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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

AVELANGE AMORIM LIMA

POSSIBILIDADES DE ESCRITA E PERFORMANCE PARA TROMPA EM


DOBRADOS NAS BANDAS DE MÚSICA

NATAL – RN
2022
AVELANGE AMORIM LIMA

POSSIBILIDADES DE ESCRITA E PERFORMANCE PARA TROMPA EM


DOBRADOS NAS BANDAS DE MÚSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Música da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Radegundis Aranha Tavares


Feitosa.

Linha de pesquisa: Processos e dimensões da produção


artística

NATAL – RN
2022
FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação de Publicação na Fonte


Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz - Escola de Música da UFRN

L732p Lima, Avelange Amorim.


Possibilidades de escrita e performance para trompa em dobrados nas
bandas de música/ Avelange Amorim Lima. – Natal, 2022.
133f.: il.; 30 cm.

Orientador: Radegundis Aranha Tavares Feitosa.

Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do


Rio Grande do Norte, 2022.

1. Trompa (instrumento) – Performance – Dissertação. 2. Música para


trompa – Dobrados – Dissertação. 3. Aspectos técnicos-interpretativos –
Dissertação. I. Feitosa, Radegundis Tavares Feitosa. II. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 788.41


Elaborada por: Rayssa Ritha Marques Gondim Fernandes – CRB-15/Insc. 812
AVELANGE AMORIM LIMA

POSSIBILIDADES DE ESCRITA E PERFORMANCE PARA TROMPA EM


DOBRADOS NAS BANDAS DE MÚSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Música da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Radegundis Aranha Tavares


Feitosa.

Linha de pesquisa: Processos e dimensões da produção


artística

Aprovada em: ___/___/___

_________________________________________________________
Prof. Dr. Radegundis Aranha Tavares Feitosa (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Celso José Rodrigues Benedito (Membro)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Ricardo Silva Queiroz (Membro)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
A todos os mestres de bandas do Brasil, em
especial, ao meu pai, Sr. Alvino, que ao
transferir seus esforços e sua dedicação em
fazer música para mim, mantém viva a tradição
e o amor aos sons de uma banda de música.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero agradecer à minha família: meu pai, Sr. Alvino, e minha mãe,
Maria do Rosário (in memoriam), que sob a supervisão e benção do nosso criador, não mediram
esforços para assegurar saúde e educação em minha vida.
Ao meu irmão, Avelar Amorim, minha referência em criatividade nas artes e segundo
pai, que me sustenta nos meus principais desafios pessoais e profissionais.
À minha avó, Maria, e às minhas tias, Daluz, Ana e Julia – quatro mães que Deus me
deu para superar as dores da vida.
À minha eterna namorada e esposa, Conceição de Maria, minha companheira em todas
as estradas que tenho percorrido na vida, que me ensina rotineiramente como me tornar cada
vez melhor, por meio de sua generosidade e doação ao próximo.
Aos mestres Paulo Libório, Eraldo Lopes e Iara Marques, que me adotaram enquanto
filho na música e na vida, doando-se para a minha formação humana e profissional.
A todos os músicos que passaram pela banda de música Santa Cecília e continuam
fazendo música, apesar de todas as diversidades, a exemplo de muitas bandas do interior do
Brasil que lutam contra o desmonte e a perda da memória desse patrimônio musical. Foi a minha
primeira escola de música, onde aprendi, em meio a acertos e erros, observando os músicos
mais experientes tocarem em minha cidade natal, Miguel Alves – PI.
Ao meu orientador, Radegundis Tavares, e ao professor Adalto, minhas principais
referências em meu instrumento (trompa): grato por todas as orientações!
A todos os mestres de banda do Brasil. Em especial, aos que contribuíram para esta
pesquisa.
Finalmente, aos meus alunos, com quem aprendo continuamente nos ensaios e nas aulas,
cedendo mais forças para enfrentar os desafios, e ânimo em busca de uma contínua qualificação
e preservação do fazer musical, por meio das bandas de música.
RESUMO

A presente pesquisa objetiva identificar as possibilidades técnico-interpretativas na escrita e


performance da trompa no gênero dobrado. Nessa perspectiva, a pesquisa divide-se em seis
seções, símiles às partes de um dobrado, a saber: introdução; parte A; parte B; ponte; parte C
(trio); e coda final. A metodologia adotada fundamenta-se no estudo bibliográfico, na análise
estrutural das funções de canto, contracanto, centro e baixo das partituras, além de entrevistas
semiestruturadas. Identifica-se nas três seções iniciais o universo da pesquisa (banda de música,
trompa e dobrado), de modo que a fundamentação teórica fundamenta-se em autores como
Brum (1980), Carvalho (1994) Adle (2006), Dantas (2015), Campos (2015) e Sotelo (2008),
entre outros. Sobre a ponte, realizou-se uma consulta junto a quinze mestres de banda estudantis
atuantes na cidade de Teresina, Piauí, a fim de perceber a dimensões em que se assimila a
trompa no contexto dos dobrados. Constatou-se que o uso da trompa a configura como
instrumento de centro, sem variação de funções, embora haja uma clara manifestação de novas
perspectivas de performance nesse gênero, em razão das necessidades de inserção de desafios
aos trompistas, no tocante ao estímulo a estudos do instrumento e à permanência na banda. Na
parte C (trio), propõe-se a forma metodológica da escrita para trompa, a partir da identificação
das funções de centro e de canto essenciais na proposição de performances, observando os
aspectos idiomáticos e sonoros de escrita, correlacionados com os demais instrumentos da
banda de música, a partir da tabela de extensão da trompa. Como resultado da pesquisa,
apresentam-se partes extras de trompa dos dobrados Batista de Melo, Avante Camaradas, Dois
Corações e Barão do Rio Branco, adaptadas para o uso com os arranjos originais, enquanto
possibilidade de escrita e performance da trompa na banda de música.

Palavras-chave: trompa; performance; dobrado; banda de música.


ABSTRACT

The present research aims to identify the technical-interpretative possibilities in the writing and
performance of the French horn in the dobrado (a Brazilian musical genre) From this
perspective, this research is divided into six sections, similar to the parts of the dobrado,
namely: introduction; part A; part B; bridge; part C (trio); and final coda. The methodology is
based on the bibliographic study, on the structural analysis of the singing, counter-song, center
and bass functions of the musical scores, in addition to semi-structured interviews. The core of
the research is identified in the three initial sections (music band, French horn and dobrado), so
that the theoretical principals is based on authors such as Brum (1980), Carvalho (1994) Adle
(2006), Dantas (2015), Campos (2015) and Sotelo (2008), among others. Regarding to the
bridge, a consultation was carried out with fifteen student band masters working in the city of
Teresina, Piauí, in order to understand the dimensions in which the French horn is similar in
the dobrado’s context. It was found that the use of the French horn configures it as a central
instrument, with no variation of functions, although there is a clear manifestation of new
performance perspectives in this genre, due to the needs of inserting challenges to horn players,
regarding the stimulus to studies of the instrument and the permanence in the band. In part C
(trio), the methodological form of writing for French horn is proposed, from the identification
of the essential functions of center and corner in the proposition of performances, observing the
idiomatic and sound aspects of writing, correlated with the other instruments of the music band,
from the French horn extension table. As a result of the research, extra French horn parts of
dobrados by Batista de Melo, Avante Camaradas, Dois Corações and Barão do Rio Branco are
presented, adapted for use with the original arrangements, as a possibility of writing and
performing the French horn in the music band.

Keywords: French horn; performance; dobrado; music band.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Trio do dobrado Barão do Rio Branco.............................................................. 33


Figura 2 – Trio do dobrado Avante Camaradas (220)........................................................ 33
Figura 3 – Trio do dobrado Batista de Melo...................................................................... 33
Figura 4 – Trio do dobrado Dois Corações........................................................................ 34
Figura 5 – Pasodoble marcha............................................................................................. 34
Figura 6 – Folheto dos instrumentos de Sax, 1848............................................................ 39
Figura 7 – Extensão da trompa dupla F/Bb........................................................................ 43
Figura 8 – Intermezzo, Fist Suíte em Eb for Military Band............................................... 44
Figura 9 – Características sonoras da extensão da trompa................................................. 44
Figura 10 – Partitura dobrado Batista de Melo, escrita a nanquim.................................... 86
Figura 11 – Introdução, intervalo de 6º maior.................................................................... 89
Figura 12 – Introdução Batista de Melo............................................................................. 89
Figura 13 – Exemplo de adaptação com uso das funções de canto e centro...................... 90
Figura 14 – Exemplo de adaptação com uso das funções de contracanto e centro............ 90
Figura 15 – Deslocamento de acentuação rítmica no contracanto enfatizando a função
de centro............................................................................................................................. 91
Figura 16 – Exemplo de adaptação com uso das funções de canto, contracanto e centro. 91
Figura 17 – Introdução dobrado Avante Camaradas.......................................................... 95
Figura 18 – Maiores intervalos existentes no dobrado Avante Camaradas....................... 96
Figura 19 – Transcrição melódica da introdução do Avante Camaradas........................... 97
Figura 20 – Variação melódica para retomada da função de centro.................................. 98
Figura 21 – Conexão temática............................................................................................ 98
Figura 22 – Trompa na função de canto............................................................................. 98
Figura 23 – Trombones na função de centro...................................................................... 103
Figura 24 – Uso da trompa em uníssono com saxofone alto e bombardino...................... 103
Figura 25 – Trompa na função de canto na ponte.............................................................. 104
Figura 26 – Alternativa técnica de performance................................................................ 105
Figura 27 – Exemplo da guia de canto e contracanto no dobrado Barão do Rio Branco... 108
Figura 28 – Escrita original, sem adaptação....................................................................... 109
Figura 29 – Função de canto.............................................................................................. 110
Figura 30 – Função de baixo.............................................................................................. 111
Figura 31 – Trio.................................................................................................................. 111
Figura 32 – Trio, reexposição............................................................................................. 112
Figura 33 – Centro e canto na reexposição de C................................................................ 112
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Prática de escrita para banda estudantil em Teresina – PI......................... 68


Gráfico 2 – Escrita para trompa ou saxhorn no gênero dobrado.................................. 71

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Instrumentação da banda de Adolf Sax em 1845............................................ 30


Quadro 2 – Tabela de transposição para trompa em F/B de Robin Gregory..................... 42
Quadro 3 – Articulações e acentuações.............................................................................. 49
Quadro 4 – Atividades voltadas para banda de música da FCMC entre 1986 a 1988........... 54
Quadro 5 – Regentes de banda da FCMC............................................................................ 56
Quadro 6 – Banda e instrutores do projeto Banda Escola de Teresina, formação 2021.... 57
Quadro 7 – Instrumentação base da banda estudantil em Teresina.................................... 61
Quadro 8 – Modelo e adaptado para o fichamento da obra musical .................................... 82
Quadro 9 – Classificação da extensão da trompa por nível de dificuldade...................... 83
Quadro 10 – Extensão da trompa e sua relação sonora com os instrumentos da banda..... 84
Quadro 11 – Instrumentação do dobrado Batista de Melo, edição de 1984 dos arquivos
da banda de música do IFPI – Campus Teresina Central,.................................................. 87
Quadro 12 – Distribuição das funções instrumentais no dobrado Batista de Melo............ 88
Quadro 13 – Canção Avante Camaradas............................................................................. 93
Quadro 14 – Distribuição das funções instrumentais do dobrado Avante Camaradas....... 96
Quadro 15 – Distribuição das funções instrumentas do dobrado Dois Corações............... 101
Quadro 16 – Distribuição das funções instrumentas do dobrado Barão do Rio Branco.... 109
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FCMC Fundação Cultural Monsenhor Chaves

FUNARTE Fundação Nacional de Artes

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFPI Instituto Federal do Piauí

MBP Música Brasileira Popular

PM Polícia Militar

PMT Prefeitura Municipal de Teresina

PPGMUS Programa de Pós Graduação em Música

PPGPROM Programa de Pós-Graduação Profissional em Música

SECULT - CE Secretaria da Cultura do Estado do Ceará

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

25ºBC Vigésimo Quinto Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 12
2 PARTE A - REVISÃO DE LITERATURA E METODOLOGIA..................... 14
2.1 Estudo sobre a temática investigada................................................................... 15
2.2 A definição da pesquisa........................................................................................ 19
2.3 Justificativas......................................................................................................... 22
2.4 Objetivos............................................................................................................... 24
2.4.1 Objetivos gerais...................................................................................................... 24
2.4.2 Objetivos específicos............................................................................................. 24
2.5 Metodologia.......................................................................................................... 24
3 PARTE B - CONCEITOS QUE FUNDAMENTAM A PESQUISA................. 26
3.1 A banda de música................................................................................................ 26
3.2 Características da escrita tradicional para trompa na banda de música no
repertório de dobrados......................................................................................... 32
3.2.1 Saxhorn, Chiquinha, Trompa cachorrinha, Trompa de harmonia........................... 36
3.3 Possibilidades técnico-interpretativas da trompa.............................................. 40
3.3.1 Extensão e características sonoras.......................................................................... 40
3.3.2 Articulação e acentuações...................................................................................... 46
3.3.3 Possibilidades melódicas........................................................................................ 50
4 PONTE - APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS – A TROMPA
NA BANDA DE MÚSICA PELOS MESTRES DE BANDAS.......................... 52
4.1 Projeto Banda Escola de Teresina – PI.................................................................... 54
4.1.1 Instrumentação da banda estudantil em Teresina.................................................... 58
4.2 A trompa na banda de música estudantil em Teresina...................................... 62
4.3 Os aspectos mais relevantes na escrita para trompa e/ou saxhorn.................... 66
4.4 A trompa como solista na banda.......................................................................... 73
5 PARTE C (TRIO) - POSSIBILIDADES DE ABORDAGÉNS TÉCNICO-
INTERPRETATIVA NA ESCRITA E PERFORMANCE DA TROMPA NO
DOBRADO........................................................................................................... 80
5.1 Tabela de parâmetros técnicos na determinação dos elementos gráficos na
escrita para trompa.............................................................................................. 82
5.2 Batista de Melo (Manuel Alves Leite)................................................................. 85
5.2.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 85
5.2.2 Considerações técnicas........................................................................................... 87
5.2.3 Possibilidade de escrita para a performance da trompa F/Bb.................................. 88
5.2.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 91
5.3 Avante Camaradas - Antonino Manoel do Espírito Santo (1884-1913)........... 92
5.3.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 92
5.3.2 Considerações técnicas........................................................................................... 94
5.3.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 96
5.3.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 99
5.4 Dois Corações – Pedro da Cruz Salgado (1890-1973)........................................ 99
5.4.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 99
5.4.2 Considerações técnicas........................................................................................... 101
5.4.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 102
5.4.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 105
5.5 Barão do Rio Branco – Antônio Francisco Braga (1868-1945).......................... 106
5.5.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 106
5.5.2 Considerações técnicas........................................................................................... 107
5.5.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 109
5.5.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 112
6 CODA FINAL - CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................... 114
REFERÊNCIAS................................................................................................... 117
APÊNDICE A – Entrevista.................................................................................... 124
APÊNDICE B – Carta de agradecimento............................................................... 126
APÊNDICE C – Termo de consentimento.............................................................. 127
ANEXOS I – Tabela de parâmetros técnicos.......................................................... 128
ANEXOS II – Partituras......................................................................................... 129
12

1 INTRODUÇÃO

A introdução no dobrado é o início da exposição do tema inicial apresentado como


abertura, desenvolvido de forma a anunciar uma intensa energia de aberturas vibrantes, sendo
o uso preferencialmente das funções de canto e centro o padrão de acentuação do brilho
melódico e harmônico, para, em seguida, na seção A, as vozes dividirem-se entre as demais
funções instrumentais, uma característica do gênero dobrado.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa busca identificar as principais possibilidades de
abordagens técnico-interpretativas na escrita para trompa na banda de música, no repertório de
dobrados, elencando direcionamentos incorporados à escrita dos dobrados que permitam aos
mestres de banda e trompistas uma prática que provoque a exploração e o desenvolvimento da
performance da trompa no gênero.
Levando em conta as necessidades de uma orientação didática na percepção e
compreensão dos dados inseridos neste objeto de estudo, em analogia às principais partes que
compõem um dobrado, optou-se por dividir a pesquisa em partes similares às seções
constituintes do gênero, como orientação sobre os percursos da pesquisa e estímulo ao domínio
das seções incorporadas nessa forma musical. Ei-las: introdução; parte A; parte B; ponte; parte
C (trio); e coda final (considerações finais).
Na parte A, primeira seção de um dobrado, apresentam-se os estudos que permeiam a
temática banda de música e trompa, por meio da revisão de literatura fundamentada em autores
como Brum (1980), Adler (2006), Sotelo (2008), Benedito (2011, 2017), Fonseca (2012),
Dorottya Vig (2013), McWilliam (2013), Dantas (2015), Campos (2015), Nelson (2017) e
Soares (2018), trazendo questões preliminares para a ampliação dos estudos acerca do objeto
de pesquisa.
Na parte B, as referências são aprofundadas com outros autores, a partir das definições
conceituais incorporadas às características e determinações das formas de banda, à escrita do
dobrado para trompa e ao uso das terminologias incorporadas à trompa e ao saxhorns, assim
como às possibilidades técnico-interpretativas da trompa.
Na ponte, seção de transição do dobrado, concebe-se o contexto cultural de estudo desta
pesquisa, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas junto a quinze mestres de banda
de música estudantil inseridos na cidade de Teresina, Piauí, com o mote de compreender as
relações em que a trompa é assimilada por esses agentes responsáveis pela inserção e formação
de trompistas nas bandas de música e no dobrado. Esta seção identifica os traços da herança
cultural nas quais a trompa se perpetua como instrumento de centro no dobrado e os anseios
13

dos mestres de banda diante de seus contextos em relação à trompa, tendo como base a ideia de
contexto interpretativo em Gill (2002), ou seja, na contínua construção do discurso a partir do
contexto presente.
Esses dados serviram como base para estabelecer considerações sobre as proposições
técnicas de inserção da trompa nos dobrados Batista de Melo (Manoel Alves Leite), Avante
Camaradas (Antonino Manoel do Espírito Santo), Dois Corações (Pedro da Cruz Salgado) e
Barão do Rio Branco (Antônio Francisco Santos) na parte C (trio) da pesquisa.
A parte C, principal seção de contraste existente no dobrado, denominada de Trio,
buscou exemplificar, por meio de abordagens técnico-interpretativas da escrita dos dobrados,
possibilidades de expansão da performance da trompa, a partir de duas etapas, quais sejam:
identificação de momentos da obra em que a função de centro é imprescindível para a
manutenção do caráter do dobrado enquanto marcha, extensão melódica e identificação de
melodias (canto e contracanto) sujeitas a possíveis desequilíbrios sonoros entre os naipes, em
relação à quantidade do instrumental existente na banda; e por último, de forma conjugada com
as relações sonoras em que a extensão da trompa se apresenta com os demais instrumentos da
banda, a identificação de melodias que possam contribuir para a performance da trompa no
dobrado, adaptando-as com esse fito.
Esses dois estágios tiveram como suporte teórico a tabela de parâmetros técnicos de
Sotelo (2008) e uma ficha técnica performática adaptada a partir do modelo de Campos (2015),
como referência de síntese estrutural de indicadores da perspectiva histórica, considerações
técnicas e suas possibilidades de escrita para a performance do dobrado na trompa.
Finalmente, a coda final representa o último estágio e a conclusão da obra, revelando as
considerações finais da pesquisa, inferindo que cada vez mais, necessita-se de estudos que
provoquem a disseminação de práticas de inserção da trompa no dobrado e na banda de música,
uma vez que o estudo das estruturas e identificação das funções de canto, contracanto, centro e
baixo pelos instrumentos na banda corrobora o domínio dos aspectos técnicos estruturais do
gênero dobrado e técnico-interpretativos do instrumento. Assinala-se, pois, que a inserção das
funções de canto e contracanto articulada com as funções de centro pela trompa poderá
proporcionar uma prática mais rica e dinâmica para a performance da trompa no dobrado.
14

2 PARTE A – REVISÃO DE LITERATURA E METODOLOGIA

Em repertórios tradicionais executados pelas bandas de música,1 estão presentes:


marchas, hinos e canções populares. Nessa performance, tal fato oferece sonoridade singular,
evidenciada pelos solos brilhantes dos trompetes nas melodias dos dobrados, em contraponto
com os saxofones, até os sons vibrantes e melódicos das clarinetas, dos trombones e das tubas.
Essa combinação sonora prossegue ritmicamente conduzida pelos instrumentos de
percussão, presentes na primeira seção temática do dobrado, identificada como parte A, que é
onde o tema principal é apresentado de forma suntuosa, revelando as quatro funções do dobrado
de canto, centro, contracanto e baixo aos instrumentos, e suas respectivas atribuições nessas
funções.
Nesse contexto, constata-se que nas bandas de música, de forma geral, a trompa tem
participação baseada em ritmos que ajudam na condução geral e dificilmente interpretam
melodias ou contrapontos melódicos. Há uma tendência de que o instrumento não se destaque
na performance e, talvez por isso, não seja a primeira opção entre jovens aspirantes a se
tornarem instrumentistas, em comparação a outras opções, como saxofones e trompetes.
Por oportuno, percebe-se que o pouco uso da trompa nessa conjuntura pode contribuir
decisivamente para o cenário geral do instrumento no Brasil, especialmente fora dos grandes
centros, em lugares que não dispõem de orquestras ou bandas sinfônicas. Destaca-se, nesse
âmbito, a carência de profissionais na área, falta de instrumentos, assim como de oportunidades
educacionais e/ou profissionais.
É comum testemunhar relatos de que a escolha de aprendizagem de um instrumento na
banda ocorre a partir do mestre de banda, dadas as necessidades ou a disponibilidade
instrumental, uma vez que os mestres atuam como personagens facilitadores da aprendizagem
instrumental junto a outras funções, pois segundo Benedito (2017, p. 17),

o mestre é o responsável pela transmissão dos conhecimentos. É fonte do saber


musical na comunidade. Para a sociedade musical, o mestre necessita ser
competente em: saber reger (condução), tocar (referência), compor
(necessidade), arranjar (atualização de repertório), ensinar teoria, instrumento,
disciplina e ser músico. Precisa ter princípios de liderança, filosofia, religião
e história.

1
Banda de música “é um conjunto de instrumentos de sopro (madeira e metal) e percussão.” (DINIZ, 2007, p. 53).
DINIZ, André. O rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
15

Assim, a trompa apresenta-se como um instrumento de execução complexa, por ser


transpositora e possuir duas afinações, como também o constante uso da transposição na escrita
para trompas nos repertórios. Provavelmente, essas características contribuem para que o
instrumento não seja utilizado por algumas agremiações musicais, somadas ao acesso restrito a
orientações para o aprendizado do instrumento.
Como é possível observar em um relato apresentado por Benedito (2011, p. 90), em um
estudo sobre os processos de educação musical incorporados pelos mestres de bandas na Bahia,
o entrevistado testemunha que

apareceu a trompa. Já sabia as posições por causa do bombardino. Ia à internet


e aprendia as posições de outros instrumentos. Firmava as notas com o aperto
da “labiação” [embocadura]. O mestre me deu as partituras da trompa. Eu era
pequeno. A filarmônica forma para tocar pra ela. Com a trompa eu não ia para
lugar nenhum.

