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Ao meu redor apenas mofo e sujeira. Meu olfato parece ter se degradado junto
com meu senso de higiene. Talvez seja a minha visão, não sei ao certo, mas
consigo sentir a podridão, talvez seja só eu. Olho no espelho ao final de meu
expediente e no início de cada dia e não me vejo. Vejo algumas dobras
gordurosas, vejo olhos tampados por pele. Vejo também o meu couro cabeludo
encoberto parcialmente por ralos fios de cabelo tingidos de acaju. É triste olhar
para o que seria seu reflexo e não saber mais nem a que gênero pertence.
Agora estou aqui, a fritar batatas. Os homens sempre foram feitos de carência,
cacetes duros e insegurança. Mas não comigo, não mais. Eu sou quem frita as
batatas. Nos meus cabelos ralos um pano, na minha boca pouco mais de uma
dúzia de dentes. E no resto, pele velha e relaxada. Não tenho mais gênero.
Sou apenas um humano. Eu cago e mijo, mais que nunca diga-se de
passagem, e frito batatas.
Nenhum túnel vai cruzar o meu novamente, agora ele é demasiado estreito.
Sou só, sempre fui. Mas antes tinha aquela falsa esperança, aquela mesma
que você tem. Aquela que talvez fosse a única que me acompanhou a vida
inteira, agora não mais. Sou só. Sempre fui.