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Algum dia

Gustavo Martins
A brisa suave ajudava a refrescar o calor daquele dia de verão. Com exceção de nós dois,
sentados naquele banco, não havia ninguém na estação de trem. Seus olhos percorriam o
longínquo como se lá buscassem algo que aqui jamais poderia ter

Não é que não quisesse falar, apenas não tinha coragem para tal. Nada do que dissesse
conseguiria explicar o que sentia naquele momento. Mas ao mesmo tempo em que temia falar
algo de errado, temo que nosso tempo acabe antes de poder lhe dizer tudo que reside dentro de
mim.

Quero lhe falar de quão feliz fico ao acordar pela manhã e te ver deitada a meu lado; contar-
lhe quão maravilhado me sinto ao ver-te usando o vestido de seda branca e o chapéu rosa
salmão de que tanto ri; mostrar-te como sua presença deu sentido à minha vida.

Obrigado por fazer-me ver quão bela pode ser a vida. Obrigado por ensinar-me a aproveitar
as pequenas coisas da vida. Obrigado por existir.

Queria poder dizer-lhe tudo isso, porém minha voz recusa-se a sair. A idéia de te ver ir
embora abala todas as estruturas do meu ser. Simplesmente imaginar te ver partir me faz querer
gritar. Sinto vergonha de ser tão fraco enquanto você, mesmo doente, jamais se deixou intimidar
por nada.

Subitamente sinto você segurar minha mão. Você olha para mim e seus olhos se encontram
com os meus. Sinto como se algo dentro de mim fosse tocado por uma força irresistível. Tento
falar, mas você gentilmente me interrompe como sempre fazia quando me sentia inseguro:

—Está tudo bem.

—Mas...

—Lembra quando nos conhecemos?

—Como eu poderia esquecer?

—Eu tinha acabado de chegar à cidade, fugindo do meu país. Não conhecia ninguém aqui e
acabei dormindo na rua por várias noites. Eu havia perdido tudo e não havia chances de me
recuperar. Na hora em que você me encontrou na ponte eu ia me matar. -Você parou por um
instante, o que se passava na sua mente?- Você salvou minha vida...

Você se deitou sobre meu peito sorrindo da maneira gentil que sempre fazia quando estava
feliz. A sensação de te ter perto de mim, de alisar seus cabelos, de secar suas lágrimas, de ouvir
sua respiração tranqüila à noite, jamais esquecerei nada disso.

Eu fechei meus olhos e em minha mente lembranças surgiram como folhas voando ao doce
sabor do vento. Lembranças dos dias felizes que vivemos juntos, dos dias que jamais retornarão.

Ouvi o apito do trem que se aproxima. Abri os olhos e vi uma lágrima correr pela sua face.
Você começa a cantar daquele seu jeito atrapalhado, porém doce:

“Até a paixão dói.

Procurando fragmentos de eternidade, você era meu céu, você era meu sonho, transforme
esses dias repletos de paixão em memórias inesquecíveis e com elas decore seu peito. Procure
pela minha vida, nos encontraremos de novo...
...algum dia.”

E ao longe uma borboleta partiu em direção ao céu.

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