Um dos objetivos mais gerais desta proposta é contribuir para a ampliação de atuação
da trompa nesse repertório. Para esse fim, intenta-se compreender as frases, as concepções e os
aspectos técnicos-metodológicos da performance instrumental nesse cenário. Considerando a
dimensão do repertório tradicional das bandas de música, foca-se nos dobrados, selecionando
algumas daquelas que se destacam nesse universo.

2.1 Estudos sobre as temáticas investigadas

Diante do aspecto primário da pesquisa e as lacunas encontradas em literaturas


específicas sobre o objeto de estudo, foram selecionados estudos que dialogassem com o tripé
constituído entre: trompa – banda de música – repertório (dobrados). Os aspectos técnicos do
instrumento (trompa), banda de música e sua organologia traz para a pesquisa o crivo analítico
dos aspectos idiomáticos desse instrumento, enquanto o repertório, desenvolve os aspectos
culturais nas quais a performance da trompa é incorporada nas bandas de músicas.
Visando a uma compreensão mais acurada dos elementos técnicos que envolvem o
domínio da trompa no repertório estudado, buscam-se diferentes abordagens quanto ao
desenvolvimento da prática da transposição – um dos elementos mais problemáticos no
contexto estudado – em autores como Dorottya Vig (2013). Essa referência é importante para
esta pesquisa por problematizar um dos fundamentos mais contemplados no universo das
bandas de música, a transposição.
16

Por sua vez, Fonseca (2012, p. 2, tradução nossa)2 realiza um estudo técnico de vinte
composições de Fernando Morais com objetivos performáticos para estudantes de trompa em
níveis avançados, pois “[...] ele organizou o método em uma sequência de dificuldade crescente,
combinando estilos tonais, modais e atonais em estudos que preservam a escrita da linguagem
idiomática para o instrumento”.
Embora não se trate de um material pensado para o aluno em estágios iniciais em bandas
de música, evidencia percursos técnicos possíveis na trompa. Dentre os motes desta pesquisa,
são contempladas possibilidades de escrita da trompa no dobrado. Nessa direção, concebe-se a
necessidade de entender as viabilidades técnicas a serem exploradas nesse repertório, pois
segundo Fonseca (2012, p. 2, tradução nossa)3, “[...] devido à sua riqueza de estilo, esses
estudos são mais do que apenas exercícios práticos: todos eles podem ser executados como
peças de concerto solo de trompa. As raízes brasileiras são um elemento fundamental de
construção dos estudos.”
McWilliam (2013) apresenta suas conclusões a respeito da performance na trompa a
partir de sua experiência ao longo de quarenta anos como músico profissional, a qual o levou a
considerar que alguns métodos e práticas podem mais prejudicar do que ajudar na performance
da trompa.
Segundo o referido autor, “a trompa não pode ser ensinada, só pode ser aprendida”
(MCWILLIAM, 2013, p. 2, tradução nossa),4 em uma referência às normatizações e aos padrões
de ensino tradicional que divergem da maneira de tocar, mas que permanecem como modelo a
ser seguido por estudantes e profissionais da trompa. Para ele, a busca do desenvolvimento
técnico-musical parte do autoconhecimento, e não necessariamente se fundamenta em um
método de ensino ou um professor específico.
Esse referencial faz-se pertinente nesta pesquisa para a compreensão das práticas
performáticas modernas em contraste com métodos tradicionalmente adotados na literatura da
trompa, no sentido de assimilar como as concepções tradicionais e modernas dialogam entre si.
Nelson (2017) aponta relevantes abordagens e concepções para o desenvolvimento
técnico para instrumentos de metais a partir das ideias desenvolvidas pelo tubista e pedagogo

2
He organized the method in a sequence of increasing difficulty, combining tonal, modal, and atonal styles in
studies that preserve the idiomatic writing for the instrument [...] (FONSECA, 2012, p. 2).
FONSECA, Rinaldo de Melo. Fernando Moraes’ 20 estudos característicos brasileiros para trompa: a
performance guide. 87 f. 2012. Dissertação (Doutorado em Música) – The
University of Memphis, Memphis, 2012.
3
[...] Because of their richness of style, these studies are more than just practice exercises: they all can be performed
as solo horn concert pieces. The Brazilian roots are a key element of construction in the studies (Id., 2012, p. 2).
4
The horn cannot be taught; it can only be learned (MCWILLIAM, 2013, p. 2).
MCWILLIAM, Fergus. Blow your own horn! Horn heresies. Mosaic Press, 2013.
17

Arnold Maurice Jacobs (1915-1998). Nas palavras do supracitado autor, “a ênfase deve estar
em ser músico, não um instrumentista, à medida que aprende a música, aprende o instrumento”
(NELSON, 2017, p. 13, tradução nossa).5
Tal concepção provoca a busca por compreensão sobre a relação do desenvolvimento
técnico-performático existente na prática da trompa em atuação nos dobrados, uma vez que o
dobrado é o principal repertório desenvolvido entre trompistas de níveis iniciantes e avançados
nas bandas de música – características marcantes na atuação dos mestres de banda. Em
consonância com Benedito (2011, p. 79), “o princípio é do “aprende-se fazendo”, pois o
objetivo do mestre é o ingresso mais rápido do aluno no grupo”.
No entendimento das práticas da oralidade e aspectos técnico-interpretativos
desenvolvidos no ambiente de banda de música, ainda que o uso de métodos tradicionais ainda
seja adotado em banda, Soares (2018, p. 117) traz para o escopo do projeto a compreensão de
práticas metodológicas na escrita e/ou adaptação de repertório para instrumentos de metais, pois
segundo o autor,

o repertório foi elaborado de forma a contemplar o maior número possível de


peças brasileiras. Faziam-se as adaptações necessárias para o nível em que o
grupo se encontrava e acrescentava-se uma peça com um desafio técnico mais
elevado, a fim de motivar o grupo com novos desafios.

O desenvolvimento da leitura musical na Orquestra de Metais Lyra Tatuí, em Soares


(2018), testemunha uma prática comum desenvolvida nas bandas de música, a qual usualmente
se destina à inserção ou manutenção do aluno na banda. Essa narrativa demonstra como a escrita
adaptada pode estender a performance da trompa nesse agrupamento (banda de música), em
que o acompanhamento rítmico-harmônico no dobrado é uma constante da escrita para esse
instrumento.
A partir desse processo, os alunos poderão envolver-se mais com a trompa, então o
instrumento poderá se tornar mais atrativo, assim como os saxofones, trompetes e trombones
(instrumentos que ocupam maior preferência entre alunos de bandas de música), de modo que
a ampliação das possibilidades de atuação nesse repertório poderá ser inserida pelos mestres de
banda de forma mais orientada tecnicamente. A compreensão teórica dos autores sobreditos,

5
El énfase debe estar em ser un músico, no un instrumentista. A medida que aprendes la música, aprendes el
instrumento (NELSON, 2017, p. 13).
NELSON, Bruce. Así habló Arnold Jacobs: uma guia para el desarrollo de los músicos de instrumentos de
viento metal. Valencia, España: Piles editoral de música S.A, 2017.
18

sistematiza os aspectos técnicos e culturais da trompa enquanto instrumento performático em


contextos diversos, uma vez que é possível identificar entre mestres de bandas a associação da
trompa como um instrumento de práticas voltadas para a música europeia de concerto.
Nesse ensejo, buscou-se compreender nas marchas selecionadas suas estruturas,
características e possibilidades de performance para a trompa, a partir das perspectivas da
análise musical, como um método de identificação de possibilidades de inserção melódica para
trompa nos dobrados, inicialmente compreendendo o que Dantas (2015) classifica como
“atitudes inovadoras”, como um novo canto, contracanto, centro e baixo, especificamente nas
composições para banda de música.
Na literatura instrumental sobre banda e orquestra, pode-se destacar os trabalhos de
Brum (1980), Carvalho (1994) e Adler (2006), que versam sobre as características estruturais
da banda. Por seu turno, Scliar (2008) traz compreensões acerca da fraseologia musical para o
desenvolvimento de frases melódicas na performance. Esses autores possibilitam a
compreensão das estruturas da formação das bandas e sua análise técnico–instrumental.
Campos (2015, p. 251) analisa minuciosamente os componentes presentes na edição de
uma partitura, mediante a análise de uma ficha técnica dividida em sete unidades, sendo elas:
“a composição em sua perspectiva histórica, considerações técnicas, considerações estilísticas,
elementos musicais, forma e estrutura, nota editorial, aparato crítico”.
Já Sotelo (2008, p. 38-39) elenca os níveis técnicos de dificuldades a partir da tabela de
parâmetros técnicos que tem como princípios de análises:

limitação da escrita musical: compassos a serem usados para cada nível,


armaduras de claves e tonalidades, valores de notas e pausas, estruturas
rítmicas possíveis, dinâmica, ornamentos; limitações técnico-instrumentais:
articulações, extensões dos instrumentos; duração de obras para diversos
níveis; linguagem musical que não foram parte do processo de aprendizagem
musical, instrumentação geral [...].

Esses parâmetros são necessários para a percepção da análise técnico-musical dos


dobrados selecionados nesta pesquisa. Nessa dinâmica, os estudos referenciados contribuirão
como ponto de partida para a reflexão teórica e prática no estudo em questão, de forma conjunta
com mestres de bandas, podendo apresentar maiores conclusões sobre novas propostas de
abordagens da performance no dobrado.
Tendo em vista as redes de características heterogêneas em ambientes de bandas de
música em que as corporações musicais tomam formas distintas de acordo com as estruturas
(instrumental e músicos) disponíveis, a ação prática da performance nessa formação denota a
19

necessidade de uma sistematização básica instrutiva da literatura e dos métodos de ação


pedagógica instrumental, ou seja, a “prática” e “ação” pedagógica no uso da performance na
trompa, na transcrição de melodias nos repertórios e nos estudos instrumentais.
Foram encontrados dois trabalhos que trazem a temática do dobrado para discussão:
Silva (2017) e Santos (2017). Ambos têm como escopo principal o trombone, em uma pesquisa
introdutória e específica sobre um instrumento, mas que mostra características e perspectivas
em torno da análise da temática.
A falta de material específico para esse recorte de estudo incitou a problemática
apresentada para este trabalho. Perante a literatura apontada, não foram encontrados trabalhos
específicos que contemplassem o assunto proposto, o que se justifica a seleção das literaturas
citadas diante das temáticas de busca da pesquisa, sendo eles: trompa – banda de música –
dobrados. Nessa dinâmica, dominar e compreender essa prática performática requer um suporte
teórico-prático que oriente a ação das possibilidades de performance da trompa em banda de
música.

2.2 A definição da pesquisa

Esta pesquisa foi realizada a partir da definição de Performance como um conceito de


prática musical na qual “relaciona-se bem mais ao desenvolvimento de uma atividade motora
necessária à boa execução, vislumbrando um padrão performático que prevê a repetição, o
condicionamento motor, o fazer musical” (LIMA; APRO; CARVALHO; 2006, p. 12). Tal
performance da trompa em bandas de música e os elementos técnico-musicais presentes nos
dobrados selecionados para esta pesquisa, apontam-se os seguintes questionamentos: quais as
funções exercidas pela trompa dupla? Qual a relação existente entre ela e os saxhorns no gênero
dobrado?
Essa problemática está presente em diversos ambientes onde a trompa está inserida,
sobretudo em bandas de música que promovem a aprendizagem desse instrumento. Como
recorte para a realização desta pesquisa, aborda-se a realidade dos mestres de bandas estudantis
atuantes na cidade de Teresina – PI e no Projeto Banda Escola. O referido projeto está em
continuidade há 32 anos, sendo que no ano de 2021, era composto por treze mestres de banda
e oito bandas situadas em bairros e escolas da periferia de Teresina.
O interesse por esse universo surgiu ao longo de observações participativas como
docente e performer em bandas de música, em face da já mencionada atuação menos expressiva
da trompa nesse contexto, o que suscita a construção da referida problemática, com o propósito
20

de contribuir com a literatura musical na área. Diante dessa realidade, reputa-se necessário
investigar como a prática performática da trompa poderá ser ampliada nos repertórios de
canções da Música Brasileira Popular (MBP) de bandas de música, além de identificar as
principais características presentes no desenvolvimento técnico desse instrumento, no que se
refere aos aspectos da exploração da performance do trompista no dobrado.
Assim sendo, sobreleva-se a importância do estudo ora proposto, pois corroborando Del-
Ben (2003, p. 30), “o desafio para nós, formadores de professores, é aprendermos a incorporar
os saberes da experiência e a reconhecer a prática como local de produção e crítica dos saberes”.
Destarte, o ato de tocar um instrumento em uma banda de música é uma ação prática e
teórica, mas o fazer musical tem ocorrido por intermédio de métodos tradicionais, a exemplo
do Sixty Selected Studies for Horn (G. Kopprasch, 1800-1850) e do The Art of Horn Playing
(Philip Farkas, 1914-1992), que são “livros geralmente adotados por conservatórios e utilizados
por regentes de bandas de acordo com a criatividade e o empenho de cada profissional” (LIMA,
2000, p. 103).
Todavia, para o objeto de estudo em questão, esse material torna-se relevante no sentido
de esclarecer alguns aspectos individuais da performance da trompa, por ser uma habilidade de
técnicas específicas de determinado instrumento de sopro, porém não exclusivo para essa
pesquisa. Para compreender o papel da trompa na banda, Starrett (2009) envidou uma pesquisa
documental sobre os “indivíduos e composições que mudaram o papel da trompa na música de
banda” (STARRETT, 2009, p. 1, tradução nossa),6 relatando como a trompa vem sendo
explorada ao longo de alguns repertórios de banda. Desse modo, é pertinente absorver a relação
de atuação em que a trompa é incorporada.
Considerando que o estudo e entendimento de conceito da MBP7 é amplo e contempla
diversos gêneros de origens distintas, caracterizados pela junção de elementos de variadas
culturas, atina-se que o gênero musical dobrado pertence a essa classificação, uma vez que é
amplamente divulgado, executado e identitário de uma sociedade civil e militar no Brasil.
Nas palavras de Dantas (2015, p. 63),

6
The goal will be to determine the individuals and compositions that have changed the role of the horn in band
music (STARRETT, 2009, p. 1).
STARRETT, Megan Jane. The role of the horn in band music. Dissertação (Mestrado em Música) –
Universidade de Kansas, 2009.
7
A sigla MBP faz referência ao termo utilizado por Feitosa (2016, p. 12) para referir-se à “música brasileira
popular”.
FEITOSA, Radegundis Aranha Tavares. Música brasileira popular no ensino da trompa: perspectivas e
possibilidades formativas. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
21

nesse repertório que definimos como “música de banda”, destaca-se,


soberano, o dobrado, uma peça de movimentação derivada da lusitana
“marcha militar de passodobrado”. Uma música que na Europa é chamada
“marcha militar”, que nos Estados Unidos adquiriu identidade própria, sendo
designada com o termo Military March, na França “Pas redoublé” e na
Espanha “Pasodoble”, contando ainda com derivados no mundo oriental, que
não obstante a incorporação de instrumentos regionais mantém estrutura
musical correlata com a necessidade universal de caserna: peças de
movimentação que podem tornar-se concertantes em solenidades.

Nesse contexto, esta pesquisa contempla reflexões conceituais e técnicas sobre as


possibilidades de escrita onde a notação “é considerada um mero recurso através do qual a
música é registrada e comunicada [...]” (ZAMPRONHA, 1998, p. 8) para trompa no dobrado,
a partir de um estudo analítico sobre quatro dobrados, a saber: Batista de Melo, de Manuel
Alves Leite; Avante Camaradas (220), de Antonino Manoel do Espírito Santos (1884-1913);
Barão do Rio Branco, de Francisco Braga (1868-1945); e Dois Corações, de Pedro Salgado
(1890-1973).
Para o cenário cultural brasileiro, no qual mestres de bandas ou professores de escolas
de nível técnico se concentram em regiões mais afastadas dos grandes centros culturais, esses
atores (mestres de banda e professores) são os referenciais de ensino. Geralmente, trata-se de
profissionais que não tiveram uma formação em grandes centros, mas desempenham um
trabalho de iniciação e consolidação da base técnica, sendo responsáveis pela inserção no
mercado de trabalho de músicos em vários contextos.
Como ressalta Benedito (2011, p. 32), “[...] ainda que o programa elaborado pelos
mestres não seja seriado e apresente diferentes técnicas de ensino, o resultado musical é
surpreendente, conforme pode ser constatado no decorrer dos anos”.
É pertinente levar em consideração que esses profissionais possuem habilidades que
potencializam a produção de material de aporte técnico no ensino e na aprendizagem de um
instrumento. Neste caso específico, a trompa está imersa nesse ambiente.
Logo, reputa-se pertinente entender o papel e as possibilidades de escrita da trompa nos
dobrados, uma vez que esse gênero “[...] é, reconhecidamente, a composição musical mais
profundamente identificada como o “som da banda”, marcando presença em várias atuações na
comunidade como em desfiles ou retretas, festas cívicas ou religiosas, nos coretos ou em salas
de concerto” (SILVA, 2018, p. 71-72).
Portanto, é nesse cenário que se apresenta a problemática desta pesquisa: quais as
principais possibilidades de abordagens técnico-interpretativas na escrita para trompa na
banda de música em repertórios de dobrados?
22

2.3 Justificativa

Diante do cenário musical apresentado no século XXI, observa-se a abertura de


fronteiras de acesso a recursos que possibilitam aquisições de conhecimentos técnicos e
teóricos, outrora restritos a um pequeno público que detinha acesso diretamente à fonte, a
exemplo de professores, músicos intérpretes e editoras.
Aliás, o acesso a essas informações permitiu reconhecer as formas de pensar e fazer
música em vários contextos, revelando a pluralidade de ideias técnicas e teóricas sobre a
matéria. Contudo, absorver informações divergentes em cenários e situações específicas,
apresentadas por diversos autores, torna-se tarefa de difícil compreensão para o aluno iniciante,
acentuando os problemas na continuidade dos estudos, nomeadamente para aqueles que não são
orientados por um profissional especialista.
A aprendizagem da trompa é reconhecidamente de complexa execução, devido a fatores
peculiares, como características sonoras, afinação e extensão. Paralelo a essas especificidades,
tem-se que a trompa é um instrumento transpositor que exige do músico habilidades específicas,
como aduz Vig (2013, p. 10): “a transposição é um processo que envolve diversos fatores, como
por exemplo: domínio perfeito de leitura de notas, familiarização com a melhor forma de pensar
na transposição, domínio e prática de uma armação de clave mental diferente da que está escrita
na partitura.”
Por serem intrínsecas ao instrumento, é pertinente examinar como as habilidades
técnico-idiomáticas da trompa permitem a extensão de atuação na performance em repertórios
de bandas de música, pois essas instituições, consoante Benedito (2011, p. 55), são

importantes polos educacionais. Estas corporações musicais, nos seus 150


anos de existência, tiveram no passado resultados muitas vezes superiores e
mais significativos que os das escolas de música, devido às suas “estratégias”
de aprendizado musical e da proximidade da teoria com a prática.

Com a hipótese de que a trompa nas bandas de música em Teresina - PI tem-se


constituído em um instrumento ponte para a transição do aluno para outros instrumentos,
almeja-se analisar o repertório de banda e levantar possibilidades de ferramentas performáticas
que coloquem esse instrumento em evidência nessas corporações, suscitando a qualificação e
continuação dos estudos pelos trompistas de bandas.
Encontra-se na literatura específica um aporte para o desenvolvimento dessas
habilidades, como métodos e sítios eletrônicos que publicam informações para o
23

desenvolvimento de estudos sobre trompa. Não obstante, “[...] professores e alunos de trompa
no Brasil dependem de livros de métodos tradicionais, como o Maxime - Alphonse horn etudes,
e livros como o de Philip Farkas, The Art of French Horn Playing, ambos escritos por
renomados professores de trompa e virtuosos músicos fora do Brasil” (FONSECA, 2012, p. 2,
tradução nossa).8
Diante dessas circunstâncias onde a prática da transmissão oral é um padrão presente no
cotidiano das bandas de música, constata-se que o paradigma incorporado na escrita da trompa
nos dobrados é uniforme, obedecendo a um modelo de condução rítmica constante e de pouca
exploração de performance.
No levantamento de referencial para essa problemática em pesquisas realizadas em sítios
e publicações específicas da área, como matérias de suporte metodológico na aprendizagem da
trompa em língua portuguesa, não foram encontrados, até o presente momento, trabalhos como
manuais, apostilas ou métodos destinados exclusivamente para a trompa e que tenham o
dobrado como princípio de exploração metodológica e performática.
Entendendo que a escrita da trompa em dobrados é reflexo de padrões culturalmente
incorporados ao gênero (dobrado), a discussão do problema não se esgota nas possibilidades de
extensão da escrita. Busca-se, inclusive, compreender quais padrões corroboram a manutenção
dessa escrita uniforme e pouco flexível, com o intuito de estimular a incorporação de novos
elementos na performance da trompa.
Considerando o contexto apresentado, esta pesquisa contribuirá com o detalhamento de
um tema pouco explorado, qual seja o estudo performático do dobrado na trompa pelo viés da
performance instrumental. Com isso, espera-se, a partir deste trabalho, motivar e auxiliar o
processo de entendimento da trompa por parte de compositores, arranjadores e maestros de
bandas de música, para que o instrumento passe a ser contemplado adequadamente nos
repertórios interpretados por essa formação.

8
Teachers and students of the horn in Brazil depend on traditional method books such as the Maxime – Alphonse
horn etudes, and books such as Philip Farkas’s The Art of French Horn Playing, both written by well-known
horn teachers and virtuosic players outside Brazil (FONSECA, 2013, p. 2).
24

2.4 Objetivos

2.4.1 Geral

Propor novas possibilidades de abordagens técnico-interpretativas na escrita para


trompa na banda de música, em repertórios de dobrados.

2.4.2 Específicos

• Identificar a relação entre o conhecimento técnico da trompa e o histórico da


performance do instrumento no gênero musical dobrado;
• analisar as possibilidades técnicas das melodias do dobrado que possam estender a
performance desse tipo de repertório na trompa;
• Compreender como mestres de bandas interpretam a função da trompa no gênero
dobrado e na banda de música;
• elencar direcionamentos para as possibilidades de performance adequadas para a
trompa nos dobrados, considerando as possibilidades técnico-interpretativas do
instrumento;
• propor novas partes de trompa em obras desse gênero.

2.5 Metodologia

Metodologicamente, a abordagem agregou perspectivas da pesquisa qualitativa, a partir


de entrevistas semiestruturas junto aos mestres de bandas, sublinhando a necessidade de
problematizar mais diretamente a realidade de Teresina-PI, indicando direcionamentos que
possam ser considerados para outras realidades de banda de música similares às analisadas nesta
pesquisa.

