as. F oi as sim c om Mu ss ol ini . F oi as-
sim com Hitler.

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J á n o s é c u l o 1 9 , G o t h e i n e s c r e-
v i a a c e rc a d a s ru p t u r a s d o s m ai s p u -
r o s p r ec ei t os d a dem oc r ac i a. Ins pi -
r a nd o- s e n a r ea li dad e g erm ân ic a, a o
a fi rm a r qu e “ p o r m ai s l ib e rd a d e qu e
o pov o t en ha, se não houv er a
g a r an t i a d e qu e p os s a p en s ar n o q u e
q u ei r a, pa i r ará s em p r e a dúv i d a d e
q u e o qu e e s t á p en s an d o f oi s u g e ri do
por alguém”. As igrejas, sem p re
elas, apóiam-se em grupos de
p r e ss ã o, do m esmo modo que as
org aniz ações econ ômi cas, c om o
p r o p ó s i t o d e g a ran t i r q u e t an t o a s
l eis, como o real objetiv o ao qu al se
d e st i n am, g a r an t am- l h es u m t i p o d e
l i b e r da d e q u e em n a d a s e c om p a r a à
l ib er da d e i d ea liz ad a n os s is t ema s
d em o crát i c o s.
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Seria com o dizer que não é a
l i b e r da d e de c r enç a qu e i n t e r e ss a,
m as a l i b e r d ad e q u e a org an i z aç ã o
religiosa dispõe para usufruir do
m esm o es p aç o púb l i c o d est i n ad o a
t o da a soc i ed ad e . C om isto g ar an -
t id o, es s e es paç o pú bli c o é su bst an -
c i alm ent e r ed uzi d o. D o m esmo m od o,
à org ani zação bancári a n ão import a
m ui t o a g a r ant i a da l ib er d a d e de
c a d a qu al p ou pa r e u su f r u i r d e s u a
p ou p anç a. I m port a , s i m , a g a r an t i a
de u su f rut o do n eg ó ci o do b an co
para operar os rendimentos da
p ou p anç a a l h ei a. Com i st o ga r an ti do ,
r e du z - s e o e s p aç o p ú b l i c o n o q u al s e
p r o du z o r e su l t ad o d a s a pl i c aç õ e s d e
t o da s as p ou pa nça s . C on se q ü ent e-

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m ent e, qu em g anha m ais c om i st o -
e s emp r e g anh a - é o p róp ri o b anc o.

E assim por d i ant e.

E s t a é a r e a l i d ad e. J á p o r c o n t a
d o s d ev an ei o s c om qu e a c i v i l i z a ção
t em se p r e s ent e ad o ao lo ng o da
h ist óri a, vi slumb ra- s e um out ro
h o riz on t e. E s p aç o v i rt u a l de p r e-
t en s as t eo r i as , d e d ou t rin as o u m ê s-
m o d e p re c e i t os qu e i n d u z em a p en -
s a r q u e a i n d a h á e s p a ç o p a r a a s m o-
b i l i z aç õ es, p a r a a s t om ad a s d e con s-
c i ênc i a, ou p a r a mu dan ç as qu e n u n c a
mais al cançarão a humanidad e. A
i st o, p o r s i n al , d á - s e o n om e d e u t o-
p i a.

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M as d ei x ar ã o d e a co n t e c er , n ã o
por conta de um si st em a talvez
op ressi vo, u nil at era l e c ru e l . Não
ac on tec erão porq u e a p róp ria
ev olu ç ão d o mu nd o a jus t ou s o ci eda -
des e inst ituições ao sistema que a
civi liz ação produz iu. E sse resu lt ado
n ad a m ai s é d o q u e o p r od u t o d e u m
“ am oralism o polít ico”, a ex empl o do
con c ebido por M a ch iav el duz en tos e
c i n qü en t a anos ant e s da r e v ol u ç ão
f ranc es a. P rof ét ic o, p en s ad or d e al ta
s e nsi bi li da d e , el e p r ev iu n o q u e s e
t ran sf ormari am as mud an ças , ou n o
q u e d es en ca d e ar i am o s m ov i m en t os
ref ormad ores d o mun d o. M ov imen t os
q u e, à s u a é p oc a, ain d a n ã o p as -
s av am d e c on j e ct u ras f i l o s óf i c a s.

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E ss e am ora l i sm o, e ss e t ot al des -
c om pr om et im ent o par a com a vi rtu -
d e , e ss e p r agm at i sm o qu e ex clu i , p ó-
de-se di zer, o sentim en to da ação do
e s t ad o, n a d a m a i s s ã o d o q u e at r i -
b u t os n ef a s t o s m ed i ant e o s q u ai s a
r e pú bl i c a d e sf az em p ed a ç os os
i d e ai s hum an os. O p os it iv i sm o, em
es s ên ci a, nã o ap en as é a c élul a a
p a rt i r d a q u a l s e g e s t a a s oc i ol og i a -
a t é h o j e t en t a n d o s o l u c i ona r o s p r o-
b l ema s da vida em g ru po do ser
h u m an o - c om o t od o s o s err o s q u e ,
após a r e v ol u ç ã o f r an c es a , f o r am
c om et id o s n a o rg an iz aç ã o d o e s t ad o.

