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Folha de São Paulo, 19/2/2011, p.

A2

RUY CASTRO

Fantasmas no Facebook
RIO DE JANEIRO - Como todo mundo, passo o dia recebendo mensagens estapafúrdias por e-
mail. Mas uma, que chegou há pouco, me deixou particularmente intrigado. Intitulava-se "Um
convite especial" e, incluindo as batatadas e exclamações, dizia o seguinte:
"Olá, Ruy. Criei um perfil no Facebook com minhas fotos, vídeos e eventos [sic] e quero
adicionar-lhe [sic] aos amigos para que você possa ver meu perfil. Primeiro, você precisa
cadastrar-se no Facebook! Uma vez cadastrado, você também poderá criar o seu próprio
perfil! Obrigada. Dick". E a informação: "Dick Farney tem 2 amigos".

Dick Farney. Seria o cantor, o fabuloso intérprete de "Copacabana", "Não Tem Solução" e
"Alguém Como Tu"? O pianista de jazz, especialista em "Tenderly" e "The Lady is a Tramp"? O
homem que tantos estimavam como pessoa e muitos mais admiravam como artista? Um
retratinho 3x4 na mensagem não deixa dúvida: é Dick, sim. Lá está ele na foto, com seu sorriso
bonito e classudo. Mas há algo errado na história: Dick Farney morreu em 1987, em São Paulo,
aos 65 anos.

Quando Dick morreu, não existiam o Facebook, o Orkut, o Twitter, a internet, o celular e acho
que nem o próprio fax. As pessoas morriam e continuavam mortas. Não reencarnavam nas
"redes sociais" implorando amigos, como se fossem ectoplasmas abandonados e carentes.
Mesmo porque Dick Farney não precisa disso para ganhar amigos -qualquer um que o escute
cantar, em disco ou em MP3, toma-se de imediato amor por sua voz, dizia-se, "de travesseiro".

E que triste que, por esses novos meios, o fantasma que se faz passar por Dick tenha
"adicionado" apenas dois amigos. Culpa, talvez, do próprio fantasma, que se assina "Dick", mas
se despede dizendo, "Obrigada" -será uma mulher?

Amo Dick Farney, mas estou fora. Não frequento "redes sociais" que têm fantasmas como
sócios.

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