• Universo da pesquisa

São selecionados quatro dobrados para estudo e proposição de novas perspectivas de


performance na trompa: o dobrado Batista de Melo, de Manuel Alves de Leite; Avante
Camaradas (220), de Antonino Manoel do Espírito Santos (1884-1913); Barão do Rio
25

Branco, de Francisco Braga (1868-1945); e Dois Corações, de Pedro Salgado (1890-


1973);
• Instrumentos de coleta de dados

Pesquisa bibliográfica: realizar-se uma investigação bibliográfica da literatura


existente, evidenciando a aprendizagem da trompa e o gênero musical dobrado para,
dessa maneira, sustentar as bases teóricas desta pesquisa.
Entrevistas semiestruturadas: identificou-se como a trompa está inserida no
repertório nas práticas performáticas dos atores (mestres de banda de Teresina-Piauí)
que são responsáveis pela construção da performance dessas obras e, assim, analisando
as compreensões que influenciam na escrita para a trompa nesses repertórios.
As entrevistas foram realizadas e gravadas através da plataforma Google Meet, com
duração aproximada de uma hora e trinta minutos.

• Instrumentos de organização e análise dos dados


Constituição do referencial teórico: a construção teórico-prática do trabalho está
sistematizada em uma reflexão sobre os processos de atuação da trompa a partir dos
estudos de referenciais de autores selecionados na pesquisa bibliográfica, que foram
selecionados a partir de sua relação com a temática investigada, a saber, trompa – banda
de música – dobrado. Diante das lacunas identificadas na literatura, o uso dessas
referenciais busca construir uma reflexão que possibilite a discussão sobre a extensão
de atuação da prática da trompa em dobrados.
Análise de repertório: cumpriu-se a análise do repertório através da identificação das
quatro funções do dobrado: canto, contracanto, centro e baixo, e sua instrumentação das
melodias em sua forma musical. Fez-se o uso da ficha técnica performática como quadro
síntese do estudo e a análise musical das obras em questão. Nessa direção, são utilizados
parâmetros de níveis adotados por Sotelo (2008).
26

3 PARTE B – CONCEITOS QUE FUNDAMENTAM A PESQUISA

Para que se avaliem os dados e indiquem alternativas aos padrões usados na trompa, a
análise dos referenciais teóricos parte da reflexão analítica dos conceitos adotados nas
literaturas selecionadas e identificação dos padrões culturais e técnicos incorporados à trompa
no dobrado e na banda de música. Essa parte da pesquisa, denominada de parte B, faz analogia
à segunda seção do dobrado, e tem como objeto a interpretação dos conceitos que norteiam a
trompa na banda de música e no gênero dobrado, revelando as concepções de autores que se
dedicam ao estudo da banda de música, da organologia e da trompa.
A segunda seção temática do dobrado é denominada de parte B. Esta seção diverge da
primeira na exposição de um novo tema contrastante, podendo ser longo ou ocasionalmente
curto, com uso ou não de sinais de repetição e, eventualmente, apresentando elementos de
transição (ponte) para a seção que se segue, parte A ou Trio (parte C).
Portanto, a parte B, assim como a analogia à seção do dobrado, aponta as ideias
contrastantes existentes na literatura, os fundamentos essenciais para as seções seguintes da
pesquisa, recapituladas em forma de conceituações ao longo das reexposições dos dados,
proporcionando diálogo e fundamentação necessários para a compreensão deste estudo.

3.1 A banda de música

As pesquisas de caráter qualitativo que corroboram e exploram a temática trompa e


banda, em especial no Brasil, ainda se apresentam surgentes. Porém, no que diz respeito à
pesquisa direcionada para os aspectos performáticos em contextos orquestrais e práticas
interpretativas de repertório de época, contemporâneos ou metodologias de ensino –
aprendizagem deste instrumento, denota-se um constante crescimento quantitativo das
pesquisas e publicações.
Uma das razões que provavelmente contribuem nesse contexto diz respeito ao
cadastramento de professores – pesquisadores – performers desse instrumento em programas
de pós-graduação, a exemplo do que acontece na Região Nordeste, na Universidade Federal da
Bahia (UFBA), por intermédio do professor Celso Benedito, docente do Programa de Pós-
Graduação Profissional em Música (PPGPROM); e do professor Radegundis Aranha Feitosa,
do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) da UFRN, os quais fazem com que o
desenvolvimento científico da pesquisa sobre a trompa contribua para o aumento quantitativo
de estudos atinentes às práticas desse instrumento em variados contextos.
27

As pesquisas desenvolvidas por esses Programas de Pós-Graduação são importantes


fontes que nutrem o conhecimento científico no tocante à pesquisa performática da trompa.
Todavia, como já referido, o olhar científico sobre as práticas da trompa no contexto de banda
de música é pouco expressivo, daí porque se busca dialogar e compreender os possíveis pontos
de intersecção conceitual que corroboram o contexto levantado por autores que tangenciam seus
estudos no âmbito das temáticas: bandas, como Brum (1980), Andrade (1989), Kohut (1996),
Lima (2000), Sotelo (2008), Nascimento (2010), Salles (1985), Santos (2017), Benedito (2011,
2017), Silva (2018), Soares (2018); composição, como Dantas (2015), Pereira (2011), Campos
(2015); organologia, como Henrique (1988), Carvalho (1994) e Adler (2006); práticas
performática da trompa, como Fonseca (2012), McWilliam (2013), Vig (2013), Starrett (2018)
e Tuckwell (1978, 2002).
A compreensão do que é uma banda de música no Brasil pode tomar várias formas,
desde uma compreensão técnica (formação e instrumentação) a uma visão cultural das
características do contexto sociocultural no qual está inserida, incorporando termos e
nomenclaturas da região, como denominar o instrumental com outros nomes, a exemplo dos
saxhorn, chamados de cachorrinha ou chiquinha, trompete de piston, e a trompa como trompa
de harmonia.
O que se conhece como banda e a aquisição dessa identidade cultural cívica e militar
tem seus primeiros registros ainda no Brasil Colônia, como afirma Campos (2008, p. 105):

a história das bandas de música remonta ao período do Brasil Colônia, com as


bandas organizadas pelas irmandades religiosas e pelos senhores de engenho.
Nas bandas das irmandades, os músicos tocavam em troca do aprendizado de
leitura e escrita, e especificamente em busca do aprendizado musical. As
bandas organizadas pelos senhores de engenho, conhecidas como bandas de
fazenda, eram compostas por músicos-escravos que tocavam em troca de
sustento.

Então, ainda tomando o pensamento do referido autor a respeito da representatividade


das bandas de música na memória cultural, nota-se que a construção das bandas como
instrumento social e educativo emergiu quando elas (bandas de fazenda e das irmandades)
ocupavam um papel na sociedade, sempre presentes em atividades cívicas, religiosas e
profanas, contribuindo para uma identidade cultural representativa das manifestações populares
(CAMPOS, 2008).
Na história das bandas de música, é perceptível a relevância que essas instituições
ocuparam no cenário educacional, na formação do indivíduo como representante de uma
28

identidade cultural. Tais representatividades se fizeram a partir tanto das inserções de camadas
menos favorecidas a uma profissionalização quanto à internalização da música instrumental das
bandas de música em gêneros e estilos como dobrados, valsas, hinos (cívicos e religiosos),
maxixes, entre outros ritmos da cultura popular brasileira – muitos deles a serem internalizados
e concebidos como instrumento de influência nas concepções de estados e espíritos da
identidade cultural regional.
Ao entender a música instrumental das bandas de música como mecanismo de educação
e de representações culturais, concebe-se a banda de música como um instrumento que
proporciona a continuidade na formação estética e social. Nessa perspectiva, visando à
compreensão do termo banda de música, empregam-se as características incorporadas a elas a
partir de Silva (2018).

Esses termos citados normalmente são utilizados para denominar os grupos


tradicionais compostos por metais, madeiras e percussão que ficaram
conhecidos por sua forte presença nos coretos de nossas praças, ao longo dos
séculos XIX e XX. Além disso, esses grupos sempre tiveram uma função
importante de entretenimento do povo, assim como a de participação nos
rituais religiosos e cívicos. (SILVA, 2018, p. 10)

Isso posto, por entender que há uma literatura consolidada sobre o assunto, não se
pretende discorrer sobre os termos e as classificações que envolvem as diversas formações de
bandas. Para esta pesquisa, considera-se a formação de uma pequena banda de música de até
trinta instrumentos, de acordo com a classificação de Brum (1980, p. 71), havendo: “1 flauta
em Dó ou requinta Mib, 9 clarinetes Sib, 1 saxofone soprano Sib, 1 saxofone alto Mib, 1
saxofone tenor Sib, 3 trompas em Fá ou saxhorns Mib, 3 trompetes Sib, 3 trombones, 1 barítono
Sib, 1 bombardino, 2 tubas (Mib e Sib), 1 bombo, 1 pratos, 1 caixa clara, 1 surdo”, não fazendo
uso de instrumentos característicos de bandas sinfônicas, como clarinetes baixos, saxofone
barítono, fagote e oboé.
A escolha desse formato de banda dá-se pelo entendimento de que é a partir desse
modelo de formação instrumental que se encontra o agrupamento mais característico e presente
nas pequenas cidades do interior do Brasil, embrião para diversas formações. Como se observa
em Brum (1980), a trompa é inserida com o uso da conjunção ou, que dá a ideia de alternativa.
Para esse caso, pode-se deduzir que na falta de um instrumento, poderá ser substituído por outro
(o saxhorn).
Para Carvalho (1994, p. 179), ao determinar outras variações de agrupamentos de até 36
integrantes (instrumental), a trompa não é citada, mas há citação de “3 saxhornes (altos em
29

mib)”. Entretanto, em referência à “pequena banda militar,” Carvalho determina que há “4


trompas em fá ou mib”. Por sua vez, Adler (2006), ao referir-se à banda de rua (banda de calle),
menciona que a trompa está representada por “trompas em MIb ou em FA” (2006, p. 774,
tradução nossa),9 sem especificar a quantidade.
No ano de 1836, foi fundada a Gymnase de Musique Militaire, sob a direção de Michelle
Carafa.10 Essa instituição tinha o propósito de reorganizar a banda das forças armadas francesas.
Na instrumentação de Carafa, estão presentes duas trompas naturales e duas trompas
cromáticas. Em conformidade com Bargues (2015), houve resistência de Adolphe Sax sobre
esse modelo, passando a sugerir uma formação na qual prevalecessem os instrumentos de
metais em relação aos de madeiras.
Essa resistência levou à promoção da organização de uma comissão para avaliar as duas
instrumentações: “o teste consistiu no recrutamento de duas bandas, ambas tocando uma
composição preparada por membros do Conselho. Foi previamente acordado que cada um
destes grupos foi limitado a quarenta e cinco músicos para comparar a diferença em
instrumentação” (BARGUES, 2015, p. 240, tradução nossa).11
Devido à prevalência dos instrumentos de metais, possibilitando maior homogeneidade
sonora e melhor projeção em espaços abertos, a formação de Sax foi eleita e, em 1854, a ela
foram incorporados oito saxofones.

9
“trompas en MIb o en FA” (ADLER, 2006, p. 774).
ADLER, Samuel. El estudio de la orquestración. Tr. Jaime Mauricio Fatás Cabeza, Luis María Fatás Cabeza.
Barcelona: Idea Musica, 2006.
10
Michele Enrico Francesco Vincenzo Aloisio Paolo Carafa di Colobrano (1787 – 1872), compositor italiano e
professor de contraponto no conservatório de Paris, de 1840 a 1858. Disponível em:
https://www.britishmuseum.org/collection/term/AUTH232719. Acesso em: 2 maio 2022.
11
La prueba consistió en reclutar dos bandas, tocando ambas uma composición preparada por los miembros del
consejo. Anteriormente había sido convenido que cada una de estas agrupaciones fuese limitada a cuarenta y
cinco músicos para comparar la diferencia en la instrumentación (BARGUES, 2015, p.240).
BARGUES, Raquel Mínguez. Bernardo Adam Ferrero en el mundo de las bandas de música valencianas.
Tesis (Doctoral) – Facultad de Filología, Traducción y Comunicación, Universitat de València, Valencia, 2015.
30

Quadro 1 – Instrumentação da banda de Adolphe Sax (1845)

Madeiras Metais Percussão


1 – Flautim em Dó 2 – Cornetins (3 pistons) 5 – Instrumentos percussão
1 – Requinta em Mib 2 – Trompetes (3 pistons)
14 – Clarinetes sopranos em Sib 4 – Trompas (3 pistons)
2 – Clarinetes baixo em Sib 1 – Saxhorn em Mib
2 – Saxofones 2 – Saxhorn em Sib
2 – Saxhorn alto em Mib
3 – Saxhorn baixo em Sib
4 – Saxhorn c/baixo Mib
1 – Trombone de pistons
2 – Trombones de vara
2 – Oficleides
Fonte: Sousa (2013, p. 66-67).

As primeiras iniciativas de “padronização instrumental para bandas europeias” deram-


se no século XIX, com dois modelos: o primeiro, “proposto durante um congresso de História
e Teoria Musical em Paris em 1900; e outro, proposto Adolph Sax” (LAGE, 2012, p. 36). Nas
duas estruturas, segundo o susodito autor, no primeiro agrupamento, o naipe dos metais é
composto por três trompas; na segunda, é formado por quatro trompas, sem designação sobre o
modelo de trompa a ser usado.
O repertório de banda é amplo e variado, e o gênero dobrado ocupa uma posição de
destaque nas bandas de música, tipificando-se como um repertório de execução obrigatória em
programas de concerto. Ao constatar as divergências entre os autores nas especificações do uso
padrão ou não da trompa nesses agrupamentos, assimila-se que as perspectivas que configuram
a exploração técnica nos repertórios de banda pela trompa são condicionadas ao uso opcional,
configurando pouco uso ou não inserção.
No gênero pasodoble, há oito variações incorporadas. São elas: pasodoble marcha;
pasacalle; regionales; concierto; festivos e festeros; marchas de los desfiles de moros y
cristianos; canción e torero. Todas elas obedecem à mesma forma musical, variando somente
no caráter concatenado com as funções empregadas.
Devido à natureza marchante, as diretrizes da escrita são compostas em compassos 2/4
ou 6/8, com a forma musical apresentando-se após “um primeiro período, como introdução –
no acorde da dominante, segue-se a seção mais importante, na tonalidade principal. Segue-se
uma segunda parte, o tradicional trio de marchas, sempre em tom maior” (BARGUES, 2015, p.
279, tradução nossa).12

12
Después de un primer período, a modo de introducción –sobre el acorde de la dominante-, le sigue la sección
más importante, em la tonalidad principal. A ésta le sucede una segunda parte, el tradicional trío de las marchas,
siempre en tonalidad mayor (BARGUES, 2015, p. 279).
31

No Brasil, foi incorporada e adotada a forma estrutural do pasodoble nas marchas


militares e denominadas de dobrados, expressão de uso nacional que passou a ser um gênero
musical representativo das corporações das bandas de música militares e civis brasileiras.
Por definição, segundo as finalidades e a conceituação regulamentadas em obras
musicais militares adotadas pelo exército brasileiro, o dobrado é descrito no Art. 2º, inciso VIII,
como “uma peça musical sem letra, isto é, unicamente instrumental, podendo ser: Marcial (com
cadência característica para emprego em desfiles), ou Sinfônico (que pode ser desprovido de
característica marcial. Nesse caso, deverá ser executado somente em apresentações musicais ou
retretas)” (Boletim do exército nº 38, 2016, p. 14).
Para essas corporações, a execução e aprendizagem desse repertório é obrigatória,
independentemente do nível técnico instrumental. Dessa forma, a adequação de repertórios é
uma alternativa que poderá ser incorporada na prática dos mestres de banda para uma
exploração técnica mais adequada da performance da trompa na banda de música estudantil.
O conhecimento dos aspectos técnicos do repertório é essencial para o domínio dos
elementos didáticos e performáticos na prática instrumental na banda, e a “tabela de parâmetros
técnicos” é um instrumento que pode orientar as escolhas técnicas na escrita desse repertório
pelos mestres de banda.
A propósito, Sotelo (2008, p. 36) ressai que o conhecimento da tabela pode

[...] propiciar ao regente uma melhor escolha do repertório, com riqueza de


detalhamento técnico e musical, observadas as necessidades e possibilidades
da banda, de modo a viabilizar resultados mais satisfatórios, tendo em vista o
controle das etapas do aprendizado do aluno.

O uso da tabela de parâmetros técnicos para esta pesquisa limita-se à classificação dos
repertórios do objeto de estudo, a fim de nortear os parâmetros de seleção e classificação das
estruturas melódicas presentes nos dobrados. Entende-se que para o bom direcionamento de
uma escrita e a transcrição de melodia, faz-se necessário que o mestre de banda e/ou professor
de música domine padrões de escrita que corroborem o desenvolvimento da performance de
seu aluno. Nesse sentido, o mestre de banda atuaria como um facilitador da aprendizagem e
performance instrumental.
32

3.2 Características da escrita tradicional para a trompa na banda de música no repertório


de dobrados

O gênero musical dobrado é caracterizado como a essência dos repertórios das bandas
de música. Para que se possa entender a escrita para trompa nesse gênero, inicialmente, faz-se
necessário conhecer suas principais características e, a partir de então, identificar as
particularidades atribuídas na escrita da trompa.
Por oportuno, tem-se como princípio o conceito adotado por Dantas (2015, p. 54) em
sua reflexão e análise sobre os processos composicionais de música para banda. Ao avaliar o
dobrado, o autor em apreço identifica as “quatro funções instrumentais” presentes na música
militar, quais sejam:

Baixo: estabelecendo um campo harmônico e um padrão de ritmo; Centro:


consolidando o encadeamento rítmico e completando o campo harmônico;
Contracanto: comentando ou completando a linha melódica principal; Canto
ou Linha melódica: para as pessoas, a música em si.

Essas funções são as bases estruturais dos elementos constituintes na escrita do dobrado,
que obedece a uma estrutura formal “dividida em três seções principais A, B e C” (LISBOA,
2005, p. 5), assim como a inserção de componentes de repetições e saltos que dão dinamicidade
a essa estrutura,

[...] com introdução, ponte e coda. Essa forma originou o dobrado [...],
introdução, primeira parte expositiva, segunda parte forte (com solo dos
graves ou não), uma volta à 1ª parte via sinal de S, e com um sinal de O, chega-
se a uma ponte, conduzindo a um trio de dinâmica mansa. (DANTAS, 2015,
p. 63)

A partir desses elementos, o gênero musical dobrado, em sua essência, caracteriza-se


como uma música de caráter militar, apesar de ter sido incorporado como um gênero
característico das bandas de música não somente militares, mas também civis e escolares,
simbolizando momentos cívicos, religiosos e culturais nas comunidades nas quais estão
inseridas. Dessa forma, geralmente é composta em homenagem a uma personalidade de
significativa relevância, fatos e feitos de história ocorridas e datas comemorativas.
Dentre as quatro funções instrumentais presentes nos dobrados, a escrita tradicional para
trompa ocupa a função de centro, compreendida como “acompanhamento rítmico-harmônico”
(DANTAS, 2015, p. 57). Tradicionalmente, a escrita apresenta-se reduzida ao uso excessivo do
33

contratempo em conjunto com uma figura de curta duração (Figuras 1, 2 e 3), tipificando uma
sistematização com o uso e a condução de poucas notas do campo harmônico da melodia.

Figura 1 – Trio do dobrado Barão do Rio Branco

Fonte: Funarte (2008).

Figura 2 – Trio do dobrado Avante Camaradas (220)

Fonte: Secult (2001).

Figura 3 – Trio do dobrado Batista de Melo

Fonte: Batista de Melo (1984).

O uso de condução rítmico-harmônica é associado a um padrão de escrita incorporado


enquanto diretriz na composição no gênero dobrado. Os exemplos apresentados nas Figuras 1,
2 e 3 são extratos pertencentes ao trio, que é uma passagem com “[...] uma variante da melodia
da primeira parte, somente feita pelas palhetas, com centro de trompas e marcação, [...]”
(DANTAS, 2015, p. 66).
O trio é inserido na parte C do dobrado, contrastando com as duas primeiras seções (A
e B) fortes e imponentes dele. Usualmente, no trio, as trompas ocupam o centro, como nas
outras seções desse gênero. No entanto, no dobrado Dois Corações (Figura 4), o compositor
optou por inserir a trompa em passagem melódica durante quinze compassos antes de retomar
à função de centro.
34

Figura 4 – Trio do dobrado Dois Corações

Fonte: Funarte (2008).

A inserção da trompa como instrumento melódico por Pedro Salgado em uma passagem
lírica, com o uso de saltos intervalares de sextas, arpejos descendentes e uso de notas graves,
em uma música onde o principal espaço de performance é em marcha ao ar livre, aponta para
o uso de possibilidades de exploração técnica e escrita para esse instrumento pelos mestres de
banda, compositores de dobrados e professores de trompa.
Ao analisar as obras selecionadas nesta pesquisa, infere-se que a escrita para trompa no
gênero musical dobrado é concatenada ao padrão rítmico-harmônico historicamente
incorporada ao gênero derivadas do pasodoble, ou seja, à marcha militar (Figura 5).

Figura 5 – Exemplo da escrita para trompa no gênero Pasodoble Marcha, compasso 1-33

Fonte: partitura 1º e 2º trompa, Amparito Roca – Spanish March, Jaime Texidor Dalmau, edição de 1935.
35

A partir da leitura de estudos sobre o assunto, verifiquei que há a possibilidade de que


as partes tocadas pelo saxhorn e pela trompa moderna nas bandas de música no Brasil tenham
se estabelecido da forma como são porque no início dessa formação, também eram utilizadas
trompas naturais, e a escrita teria sido elaborada para esse instrumento.
Sabe-se que durante o século XIII, havia os grupos instrumentais chamados de
charameleiros, que eram formados por “trombeteiros e tambores, que anunciavam reis e
acicatavam batalhas” (CORREIA, 2006, p. 5). No século XVII, a elas foram incorporados
pífaros e sacabuxas – esses são os primeiros exemplos de formação musical que passariam a
formar o que denominamos hoje de banda de música. Aliás, Correia (2006, p. 5) menciona que
“[...] por 1720 encontramos em Leipzig uma banda de: 3 oboés, 2 trompas e fagote, e numa
gravura londrina de 1756 uma companhia de granadeiros integra mais novidades: 2 clarinetes,
2 trompas e 2 fagotes (Harmoniemusik)”.
Logo, pode-se afirmar que as trompas citadas são as trompas naturais, pois o
desenvolvimento da técnica de mão ocorreu após 1740. Assim como se constata em Portugal,
país que teve maior influência para a incorporação de modelos e padrão da música militar no
Brasil, em especial para a banda de música, os instrumentos de metais usados no século XVIII
eram
[...] principalmente o clarim e a trompa eram ainda modelos “naturais”
tocando apenas os harmônicos naturais, limitação que veio a motivar
experiências com orifícios para obter outros sons, o que veio a originar
instrumentos como o serpentão e o oficleide que no século XIX vão integrar
também as bandas militares. (SOUSA, 2013, p. 55).