É altam ente preocupante verifi-


c a r qu e não ap en as as di taduras su r-
g id as n a m et ad e do s é cul o 2 0 e st ão
21
i n o cu l a das pelo “ v i ru s” do positi-
v ism o, como d emoc rac i as t rad ic i o-
n ai s (a ex em pl o da n ort e-am eric an a
e d a f ran c es a) , t a m b ém es t ão . N o
t em po em qu e C omp t e esc rev eu qu e
“ o e st ad o s ã o a s p e ss o a s”, e s t av a
ratificando as raízes do mal. Qu er
d i z e r, se tudo aco n t e c e err a d o na
organização social, a soci edade per-
d e p o rqu e u m a par t e d e l a p r ó pr i a,
c on st i t u í da p o r aqueles que exercem
o p od e r p o l í t i c o, d e sc u r am d a r e al
f i n al i d ad e d o p r o j eto soci al .

I s to en t en di do ca be uma i nda g a-
ç ã o: o n de e n t r a a m aç on a ri a n es s e
p r o c es so?

22
O r a , t an t o a m a ç on a ri a, c om o as
igrejas, os sindicatos e tudo quanto
c on st i t u i o a r c ab ou ç o d os i n t e r e ss es
não n e ces s ar i ament e pú bli c os da
repú bl ic a, s ão p eças q ue int erag em
( ou p el o m en os d ev e ri am int e r agi r )
h armon icam ent e na di reção de um
m esm o bem comum. Um a interação
q u e d ev er i a o c or r er en t r e c a d a u m a
d e l as - dir e t am ent e - c om o p r ó pr i o
e s t ad o. E s s a p rá t i c a , q u as e u t ó p i c a ,
d e v er i a se c on st i t u i r na g r an d e
m áxim a do i nt eres se púb li co.

Tanto quanto as igrejas e outras


i nst itu iç ões nu cl eares que consti tu em
a e sf e r a d o s i n t e res s es n ã o pú bli c os
da s oci ed a d e, d ev em ser c on si d e-
r a d as t e ori cam en t e n a esf e ra d os in-
23
t er ess es p r iv ad os . D it o a ss im, a af ir -
m aç ã o p od e d en ot a r al g u m p r ec on -
c e i t o c on t r a e ss a s o rg an i z aç õ e s. N o
e nt an to , a qu em es tud a o fen ôm en o
d a s r el açõ e s s oc i ai s, c om po r t am en -
t ai s, e st ét i c as ou cu l t u r ais dec o r r en -
t e s d e emb a t es m ov id os en t re o in t e-
resse públ ico e o int eresse priv ado,
n ã o imp o rt a m ui to a s suti l eza s i nst i-
tucion ai s, os pruridos e os pudores
c om que ag ent es/ at ores das duas
e s f er a s def en d em os i n t e r es s es de
c a d a u m a d es sa s es f er a s.

Ainda que na postulação de um


det ermin ado int eresse, di gam os, de
n atu rez a pú bl ica, l ocaliz em- s e t ais
ag ent es/ at ores em orig en s i ns titu -
c i on ais n ão púb l i ca s.
24
Quando se assiste a uma grande
i nst itu iç ão m açôni c a do p ort e do
Grande O r i en t e de F r anç a , por
e x em p l o, e m p en h a d a n a p romo ç ã o d e
d i s cu ss õ es s o br e os direitos e as
l i b e r da d es dos cid a d ão s, tem-se a
t en d ênc i a de enxergar n es s e at o
l egít imo de carát er i nst itu cion al, um
m ovim ento d edi cad o ao int er ess e
público. M as não é a n a t u r ez a do
d e b at e que d et e rmi n a a n at u r e z a d o
as sunt o - pú bl ic o ou p rivad o. E,
a n t e s , a n at u r ez a d a i n s t i t u i ç ão q u e
o p romov e que f az id enti fi car a
“ co i s a púb l i c a” c om o p r i v ada .

O m esmo a c ont ece qu an do se


presencia um sindicato de
t rab alhadores d e qu al qu er cat eg ori a,
25
m ob ili za do em apoi o à d eter min ad a
f ai x a de c o r re ç ão p ar a o s al á ri o
mínimo. Aparentem ente o assunto
i n t e r es s a a t od a a s o c i e d a d e, m as a
n atu rez a da in sti tui ção, qu e é um a
i nst itu iç ão n ã o púb li c a, conf igu r a o
o b j e t o d a d i s cu s s ão em c au s a com o
s e n d o d e i n t e r es se p r i v ad o.