As instrumentações das bandas de música antes da chegada da coroa portuguesa ao


Brasil, em 1808, ainda carecem de mais estudos aprofundados na história da música brasileira.
Devido a uma indefinição quanto à padronização estabelecida por essas corporações, suas
instrumentações tomam como referências as estruturas incorporadas aos charameleiros e
posteriormente aos Harmoniemusik.
Contudo, pode-se encontrar registro no Norte do Brasil do uso da trompa como
instrumento pertencente às corporações musicais das “milícias locais” antes desse período,
como destaca Salles (1985, p. 21):

Trombeta, instrumento de música marcial, provavelmente derivado da tuba


dos romanos, na Idade Média, mais aperfeiçoado, denominado tromba ou
trompa. Deve ter sido um dos primeiros instrumentos europeus introduzidos
na Amazônia. Em 1661 o padre Bettendorff, viajando ao Amazônas, levou
consigo o índio Tomásio, trombeteiro. Em 1777, havia uma orquestra de 13
músicos em Belém, composto de negros escravos, entre os quais 6 tocavam
36

trompa.

Em Portugal, há referência do uso de duas trompas em um decreto que especifica a


instrumentação da banda de 1802 do exército português, e em 1809, o Hymno patriótico da
nação portuguesa de Marcos Portugal configura em sua instrumentação “trompa em mi bemol”
(BINDER, 2006, p. 23).
Ao analisar a instrumentação apresentada por Binder (2006) nas bandas luso-brasileiras
e portuguesas, entre 1793 e 1825, constata-se que em suas instrumentações, era utilizado um
par de trompas (BINDER, 2006, p. 32). O uso de duas trompas nas bandas de música foi o
padrão obedecido na primeira metade do século XIX, em estudo realizado sobre as Bandas de
música no distrito de Lisboa entre a Regeneração e a República (1850-1910), por Sousa (2013,
p. 77), que observa que “o modelo de trompa usado nas bandas civis e militares portuguesas foi
o saxtrompa (saxhorn) em Mi bemol, como testemunham todas as partituras e fotografias de
diversas bandas, quer as militares quer as civis”.
É possível caracterizar os anos de 1825 a 1850 como um período de transição, com o
surgimento de novos instrumentos construídos por sax e a incorporação deles pelas bandas,
assim como o surgimento de escritas para segundas vozes, que foram absorvidas nos repertórios
das bandas (SOUSA, 2013, p. 58). Todavia, ainda em 1858, em manual da época, a escrita para
duas trompas permanecia como padrão na formação das bandas de música militar, como orienta
Fetis (1858, p. 86):

Quatro trompas são necessárias n’um corpo de msica d’hamonia que executa
grandes peças, para que as affinem em diferentes tons. Bastam duas para as
marchas e passo dobrado, nos corpos da musica militar; contudo, muitas vezes
ha mais. Quando não há senão duas partes de trompas, dobram-se. [...]

No período entre 1868 e 1973, no qual estão inseridos os compositores dos dobrados de
estudo desta pesquisa, a escrita para trompa imprimiu funções de acompanhamento rítmico-
harmônica, eco das diretrizes composicionais incorporadas na época.

3.2.1 Saxhorn, Chiquinha, trompa cachorrinha e trompa de harmonia

Os instrumentos de metais em uma banda de música exercem uma importante função


técnica: a eles podem ser atribuídos sinônimos de suntuosidade sonora representando passagens
melódicas de canto, contracanto, centros e baixos, ou seja, podem ser usados para propósitos
múltiplos, conforme o caractere musical que se pretende projetar.
37

Historicamente, esses instrumentos desenvolveram funções militares consideráveis, em


razão das possibilidades de maiores projeções sonoras como o uso exercido em toques e
chamadas em batalhas, cerimoniais e sinalizações de horas. A trompa traz em sua história inicial
tais funções, e a “evolução da trompa moderna se dá a partir de instrumentos conhecidos como
trompas de caça, utilizados por caçadores como meio de comunicação através de sinais sonoros
para orientá-los tanto na sua própria localização como na localização da caça” (SILVA, 2012,
p. 4).
Devido à variedade de instrumentos pertencentes a esse naipe (metais) e à evolução
tecnológica e técnico musical aplicada na elaboração desses instrumentos, o naipe dos metais
nas bandas de música foi ampliado. Dentre os avanços, destacam-se: o uso da técnica de mão
na trompa natural, por volta dos anos 1740, pelo trompista Anton Joseph Hampel; a invenção
dos pistões, em 1816-17, pelos inventores Henrich Stölzel e Friedrich Blühmel; a trompa com
rotores, em 1822, criada por Luigi Pini; e o advento de uma nova família de instrumentos de
metais, os saxhorns, patenteado por Adolphe Sax, por volta de 1845.
No entanto, a atuação da trompa e do saxhorn nas marchas militares se cruzam em
funções e, eventualmente, o antagonismo de nomenclaturas desses instrumentos e a afinidade
sonora existentes entre esses eles levam inadequadamente para a exploração técnica no gênero
dobrado.
A trompa dupla F/Bb é um instrumento que teve sua evolução a partir da trompa natural.
Henrique (1988, p. 324) refere que “[...] para distinguir da trompa natural chama-se-lhe também
por vezes trompa de pistões, trompa cromática ou trompa de harmonia”. A trompa natural é um
instrumento que faz uso de tubos suplementares para alteração de alturas, ou seja, a série
harmônica fundamental do instrumento, combinado com a técnica de mão, de modo que o
trompista, ao inserir a mão direita dentro da campana e variando a abertura desta, possibilita a
execução de notas fora da série harmônica do tubo em uso. Esse é um instrumento que foi
“utilizado prioritariamente para música de câmara e de concerto” (SILVA, 2012, p. 50).
Ao se buscar uma nomenclatura precisa, portanto, é equivocado chamar a trompa dupla
com rotores de cromática, já que a trompa natural também poderia emitir notas fora da série
harmônica, a partir do uso da técnica de mão.
Berkley (2009, p. 114) refere-se ao termo trompa para aludir “à trompa orquestral,
também conhecida como french horn. Embora seja usado como gíria no jazz nos Estados
Unidos (horn) para designar qualquer instrumento de sopro tocado por um solista [...]”. O uso
de cognome no Brasil para determinar as características musicais exercidas em um repertório
por determinado instrumento é uma prática usual em ambientes de bandas de música.
38

Por vezes, esses conhecimentos são estabelecidos por autores que corroboram essas
práxis, a exemplo dos saxhorn alto em Mib, classificado por Carvalho (1994, p. 117) como
“trompa ou trompinha ou chiquinha”, terminologia que ratifica que as funções técnicas
exercidas nas marchas sejam condicionadas aos termos preestabelecidos de suas nomenclaturas.
Adolphe Sax, ao desenvolver sua patente de duas famílias de instrumentos de metais,
em 1845, os saxhorns e o saxotrombas, na qual incluía bell-front e bell-up (campana para frente
e campana para o alto) para o uso militar, segundo Mitroulia e Myers (2020, p, 18, tradução
nossa),

[…] introduziu um elemento de confusão ao usar o termo "saxotromba" para


o envoltório bell-up, bem como para os instrumentos com um perfil de furo
mais estreito. A confusão na nomenclatura continuou por um longo tempo, e
foi exacerbado quando Sax (seguido por outros fabricantes) usaram o termo
“saxhorn” para os membros tenor e barítono da família de orifício mais
estreito em ambos os envoltórios. 13

A família dos saxhorns é constituído por sete instrumentos. São eles: saxhorns
sopranino Mib (bugle ou cornet); soprano Sib (bugle ou cornet); contralto Sib; alto Mib;
barítono Sib; baixo Sib ou Dó (bombardino); e o contrabaixo em Mib ou Sib. A Figura 6 indica
como o instrumental de Adolphe Sax é concebido, atestando que a família dos saxhorns não se
relaciona com a trompa moderna, uma vez que as características desse instrumento estão
classificadas em uma família distinta.

13
[...] introduced an element of confusion by using the term “saxotromba” for the bell-up wrap as well as for the
instruments with a narrower bore profile. The confusion in nomenclature continued for a long time, and was
exacerbated when Sax (followed by other makers) used the term “saxhorn” for the tenor and baritone members
of the narrower-bore family in either wrap. (MITROULIA; MYERS, 2020, p. 18).
MITROULIA, Eugenia; MYERS, Arnold. The saxhorn families. In: VON STEIGER, Adrian; ALLENBACH,
Daniel; Skamletz, Martin. Das Saxhorn: Adolphe Sax’ Blechblas instrumente im Kontext ihrer Zeit. Romantic
Brass Symposium. 3. ed. Schliengen: Argus 2020. (Musikforschung der Hochschule der Künste Bern, v. 13), p.
18-34.
39

Figura 6 – Folheto dos instrumentos de Sax de 1848

Fonte: Mitroulia e Myers (2020, p. 22).

Como observado na subseção anterior, os saxhorns alto em Mib ocupam a função de


centro nos dobrados, e devido ao uso contínuo de marcação de contratempo, o instrumento
também é reconhecido como cachorrinha nas bandas de música. “Usado nos três tipos de Banda
em número de 2, 3 até quatro e em três partes. Substitui as trompas em suas faltas. Porém, sua
sonoridade é menos encorpada e apesar de ser instrumento de som doce, esta não é de tão boa
qualidade à das Trompas” (BRUM, 1980, p. 42).
Ao determinar a substituição de instrumento em virtude da falta de outro, concebem-se
as características incorporadas do saxhorn ao instrumento sucessor, a trompa, que
eventualmente, é denominada de trompa de harmonia, em razão das funções rítmicas e
harmônicas incorporadas do gênero dobrado.
A origem desses termos, utilizados para designação do saxhorn e da trompa na banda
de música, são vinculados à função exercida, mas desvinculada das reais possibilidades
técnicas a serem exploradas nesse gênero. Com isso, faz-se necessário o uso adequado da
nomenclatura saxhorn para determinar o instrumento criado por Sax (saxhorn alto em Mib), e
trompa, para horn, termo que passou a ser convencionado a partir da composição da
International Horn Society, na qual se recomenda que o nome “HORN seja reconhecido como
40

o rótulo inglês correto […]. Extraído da Ata da Primeira Reunião Geral da IHS, 15 de junho
de 1971, Tallahassee, Flórida, EUA” (THE HORN CALL, 2014, p. 2, tradução nossa).14
Nesse sentido, Meek (1971, p. 19-20, tradução nossa)15 elucida que

das trompas de caça, o instrumento avançou para a trompa natural ou trompa


de mão, e para o uso orquestral e, mais tarde (por volta de 1830), foi adaptado
com válvulas para evoluir para o nosso instrumento atual. Na América, é
conhecido como horn; na Alemanha, como horn; na França; como cor; na
Itália, como corno; e na Grã-Bretanha, como French horn (copiado após o
instrumento do tipo francês). Os russos se referem a ela como valt horn (uma
transliteração tão perto do russo, quanto posso chegar), que se aproxima do
wald-horn, na Alemanha, ou natural horn, sem válvulas. No Japão, é horn.

O uso da nomenclatura adequada no trato desse instrumento pelos mestres de bandas,


arranjadores e compositores de dobrados é uma aplicação que poderá ampliar as possibilidades
de uso técnico, por determiná-lo a partir de características e sonoridades específicas adequadas,
não o condicionando a funções imutáveis e correlacionadas a termos ou instrumentos
estabelecidos como alternativos.

3.3 Possibilidades técnico-interpretativas da trompa: extensão, características sonoras,


articulação, acentuação, possibilidades melódicas

3.3.1 Extensão e características sonoras

A partir da invenção da trompa dupla - F/Bb, “[...] pelo fabricante alemão de trompa
Kruspe em 1897. O desenho da trompa dupla foi criado por Edmund Gumpert, que atuou como
terceiro trompista em Meiningen [...]” (ERICSON, 1998, p. 31, tradução nossa),16 a trompa

14
The International Horn Society recommends that HORN be recognized as the correct English label for our
instrument. [From the Minutes of Fist IHS General Meeting, June 15, 1971, Tallahassee, Floriada, USA] (The
Horn Call. 2014, p.2)
15
From hunting horns the instrument advanced to the natural horn, or hand horn, and into orchestral use, and later
on (about 1830) was adaptedd with valves, to evolve into our present-day instrument. In America it is known as
the horn, in Germany as the horn, in France as the cor, in Italy as the corno, and in Britain as the French horn
(copied after the French-type instrument). The Russians refer to it as the valt horn (a transiteration as near to the
Russian as I can come), which approximates the German wald horn, or natural horn withot valves. In Japan it os
the horn. (MEEK, 1971, p. 19-20).
MEEK, Harold. The Horn! In: The Horn Call, educational journal of the International Horn Society, v. I, n. 2,
p. 19-20, May 1971.
16
“[...] were producede by the German horn maker Kruspe in 1897. The design of the double horn was created by
Edmund Gumpert, who served as third hornist in Mainingen” (ERICSON, 1998, p. 31).
ERICSON, John Q. The double horn and its invetions in 1897. The Horn Call (ed.). Johnny L. Pherigo, v.
XXVIII, n. 2, Kalamazoo, Michigan, USA, feb. 1998.
41

dupla passa a estender-se como um instrumento que possibilitou ao trompista combinar duas
afinações.
De acordo com Bracegirdle (2014, p. 52, tradução nossa),17

Anton Horner apresentou as trompas de Kruspe à América em 1902, mas o


nome foi associado a instrumentos de sopro há mais de 175 anos. Em 1833,
Karl Kruspe assumiu a oficina em Erfurt, onde ele foi aprendiz de Karl
Zielsdorf. O filho de Karl Kruspe, Eduard, assumiu a loja em 1864, e o filho
de Eduard, Fritz, assumiu em 1893. Fritz e seu irmão Walter desenvolveram
a primeira trompa dupla F-Bb em 1897.

A trompa F/Bb é um instrumento transpositor soando uma 5º perfeita inferior. A


combinação de duas afinações permitiu ao trompista explorar as sonoridades das séries
harmônicas a partir da resposta sonora do comprimento dos tubos em F e Bb. O ajuste ou a
transição da afinação é assegurado a uma quarta válvula ao instrumento, possibilitando a
mudança do percurso do ar para as voltas (tubos) correspondentes à trompa em F ou Bb.
Antes desse sistema de dupla afinação, as trompas eram de afinações simples em
variadas alturas, permitindo aos compositores escreverem para as diversas trompas existentes.
Historicamente, o repertório tradicional de concerto foi escrito contemplando as quinze opções
de afinação da trompa (Quadro 2), exigindo do trompista com sistema de dupla afinação a
habilidade de transposição de notas.
Para o desenvolvimento da habilidade da transposição, podem-se seguir os três
procedimentos apontado por Vig (2013, p. 79), que auxiliam no êxito desta habilidade, quais
sejam: “(i) memorizar firmemente a nova armação de clave; (ii) saber qual o intervalo na
vertical, para cima ou para baixo; e (iii) ler horizontalmente, observando o intervalo entre cada
nota.

17
Anton Horner introduced Kruspe horns to America in 1902, but the name has been associated with brass
instrument making for more than 175 years. In 1833 Karl Kruspe took over the workshop in Erfurt where he had
been apprenticed to Karl Zielsdorf. Karl Kruspe’s son Eduard took over the shop in 1864 and Eduard’s son Fritz
took over in 1893. Fritz and his brother Walter developed the first F-Bb double horn in 1897 (BRACEGIRDLE,
2014, p. 52).
BRACEGIRDLE, Lee. Kruspe horn - Back business. The horn call (ed.) William Scharnberg, Dallas, Texas,
USA, v. XLV, n. 1, oct. 2014.
42

Quadro 2 – Tabela de transposições para trompa em Fá, de Robin Gregory


Partes da Trompa em Tocada em uma trompa em Fá
Sib basso 5ª perfeita inferior
Si basso 5ª diminuta inferior
Dó basso 4ª perfeita inferior
Réb 3ª maior inferior
Ré 3ª menor inferior
Mib 1 tom inferior
Mi Meio-tom inferior
Fá Como escrito
Solb Meio-tom superior
Sol 1 tom superior
Láb 3ª menor superior
Lá 3ª maior superior
Sib alto 4ª justa superior
Si alto 4ª aumentada superior
Dó alto 5º perfeita superior
Fonte: Vig (2013, p. 76).

As trompas em F possuem uma tubulação maior, daí porque são caracterizadas com uma
sonoridade encorpada,18 prevalecendo a desenvoltura na região médio e grave, enquanto a
trompa em Bb, de tubulação menor, favorece a agilidade na região aguda do instrumento,
evidenciando uma sonoridade brilhante e penetrante. A propósito, Silva (2012, p. 112-113)
realça que “o uso da tubulação em Si bemol facilitará o ataque das notas agudas e ainda ampliará
o registro grave com notas que acusticamente não são executáveis com a trompa em Fá”.
A trompa dupla com o sistema de válvulas aprimorou a precisão de passagens
virtuosísticas, expandindo a extensão da trompa em quatro oitavas: “Melhorou os sons não
naturais (harmônicos), obtendo-os com clareza, igualmente de voz, com melhor entoação e com
facilidade de execução, sem falar na grande vantagem de se obter toda a extensão na escala
cromática, com os sons abertos” (OLIVEIRA, 2002, p. 14).

18
Adjetivação usada para descrever qualidades sonoras robustas e com harmônicos presentes, caracterizando uma
sonoridade aveludada.
43

Figura 7 – Extensão da trompa dupla F/Bb

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Devido à grande extensão da trompa e influência exercida no modo de escrita em blocos


para esse instrumento, o repertório orquestral tem privilegiado a distribuição das vozes em dois
grupos – trompas agudas e trompas graves –, o que permite ao trompista desenvolver-se e
permanecer em uma região específica, evitando mudanças drásticas de extensão.
McWilliam (2013, p. 116, tradução nossa)19 diz que na literatura, essa distinção vem
sendo justificada por meio de argumentos como:

• os requisitos de repertório orquestral e de ópera exigem que os trompistas


se especializem em agudos ou grave;
• trompistas são, por sua própria natureza e fisionomia, predestinados a tocar
agudo ou grave;
• a trompa deve ser tocada com o mínimo de mudança possível na
embocadura e, portanto, é possível cobrir toda a extensão com apenas uma
embocadura;
• esperar que o trompista cubra toda a gama do instrumento pode
desestabilizar perigosamente a embocadura.

A divisão de trompa grave e aguda é igualmente identificada na escrita de repertório


para banda ou grupos de sopros – trompas graves (segunda e quarta trompa) e agudas (primeira
e terceira trompa) –, como exemplificado no excerto do Intermezzo da Fist Suite in Eb for
Military Band de Gustav Holst:

19
The requirements of the orchestral and opera repertoire hornists to specialise in either high or low plaing; hornists
are by their very nature and physiognomy predestined to be either “high” or “low” players; the horn should be
played with as little change in the embouchure as possible and it is therefore impossible to cover the entire range
with just the one embouchure; expecting the hornist to cover the complete range of the instrument can
dangerously destabilise the embouchure (MCWILLIAM, 2013, p. 116).
44

Figura 8 – Trompa aguda e grave (1° e 2º trompa)

Fonte: partitura 1º e 2º trompa, Intermezzo, Fist Suite in Eb for Military Band, Gustav Holst, 1948.

Atualmente, a distinção de trompa grave e aguda para a formação do trompista não é


uma condição de escolhas, exclusivamente, porquanto cada vez mais, os repertórios de
orquestras e de bandas exigem uma versatilidade do trompista em todos os registros.
O advento da trompa dupla possibilitou ao trompista explorar registros que não eram
possíveis em virtude do uso da trompa natural ou da trompa simples (com apenas uma afinação),
proporcionando o surgimento da função de trompa libera, por meio da qual o trompista passou
a assumir outras vozes do naipe, a fim de reforçar ou auxiliar em passagens melódicas –isso é
relacionado às exigências técnicas dos repertórios contemporâneos.
O domínio do conhecimento das características sonoras da extensão da trompa é um
importante recurso para que o trompista consiga se mover entre as vozes e explorar o máximo
da qualidade sonora em cada voz específica. A trompa possui a seguinte configuração, de
acordo com a sua extensão, segundo Adler (2006, p. 316):

Figura 9 – Características sonoras do registro da trompa

Fonte: Adler (2006, p. 316).

De modo geral, a trompa é caracterizada como um instrumento de som doce,


aproximando-se das características dos registros da voz humana, mas também brilhante em
passagens como chamadas ou fanfarras. O desenvolvimento da sonoridade e suas cores nos
instrumentos de sopros de metais é resultado do estudo e da construção diária do músico, assim
como do desenvolvimento de sua performance.
Novas perspectivas das características sonoras dos registros da trompa poderão reunir,
a partir das referências sonoras do trompista, o que torna os adjetivos usados por Adler (2006)
não absolutos em sua descrição, uma vez que fatores como intenção (representação abstrata do
som), referências (escolas e estilos) e instrumentos contribuem para novas designações a partir
do contexto presente.
45

Por sinal, Oliveira (2002, p. 18) assevera que

o compositor escolhe a trompa em Fá pela sua bela sonoridade, fiel às


características do antigo instrumento, enquanto que o trompista escolhe o tubo
da trompa em Si bemol para produção de várias notas e a facilidade de tocar
em certos registros, mas isso não vem absolutamente alterar a maneira de
escrever para trompa, que continua no tom de Fá.

Uma composição é a representação das ideias sonoras do compositor. Com ela, o autor
visa a transmitir sensações ou um contexto específico, e ao determinar um instrumento para
representar uma passagem melódica, prevê que seu som descreva ou se aproxime da ideia que
a mensagem sonora pretende transmitir. Com isso, o trompista deverá ser flexível em descobrir
as cores sonoras que seu instrumento poderá oferecer, associado com as já citadas adjetivações
sonoras. Ademais, é importante destacar os diferentes modelos de trompas duplas.
A evolução das trompas duplas modernas decorre de dois modelos que surgiram entre
os séculos XIX e XX, quais sejam: Kruspe e Geyer. O modelo Kruspe é do já citado Eduard
Kruspe, a segundo pertence a Carl Geyer (1880-1973), alemão que se mudou para EUA em
1904, depois de ver um “anúncio de jornal de Leipzig dizendo que Richard Wunderlich estava
procurando um fabricante de trompa porque músicos de Chicago foram forçados a enviar seus
instrumentos para concertos na Alemanha.” (Disponível em https://www.hornsociety.org/26-
people/honorary/50-carl-geyer-1880-1973. Acesso em: 30 ago. 2021).
Assim, tem-se que a diferença entre esses dois modelos é que

[...] as trompas "Kruspe" têm um rotor desnivelado, são geralmente mais


pesadas, produzem um som bastante escuro e possuem um rotor que faz a
alternância entre Fá e Si bemol, localizado, por norma, do lado do bocal. Já as
trompas "Geyer" têm os rotores em linha, o que faz a alternância entre Fá e Si
bemol encontra-se do lado da campânula, o que faz com que o ar circule em
direcções opostas do lado de fá e de si bemol.[...]. (Disponível em:
https://www.ricardomatosinhos.com/index.php/pt/blog/103-guia-para-
comprar-uma-trompa. Acesso em: 30 ago. 2021).

A distinção dos mecanismos associados ao metal, utilizados na confecção dos


instrumentos, são pontos de divergência na definição das respostas de cor sonoras, isso porque
o instrumentista, ao tentar reproduzir determinado estímulo sonoro, deverá sentir as respostas
que o instrumento proporciona, como: vibração do metal; resistência ou não do ar no
instrumento; e brilho sonoro de toda a extensão da trompa em todas as dinâmicas.
É comum identificar em bandas e orquestras naipes de trompas optando pelo uso de
apenas um modelo específico como referência, considerando-se que a homogeneidade de marca
46

e modelo contribuem para a identidade e uniformidade sonora, a exemplo do naipe de trompas


da Berliner Philharmoniker, com o uso de trompas com sistemas Kruspe, modelo 103, da marca
Alexander, e o naipe de trompa da Chicago Symphony Orchestra, com trompas com sistema
Geyer, modelo SW Lewis, feito por Steven Lewis, desde 1977.
Esse fabricante (SW Lewis) assim descreve as qualidades sonoras de seu instrumento:

o Lewis Horn tem um som claro, quente, centrado e ressonante que se projeta
facilmente. De especial significado é a regularidade incomum tanto do timbre
quanto da entonação. Notável por sua facilidade de resposta e tom rico
completo em toda a gama, esta trompa tem clareza e definição excepcionais
complementando os registros altos e baixos, bem como uma resposta rápida /
precisa e um legato fluido. Esses atributos permitem ao trompista um amplo
espectro de nuances técnicas e expressão artística. (Disponível em:
https://www.hornsociety.org/26-people/honorary/50-carl-geyer-1880-1973.
Acesso em: 30 ago. 2021).

Como se pode perceber, a descrição das qualidades sonoras de um instrumento não é


uma tarefa fácil, pois a elas são incorporadas percepções estéticas, físicas (respostas aos
estímulos motores), acústicas e de estilos. Devido à grande extensão da trompa, esse exercício
pode obter resultados distintos em função da flexibilidade sonora do instrumento, recurso
disponível para arranjadores, compositores, trompistas, maestros, professores e mestres de
bandas.

3.3.2 Articulação e acentuações

A trompa é um instrumento pertencente à família dos metais, categorizada como um


aerofone de bocal no qual a principal fonte sonora é o ar, que por intermédio da vibração labial
reproduz uma frequência de altura definida. Essa é amplificada a partir do corpo do instrumento,
projetando-se por meio da campana.
O som amplificado pela campana é o resultado da vibração labial que, combinada com
o uso ou não da língua, controla o fluxo de ar no instrumento. Na trompa, a proximidade dos
harmônicos exige do trompista o perfeito domínio das musculaturas que compõem a
embocadura e o controle da velocidade do ar.
Nesse processo, a língua é o principal músculo que exige do trompista maior atenção,
pois com ela, desenvolverá diversas articulações existentes na música, e seu uso demasiado
poderá limitar o domínio de técnicas que exigem mais suavidade ou velocidade na emissão e
precisão das notas.
47

Contribuindo com essa discussão, Tuckwell (1978, p. 14, tradução nossa)20 ressalta que

a língua geralmente recebe tarefa demais e isso desacelera as notas repetidas


rapidamente. Para evitar isso, sempre mantenha a língua no fundo da boca,
fora do caminho, até que seja necessário começar outra. Então, apenas
apresente-o no último momento possível da mesma maneira que um martelo
de piano funciona.

Como na fala, o conceito de articulação na música está vinculado à ação da pronúncia,


ou seja, quanto mais clara a articulação, mais legível será o entendimento do discurso. Sobre o
uso da língua na articulação, o professor Soares (2018, p. 108) sobreleva: “deve-se ter sempre
em mente que a língua não faz a primeira articulação de ‘ataque’; é o AR que o produz, cabendo
à língua a função de caracterizá-lo entre staccato, acentuado, marcato, tenuto”.
A acentuação refere-se a como de enfatiza ou não a determinadas flexões sonoras no
discurso musical. Em analogia ao discurso falado, o sotaque da fala e suas flexões é uma
ilustração de como as acentuações estão presentes na música.
Na construção de uma performance musical, geralmente se intenta compreender como
o contexto histórico e cultural de um compositor ou da obra em estudo é concebido, por vezes
negligenciando a compreensão da língua falada nesse ambiente. Para o entendimento de estilos
e características sonoras, é pertinente levar em consideração os aspectos linguísticos
interpretados no cenário histórico da obra, uma vez que é possível identificar traços culturais
do período em questão, compreendendo as eventualidades sonoras representadas na música.
A esse fato não se determina o domínio e a fluência da língua das distintas culturas
representadas na história da música, mas a identificação de características sonoras representadas
nessas culturas, por meio de audições de repertórios ou de um discurso literal. As flexões
apresentadas no discurso poderão apresentar informações sobre como determinadas culturas se
representam sonoramente.
A título de exemplo, na cultura brasileira, em dois estados pertencentes à Região
Nordeste que se identificam com os atributos sonoros: o Piauí, com sons “nasais21,” redução de
palavras e o uso da fala acelerada. Com isso, o piauiense é identificado por “falar cantando”.

20
The tongue is usually given far too much to do and this slows down fast repeated notes. To avoid this always
keep the tongue at the botton of the mouth, out of the way, until it is necessary to begin another note. The only
put it forward at the last possible moment – in much the same way as a piano hammer works (TUCKWELL,
1978, p. 14).
TUCKWELl, Barry. Playing the horn: a pratical guia. London Oxford University Press, 1978.
21
Sons fechados com origens acima do nariz, como a vogal e consoante, ê, m, n, onde “o palato mole assume uma
postura que determina o grau de acoplamento entre boca, faringe e as cavidades nasais” (MILLER, 2019, p. 136).
MILLER, Richard. A estrutura do canto: sistema e arte na técnica vocal. Tradução Luciano Simões Silva. 1.
ed. São Paulo: É Realizações, 2019.
48

Devido a essas características, a música piauiense apresenta essas qualidades, como a música
dos repentistas e dos aboios dos vaqueiros.
Por sua vez, o estado de Pernambuco, igualmente, apresenta aspectos sonoros
nasalizados e fala acelerada. No entanto, o que se destaca é o uso do “i, di,” “ti” e do “s” na
fala, pronúncia mais próxima de um som fechado do que aberto, com o uso da extremidade da
língua no palato duro. Para Miller (2019, p. 137), “qualquer que seja sua designação anatômica,
o véu palatino, assistido pela extensão da elevação da língua, determina o caráter dos fonemas
nasais pelas posturas que ele assume em relação à cavidade oral”.
Essas características são necessárias no domínio da velocidade da língua na interrupção
ou não do ar na articulação, a exemplo do frevo, principal gênero musical pernambucano,
caracterizado pela velocidade e precisão nas articulações.
Sobre a apreensão desses conceitos, Kohut (2006, p.155-156, tradução nossa)22
manifesta que

O problema é a compreensão dos conceitos musicais, tanto auditiva quanto


intelectualmente. O músico precisa saber o som ou estilo que está procurando.
Uma vez que ele sabe disso, paciência e autodisciplina tornam-se os principais
fatores que determinam o grau de seu sucesso no desempenho. Se ele também
é professor de músicos escolares, ele precisa ser capaz de dizer a seus alunos
como produzir o som específico desejado. Mas o conceito deve vir primeiro –
uma imagem auditiva geralmente vale mais que mil palavras.

O uso de articulação e acentuações segue esses princípios para os instrumentos de sopro


da banda, de modo que o domínio técnico de uma boa articulação na trompa é determinado pela
precisão na emissão e perícia na divisão sonora entre as notas. Na banda de música, a trompa é
o único instrumento de sopro com campana voltada para trás do instrumentista, fazendo com
que o tempo de reverberação sonora em relação a outros instrumentos da banda seja mais lento.
Sem embargo, essa especificidade não limita o uso das articulações existentes na música ou em

22
The problem in one of undestanding musical concepts, both aurally and intellectually. The player needs to know
the sound or style he is after. Once he knows this, patience and self-discipline become the major factors which
determine the degree of his sucess in performance. If he i salso a teacher of school musicians, he needs to be able
to tell his students how to produce the particular sound desired. But the concept must como first-one aural picture
is often worth a thousand words (KOHUT, 2006, p. 155-156).
KOHUT, Daniel L. Instrumental music pedagogy: teaching techniques for school band and orchestra directors.
Illinois: Stipes, 1996.
49

articulações pouco usuais, como as existentes na música contemporânea.23


Na Quadro 3, apresentam-se os cinco principais sinais de articulações e acentuações
reputadas por este autor como as mais importantes e que estão regularmente presentes nos
repertórios de dobrados e métodos para trompa. Dentre os materiais didáticos usados como
referência, citam-se: o Funcional II, de Adalto Soares (2021); Technical Studies for solvin
special problems on the horn, de William R. Brophy (1977); e Playing the Horn: a practical
guide, de Barry Tuckwell (1978).

Quadro 3 – Articulações e acentuações


Articulação Execução Acentuação
Para essa articulação, não há
nome específico. No entanto,
pode-se executar com “HA”
HA ou TA, DA, DU... quando se quer um som sem a
língua, apenas com o apoio do
ar; e TA, DA e DU para
articulação com uso da língua.

Tenuto, o som permanece


uniforme, sem variação de
altura, podendo ser emitido com
ou sem o uso da língua.
Acento, a nota inicia com mais
energia (TA) e logo em seguida,
decresce.
Staccato simples, exige mais
precisão e destaque entre as
articulações entre as notas. Para
isso, geralmente, não se toca a
duração completa da figura, e
usualmente, faz-se uso do “TA”
em sua execução.
Staccato duplo, o sinal gráfico
para essa articulação não difere
TA – KA,... do staccato simples, mas na
DA – GA... execução, faz-se uso de
DU – GU... monossílabas que facilitam a
execução, por meio do uso da
língua golpeando o palato mole
da boca, obtendo o efeito
sonoros da pronúncia das
monossílabas desejadas.

23
Para conhecimento das possibilidades na música contemporânea, recomenda-se a tese de doutorado da trompista
Jaqueline de Paula Theoro, intitulada A linguagem da música contemporânea para trompa natural, pela
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, defendida em 2018, em que a autora faz
um estudo das possibilidades sonoras e articulações com a trompa natural, que também são aplicadas à trompa
moderna.
50

Staccato triplo, segue as


mesmas orientações do staccato
TA – TA – KA,... duplo, com a distinção da
DA – DA – GA ... sequência das pronúncias das
DU – DU – GU... monossílabas.

Fonte: manuscrito próprio (2021).

As possibilidades de articulações na trompa não estão limitadas a essas cinco. Apesar


disso, considera-se que a compreensão e o domínio delas são as bases para o desenvolvimento
dos demais efeitos sonoros e das articulações existentes, tais como marcato, martelato, frulato,
cuivrè, vibratos, bouché,24 entre outros.
A trompa moderna é um instrumento versátil que ocupa uma posição de destaque nas
bandas e orquestras sinfônicas, designada como instrumento ponte entre os naipes das madeiras
aos metais na banda, e das cordas aos sopros na orquestra. A precisão no uso dessas articulações
é essencial para uma transição uniforme, clara e fluida na performance.

3.3.3 Possibilidades melódicas

Devido às influências diretas das trompas de caça, o uso inicial da trompa enquanto
instrumento melódico, durante o século XVII, foi reduzido a excertos em fanfarras,25 fazendo
com que a trompa natural atuasse em conjunto com os tímpanos e os trompetes naturais,
reforçando as funções harmônicas das melodias ou em tutti orquestrais na primeira metade do
século.
Encontra-se na literatura registro do primeiro uso da trompa na “música notada”, como
as citadas por Alpert (2010, p. 8): as obras “Erminio (1633) de Michelangelo Rossi, Le Nozze
de Teti e di Peleo (1639) de Cavalli, e La Princesse d’Elide (1664) de Jean-Baptiste Lully”, em
que o uso melódico nessas obras ocorre em fanfarras, utilizando a série harmônica das bombas
de afinação.
Com o advento da trompa de válvulas, em 1815, e a partir da segunda metade do século
XIX, o uso da trompa descante26 foi ampliado em tessituras mais agudas, com destaque para as

24
Refere-se à ação do trompista de interromper o som tampando a campana com a mão direita, evitando a saída
quase por completo do ar, forçando a transposição de notas no instrumento e produzindo um som suave e
nasalizado.
25
Passagem melódica vibrante, em toques, chamadas, aberturas ou em coral, com predominância dos instrumentos
de sopros de metais.
26
“As trompas descantes surgiram no final do séc. XIX com a finalidade de conseguir melhores resultados na
execução da tradicional escrita aguda para trompa do período barroco. Inicialmente, esses instrumentos tiveram
sua aplicação em bandas militares” (SILVA, 2012, p. 116).
51

bandas de música militares. Nestas, para opulência de seus soldados, ao serem estimulados
pelas marchas, destacavam-se os instrumentos com maiores projeções sonoras.
No século XX, a trompa alcançou sua plenitude melódica, por meio do desenvolvimento
do sistema de válvula, dupla afinação e, principalmente, refinamento das técnicas dos
trompistas. A música moderna possibilitou aos compositores explorar novas possibilidades
sonoras, combinações de timbres e técnicas a partir de sua criatividade melódica, como se pode
verificar em um relato do compositor e trompista Fernando Morais (1966-), ao comentar sobre
seu processo de composição do Etude nº 8, uma variação sobre Mulher Rendeira: “Quando eu
compus não sigo nenhuma técnica formal para isso. Eu escrevo o que sinto que é bom e satisfaz
meus ouvidos. [...]” (FONSECA, 2012, p. 46, tradução nossa).27
No Etude nº 8, o compositor faz usos de escalas modais, cromatismo, escala menor,
variação de andamentos, trinados, arpejos diminutos, intervalo de duas oitavas, staccato,
acentos, ligaduras, fermatas, sinais de dinâmica, como mezzo forte, forte, fortíssimo, crescendo
e acelerando. Para Fonseca (2012, p. 51, tradução nossa),28 “Morais trata a linha melódica com
saltos virtuosísticos[...].”
A partir desses exemplos, concebe-se que a extensão melódica da trompa moderna é
limitada às possibilidades criativas do compositor e à técnica do trompista. Nessas perspectivas,
infere-se que o uso de condução rítmico-harmônica presente nos dobrados é superado, uma vez
que a performance, no sentido de execução e interpretação, é construída a partir das
informações gráficas (partituras) presentes no discurso musical elaborado pelos compositores.
Assim, em razão da grande extensão da trompa e do reconhecimento das múltiplas
possibilidades de uso melódico, cada vez mais, a trompa é incorporada em gêneros
tradicionalmente não pensados para ela, como frevo, jazz e choro, exigindo do trompista uma
técnica refinada e habilidade para transpor obstáculos impostos na escrita para esse instrumento.

SILVA, Vagner Rebouças da. Trompa grave e trompa aguda: um estudo da tessitura da trompa com base nos
principais modelos que foram referência para as composições orquestrais. Dissertação (Mestre em Música) –
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
27
“When I composed I do not follow any formal technique to do so. I write what I feel is good and satisfies my
ears” (FONSECA, 2012, p. 46).
28
Morais treats the melodic line with virtuosic leaps [...] (Ibid, p. 51).
52

4 PONTE – APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS – A TROMPA NA BANDA


DE MÚSICA PELOS MESTRES DE BANDAS

Nesta seção da pesquisa, pretende-se entender as relações da trompa com a banda de


música, por meio dos mestres de bandas, uma vez que eles são os principais agentes
responsáveis pela preparação e condução dos repertórios desse tipo de grupo. Os mestres fazem
a ‘ponte’ entre os instrumentos que são inseridos na banda ou não, qual aluno deverá tocar
determinados instrumentos, qual dobrado entrará no repertório da banda, os fardamentos, os
conteúdos musicais ensinados e as funções29 desenvolvidas pelo grupo.
Benedito (2017, p. 17) adverte que o “mestre é o responsável pela transmissão dos
conhecimentos”, de forma que os alunos o têm como referência musical responsável pela ponte
entre o conhecimento tácito e o técnico.
No dobrado, a ponte é uma seção que realiza a conexão de um motivo a outro. Copland
(1974, p. 10) o nomeia de “material intermediário”. A ponte é a passagem de vínculo da parte
A ao C e, ocasionalmente da B ao C (Trio). Essa seção é responsável pela conexão das demais
partes da composição e, portanto, é um componente importante para a música. O não uso de
um canal de ligação entre as melodias presentes faz com que o discurso musical do dobrado
não possua uma coesão fraseológica que permita ao gênero uma coerência das partes A e C
existentes na obra, fazendo da ponte o nexo para a sua coesão.
Para a análise qualitativa de como a trompa é concebida a partir dos mestres de banda,
selecionou-se um grupo de quinze mestres de bandas que atuam nas bandas de música
estudantis, constituído por treze mestres de bandas que compõem o Projeto Banda Escola e dois
que estão diretamente ligados ao movimento de bandas da cidade de Teresina - PI, os quais
contribuíram direta e indiretamente para a formação de músicos e mestres de bandas estudantis
do referido projeto na capital piauiense.
O primeiro, o mestre de banda Eraldo Lopes dos Santos,30 é mestre de banda do Instituto
Federal do Piauí (IFPI), Campus Teresina Central, a banda estudantil mais antiga da cidade em
atividade, formada em 1970, pelo referido professor e mestre de banda.31 Eraldo Lopes foi aluno

29
A palavra “função”, além do significado próprio, no sentido de executar uma ação, no ambiente de banda de
música, seu uso está relacionado ao ofício, apresentações musicais e concertos.
30
Eraldo Lopes dos Santos, natural de Teresina, nasceu em 8 de janeiro de 1955. Graduado em Licenciatura em
Educação Artística, com habilitação em Música pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) no ano de 1990, é
professor, maestro e trompetista da banda do IFPI – Campus Teresina Central.
31
Luiz José dos Santos (3 de maio de 1922 – 4 de maio de 2009) é natural de Valença – PI, foi capitão música e
mestre de banda da Polícia Militar do Piauí, em 1962. Foi fundador de diversas bandas no Piauí, dentre as quais
a da Escola Técnica Federal, atual IFPI, onde atuou de 1970, ano de fundação da banda, até a sua aposentadoria,
em 1990.
53

da primeira turma dessa banda, em 1970, e em 1979, assumiu a função de contramestre até a
aposentadoria do maestro Luiz Santos, em 1990. Tornou-se maestro titular desde então, e
acompanhou o desenvolvimento do movimento de banda na cidade nos anos que antecederam
o surgimento do projeto de banda da Fundação Cultural Monsenhor Chaves (FCMC).
O segundo, Antônio Carlos Rocha Sousa,32 está diretamente ligado ao projeto Banda
Escola, por meio do qual iniciou sua carreira como contramestre e, posteriormente, como mestre
de banda, sendo também foi coordenador do projeto entre 2001 e 2008.
Posto isso, as escolhas por esses dois mestres como fonte das memórias orais das bandas
de música em Teresina fundamentam-se, em uma primeira perspectiva, na acepção do olhar de
um agente que não é integrante do projeto de banda da FCMC. Logo, é desprendido de uma
interpretação afetiva dos fatos, apesar de sua participação ativa na formação de novos músicos
e mestres de bandas, com o compartilhamento de experiências técnicas entre os membros que
passaram no projeto e nas demais bandas da cidade. Sob uma segunda perspectiva, a escolha
do outro agente deu-se por desenvolver-se como mestre por meio desse projeto, trazendo a
essência e o olhar interno dessas bandas.
Os propósitos de delimitação da pesquisa na reflexão e coletas de dados nesta seção
restringem-se à visão dos mestres já referenciados, em paralelo com a de mestres que
compunham o Projeto Banda Escola no ano de 2021, uma vez que o mote da pesquisa não é
realizar um estudo sistêmico de todos os mestres de banda de Teresina, mas entender como esse
grupo compreende a função da trompa na banda de música e no dobrado.
A coleta de material deu-se mediante entrevistas semiestruturadas, refletidas a partir da
ideia de que “como atores sociais, nós estamos continuamente nos orientando pelo contexto
interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para ajustarmos a esse
contexto” (GILL, 2002, p. 248).
Nessa concepção incorporada, a análise do discurso é vinculada à prática social, em que
o resultado da experiência direta com o objeto de estudo pode assumir interpretação divergente
a partir de novas perspectivas adquiridas ao longo da prática em campo, ou seja, como mestre
de banda.
Com isso, busca-se compreender como a trompa é entendida nesse universo de mestres
de banda, de modo que essa seção seja a ponte para parte C desta pesquisa, quando os dados e

32
Antônio Carlos Rocha Sousa, capitão músico da reserva da Polícia Militar do Piauí, natural de José de Freitas –
PI, nasceu no dia 12 de agosto de 1967. Mestre de banda, arranjador e compositor, foi coordenador de projetos
de bandas em Teresina e em cidades do interior do Piauí, como Água Branca e União.
54

as interpretações levantados podem apontar direcionamentos para a inserção da trompa como


instrumento de uso mutável no dobrado.

4.1 Projeto Banda Escola de Teresina – PI

As atividades musicais desenvolvidas por meio das bandas de música estudantil são um
importante instrumento de formação cultural e profissional. Quando se faz referência a essas
corporações musicais em cidades distantes de centros de referências culturais, elas assumem o
papel de produtoras culturais presentes nas principais manifestações religiosas e cívicas de uma
comunidade. Por sinal, Andrade (1989, p. 13) ressai que “a banda de música é considerada
como conservatório ou escola de música do interior, onde iniciaram o aprendizado musical
importantes músicos do País”.
Em Teresina, no ano de 1986, foi criada a FCMC, por força da lei municipal nº 1.842,
de 26 de fevereiro. Teve como primeira presidente Eugênia Maria Parentes Fortes Ferraz,
instituída por meio do decreto s/n, de 25 de março de 1986. A FCMC tinha como finalidades
“planejar e executar a política cultural da cidade de Teresina, sendo vinculada para efeito de
supervisão e fiscalização à Secretaria Municipal de Educação e Cultura” (NEGREIROS, 2016,
p. 174).
Em estudo idealizado por Negreiros (2016), sobrelevam-se as ações da FCMC entre os
anos de 1986, ano de fundação da instituição, e 1988, ano de surgimentos dos primeiros relatos
de criação do projeto de banda. As principais ações musicais para banda de música
desenvolvidas pela FCMC estão listadas no Quadro 4.