Vejam os, então, o exemplo de


fundo e l ab o r ad o para este e n s ai o,
que i n t er e s sa mais de perto à
p r e s ent e d i s cu ss ã o: laicidade, educa-
ção e diversidade cultural.

T om and o c om o b a se d e an ál is e o
c a s o bra si l ei r o, a bun d ant e em e x em-
p l os d e or g an i z a ç ão d a á r ea e d u c a-
c i on al, p od em o s p ro j e t a r a rea l i d ad e

26
em que o estado “abriu m ão” da
ex clu siv idade de ofe r t a, s em c o n t u do
f az e -l o no qu e d iz r es p ei to à
r e g u l a ç ão do s et or . Is t o ap a r ent e -
m ente, porque há m omentos em que
se p e r c eb e a n ítid a ing e rên ci a no
e s t atut o d a o f erta, c om o por v ez e s
se percebe.

O estado bras ileiro, por


i n o p e rân c i a h i s t ór i c a , p ro v e rb i a l
i nc omp et ên ci a g eren ci al, in cap ac i-
dade t écni c a, total im pot ência polít i-
c a , s em pre f o i ambí g u o n a con d u ç ã o
dos a ss u n t o s de n at u r ez a p ú bl i c a,
t en d end o a f av o rec e r g rup o s o rg a-
n i z ad os de p r e ss ã o. No cam po e du c a-
c i on al, em p a rti cul a r, s ã o g ri t ant es
os ex emp los .
27
O c as o do ensi no pú bl ic o b ra-
sileiro, qu e histor icam en te apresen-
t a- s e est igm at iz ad o p ela inop erân ci a
do estado (m esmo nas épocas em
q u e t em si d o a v a l i ad o c om o a l t am en -
t e posi tivo), é embl em át ic o d o pont o
d e v i st a em q u e p r ed om i n a a i n f l u ên -
c i a r el igi os a . É f al so c onc lui r qu e n o
t em po da c h ama da “ esc ola p ú bli c a
f ort e” - g est ão do mi nis t ro M ang a-
b ei ra - er a igu alm ent e “in d ep en -
dent e”. Como é f also af irm ar qu e n os
d i as atu ai s, qu an do se c onh ec e a
situação de penúria da escola públi-
c a , e la é t ot alm ent e i ne fi cient e . Pó -
rém, não é a qu ali d ad e qu e esp eci -
f i c a a i n dep e n d ên cia d o e st ad o s o br e
o pl an o ed uc ac i onal .

28
T a lv ez nã o h a ja m om ento na
história do Brasil mais representativo
do g ra u de i n d epen d ênc i a e sepa-
ração, entre estado e instituições
n ã o p úb lic a s, n o qu e c onc e rn e a o c e-
n á ri o e duc a ci on al . E o g r au d e i n-
d e p en dê n c i a s e d ev e, p r ec i s am en t e ,
p o r c on t a d a det e ri o r aç ã o do s i st e -
m a. Qu and o s e v eri f i ca o e n s i n o su-
perior, por e x emp l o , a s i t u aç ã o é
ain d a mais g r av e.

O i nt e r es se p úb li c o e o i nt e r es s e
p r i v ad o s em p r e a n d am jun t o s. E
andam junt os m ovidos por um out r o
interesse, que é o interesse político.
Se o obj e t o do i n t e r es s e é d es -
c on f or tá vel ou , no m ín im o, p e rtu r-
b a d or , n ão s e n ot a rá o m í n i m o em p e-
29
nh o d e r en ov aç ã o, n em d e um a, n em
de outra part e. Si tuaç ão que reflet e
certo “interesse concreto” que, de
n atu r ez a p r át ic a, af ast a t odas as
e n e rg i a s , as p ú b l i c as e as n ão
p ú b l i c a s, p o r s e rem d i s p en di os a s e
i nút ei s.

M ai s ou m en os na m e sm a
direção de racioc ínio, recupera-se em
o u t r o t rab a l h o a m em ó r i a d e “ t o d a
aqu ela barulh eira, qu e f oi a m ise-
e m - sc èn e d o p r i m ei r o pl an o c ru z a d o,
q u a n d o s e u t i l i z ava a p r ó p ri a m an i -
f est aç ã o s oci al c om o ju st ifi c ati va”
p a r a os d e s at i n o s e c o n ôm i c o - f i n an -
c e i ro s d o e st a do. E i s c om o s e p r o-
c ess a a “ad esão” dos int eress es n ã o
públicos à esfera pública. Recente-
30
m ent e, em t ent ativ a de rev isão do
p l an o bási c o d a e du ca ç ão sup e r i o r , o
g ov e rn o b r a sil e ir o t ent ou t r av es ti r
um a propost a part idári a (de int e-
r e s s e p ri v a d o, p o rta n t o) , c om o p ri o-
ridade social. O interesse de estado
estava sendo tran sf eri d o à mud an ç a
p r e t end i da c om i n d i s f a r çáv el o po r t u -
nism o, em que o interesse dos ocu-
p an t es do g ov e rn o t en t ava conf igu r ar
a m e di da c om o jus t i f i ca d a d ec i s ã o d e
e s t ad o em f av or do bem comum.