Quadro 4 – Atividades voltadas para banda de música da FCMC (1986-1988)


Atividade Ano Parcerias
Revitalização da banda de música da capital 1986 PMT33/FCMC
Banda de Música Infanto-Juvenil – Bairro Redenção 1987 FCMC/Associação de Moradores
FestBandas – Festival de Bandas 1987 PMT/FCMC/25ºBC34/PM35
Fonte: Negreiros (2016, p. 184 -185)

É por meio dessa instituição que em 1988, surgiram os primeiros passos do que passaria
a tornar-se o Projeto Banda Escola de Teresina. Em um documentário realizado no ano de 2006,

33
Prefeitura Municipal de Teresina (PMT).
34
Vigésimo Quinto Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro (25ºBC), Alferes Leonardo de Carvalho Castelo
Branco.
35
Polícia Militar (PM) do Estado do Piauí.
55

denominado Sopro dá Vida, disponível livremente on-line, no YouTube (Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=L6grIO_Mi54&list=LL&index=3. Acesso em: 14 out.
2021), o então presidente da FCMC, José Reis Pereira,36 manifestou que

[...] o projeto de banda da prefeitura começou ainda em 89 a 90 quando o


presidente da Fundação era o professor Ubiraci Carvalho,37 ele conseguiu um
recurso com o Banco do Nordeste do Brasil, e esse recurso foi o suficiente
para comprar os instrumentos para fazer as bandas e pra fazer a orquestra
filarmônica, que era orquestra de câmara hoje é orquestra filarmônica [...]

Nesse período, o maestro Vicente Cariús da Cunha foi convidado pelo prefeito Wall
Ferraz para o desenvolvimento e a formação de bandas de música infanto-juvenil nas escolas
de Teresina. O maestro Cariús é natural do Rio de Janeiro, nasceu em 6 de abril de 1937, foi
trombonista e bombardinista, major incorporado à reserva do exército brasileiro em 31 de
janeiro de 1988 (Disponível em: https://www.portaltransparencia.gov.br/servidores/82309491.
Acesso em: 31 out. 2021).
Posteriormente, foi nomeado ao enquadramento dos servidores da FCMC, em 1991, por
força do Decreto nº 1.585, de 9 de janeiro, “tendo os seus respectivos empregos, com a mesma
denominação, transformados em funções públicas [...],” sendo designado ao cargo de assistente
de administração, com data de admissão em 19 de julho de 1988. A ele é atribuído o cargo de
coordenador de banda e corais da FCMC.38
Nesse mesmo decreto, foram efetivados outros mestres de bandas que compuseram o
embrião do projeto de bandas da FCMC em sua primeira fase de desenvolvimento, sendo eles:

36
É natural de São João do Piauí. Nasceu em 10 de dezembro de 1943. É mestre em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, professor, escritor, político e gestor. Foi presidente da FCMC de 2001
a 2008.
37
É natural de Simplício Mendes – PI. Nasceu em 11 de março de 1943 e faleceu em 7 de abril de 2014. Foi
professor da UFPI e presidente da FCMC, de 1989 a 1990.
BRASIL, Assembleia Legislativa do Piauí. Disponível em: https://sapl.al.pi.leg.br/parlamentar/36. Acesso em:
30 out. 2021.
38
Sua exoneração ao cargo é registrada na portaria nº 1672/2001, com efeitos retroativos a 09.08.2001.
56

Quadro 5 – Regentes de banda da FCMC

Nome Cargo Data de admissão


Antônio Carlos Rocha Sousa Aux. Regente de Banda 30-06-89
Bernardo Gregório Lima Regente de Banda 30-06-89
Isácio dos Santos Regente de Banda 30-06-89
Jeremias Alves de Almeida Regente de Banda 30-06-89
José Elton de Oliveira Regente de Banda 30-06-89
Manoel Francisco B. da Silva Regente de Banda 30-06-89
Manoel Pereira de Sousa Regente de Banda 30-06-89
Milton Francisco do Nascimento Regente de Banda 30-06-89
José Francisco Cardoso de Oliveira Regente de Banda 16-03-90
Antônio José dos Santos Regente de Banda 03-04-90
Francisco Marques da Silva Regente de Banda 08-02-90
Abdias Vieira da Cruz Regente de Banda 06-10-88
Fonte: Decreto nº1.585, de 9 de janeiro de 1991.

Foi a partir desses mestres de banda que, em 1989, o projeto de banda da FCMC iniciou
suas atividades nos bairros de Teresina, sendo onze na função de mestres de banda e um
coordenador, formando um grupo de doze mestres de banda e um auxiliar (contramestre) de
banda, tendo o maestro Cariús como principal representante de condução inicial do projeto.
Ao longo de seus trinta e dois anos de existência, o projeto experienciou altos e baixos,
algo compreendido como natural, tendo em vista o modelo de gestão condicionado aos recursos
públicos municipais, com prioridades de momento e objetivos a serem alcançados em cada
gestão. Entende-se que os investimentos nas manifestações culturais são necessários para a
construção e valorização de uma identidade cultural regional, podendo ser desenvolvidas e
preservadas de formas múltiplas, por meio das artes visuais, artes cênicas e manifestações de
culturas populares e musicais. Nessa perspectiva, a FCMC buscou preservar esse projeto de
banda contribuindo para a formação musical de jovens na periferia de Teresina.
No ano de 2010, ao completar vinte e dois anos de existência, o projeto alcançou a marca
de vinte bandas em plena atividade. Sobre esse período, Sousa (2010) salienta que o projeto
“atendeu mais de 4.000 alunos e atualmente tem 850 alunos matriculados.” (Disponível em:
http://maestrorochasousa.blogspot.com/2010/03/projeto-bandas-escolas-de-teresina.html.
Acesso em: 12 set. 2021). Trata-se de uma numeração expressiva para uma capital onde a
população, segundo o IBGE de 2010, era de 814.230 pessoas.
Esse fato reflete diretamente o movimento musical da cidade através de concertos em
eventos comunitários e em projetos paralelos, com destaque para o Festival de Banda de Música
de Teresina, evento que tem uma relação próxima com o projeto de banda da FCMC, por
destacar-se como um encontro que reúne bandas, estudantes e músicos profissionais de Teresina
57

e outras cidades do estado do Piauí para compartilhar o trabalho musical desenvolvido ao longo
do ano.
Durante o desenvolvimento desta pesquisa, no ano de 2021, o projeto Banda Escola
dispunha de oito bandas – como dispõe o Quadro 6 – em atividade e treze instrutores, em
consonância com a coordenação do projeto. Os instrutores atuam nas funções de mestres de
banda, uma vez que são eles que desenvolvem o processo de ensino-aprendizagem dos
instrumentos e o repertório interpretado nessas bandas estudantis, do mesmo modo que estão
na condução dessas bandas em apresentações públicas.

Quadro 6 – Bandas e instrutores do Projeto Banda Escola de Teresina, formação 2021

Banda Bairro Mestre de Banda Instrumento


Principal
Tom Jobim Dagmar Mazza Edson Queiroz Bombardino
Paulo Henrique Moura Brito Saxofone
Maestro Duda Parque Itararé Gustavo Cipriano de Sousa Santos Saxofone
Heitor Villa- Piçarreira Michael Cruz Fidelis Saxofone
Lobos Brenda de Cássia Silva de Sousa Trombone
Firmino Sobreira Santa Maria da Codipi José Marcos da Silva Lemos Saxofone
Humberto Magno dos Santos Oliveira Tuba
Luiz Gonzaga Mocambinho Guilherme Rafael Nunes de Oliveira Saxofone
Maestro Aurélio Vale do Gavião Melquezedeque Gabriel Fideles Clarinete
Melo
Jorcerley Nildo Pereira Silva Trompa
José Ribamar Silva Oliveira Tuba
Maestro Elton Porto Alegre Francisco Antônio da Conceição Siqueira Saxofone
Filho
Maria Iêda Vila Irmã Dulce Vitalino Manoel da Luz Filho Saxofone
Caddah
Fonte: Coordenação do Projeto Banda Escola, Cleiodiomar Nascimento (2021).

O projeto Banda Escola de Teresina é uma ação educativa e cultural da FCMC que se
esforça em desenvolver, a partir da prática de banda de música, a aprendizagem de um
instrumento musical, ensejando a inserção no mercado profissional de jovens aprendizes em
seu quadro de instrutores, os quais podem assumir com o tempo a função de contramestre e
mestre de banda, a partir da desenvoltura e evolução individual de seus alunos.
Depreende-se, historicamente, de forma empírica, que a passagem da batuta ocorre por
meio da aposentadoria ou de uma nova oportunidade profissional do mestre. Nesse contexto,
assume a direção do grupo o aluno de maior destaque técnico-instrumental e de liderança,
evidenciando uma prática comum em bandas de música no Piauí. O Projeto Banda Escola
também conserva perene essa prática cultural: dos treze instrutores(as) existentes, onze
iniciaram como alunos(a) e tornaram-se mestres de banda durante o projeto.
58

4.1.1 Instrumentação da banda estudantil em Teresina

Identificam-se na literatura autores como Brum (1988), Andrade (1989) e Carvalho


(1994), que discutem a categorização da instrumentação de uma banda incorporando elementos
quantitativos e tipos de instrumentos compartilhados entre os naipes.
No ano de 1983, em pesquisa realizada pela Indústria Brasileira de Instrumentos
Musicais Weril Ltda, citada em Andrade (1989, p. 135), foram propostos três tipos de bandas
avaliadas por gestores de bandas, escolas de músicas e compositores, sendo elas: a “Tipo A,
com 13 instrumentos; Tipo B, com 22 instrumentos e a Tipo C, com 30 instrumentos.” Após a
realização dessa pesquisa, em 1984, chegou-se a um denominador de padronização de
composição instrumental dos três tipos de banda, que foi aprovado pelo Instituto Nacional de
Música da Fundação Nacional de Artes (Funarte), como:

Banda de música mínima (mini banda) – 02 clarinetes em Sib; 01 trompete


em Sib; 02 saxhorn alto (gênis) em Mib; 02 trombones (com mecanismo ou
vara) em Sib; 01 bombardino em Sib; 01 sousafone em Mib; 01 bombo; 01
tarol (repique); 01 tambor surdo; 01 par de pratos.
Banda de música-pequena (pequena banda) – 01 requinta em Mib; 04
clarinetes em Sib; 01 saxofone alto em Mib; 03 trompetes em Sib; 03 saxhorn
alto (gênis) em Mib; 03 trombones (com mecanismo ou vara) em Sib; 01
bombardino em Sib; 01 bombo; 01 tarol (repique); 01 tambor surdo; 01
sousafone em Mib; 01 sousafone em Sib; 01 par de pratos.
Banda de música média (média banda) - 01 requinta em Mib; 06 clarinetes
em Sib; 01 saxofone alto em Mib; 01 saxofone tenor em Sib; 04 saxhorn alto
(gênis) em Mib; 04 trombones (com mecanismo ou vara); 03 trompetes em
Sib; 01 bugle (sflieglhorn) em Sib; 01 barítono (saxhorn) em Sib; 02
bombardino em Sib; 01 sousafone em Mib; 01 sousafone em Sib; 01 bombo;
01 tarol (repique); 01 tambor surdo 01 par de pratos. (ANDRADE, 1989, p.
135-136).

Essa literatura é contemporânea às formações das bandas estudantis de Teresina e reflete


como a literatura existente é uma fonte de referência que promove a disseminação desses
conhecimentos, permitindo perceber como um estudo entre os mestres de banda revela como
se concebe a instrumentação de uma banda nesse período.
A não padronização de uma banda de música estudantil pode ser motivada por
circunstâncias variadas. Dentre elas, podem-se elencar: necessidades individuais dos mestres
de banda; aportes financeiros; ou conhecimentos técnicos de gestores na aquisição do
instrumental. O desequilíbrio em família e a proporcionalidade entre os instrumentos, entre os
naipes, poderá ocasionar que determinados naipes sobressaiam em volume ou em timbres
específicos, afetando a homogeneidade sonora da banda.
59

O Projeto de Bandas, criado pela Funarte, em 1979, é outra ação importante para o
desenvolvimento no País da padronização e disseminação do instrumental das bandas de
música, disponibilizando kits instrumentais a bandas em todo o território nacional, segundo
Rosana G. Lemos, coordenadora desse projeto:

Nos anos de 1996 a 1999, 2001 e 2002 - O kit era composto por: um
bombardino; cinco clarinetes; dezessete chaves; seis anéis; um saxofone alto;
um saxofone tenor; três saxhorns altos; um bombardão tuba ¾; três trombones
de vara Master; e três trompetes, perfazendo o total de dezoito instrumentos.
No ano de 2003, as bandas de música foram contempladas com instrumental
de acordo com as suas necessidades. Neste ano, não houve dotação
orçamentária para que pudéssemos distribuir os kits. (LEMOS, 2021).

Com a retomada do Projeto de Bandas de Música pela Funarte, em 1994, nota-se que o
modelo instrumental adotado favoreceu a estrutura instrumental estabelecida pelas literaturas
citadas. Ainda que esse órgão não tenha tido participação direta na aquisição de instrumentos
pelas bandas referidas neste estudo, é meritório destacar a relevância que essa instituição
desenvolveu nas políticas voltadas para manutenção das bandas de música no País.
Na compreensão das concepções da padronização de um modelo de banda, igualmente
ressaem-se as relações existentes entre as bandas construídas a partir da observação e das trocas
de experiências entre os mestres de banda em encontros e eventos musicais. Ao perceberem a
instrumentação utilizada de outras bandas e o repertório favorecido culturalmente, de forma
indireta, surge a adoção de uma padronização de uma banda a partir dos modelos estabelecidos
e a instrumentação privilegiadas nas composições, como no exemplo do gênero dobrado e de
sua instrumentação característica.
Nos três modelos de bandas determinadas pela pesquisa da Weril Ltda e pelo Projeto de
Bandas da Funarte, constata-se que a trompa dupla F/Bb é inexistente na instrumentação.
Contudo, o saxhorn é firmado como um instrumento padrão de uma concepção estrutural na
banda, representado em número de dois a quatro no naipe.
Em Teresina, a banda de música estudantil cinquentenária do IFPI – Campus Teresina
Central, teve como formação padrão, entre os anos 1970 a 1990, instrumentação classificada
como tipo C, com variações quantitativas entre naipes devidos às funções atribuídas à banda,
como os desfiles cívicos onde havia a necessidade de maior projeção sonora.
Em geral, a variação instrumental dava-se nos instrumentos mais requisitados pelos
alunos, como três saxofones tenor e três a quatro saxofones altos. Em entrevista realizada em
15 de outubro de 2011, Santos assim se manifesta: “nos idos de 86, quando a gente tinha os
60

desfiles, a gente tinha mais componentes, normalmente na escola sempre que começávamos as
aulas, vinham se inscrever sessenta alunos se inscrever pra banda, e aí ficam entre 30 e 32
alunos, os que queriam realmente […]”.
De forma simultânea, o projeto de banda da FCMC desenvolve-se com uma
configuração próxima do tipo B, com variação em número de instrumentos ao longo dos anos,
até chegar ao tipo C. Sobre isso, em entrevista realizada no dia 23 de setembro de 2021, Sousa
revelou que o projeto foi constituído com os seguintes instrumentos “guardadas as proporções
de balanço [...]”:
[...] clarinetes como instrumento soprano representativo, no início tinha
requinta, mas no balanço em bancada de clarinete, um clarinete em Eb ele é
apenas um em bancada de seis, sete instrumentos [...]; dois saxofones altos,
dois saxofones tenor, um bombardino [...] não tem trompa de harmonia,
trompa em F, mas a gente tem a já cinco, seis trompetes por banda, trombones,
no primeiro momentos os trombones eram todos trombones de pisto [...] e
representatividade pra marcação rítmico-harmônico, deste o primeiro
momento a gente teve o saxhorns [...]; sousafones Eb e Bb e percussão de
banda.

A percepção sobre o modelo de configuração da banda dá-se no sentido apresentado nas


literaturas, uma vez que a variação dela é determinada pela percepção individual de cada mestre
e oportunidade presente na aquisição de novos instrumentos. Bandas vinculadas às
organizações públicas municipais, estaduais ou federais são impostas sobre sistemas de
licitações que podem ser submetidas a avaliações de gestores não especialistas na área musical,
burocratizando o acesso a esse patrimônio ou levando à não aquisição.
Entrementes, quando esse modelo se efetua em harmonia com suas finalidades, é
possível identificar as concepções e as liberdades dos mestres em sugerir novas configurações
a partir de suas percepções e seu conhecimento do objeto. Nessa direção, em entrevista realizada
em 23 de setembro de 2021, Sousa assim testemunha:

quando eu assumi a coordenação na segunda etapa,39 eu acrescento flauta,


todas as bandas receberam flauta transversal, acrescento lira, todas as bandas
receberam lira, e todas as banda recebem bateria jazz, o que eu percebo é que
as liras não foram bem recebidas [...], esses foram os instrumentos, a gente
não pode falar que teve mais instrumento que isso, porque se houve foi mais
uma questão personalista de algum regente.

39
O que Sousa classifica de segunda etapa é em referência ao segundo momento de desenvolvimento do projeto
de banda da FCMC, situado entre os anos 2000 e 2010, classificando o projeto de bandas em três etapas: primeira
fase estabelecida na criação do projeto, em 1988; seu desenvolvimento, até o ano de 1999; e a terceira etapa entre
os anos de 2011 e 2021.
61

Ainda que o instrumento citado não tenha alcançado o êxito pretendido, passou a ser
incorporado nas bandas estudantis em Teresina a flauta transversal como instrumento
pertencente a essa formação – uma ação que acentua a incorporação da percepção individual
do mestre de banda a respeito da estrutura e concepção sonora de uma banda.
A variação estrutural entre as bandas, tendo em consideração os três modelos (tipo A, B
e C) e a ideia de que “o reconhecimento de que as maneiras como nós normalmente
compreendemos o mundo são histórica e culturalmente específicas e relativas” (GILL, 2002, p.
245), levam à reflexão de que o processo de análise do discurso nesse contexto, em relação à
percepção da instrumentação adotada por uma banda de música pelos mestres de banda, é um
corpo que toma forma mediada pelo contexto presente, com suas próprias necessidades e
prioridades individuais.
Posto dessa maneira, estrutura-se a instrumentação base da banda estudantil adotada em
Teresina, elaborada a partir dos relatos dos mestres de banda participantes desta pesquisa,
fundamentada na literatura pontuada neste estudo. Igualmente, depreende-se que há uma
atenção no sentido de contemplar de alguma forma todas as divisões das vozes instrumentais
da banda (soprano, contralto, tenor e baixo).
Mesmo havendo desequilíbrio em números de instrumentos entre os naipes, eles são
determinados a critério dos mestres de bandas, de acordo com o contexto e o período. Dessa
maneira, a instrumentação é determinada da forma disposta no Quadro 7.

Quadro 7 – Instrumentação base da banda estudantil em Teresina – PI

Instrumentação base da Banda Estudantil em Teresina – 1988 a 1999


Madeiras Metais Percussão
1 – Requinta Mib 3 a 4 – Trompetes Bb 1 a 2 – Bombo
5 a 6 – Clarinetes 1 a 3 – Saxhorns Mib Par de Pratos
2 – Sax Alto 4 – Trombones Caixa
1 – Sax Tenor 1 – Bombardino C ou Bb
1 a 2 – Tubas
Instrumentação base da Banda Estudantil em Teresina – 2001 a 2021
Madeiras Metais Percussão
1 – Flauta transversal 3 a 4 – Trompetes Bb 1 a 2 – Bombo
5 a 6 – Clarinetes 0 a 2 – Trompa em F/Bb Par de Pratos
2 a 3 – Sax Alto 3 a 4 – Trombones Caixa
1 a 2 – Sax Tenor 1 a 2 – Bombardino C ou Bb Bateria
1 a 2 – Tubas
Fonte: manuscrito próprio (2021).
62

4.2 A trompa na banda de música estudantil em Teresina

Como observado ao longo desta pesquisa, a trompa na banda de música tem


compartilhado seu protagonismo com os saxhorns no gênero dobrado, concebendo uma
apropriação na performance, obedecendo às funções estruturais da escrita desse gênero, assim
como na escrita nas marchas militares.
Usualmente, a trompa na banda de música é usada para conduções rítmicas e
harmônicas. Nessa proposta, busca-se compreender como esse instrumento é compreendido
pelos mestres de banda participantes da pesquisa, com o propósito de depreender os aspectos
simbólicos ou técnicos como a trompa é assimilada no contexto das bandas de música estudantil
em Teresina.
Os mestres foram indagados sobre suas percepções a respeito do uso da trompa como
instrumento sucessor dos saxhorn nas bandas de música e no gênero dobrado. Eles convergiram
suas análises em direção a fatores como: sonoridade do instrumento, vinculada à percepção
estética, uma vez que os elementos visuais também são igualmente de apropriação do
instrumento pelos alunos ingressantes na banda; fatores econômicos, atrelados à aquisição dos
instrumentos e por fim os aspectos técnico-instrumentais.
Ainda que o domínio técnico da trompa não seja de domínio dos mestres de banda não
trompistas, em sua interpretação, o mestre de banda Edson Santos Queiroz Morais infere que a
concepção econômica e técnico instrumental são fatores decisivos, referindo-se ao uso da
trompa em contraste com a não utilização do saxhorn na banda.

Eu vou seguindo essa linha que muita gente está utilizando, hoje a China está
produzindo instrumento bem mais em conta, a trompa chega hoje pra gente
bem mais em conta até comparada ao saxhorn de fabricação nacional, então
eu também estética eu tenho feito essa substituição, tenho deixado um pouco
de lado o saxhorn e tenho utilizado a trompa, embora seja um pouco mais
didaticamente falando de difícil aprendizagem a trompa porque ela tem
harmônicos muito próximos da série harmônica, mas a questão tanto de
estética na banda como de som, a trompa soa muito melhor do que o saxhorn.
E o saxhorn eu acho ele mais limitado também na questão de extensão, e na
questão de timbre.40

Partindo dessa acepção, devido à não renovação desse instrumento na banda e à


preferência dos mestres de banda pela trompa, durante o ano de 2021, constatou-se que não há
o uso dos saxhorns nas bandas de música estudantis referenciadas nesta pesquisa. Nesse

40
MORAIS. Entrevista realizada em 31 ago. 2021.
63

contexto, a trompa é inserida de forma incipiente, a partir de iniciativas dos próprios mestres
de banda, ou por meio de alguma aquisição instrumental realizada em processos licitatórios,
como identificado no contrato nº 01/2021 (pregão eletrônico),41 que tem como objetivo a
aquisição de material permanente de 24 (vinte e quatro) “trompas sinfônicas”.42
Entre os mestres entrevistados, foi possível deduzir que entre as bandas atuantes no ano
de 2021 no Projeto Banda Escola de Teresina, três bandas de música não possuíam a trompa
em sua formação, enquanto as demais contavam com um a dois instrumentos, com ou sem
trompista atuante. Em relação aos aspectos obsoletos do saxhorn na banda, em entrevista
realizada em 13 de setembro de 2021, o mestre de banda Humberto Magno dos Santos Oliveira
informou que

[...] na época que eu comecei a tocar, você só via aquela trompa em Fá ou


trompa dupla afinação em ambientes mais sinfônicos [...], aqui na banda era
mais os saxhorns, e como o saxhorn ele é um instrumento muito utilizado para
contraponto, pra divisão rítmica, acabou, acredito que até muitos
compositores tenha deixado de escrever de certa forma pro instrumento,
acabou que com o tempo o instrumento ficasse obsoleto dentro da banda [...].