É c e rt o qu e a i n c om p e t ênc i a g e-
r e n c i al d os g ov er n os q u e, p or d é c a -
d a s, t êm g e ri d o o e s t ad o b ra s i l ei r o,
p r o p i c i ou a t r ans f o rm aç ã o d a e d u c a-
ç ão em neg óci o. Mu it o m ai s p or in é-
rc ia ou abs ent eí smo d a p róp ria s oci e-
31
d a d e, d o qu e p e l a f r a ca ar t i cu l a ç ão
polít ica da soci edade por int erm édi o
d e s eu s r e p r es e n t a n t e s l e g i sl at i v os .
O s qu ai s, d i g a- s e d e p as s ag em , s ã o
os ag ent es / at ores d e um s ist em a n o
qual pontifica o assédio do interesse
p r i v ad o.

I n t e r es s e p r i v a do que não
a d v ém ap e n a s d as f o rç as e c o n ô-
mi c as. Int eress e priv ado t amb ém re-
s u l t an t e d a m ob i l i z aç ã o das i g r e j a s,
d a s o rg an i z a ç õ es soc i a i s , d as e n t i d a-
d e s qu e, a e x emp l o d e set o r es d a
m aç on ari a, da Leg ião da Boa
V on t a d e, d a s ag r em i a çõ e s p r of i s si o-
n ai s, ou das ass oci aç ões desportiv as.

32
O e ns in o fun d ament a l, b á si c o,
t écni c o ou s up eri or, c om o as pós-
g r adu a ç ões e a s e s t rutu r as p e d ag ó -
g i c as d e c a d a u m d e ss e s s eg m en t o s,
e a i n d a as l eg i s l açõ e s q u e s e r e f e r em
à s ped ag og ia s, os l im i t es e os al c an-
ces dos r e s p ect i v os a ce ss o s, não
p a ss am de sim u l acr o s b em u rd i d o s
que conferem à ed ucação brasileira
um at estado de du pl a significação:
a u s ên ci a d e a r t i c u l a ç ã o socia l e d e-
sint eresse em torn o do assunt o,

A o t em p o d o p ri m e i r o i m p ér i o,
em que o estado era di ri gi do p or um
p o rt u g u ês ( op o rtu n a m ent e f e i t o m a-
ç om por um dos b r asi l ei ro s m a is
dissimulados que já apareceu, tam-
bém maçom), outorgou-se à igreja a
33
f u n ç ã o d e g e r a r n or m a s e e s t at u t o s
ao en sino públi c o. Já no segun d o
i m p ér i o, e m et a pa p o s t e r i o r à r e g ê n -
c i a, d e u m pa d r e q u e i g u a l m ent e e ra
m aç om , a e d u c a ç ã o n a c i on al o r b i t av a
e m t orn o d o p r ó p r i o m on a rca , h av en -
d o u m ú n i c o dec r et o, d e aut o ri a d o
V i s c on d e d e O u r o P r e t o, c h efe d e g o-
v ern o e pes s oa de es t r eit a conf ian ç a
d e P e d r o I I , qu e dis ci pl i n a ( ! ) o f é -
r i ad o d o i m p er a d or, “ d i a n o q u al a s
e s c ol as pú bli c as não fu nci onar ã o” .

A cont inuar pelo tempo, procla-


m ad a a rep ú bl i c a, d e o ri g em p o sit i -
v i s t a ( c om o n os d e c l ara a h i s t ó ri a) ,
c on t i n u av a a e d u c a ç ã o p ú b l i c a a s er
tu t el ad a p e l a ig r e ja c at ól ic a. A af i r-
m aç ã o p od e p ar e c er a b sur d a f ac e a os
34
“ en t r ev e ros” p ol í t i c o - i d eo l óg i c os e n -
tre os generais da época e as mitras
e c l es i a i s , m a s o f a t o d e o p a í s n ã o
t er rev ogado n enhum a das n ormas de
c on t eúd o es c ol ar at est a - at é p r ov a
em c ont rári o - que o en sino pú bli c o
“continuav a a ser inspirado na
igreja”.

As es caram u ç as des e n c ad ead a s


c on t ra e ss a r e al i d ad e , c om or i g em n a
ru a do Lav radio (no Ri o de J an eiro)
nunca res u l t a r am em n ad a . Até
p o r qu e a sede da m a ç on a r i a b r a-
sileira nunca teve energia suficiente,
s e j a p ar a r e p r e s ent a r o p en s am en t o
l a ic o, s eja p a r a enf r ent a r c om a rgu-
m ent os sól id os e séri os o pod er pú-
b l i c o, s e ja a i n d a p a r a c on t ra p o r u m
35
m od e l o d i f e r en t e d aqu e l e s em p r e
prat icado n o país.

E n t r e a rep ú b l i c a v el h a e , d i g a-
m os , o período d e s en v ol v i m en t i s t a
d e K u bi t sc h ek, q u a s e n ad a o c o rr eu
q u e m er eç a d es t a qu e. A cr i aç ã o, em
e s c al a, de uni v e rs id a d es fed e r ai s,
entre as décadas de 50 e 70 (a
proposta o r i g i n al er a a c ri aç ã o de
u m a p o r e s t ad o o u t e r ri t ó ri o) ac a b ou
c om pr ov an do q u e o e s t ad o b r a si l e i r o
t em muit o m ais f ôl eg o para a
“ pr o duç ã o” qu ant it at iv a d e o b r a s, d o
que pro pr i am ent e p a ra cu i d a r do
c on t eúd o d e ss as o b r as. C om o se
s a b e, Ri o Grande do Sul e M i n as
a c a b a r am m od i f i c an do e s s e “ r es e au ” .
Mesmo assim, m omento de significa-
36
t iv a imp or t ân ci a n a h ist ó ri a n ac i ona l,
a m a ç o n ar i a p e rd eu ex c el en t e op o r-
tunidade para reiv in di car a li derança
d e u m m o v i m en t o r e a l em def e sa d a
l a i c i z a ç ã o d a e d u c aç ã o. M a s t o d o s j á
s a b em o s q u e, j u sta m ent e n e s s e p e-
ríodo, a m aç on a ri a b r a s i l ei r a vivia
atol ada em uma das maiores crises
m orais d e su a hi st óri a.

E m p er í od o p os t eri o r à di t ad u r a
m i l i t a r, n o q u a l g ra d at i v ame n t e t er i a
ocorri do uma aparente mudança de
mi lit ân ci a polí tica no país, possi-
b i l i t an d o d i s cu s sõe s d e ste g ên e r o,
outra vez se percebe que nada foi
alt erad o. N em mesm o sob o atu al
g ov ern o. V olt o a r ep eti r: n ão se
espere que mudanças s em e l h a n t es
37
o c o r ram por v on t a d e de g ov e rn os ,
m as da m ob ili za çã o da soc i ed ad e.
M ob i l i z açã o qu e d ev e ri a t e r i n í ci o s ob
a chan cela de instituições não pú -
b l i c as, como a p r ó p ri a m a ç on a ri a.
M as qu e m aç on a ri a?

« Il y a certains fois sur


l e squ e ll e s l e B r és il s'agit d'être et
p a r aî t r e u n e g r and e f éd é r at i on d e s
i nuti ls s oc i aux, p ui sq ue t oujo u rs l e
r é v ei l d es in sti tuti on s n 'a que la
lumière d'es poir en ju stifiant tous
qu' est à v en ir. Comme d'ai ll eu rs...
Les f r anc - m a ç on s b r é si l i en s, ain si
q u e d es m em b r es d e n ' i m p or t e qu e l
c l u b d e f u t , i l s n e f on t d' aut r e c h o s e
que proclamer les victoi res histori-

38
q u es d e l eu r s c amp s. M ai s s é r ai t-i l
s u f f i s ant ? »

Os in t eres s es ec on ômi c os d es-


p ertos pel a n ec ess id ad e de s ob r e-
v i v ên c i a d o pl an eta , a p a rt i r d o qu e
s e a br em o s es p aç o s p a ra a s r e or -
g an iz aç õ es v a ri ada s do m un d o, a
e x em p l o d o s m er c ad o s d e b l o c o s , d o s
m e rc ad o s c om u n s, d a s c om u n i d ad e s
de p aí s es , es s as c o i s a s, d e s co r t i -
n a ram u m a n ov a r e a l i d ade - a d o
mundo globalizado - na q ua l se
restringe ainda m ai s a v on t ad e
s o ci al . M al c om p a r and o , p o d e- se
d i z e r q u e é m ai s f á c i l en c o n t r a r u m a
i n st i t u i ç ão , a ex emp l o de q u a l qu e r
l abor at ório farm acêut ic o qu e, p or
um a qu est ão d e s ob r ev iv ênc ia i ns ti-
39
t u ci on al , n e c es si t a d e u m a v i g or o sa
mi lit ân ci a emp r esari a l, de m ant er em
s egred o a qu al quer cu st o s uas f or-
mul a s e de am pli ar con tinuam ent e o
n ú m e r o d e s eu s a d e p t os , ou c l i en t es,
m ed i a n t e u m f o rt a l e c i m ent o d a m a r-
c a p el a qu al é c on h e ci d a .