A ideia de que a trompa é um instrumento com características e emprego mais afinados,


com funções exercidas em uma orquestra sinfônica ou na música de câmara, tem traços
histórico da música de concerto ocidental europeia, com o desenvolvimento e a popularização
nas salas de concertos das sinfonias e o uso da trompa como instrumento solista, tendo a
orquestra como instrumento acompanhante.
Essa percepção é identificada também em Starrett (2009), ao referenciar Richard Franko
Goldman. A susodita autora acentua que “[...] na orquestra, a trompa é um dos instrumentos
solo mais usados e satisfatórios; raramente é usado com sucesso na banda. As trompas
concentradas na orquestra parecem ter grande poder; na banda seu peso é pequeno em relação
aos outros metais [...] (STARRET, 2009 apud GOLDMAN, 1946. p. 7, tradução nossa).43
Em oposição a essa afirmação, nota-se a crescente difusão de trilhas sonoras
desenvolvidas para filmes e a adesão de compositores contemporâneos em colocar em evidência
a trompa em suas obras, daí porque a trompa se destaca como instrumento presente e igualmente
equalizado com os demais instrumentos de metais. No modelo de banda de música objeto de

41
Pregão eletrônico SRP Nº 02/2020 – FMC/PMT, Processo Administrativo Nº 00042.0004281/2019 – FMC.
Disponível em DOM - Teresina, 26 fev. 2021, nº 2.970, p. 14.
42
Sobre o termo utilizado “trompa sinfônica,” ver a unidade 3.2.1.
43
[...] In the orchestra, the horn is one of the most often-used and satisfactory solo instruments; it is rarely so used
with success in the band. The massed horns in the orchestra seem to have great power; in the band their weight
is little against the other brass [...] (STARRET, 2009 apud GOLDMAN, 1946. p. 7).
64

estudo desta pesquisa, esse repertório consubstancializa um instrumento de inserção e


protagonismo, dado que os principais solos perpassam as linhas melódicas da trompa.
O mestre de banda Michael Cruz Fidelis, em entrevista realizada em 16 de setembro de
2021, enunciou que

[...] essa trompa sinfônica ela não tem mais o mesmo papel que era do saxhorn,
de mais marcação, hoje a trompa ela viaja, porque nós usamos mais um
repertório americano onde a trompa tem um protagonismo, tem o momento de
solo, momento de harmonia, e tem também momento de marcação[...]..

Em contraponto a esse repertório, no gênero dobrado, a trompa permanece estática, sem


variação melódica, fazendo com que esse repertório coparticipe com os mestres de banda, com
a ideia de que a trompa é um instrumento de centro e de marcação, mas que poderia ser melhor
explorado pelos compositores de dobrados.
Trata-se de uma tradição oriunda das transformações e da formação instrumental das
bandas, a partir das concepções do século XIX, com os novos instrumentos incorporados por
Adolphe Sax, fazendo com que historicamente, demonstre-se muito forte a padronização da
escrita desse gênero entre os mestres de banda que escrevem dobrados. Para o mestre de banda
Antônio Carlos Rocha, em entrevista datada de 23 de setembro de 2021, “a trompa vem e se
coloca como instrumento de centro, uns vão escrevendo, escrevendo e vai virando uma escola
[...].”
Percebe-se que a tradição é uma diretriz de fixação de função e permanência desse
instrumento na banda de música no gênero dobrado. Ainda que se possa encontrar em
composições novas perspectivas de performance, o uso da trompa nesse gênero ainda é
relacionado aos aspectos de sua essência primária, de marcação rítmico-harmônica.
No dobrado Anysio Teixeira, de Dantas (2015, p. 194), o qual, segundo o compositor,
foi criado com propostas inovadoras, com o uso da técnica dodecafônica,

a segunda parte do dobrado, o forte, geralmente não comporta contracanto


nem marcação, no uso rotineiro. Aqui está o solo dos graves, e o restante do
conjunto faz o centro. O algo diferente que acrescentei foram notas longas
confiadas às trompas saxhorn, apelidadas de “cachorrinhas”: além de
acrescentar um “tapete” entre o duro contraponto, elas revelam o uso desse
instrumento, tão próprio das bandas de marcha. (DANTAS, 2015, p. 194).

Concebe-se, pois, que a trompa leva consigo o uso habitual da tradição no uso de
funções harmônicas na banda de música. Ainda que seja compreendido como um instrumento
melódico de perfeita exploração técnica, a trompa não tem assumido funções de instrumento
65

solista nesse gênero, como certificado pelo mestre de banda Eraldo Lopez, em entrevista
realizada em 15 de outubro de 2021.

[...] o dobrado continua sendo escrito do mesmo modo, ninguém criou uma
forma diferente para trompa executar [...] o que se ver de novidade é o
instrumento em se [...], que enriquece o instrumental da banda, mas que é
subutilizado[...], então os compositores não sabem utilizar a trompa nos
dobrados porque ficam presas a uma determinada forma de composição [...].

Esse entendimento é igualmente compartilhado com os demais mestres de banda


entrevistados, assim como a obtenção do equilíbrio sonoro com os demais naipes da banda e a
necessidade da obtenção de instrumentos e instrumentistas para o naipe de trompas. A trompa
no modelo de banda estudado é um instrumento ainda em expansão de suas possibilidades
técnicas pelos mestres de banda, e sua literatura é uma fonte que poderá oferecer um suporte a
eles.
A título de exemplo, tem-se a dissertação de mestrado do professor Ricardo Ferreira
Lepre (2014), A trompa sem mistérios: guia para mestres de banda, professores e alunos, que
esclarece os princípios básicos de funcionamento, manutenção e extensão da trompa. Logo,
corresponde a uma referência em língua nacional (português) acessível aos mestres de banda
que poderá ser usada como guia sobre os princípios básicos da trompa, além de que o domínio
de outro idioma também é opção de acesso à literatura estrangeira sobre o instrumento.
Em decorrência das afinidades de timbres entre os naipes da banda, a trompa na banda
de música no gênero dobrado é concebida como um instrumento de ligação entre metais e
madeiras, não ocupando funções melódicas e se limitando a funções harmônicas, com
predominância do senso rítmico como ferramenta de manutenção da cadência da marcha em
contratempo.
Essas características foram corroboradas ao longo dos anos, por meio da substituição
dos saxhorns pelas trompas nesse gênero, da mesma maneira que se pode perceber que houve,
por meio dos compositores de dobrados e mestres de bandas, a abdicação da trompa na função
melódica no dobrado.
A extensa disseminação desse gênero nos repertórios das bandas de música desvelou ao
longo dos anos a não manifestação e atenção à quebra dos paradigmas estruturais do uso da
trompa no dobrado. Essa percepção, até o ano 2021, fez-se presente nas bandas estudantis de
Teresina - PI, como a banda de música do IFPI – Campus Teresina Central e as bandas do
Projeto Banda Escola da FCMC.
66

4.3 Aspectos mais relevantes na escrita para trompa ou saxhorn

Diante do contexto estudado, buscou-se compreender como os mestres de banda


concebem e qualificam como as características que a escrita para trompa e o saxhorn se
relacionam quanto aos aspectos fundamentais do gênero dobrado. Contudo, é pertinente
determinar o perfil quantitativo no qual esses mestres exercem em suas práticas o uso de
transcrições, adaptações e a composição na banda de música, a fim de compreender como os
aspectos da escrita e suas representações são associadas à trompa no dobrado.
Na banda de música estudantil, é imprescindível que o mestre de banda selecione o
repertório de forma a auxiliar o desenvolvimento técnico-musical-individual do aluno e do
grupo, sendo necessário o estudo do repertório no qual a instrumentação contemple o
instrumental da banda. No entanto, como constatado neste estudo, a formação das bandas de
música sofre desequilíbrios em números entre os naipes instrumentais, fazendo com que a
execução do repertório sofra discrepâncias de timbres nas obras.
Ademais, em razão da construção da performance conjugada com o desenvolvimento
técnico-instrumental do aluno, os mestres de bandas deparam-se com a necessidade de escrever
para o seu grupo – prática quase natural em bandas de música estudantil, onde o objetivo é o
estímulo da aprendizagem do instrumento por meio do repertório enquanto recurso de
motivação do desenvolvimento dos alunos. Uma abordagem que vai ao encontro com o que
Jacobs (2017, p. 17, tradução nossa)44 menciona sobre o desenvolvimento de bons hábitos, pois
“se você estiver motivado musicalmente, a introdução de um novo estímulo e a mudança
resultante serão quase sempre positivas”.
Nessa perspectiva, surge a necessidade de transcreverem ou adaptarem obras. Aliás, a
transcrição é percebida nesta pesquisa a partir da ideia de que “[...] é aquilo que, por compressão
e condensação, apresenta as principais características de uma composição para a orientação do
aluno de tal forma que eles podem ser executados no órgão, piano ou outro instrumento solo
(GROVE’S, 1910, p. 140, tradução nossa).45
Fundamenta-se na percepção de que o rigor formal da tradição não condiciona a uma
prática de escrita imutável, tornando as práticas dos mestres de banda livres, de acordo com as
necessidades individuais de seus grupos. É habitual encontrar nas bandas compositores de

44
“Si estás motivado musicalmente, la introducción de un nuevo estímulo y el cambio resultante casi siempre será
positivo[...]”(JACOBS, apud NELSON 2017, p. 17)
45
[...] is that which, by compression and condensation, presents the principal features of a composition for the
student's guidance in such a way that they can be performed on the organ, pianoforte, or other solo instrument
(GROVE’S, 1910, p. 140).
67

dobrados, músicos militares ou mestres de banda que exercem em seus grupos a prática de
escrever arranjos e transcrições como uma ação presente devido às necessidades de
performance do repertório pela banda estudantil.
A adaptação é igualmente um recurso presente nessas práticas, uma vez que ao realizar
uma transcrição, como resultado, há uma adaptação da obra. Daí, entende-se que a adaptação
se refere a
[...] obras que passam por alterações tanto nos aspectos estruturais quanto
ferramentais, mas que quando não envolvem mudança de linguagem
apresentam pequenas alterações estruturais que são em geral específicas [...].
São feitas em função de adequar a obra a algo, seja instrumento, determinado
público, contexto ou gênero. (PEREIRA, 2011, p. 219).

O processo de escrita para os instrumentos das bandas estudantis em Teresina dá-se em


razão das necessidades de cada grupo, como a substituição de determinado instrumento por
outro, em decorrência da falta dele na banda, o uso didático performático ou a habilidade do
mestre de banda com o exercício de escrita. Uma práxis identificada em relatos como o do
mestre de banda Jorceley Nildo, que em entrevista realizada em 1 de setembro de 2021,
testemunhou:

[..] às vezes eu pegava a trompa e botava alguns arranjos que a gente não tinha
o instrumento, a gente não tinha sax tenor, e aí eu ficava assim nossa o arranjo
precisa do sax tenor! Então quando eu via que o arranjo da trompa era muito
fácil para o nível do aluno que eu já tenho, pra não deixar ele fazendo só
colcheia no contratempozinho ali! Eu pegava um arranjo da parte do sax tenor,
botava ali, do sax alto a gente fazia uma mesclava um pouco pra desenvolver
também [...].

Junto aos mestres consultados nesta pesquisa, constatou-se que o processo de escrever
é uma ação presente, com a predominância do uso da adaptação e a transcrição em suas práticas,
como verificado na amostragem representada no Gráfico 1.
68

Gráfico 1 – Prática de escrita para banda estudantil em Teresina - PI

15 1º Escreve 3º Adaptação
13 11 11 4º Transcrição
11 8 5º Arranjo
9 2º Não escreve 6
7 4º Composição
4
5 3
3
1

1º Escreve 2º Não escreve 3º Adaptação


4º Transcrição 5º Arranjo 6º Composição
Fonte: elaborado pelo autor (2021).

Com essa práxis, a escrita para trompa no dobrado permanece inalterada, seguindo os
padrões e as percepções já postuladas nesta pesquisa, na parte 3, observados em Dantas (2015),
em que a marcação, como modelo uniforme e constante, é representada a partir de contraponto
rítmico-harmônico. A adaptação é presente a partir de processos do uso de transposições de
notas como estratégia de uso didático de ensino e performance instrumental.
O mestre Michael Cruz, em entrevista realizada em 16 de setembro de 2021, ressaltou
que

[...] tem muita coisa que a gente não precisa transcrever, mas a gente precisa
adaptar pra o nível do aluno né! Por exemplo, você pega um dobrado sinfônico
como o Verde e Branco, que o nível mesmo da trompa já é um nível um pouco
avançado, aí você vai fazer adaptação, vai oitavar algumas notas, vai mudar
alguns trechos, costuma-se dizer que nas bandas profissionais a gente não
mexe no arranjo do autor, mas na banda estudantil é necessário, que se não
você não consegue inserir o aluno naquele contexto que é a banda. Porque o
que acontece, a banda em se ela tem o caminho dela, a gente desacelera um
pouco a banda para os novatos chegarem ao nível de ir acompanhando, mas a
gente não pode impedir da banda de ir seguir seu caminho com os alunos mais
veteranos, e pra que isso aconteça você tem que estar adaptando ali os
arranjos.

Quando uma obra é composta para uma banda de música, a escrita parte da referência
do tom no “som real” para, em seguida, os demais tons serem transportados aos seus respectivos
instrumentos. A prática da transposição é uma particularidade dos instrumentos de sopro da
banda, com exceção da flauta transversal e do trombone, que são classificados como
instrumentos não transpositores.
69

Nos dobrados selecionados para esta pesquisa, a escrita original da trompa foi composta
para o saxhorn alto em Mib, havendo a necessidade de o trompista ou o mestre de banda realizar
a transposição do repertório. No entanto, em outros gêneros, como MBP e a música Pop,46
habitualmente, identifica-se entre os mestres a atenção conferida à trompa na aplicação desse
instrumento de forma mais expressiva melodicamente no repertório, em uma estratégia de
incentivo e permanência do aluno na banda e no instrumento (trompa).
A escrita para trompa, no ponto de vista dos mestres de bandas, está direcionada aos
aspectos da extensão do instrumento e à tessitura alcançada pelo aluno, de forma que possam
ser atingidas e exploradas progressivamente as múltiplas possibilidades de execução do
trompista na banda. O mestre de banda Jorceley Nildo, em entrevista realizada no dia 1 de
setembro de 202, ressaiu que os aspectos da extensão da escrita para trompa nos dobrados é
uma condição que está presente nesse repertório, exigindo um esforço físico da musculatura da
embocadura, em uma execução repetitiva e incômoda, por situar-se em uma região aguda do
instrumento. Para ele,

No dobrado, [...], pulsação é base, mas a gente sabe como é um dobrado, [...]
Mas eu sempre via então a questão da extensão. É porque, nossa, alguns
arranjos que eu pego de alguns dobrados que eu já toquei a extensão nunca era
compatível com o nível do dobrado entendeu! Às vezes o dobrado era até fácil,
mas as trompas eram escritas lá em cima, era muito agudo e cansava muito a
questão da embocadura, isso num dobrado iniciante, pra quem tá começando
isso é horrível, porque o aluno começando agora tendo que tocar uns dobrados
que relativamente fácil, mas que cansava muito [...].

Enquanto o uso dos saxhorns nessas bandas está tornando-se obsoleto, no dobrado, a
escrita permanece inalterada, resultando na inversão de funções e características instrumentais
concebidas em um instrumento específico, atribuídas a outros que apresentem similaridades
sonoras, a exemplo de trompas, bombardinos ou saxofones altos. O mestre de banda Guilherme
Rafael destacou, em entrevista datada de 8 de setembro de 2021: “[...] a gente toca muito
dobrado, mais geralmente a gente não utiliza as partes de trompa, [...] a gente acaba as vezes
transcrevendo pra algum outro instrumento em se [...] geralmente a gente gosta de transcrever
a parte da trompa pro bombardino [...].”

46
O que se caracteriza como música pop para esta pesquisa está relacionado com a concepção de que,
“culturalmente, toda música pop é uma mistura de tradições, estilos e influências musicais [...] os principais
gêneros musicais produzidos comercialmente e lançados no mercado, especialmente o ocidental” (SHUKER,
1999, p. 8-9). Estão inseridos nesse contexto os repertórios de músicas internacionais de artistas pop, como
Michael Jackson (1958-2009) e John Lennon (1940-1980), assim como trilhas sonoras de filmes, a exemplo de
Star Wars (1977) e Rocky Balboa (2006), entre outros, constituindo repertórios de música pop presentes nas
bandas estudantis de Teresina-PI.
70

Nota-se, por oportuno, que a estratégia adotada é justificada em face da ação


condicionada pela falta de alunos trompistas, havendo a necessidade de transcrição para outro
instrumento. Tendo isso em vista, o mestre Humberto Magno direciona-se aos aspectos sonoros
desses dois instrumentos como agentes de atuação nos dobrados e características da escrita. A
percepção do timbre do saxhorn e a trompa são qualidades que devem ser consideradas, uma
vez que a resposta sonora é diferente entre eles, conforme proferido em entrevista realizada em
13 de setembro de 2021 com o referido profissional, para quem

[...] a diferença maior é você pensar na sonoridade, [...] são instrumentos de


sons parecidos, mas não deixam de serem instrumentos de timbres diferentes.
Na minha opinião a trompa ela tem um som mais estridente, sabe, e
dependendo do músico ela acaba soando muito agressiva em certos momentos
[...]! Você ver dentro de uma orquestra sinfônica quando tem um solo de
trompa as quatro trompa cobre a orquestra praticamente toda, [...] acho muito
pouco provável um saxhorn se destacar dentro de uma banda como uma
trompa se destacaria por causa dessa diferença de timbragem, eu vejo o
saxhorn como um instrumento de som pouco mais escuro, mais suave, menos
agressivo e dentro do dobrado de certa forma ele se encaixa melhor do que a
trompa [...].

Seguindo esse tom, exibe-se o Gráfico 2, elaborado a partir da percepção de que a


trompa e o saxhorn estão fundamentados na interpretação de que o dobrado e as trompas
exercem as mesmas funções dos saxhorns, sem levar em consideração suas possibilidades de
performance, explorando as especificidades de cada instrumento.
Evidencia-se, a partir da extensa difusão desse repertório, em conformidade com os
mestres de banda entrevistados, que o padrão da escrita na função de marcação rítmica-
harmônica passou a ser o modelo seguido e dominante entre os mestres e compositores de
dobrados – conceito construído em consequência dos padrões e funções instrumentais adotados
para esse gênero.
71

Gráfico 2 – Escrita para trompa ou saxhorn no gênero dobrado

1º Marcação
rítmica
15 harmônica
12
13
11
2º Timbre
9
6
3º Extensão
7
4
5º Melodia
5
2
3
1
1º Marcação 2º Timbre 3º Extensão 5º Melodia
rítmica
harmônica

1º Marcação rítmica harmônica 2º Timbre 3º Extensão 5º Melodia

Fonte: elaborado pelo autor (2021).

Embora os mestres de banda percebam que a trompa é um instrumento melódico e não


somente de marcação rítmico-harmônica, a representatividade cultural das funções estruturais
do gênero dobrado é um princípio que assegura a força da tradição desse gênero.
Por sinal, durante entrevista junto ao mestre Rocha Sousa, em 23 de setembro de 2021,
ele salientou que encontra dificuldades em pensar fora desse modelo, mas ressalta que quando
há necessidade de escrever para banda sinfônica, avalia melhor a função da trompa na banda:

Eu ainda não pesquisei muito a função da trompa, no entanto a gente sabe que
a trompa não é só instrumento harmônico ela é um instrumento melódico
dentro desse contexto, ela é diferente do saxhorn porque o saxhorn ele tem
uma função definida de centro, de fazer centro junto com na parte harmônica
com o baixo que faz ritmo-marcação[…], como eu não sou de escola, como
eu não tenho uma formação de escola, porque quando você é formado por
escola você estuda o que tem que ser estudado, mas eu sou formado pelo
ambiente dentro do contexto, então eu nunca me aprofundei muito na questão
de escrever; Ah! tem que escrever como se deve escrever para trompa em Fá!
Mas se me disser, você tem de escrever dobrado, eu já penso que tem que
escrever para o saxhorn […].

Assimila-se, pois, que a tradição permanece como princípio norteador na determinação


das funções instrumentais do dobrado, ainda que o processo de construção e melhoria dos
instrumentos sejam atualizadas com novos recursos e instrumentos, embora culturalmente não
se tenham constatado mudanças significativas no tocante ao dobrado. Nas bandas estudantis de
72

Teresina-PI, durante o ano de 2021, percebeu-se o desuso dos saxhorns em função da trompa.
Com isso, esta tem sido associada na função do saxhorn nos dobrados.
Em face dessa realidade, identifica-se nas obras da Série Repertório de Ouro das Bandas
de Música do Brasil, edições de 2008, realizadas pela Funarte, um importante projeto de
abrangência nacional para salvaguarda dos repertórios de bandas, dentre elas, o dobrado. A
sugestão nas edições dos repertórios desse projeto é que os saxhorns sejam partes extras na
instrumentação da banda, o que aponta e corrobora o uso circunstancial desse instrumento – o
que poderá sinalizar para a ideia de desuso do saxhorn na banda.
Apesar da forma de composição e distribuição dos elementos constituintes dos dobrados
não ter mudado ao longo dos anos, esse gênero tem sido pensado para o saxhorn, como
constatado nos dobrados citados e nas percepções dos mestres de bandas.
O projeto de edições da Funarte teve a preocupação de propor uma nova instrumentação
que pudesse ser executada na formação de bandas sinfônicas ou de concertos, aspecto
compreensível, levando em consideração a globalização do conhecimento das formas de pensar
a banda, mas contrastante em relação à realidade cultural brasileira, dada a inexpressividade
quantitativa de bandas sinfônicas em relação à banda de música tradicional.
Segundo a Funarte, no tocante aos objetivos para os quais foram sugeridas partes
opcionais,

[...] Foram acrescentados instrumentos opcionais na partitura, que ampliam a


instrumentação mas não são essenciais à execução da obra. O objetivo é possibilitar a
execução de determinadas linhas melódicas ou harmônicas com mais de uma opção,
para viabilizar a execução por bandas sinfônicas e bandas de concerto, além de
possibilitar uma melhor execução pelas tradicionais bandas de música. Assim, o
regente dispõe de massa sonora em execuções ao ar livre, mas resguarda o equilíbrio
sonoro em concertos realizados em locais fechados. (Disponível em
https://www.funarte.gov.br/serie-repertorio-de-ouro-das-bandas-de-musica-do-
brasil/. Acesso em: 5 nov. 2021).