Q u e r d i z er , o i n t e res s e p r i v a d o
de um a org aniz a ção desse t i po, a
p art i r do m oment o em qu e, pel a m il i-
tância empresarial, logra que sejam
p r o duzi d as l e is qu e a b en ef ic i em,
q u e as s eg u r a, p el o s e g r e d o da t e cn o-
l og i a, m ant er af astad a a c on cor r ên-
c i a, e qu e c r es c e pel a aç ão d a pu bl i-
cidade junt o à cli ent el a, g arant e-lh e
s u c e ss o n ã o a p en as i n st i t u ci on al , c o-
m o em pre s a, m as a per en i d ad e d o
40
n eg óci o e a soli d ez d a marca c orres-
p on d ent e .

D e p os i t em os , e n t ão , n os s o o l h a r
sobre a m aç on a ri a. Qu e t em f ei t o
el a, ou mesm o qu e t em os f ei t o n ó s,
de m od o c on cr e t o e pr át i c o, na
d i r eç ã o d a qui l o que p r ete n d em o s.
Não há sequer o m ai s r em ot o
s o b r es sa l t o qu an d o a d qui ri m os um
l iv r o - em uma b anc a de j o rn al
q ualqu er - on de se en cont ram
es t amp ados r itu ai s, p ain éis, l end as
sagradas e, ainda que ab reviad as,
p a l a v r a s, e x cl am açõ e s , s i n ai s . Jus t a -
m ent e a qu il o q u e fez d el a a i ns titu i-
ç ã o q u e é, em r az ão d o qu e d e v er i a
s er a qu al qu er cus to p r es erva d a, es -
t á di sp on ív el s em qu al qu er res erv a.
41
A l ém d i s so , su a m i l i t ân ci a i n s-
t i t u ci on al t em s i d o d e p o u ca i m p or -
t ân ci a, não produzi ndo um só ef eit o
n ot av e l seq u er . D e um l a do, l it e r al-
m ent e, p ul ul am a os m on tes volum es,
b r ochu ras, opú scu los , ap osti l as, re-
c h ea d os de “ cu ri o s i d ad e s”, d ad os
h ist óri c os d i ss ert ad os cronol óg ic a-
m ent e (mui tas vez es sem o m enor
c r i t é ri o) e c om p ên di os ri t u al í s t i c o s
s em fim, e t am b ém s e mui ta ut ili -
d a d e p r áti c a. Rar am en t e c om alg u m
n ex o. R ar am en t e, de igual m od o,
en cont ra-se um t ex to m inim ament e
út il . D ogm as, prec eit os , prec on c ei-
t os, “l eis” v irtu ais, “ c ód ig os ” s em
p r o pr i ed ad e , s ão p ou co úteis ao
ex ercíci o refl exiv o de in t eli gên ci a.

42
Há, n a l iteratu ra maçôn ica bra-
s i l e i r a u m e x c es s o m et af ó ri co, d aqu i -
l o qu e “ qu er p a recer qu e”, d a “v er-
s ã o” hi stó r i ca d e c on v eni ênc i a, uma
abundante especulação desnutrida de
l óg ic a. F al ta n el a, s o b r etu do, int el i-
g ên ci a! Mi tif ic a çõe s, c om o m i st ifi c a-
ç õ e s, t êm n en hum a im p ort ân ci a n a
p e r sp e cti v a do c on h e ci m ent o. Al ém
de s e r em d e s c on h e c i d o s os t í t u l os
não a r t esa n ai s, afo r a e ss e s que a
m ai ori a já viu, qu e se des tin am
ex clu siv am ent e ao l eit or m açom pou-
co dot a do, n enhum a g r ande edi tora
já produziu um g ran de t ítul o apreci a-
v el , cu ja im p ortânci a just ifi cas s e c i-
t a çõ e s em c ol u n as es p ec i ali z ad a s.

43
E n t r e e sses au t o r es m aç on s, d e
obras “maçôn icas”, o qu e se percebe
s em m u i t o e s f o r ç o é a predominância
d a qu el e s qu e “ i f s om eb od y d oe sn ' t
k now noth ing ab out s om eth ing i t' s
because som et hing doesn 't ex ist, if
s om ebody t hin k t o k n ow s om eth ing
th a t doe sn 't e xi st i t' s b ec aus e a ll i s
t ru e” . Há a ut o r es q u e tu do q u e n ã o
c on h ec em , o u n ã o sab e , n ã o p o d e s er
v erdade. Há ou tros qu e, igualm ent e,
n ad a s aben do , ou s a b en d o p o uq uís -
simo de alguma coi sa , c om eç am a
i nv ent a r, a c ri a r, a m i sti fi car . Am b os
f az em mu it o m al para o conh eci-
m ent o.

F a lt a conh ecim ent o, h a bil idade


c r íti c a, pond e r aç ã o, t ol e r ânc i a, pa-
44
c i ênc i a e, s o b remod o, int elig ên ci a a
u m a b o a p a rt e d os “ e sc r i t ores ” m a -
ç on s. P or causa di ss o , ent e n d e-s e
p erf eit ament e a raz ão p ela qu al a
m açon a ri a brasil ei ra nunca se int e-
g r ou n o c ham ad o m un do do c on h e-
c i m en t o s o ci al , po l í t i c o e cu l t u r al.
N ã o qu e f al t em v al o r es l it er á r i os à
m aç on a ri a. Há t am bém g r ande núm e-
r o d e i nt el e ctu ai s m aç on s, qu e t a lv ez
d e i x em de se expor p ar a não se
i gu al ar a e s s a m ai or i a qu e “ es c r ev e e
d i z ” a m a i s n ão p o der .

A presença histórica de homens


p ú b l i c o s, l i t e ra t os, a rt i st a s, p en s a-
d o r e s n otá v ei s d e m aç on s br a si l ei r os
i m p or t a n t e s , n o pas s ad o, n ão r e d i m e

45
a f al t a de i dé i as que c on t em p o-
ran eam ent e ci rcunda a i nst itui ção.

Um p a rad ox o se põe: a
m aç on a ri a b r a si l ei ra terá si d o no
p a ss a do o e m b ri ão do p en sam en t o
laico, esteve presente nos grandes
m oment os da hi st óri a, produz iu um a
s é r i e de h om ens i lu st r es e , d e c e rt a
m an ei r a, c on tr ibui u p ar a d e s enh a r
u m p r o j eto d e p a í s qu e t r ans i t ou da
m on ar q u i a p a r a a r e p ú b l i c a s em u m a
g r and e r u p t u ra , que si g n i f i c a sse
m u d an ç a su p er l ati v a pelo i n t e r es se
p ú b l i c o . E s s a m e sma m aç on ar i a, en-
t r et an to , t e r á r e pre s e nt ad o um p a -
p e l, n o m í nim o, amb iv al en t e n a hi s-
t óri a, d eix an d o t r an sp a r ec er q u e su a
p r e s enç a terá sido muito mais
46
d e c o ra t i v a d o qu e e f et i v ame n t e d e-
f i n i d or a de u m a pos i ç ã o p ol í t i c a d e
m ont a.

Quero crer que a instituição, por


c on t a d as b r i g as i n t e rn a s, d a s d i s-
s o l u ç õ e s, d i ss i d ênc i as e u m a c on s-
t an t e ex pos i ç ã o, s em p r e n eg a t i v a ou
n e bul os a a o l ong o d a hi st óri a, ac a-
b ou a p r ov e i t a n d o m u i t o m al a s b o as
o p o rt u n i da d e s ( s en ã o as p e r d end o
c om pl et am ent e) d e, em s enti d o
amplo, “fazer história”. Vale ressal-
t a r qu e a v e rs ã o o fi ci al qu e f az o
r e t r at o b em esculpido do “ i rm ã o
Gu at imoz im”, ou do i rm ão “Ty bi ri çá”,
c om o as v er s õ es que r es s a l t am a
p r e s enç a i nst itu ci on al n os m om e nt os
c ru ci ai s, por falt a de cons t at aç ão
47
m at e ri al , o u p o r f al t a d a e v i d ên ci a
de p e r en i d ad e de uma a çã o m a r-
c an t e, s ão el em en tos m uit o frac os d o
p on t o d e v i st a h i s t ó r i co .

P o r ou t ro l ad o, um equ ív oc o d e
o r d em f i l o s óf i c a, que s em p r e em-
v olv eu a m aç on ari a em dú vida qu an -
t o a s eu s p r o p ós it os s o ci ai s, f a z d el a
uma inst ituição em contradi ção.
C on t r ad i ção i n st r an sp on í v el , d e v ez
q u e o d og m a m a ç ô n i c o a i n d a é p r o-
b l ema d en t r o d a pró p ri a m aç on a ri a.
D og m a rep r e s ent ad o p e l as a ss i m
c h am ad a s d e f i n i ç õe s t u t el a r e s da
ordem. Os landmarks, cu ja l eit ura,
n os di as qu e correm , c ont inu a a
e n s e ja r dúv i d a qua n t o ao princípio
b a si l a r qu e d e t ermi n a, s eg u n d o a
48
ót ica maçôn ica t radicional, i gu al-
d a d es e d i f er en ç a s , a c ei t a ç õe s e n ã o
a c e i t aç õ es , u n i v e rs a l i s m o e c en t ra -
l i z aç ã o, rec on h e ci m ent o e n e g aç ã o.

D e um a ót ica polít ica e soci al , o


f az er m açôni co, independente da in s-
t i t u i ç ã o q u e o o r i g i n e , d ev er i a s em -
p r e s er reg i d o p e l a p r át i c a d o n ã o
p r e c onc e i t o à div e rg ên ci a d e o pi n i õ es
sobre a m açon a ri a, (in clu siv e i nt er-
n am en t e), ao d esa p eg o p el a h eg e -
m oni a e, c om o r ezam c er to s p r ec ei -
t o s, s er i nqu e st io n av elm ent e “p r o-
g res si st a”. P ois n ão s e qu ererá qu e
uma instituição como ela, prop alando
e s t e at r i b u t o , m an t e n h as - s e a r r ai g a-
da à ex clusão (ou separação) entre
h om en s e m u l h ere s , à o b r i g a t o-
49
riedade de crença e assim por dian-
te.

A v i d a r ep u b l i c an a p r es sup õe a
p a rt ic ip ação d e t odos os i ndiv ídu os e
i nst itu ições qu e a int egram. P r es-
s up õ e o ex er cíc i o da int elig ên ci a su-
p e r i o r q u e , m e d i ant e o u s o d a r az ã o
qualificada, na conjugação de todos
os int eresses, públ icos ou priv ados,
d e st i n ad os a o b em comum. Imaginar
a m a ç on a r i a um ente m e r am en t e
e m b l emá t i c o é equ í v o c o. Ima g i n a - l a
u m a o rg an i z aç ã o ac i m a d as d em a i s ,
t amb ém . P en sar que fórmu las uni -
l at e r ai s sã o e fi ci ent e , m a is q u e equ í-
v oc o , é t ol i c e .

50
O p r o c ess o de or g an i z a ç ão e
m anut en çã o do es ta d o é pró p r io d a
repú bl ica. Significa dizer, os poderes
c on st i t u í do s , exp r es s an d o a v on t a d e
popular form almente estatuída, de-
v em g ar ant i r qu e o e s t a d o f u n c i on e
s em c om p r om et e r o p r i n cíp i o r epu -
b li c an o, q u e f ix a a “ c o is a pú bli c a”
com o públ ica; isto é, n ã o pert en ce a
n ingu ém sen ã o ao co l e tiv o.

D i s cu t i r , p o i s, qu e st õ es a s s o-
c i ad as a e s s e p ri n c í p i o, s em qu e o
resu lt ad o f in al d a di sc us são n ã o s eja
o e f et i v o e n c am i n h a m en t o às e s f e r as
d a r e púb l i c a, é i n ó cu o . N os ú l t i m os
c in qü ent a a n os a m aç on a ri a br a si-
l e i ra v iv eu du as c ri s es in st itu ci on ai s
d e m ont a, a c omp anh ou “c on temp or a-
51
n e am ent e” a d ep os i ç ã o d e u m p re -
s i d en t e da r epúb l i c a, m a n t ev e - s e
c on f or t a v e l m en t e al h e i a a e ss e g ol p e
d e e st ad o, t ev e i n con t áv e i s m em b r os
eleitos a diferentes cargos que não
se dest ac aram ind ivi du alment e (à
e x c eç ã o do s en a dor N e l s on C a r n ei r o,
aut or do p r ojet o de l ei do d iv órc io),
n em n o c on j unt o, p e r de u t o das a s
oportunidades de part icipar de dis-
c u s sõ e s sér i as s obr e a e du c a ç ão ( a
ex em pl o d a ref ormu laç ão da l ei das
d i r et ri z e s d e b a s e) , e n ã o t ev e n e-
nhum dest aqu e n a assembléi a cons-
t itu int e, p o st o qu e t od as as li d e ran -
ças p ol í t i c a s da ép o c a, ainda qu e
t en ham si d o, não se m ostr a r am à
s o ci e da d e c om o m aç on s.

52
P essoalment e imagi no que à
m aç on a ri a b r as il ei ra , p rim eiro, cum -
pre definir-se sobre que tipo de ins-
t itu ição de fato é, superando os
e f e it os ( ai nd a v is ív e i s) d as d is si d ên-
c i as p el as qu ai s pas s ou , e d em on s-
t r an do qu e é capaz d e sup era- l as.
D ev e, ur gent em en te, ac almar os es -
p í rit o s no rum o de uma vida
i nst itu ci on al s em c on fl it os, d e r e s-
peito e, sobretudo, de tolerância.
P oi s n ã o h á dif e r en ça s en tre a s o r -
g an iz aç õ es . Não pod e h av er h eg e-
m onia entre elas. Finalm ente, deve
buscar um cam inh o para o fu tu ro,
q u e n ã o se j a o d e an da r p ar a t r á s.

S om en t e d e p oi s d e t e r e f etu a d o
e s s a c o r re ç ã o d e cu rs o , a m a ç on a ri a
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p o d e rá a d i ant a r- se n um a pa r ti ci pa -
ção polít ica de resu lt ado. Ain da qu e
repres entando o interesse privado da
i n st i t u i ç ão c o r r esp on d en t e , p o d er á,
l e g i t i m a m e n t e , i n s er i r - s e n a v id a r e-
p u b l i c an a, sem e qu í v o c os e s em p a-
r a d ox os .

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