Dentre os instrumentos classificados como opcionais, estão o piccolo, oboe, bassoon,


Bb bass clarinet, Bb sax baritone, contrabass, bells e xylophone, aduzindo os diretores que “[...]
essas partes foram adicionadas de acordo com a escrita do compositor e a função desses
instrumentos na banda, a fim de permitir a formatação da partitura de acordo com os padrões
internacionais atuais” (JARDIM, 2008, p. 7, tradução nossa).47

47
[...] Such parts were added in accordance with the composer’s writing and the function of these instruments in
the band, in order to allow the formatting of the score according to present-day international standards (JARDIM,
2008, p. 7).
73

Esses instrumentos não compõem a instrumentação de uma banda de música tradicional,


formada por flauta em C, requinta em Eb, 3 clarinetes em Bb, Saxofone Alto em Eb, Saxofone
Tenor em Bb, 3 trompetes em Bb, 3 Saxhorn Altos em Eb, Saxhorn Barítono em Bb,
Bombardino em C, Tubas em Eb e Bb, e percussão, como também não foram aplicados
originalmente nessas obras, indicando o uso das adaptações na instrumentação e adequação ao
modelo de banda designado.

4.4 A trompa como solista na banda

Ao longo deste estudo, discutiram-se as funções nas quais a trompa é incorporada no


gênero dobrado. Contudo, ao levar a problemática do uso da trompa como instrumento
melódico em oposição à função de condução rítmica-harmônica aos mestres de banda, iniciou-
se um diálogo quanto à abertura das fronteiras culturais presentes nesse cenário, em relação aos
padrões da escrita do dobrado.
Para que se compreenda como estão presentes os valores culturais norteadores desses
padrões, os mestres de bandas foram indagados sobre suas percepções em relação à trompa
como instrumento solista na banda e no dobrado. Então, ao pensar a performance da trompa
nessa perspectiva, eles revelaram um estímulo gerador, trazendo em seus discursos relatos
atinentes às necessidades de uso da trompa com mais evidência melódica nos repertórios de
banda, em função da formação e permanência do aluno no instrumento e na banda.
Reputando o Dobrado nº 17, de José da Annunciação Pereira Leite, composto em
Aracaju, em 6 de janeiro de 1877, citado por Sousa (2009, p. 59) como referência de manuscrito
“[...] mais antigo de dobrados”, tem-se que em 144 (cento e quarenta e quatro) anos, o gênero
dobrado não teve mudanças significativas nas funções instrumentais, a ponto de ensejar uma
ruptura e inversão de padrões estruturais do gênero.
Como identificado em Dantas (2015, p. 61), ao exemplificar as partes que compõem um
dobrado, “esse esquema de distribuição das funções não é um postulado, mas uma tentativa de
teorização com base na estatística da maioria dos dobrados brasileiros”.
Diante do exposto, o mestre Gabreil Fidelis, em entrevista concedida em 11 de setembro
de 2021, atina que a trompa traz em sua essência fatores das transformações e evolução técnica
ao longo de sua história, adaptando-se às novas necessidades e exigências performáticas, que
concorrem para que exerça mais funções melódicas na banda. Para ele,
74

[...] você vê o bombardino solando, [...] clarinete, trombone você vê a trompa,


é igual, é um instrumento igual, [...] tem compositores que exploram tudo né!
Você ter uma ideia o desenvolvimento eu penso dessa forma, levando pro meu
instrumento a clarineta, alguns compositores faziam algumas obras e você via
que era impossível naquela época executar com aquele instrumento da forma
como ela tá aquela obra que o compositor fez, então aquela obra contribuía
para que os músicos quebrassem a cabeça; [...] Precisamos desenvolver o
instrumento, acrescentar uma chave, mudar o sistema da boquilha, incorporar
elementos diferente! Então você vê que as obras dos compositores ajudaram
a desenvolver os instrumentos e com certeza a trompa deve ter passado por
esse processo, porque o clarinete passou por esse processo, o saxofone passou
por isso, a tuba, o trombone todos eles passaram por isso [...].

Não obstante, como detectado, a escrita nesse repertório não contribuiu para a evolução
do instrumento nesse gênero, mas apenas para a apropriação de funções de outro instrumento
(saxhorn). No entanto, ao direcionar-se a percepção do mestre Gabriel Fidelis para outros
repertórios, como a música barroca de concerto, na qual há a valorização de passagens
virtuosísticas em regiões agudas do instrumento – como nos excertos de Brandenburg Concerto
nº 1, BWV 1046 e a Mass in B minor, BWV 232 de Johann Sebastian Bach (1685-1750) –
percebe-se que o repertório tem uma importante contribuição na evolução técnico-instrumental
do trompista.
Na perspectiva de desenvolvimento do instrumento, surge, em 1960, como alternativa
aos instrumentos de época, a primeira trompa tripla F/Bb/F alto, criada em Londres, por C. J.
Paxman e R. e A. Merewether.
Para Oliveira (2002, p. 21), essas trompas são um instrumento “derivado da trompa
dupla descante afinada em Si bemol alto e Fá agudo. É uma tentativa de reunir em um
instrumento todas as qualidades desejadas”. Assim, facultam maior conforto e agilidade na
extremidade aguda do instrumento, possibilitando ao trompista trabalhar o repertório com mais
segurança. Nas bandas de música de Teresina, devido ao seu alto custo financeiro, esse
instrumento é inexistente, sendo a trompa dupla F/Bb a de uso padrão dessas bandas.
Dentro das tradições de banda, a trompa como instrumento solista no dobrado traz
consigo as distinções do passado, como um instrumento resignado a uma prática performática
periférica, colocada como símbolo do possível insucesso na desenvoltura e aprendizagem do
músico na banda, enquanto as necessidades de um bom desenvolvimento das habilidades
técnicas e sonoras são instruídas a outros instrumentos da banda, como trompetes, saxofones e
trombones.
Em entrevista com o mestre Gustavo, em 23 de setembro de 2021, ele ratificou que a
trompa tem possibilidade de exercer uma função mais melódica nesse gênero, mas que essa
75

percepção não foi estimulada no próprio instrumento, em razão da forma como os mestres de
bandas do passado entendiam a trompa. Em seu entendimento,

[...] tinha a ideia quando eu comecei a estudar dos antigos mestres de banda,
que; Ah isso aqui não conseguia passar, não conseguia ler direito, vai pra
trompa! Tinha essa ideia! [...] sem muito menos eles perceberem que o
instrumento que ele tava colocando era um dos piores instrumentos, é no
quesito de leitura dentro da banda de música, é o instrumento que tem que ter
mais responsabilidade ainda, não desmerecendo os outros, mas devido a
função que ele fazia dentro da banda, porque ele é um instrumento que guiava
a banda [...], tanto harmonicamente como ritmicamente né! Que era a escrita
que era feita na época né! Aí tinha essa ideia, não, você não tocou legal, não
conseguiu acompanhar os estudos pra poder entrar na banda, coloca na
trompa! [...].

A interpretação de que a trompa poderá assumir maior protagonismo no dobrado deve


estar em harmonia com o modo como os mestres de bandas entrevistados vislumbram as
possibilidades melódicas da trompa como instrumento solista. Ainda que eles compreendam
que há a necessidade de estabelecer solos para trompa no dobrado ou em outros gêneros, como
na MBP, os alunos também têm de ser motivados a tocar partes mais complexas. Isso posto, é
função dos mestres de banda revelar todas as possibilidades de performance dos instrumentos
da banda, por intermédio de sua prática ou participação de especialistas da área em aulas ou
masterclasses.
Dentre os mestres entrevistados, apenas um mestre diverge dos demais, ao considerar
que o padrão de escrita do dobrado é o necessário para uso da trompa nesse gênero, enquanto
para os que se permitem a viabilidade do uso da trompa como solista, os traços da tradição são
mais fortes que a força criativa e a prospecção sonora no desenvolvimento e na preparação do
dobrado.
O mestre Carlos Rocha assim se manifestou, em entrevista em de 23 de setembro de
2021:

Eu vejo n possibilidades e até questiono o dobrado, do ponto de vista eu faço


uma coisa de tradição, mas da hora de repente me pego fazendo as meias
culpas e alto-críticas, [...] Por que eu não escrevo um dobrado com uma
linguagem nordestina, com modo mixolídio?[...] no dobrado nós ainda não
saímos da música europeia, continua se fazendo música como se fazia a dois
séculos atrás, a gente não evoluiu o dobrado [...].

Ao propor uma forma de abordagem divergente em um modelo tradicionalmente


consolidado em determinado cenário musical ou social, é natural o receio e o confronto de
76

ideias sobre a aceitação ou não, uma vez que o “novo” é desconhecido e a avaliação, um
processo natural. Ao propor a trompa como instrumento de uso múltiplo, não somente de centro
no dobrado, propõe-se uma ruptura com a tradição, porquanto os saxhorns eram determinados
como instrumento modelo, uma vez que o contexto histórico presente é divergente daquele nos
quais foram concebidos os dobrados em estudo.
Dessa maneira, quando essa prática contém novas demandas contemporâneas e há
necessidade de diálogo afinado com os contextos em que está inserida, o novo deixa de ser
singular para tornar-se uma estratégia, transformando-se em uma prática.
O mestre Paulo Henrique citou os aspectos da dupla afinação do instrumento e as
possibilidades de transposição da trompa, em entrevista realizada em 16 de setembro de 2021.
Em seu entendimento, o saxhorn é “[...]muito limitado, não tem recursos sabe! Já essa nova
trompa em Fá, na minha visão ela é mais sofisticada em relação a tocar de duas formas
diferentes [...]”.
Porém, percebe-se que a trompa nas bandas estudantis em Teresina está em um processo
de inserção. Mesmo em números e naipes incompletos em relação ao presente contexto, a
trompa conserva-se incipiente, de modo que o repertório (dobrados) coadjuva para essa
condição.
Para os mestres de banda, a função de centro da trompa é compartilhada com outros
instrumentos nos dobrados, a exemplo de trombones e clarinetas, o que possibilita a trompa
transportar a função de centro em determinadas passagens, imprimindo uma condição em que
os dobrados apontam essa estratégia de adaptação. A fim de que esse método se processe, é
necessária a iniciativa do mestre à frente de suas necessidades individuais como professor de
instrumento (trompa) e arranjador da banda.
Para o mestre Eraldo Lopez, em entrevista realizada em 15 de outubro de 2021,

[...] desde que alguém queira passar os solos para os trompistas, [...] assim na
concepção que o instrumento veio, na concepção da forma do dobrado como
ele nos foi repassado e a função de cada instrumento na composição, então os
compositores ouviu e também recriavam aquilo que eles ouviram né? Porque
é um dobrado então já tinha aquela forma na cabeça como se cada instrumento
ia fazer sua participação na obra, então sempre castigaram né! Esse castigo
para o instrumento ficar nunca botar solo pra ele [...], porque eles aprenderam
ouvindo que ela não tinha solo continuou fazendo a mesma coisa [...].

Na opinião do referido mestre, a trompa foi “castigada” quando os compositores de


dobrados determinaram que esse instrumento exerceria uma única função, de centro, e em
77

seguida, a atribuição da trompa em função de saxhorn no dobrado, sem levar em consideração


as reais possibilidades de performance do instrumento.
Apesar disso, os mestres de bandas, ao depararem-se com as necessidades de induzir os
estudos e a motivação dos alunos mais avançados, empenham-se para que a performance do
instrumento possua novos desafios técnicos como fito mobilizador de suas práticas.
Isso leva ao surgimento do prisma da ampliação das possibilidades técnicas
performáticas da trompa como fator de exploração de novas perspectivas melódicas, de modo
que o contexto passa a ser determinador das obrigações vigentes, como a busca de repertórios
mais desafiadores ou adaptações de repertórios tradicionais, como o dobrado. O instrutor e
mestre de banda Jorceley Nildo, quando de entrevista concedida a este pesquisador, em 1 de
setembro de 2021, assim se manifestou:

É quando a gente vê que o nível do aluno tá crescendo demais a frente da


banda e você dar um arranjo muito fácil pra ele, ele não tem vontade de ir. E
não é só ele da trompa, tem também os meninos alunos do trombone do
trompete, é muito complicado eu acho que, ou você mescla, que é o que a
gente faz muito aqui na banda, você mescla o uso dos dobrados com algumas
músicas populares e alguns Pops pra estar instigando ele o tempo todo, se for
quer fazer sempre o arranjo original ou você vai ter que mexer, você vai ter
que botar alguma dificuldade, se não ele vai sair, não querer mais estudar.

Como dito, o uso e a inserção da trompa de forma melódica é cada vez mais frequente
devido às necessidades de atribuição de desafios técnicos ao repertório tradicional de banda
para trompa. Os repertórios de dobrados na atualidade, assim como nas edições da Funarte,
indicam uma consolidação pelo uso da trompa na instrumentação em oposição ao saxhorn, a
qual se acredita que está a definir de forma indireta um modelo padrão para bandas estudantis
atuais.
Como é característico em uma banda, a execução de repertórios de gêneros variados em
repertórios contemporâneos para banda, semeados a partir dos surgimentos de editoras como
Alfred Music (1922) e Hal Leonard (1947) na comercialização de arranjos para marching band,
percebe-se que os arranjadores e compositores dessas editoras têm explorado com mais
proeminência a trompa, incorporando-a em uma perspectiva de instrumento melódico na banda,
não somente de sustentação harmônica.
Em paralelo, depreenderam-se ao longo das entrevistas com os mestres de banda
apontamentos que direcionam para a necessidade de um olhar mais aguçado dos arranjadores e
compositores para que a trompa se desenvolva em funções de solo no dobrado.
78

Visando à distinção das percepções que a trompa representa para esses mestres na banda,
eles foram indagados sobre a função ou o papel principal da trompa na banda de música. O
mestre Vitalino, em entrevista concedida a este pesquisador em entrevista 7 de setembro de
2021, diz entender que a trompa na banda é sinônimo de transmutação, pois incorpora novos
timbres a sonoridades da banda e de seus arranjos:

eu acho que é isso da mudança né! da característica sonora dos arranjos, então
eu acho que o papel principal é esse; mudar a cabecinha de ficar a trompa só
é pra fazer os contracantos, só é pra fazer o papel da guitarra, não! ela mudou
completamente eu acho que veio pra somar pra melhor.

Enquanto isso, o mestre Siqueira destacou em sua fala que a trompa é subutilizada em
consequência do padrão determinado de escrita, em face de os compositores obedecerem às
funções e formas como uma regra permanente para o uso da trompa na banda e no dobrado. Em
seu entendimento,

[...] ela está sendo posta em segundo plano, [...] quando você pega uma
partitura de um dobrado antigo [...], você não ver em nenhuma dessas peças
com ausência do saxhorn por exemplo! Então hoje eu creio que tá se fazendo
isso [...], mas como acontece isso? É através dos compositores né! Os
compositores tem que atentar mais pra isso pra cultura pra não deixar daqui
um dia, daqui um tempo assim, tá difícil até de você ver uma banda de música
se tocar um dobrado [...].

Um dos aspectos presentes no Projeto Banda Escola é o uso misto de formações


instrumentais, podendo atuar como banda marcial, de concerto ou até em formação de big band,
fazendo com que o repertório se transforme em estilos variados, o que justifica a preocupação
do mestre de banda Siqueira.
Sobre as possibilidades da trompa, o mestre José Marcos sobrelevou que “[...] ela teria
um papel importante em relação aos contrapontos de dobrados que geralmente quem faz é o
trombone, né! Eu acho que ela cairia muito bem fazendo o contraponto [...]”.
Denota-se que a trompa, como instrumento solista na banda, manifesta-se em distintas
possibilidades na concepção dos mestres de bandas, mas para que, de fato, estas sejam
colocadas em prática, é necessário que o repertório a coloque dessa maneira.
Entre os mestres onde a práxis da escrita para banda não é um recurso usado, o repertório
torna-se o fator limitante no desenvolvimento da performance do trompista na banda. Enquanto
aos que escrevem adaptações, arranjos ou compõem, essas práticas estão vinculadas a uma
79

concepção didática em relação à performance, dado que o contexto e as necessidades de


inserção do trompista ao grupo é um perfil identificado nas bandas estudantis em Teresina.
Com a inserção progressiva da trompa nas bandas de música estudantil em Teresina,
caberá aos mestres de bandas cada vez mais dedicarem-se a uma revisão dos repertórios, a fim
de compreender as funções e possibilidades performáticas do trompista na banda enquanto
performance no dobrado. Esse repertório configura-se como uma prática que representa a
essência musical de uma banda, cuja presença e preferência do uso da trompa nessas bandas,
apesar de números reduzidos em naipes, representa a consolidação desse instrumento em
relação ao saxhorn.
Em relatos como o do mestre de banda Brenda, em entrevista datada de 17 de setembro
a este pesquisador, assimila-se como a trompa tem ocupado essa preferência: “[...] eu queria
pelo menos umas três trompas na minha banda tocando pra fazer solos de dobrados, pra tocar
várias outras coisas, a possibilidade da gente até elevar o nível da banda, na questão de tocar
arranjos diferentes, a trompa ela dá essa possibilidade [...]”.
Contudo, devido às peculiaridades sonoras individuais, reputa-se que ambos os
instrumentos, trompa e saxhorn, em harmonia com as possibilidades técnicas para performance
nesse gênero, sem a evidência e apropriação de um instrumento sobre o outro, são igualmente
necessários para a instrumentação de uma banda, tornando o som dela mais rico em timbres e
possibilidades de performance.
80

5 PARTE C (TRIO) – POSSIBILIDADES DE ABORDAGENS TÉCNICO-


INTERPRETATIVAS NA ESCRITA E PERFORMANCE DA TROMPA NO DOBRADO

O trio no dobrado é uma seção que tipifica em contraste a energia vibrante das melodias
que fazem uso de sinais de expressões de forte ou fortíssimo, determinante para a altivez do
aspecto marchante dos dobrados desenvolvida nas primeiras seções, A e B. É, geralmente,
exposto a partir de uma melodia lírica, fazendo uso de uma dinâmica suave em piano ou mezzo
piano, evidenciando as melodias do contracanto, rompendo com a vivacidade melódica das
primeiras seções.
A propósito, Dantas (2015, p. 61) explica que “o trio é a parte mais delicada de um
dobrado, podendo ter uma duração maior que a 1ª parte, sendo do mesmo modo repetido por
rittornello. No trio, o contracanto geralmente tem uma partitura ainda mais rebuscada que o
canto”.
As propostas presentes nesta parte da pesquisa são feitas a partir de uma perspectiva
segundo a qual a função da trompa no dobrado é observada a partir de suas possibilidades
técnico-performáticas, fazendo uso de adaptações das partes de outros instrumentos que
dialogam em afinidades sonoras com a trompa, por meio de melodias existentes na
instrumentação utilizada pelos compositores, apontando direcionamentos capazes de contribuir
para o uso da trompa como instrumento versátil no dobrado.
Portanto, parte-se da compreensão de que a trompa dispõe de liberdade perante a
exploração das múltiplas possibilidades de performance nesse gênero. Essa proposta parte da
concepção de que originalmente, os dobrados foram escritos para o saxhorn e que a apropriação
da função de centro pela trompa sobre esse instrumento no gênero dobrado, a partir das
influências do uso das trompas naturais nas primeiras formações de bandas, como os
charameleiros e as harmoniemusik, permite tal fito.
Como apreendido na seção anterior e observado na experiência deste pesquisador
enquanto trompista e mestre de banda, é notável a ausência da trompa como instrumento
melódico nas bandas estudantis de Teresina. Dessa maneira, há uma demanda dos mestres de
banda sobre a inserção de novos desafios técnicos aos trompistas como recurso de
desenvolvimento de sua performance nesse gênero. Para tanto, o reconhecimento das
possibilidades técnicas da trompa na performance permitirá aos mestres de banda explorarem
o uso dela no dobrado.
81

Os propósitos de sustentação dos pilares na liberdade de exploração técnica para esse


estudo têm como referência os “pilares transformáveis” classificados por Dantas (2015, p. 159-
160), em que

o uso tradicional aponta para o que pode ser modificado: funções, forma,
instrumentação. As tais funções (canto-contracanto-centro-marcação) pedem
novo canto, novo contracanto [...] esses pilares que chamo de funções
instrumentais na filarmônica existem na maioria dos estilos de música
ocidental.

Na transformação desses pilares, a sugestão de partes extras de trompa como


instrumento livre de um padrão definido propicia um recurso que, a partir da análise e das
sugestões de uso desse instrumento, não somente na função de centro nos dobrados, pode ser
utilizado como instrumento ponte. Como nas bandas sinfônicas, nas orquestras e nos quintetos
de sopros, a trompa exerce a conexão entre os instrumentos de metais, as madeiras, as cordas e
os sopros, enquanto instrumento solista e de condução harmônica.
Quando Tuckwell (2002) classifica como “atração visual” a atuação da trompa na banda,
é possível interpretar que sua análise poderá contribuir para percepção cultural da atribuição da
função de centro da trompa no dobrado. Segundo ele “uma fila de trompa brilhando no desfile
parece bonito, mas a atração é apenas visual, já que a trompa contribui muito pouco com o som
nessas circunstâncias” (TUCKWELL, 2002, p. 181, tradução nossa).48
Não se pretende excluir a função de centro do dobrado, mas apropriar essa função a
determinado instrumento, quais sejam os saxhorns, instrumento necessário nas bandas para
condução das linhas harmônicas nesse gênero. O estímulo ao uso e retorno dos saxhorns às
bandas de música é importante recurso para que mestres e compositores de dobrados possam
transcender padrões da tradição e compreender a trompa como instrumento de uso versátil na
performance.
A proposta de partes extras de trompas não tem o escopo de inserção didática de
aprendizagem instrumental, mas a exploração da performance e técnica da trompa no dobrado.
Como recurso na determinação para a seleção e classificação das estruturas melódicas e
harmônicas presentes nos dobrados, parte-se da tabela de parâmetros técnicos para a orientação
dos recursos constituintes dos meios gráficos com vistas à compreensão dos mestres e

48
A line of shining horn in the parade looks pretty, but the attraction is only visual, since the horn contributes very
little sound in these circumstances (TUCKWELL, 2002, p. 181).
82

compositores quanto às possibilidades de uso dos elementos da escrita musical e técnica do


instrumento (trompa).
Nessa direção, lançou-se mão da tabela de parâmetros técnicos adotada por Sotelo
(2008) e da “ficha técnica performática” elaborada e adaptada a partir da “ficha técnica” de
Campos (2015) como recurso e sugestão de uso da trompa no dobrado. Trata-se de uma
estrutura de orientação dos aspectos da perspectiva histórica, das considerações técnicas e das
possibilidades de escrita para a performance da trompa.

Quadro 8 – Modelo adotado e adaptado para o fichamento técnico da obra musical

Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s)
Outros subtítulos
Ano da composição:
Autor
Gênero
Forma
Fonte usada
Informações Performáticas
Nível*
Instrumentação original
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais
Considerações técnicas
Vozes instrumentais
ajustáveis para trompa
Extensão da trompa
Fonte: manuscrito próprio (2021).
*Tabela de Parâmetros Técnicos (SOTELO, 2008).

5.1 Tabela de parâmetros técnicos na determinação dos elementos gráficos na escrita


para trompa

Com o advento dos métodos pedagógicos e o desenvolvimento do ensino coletivo de


instrumentos musicais, esse recurso tornou-se um importante instrumento de sistematização dos
parâmetros técnicos de um repertório. A classificação de repertório a partir de parâmetros de
níveis que determinam os elementos gráficos e técnicos-instrumentais foi desenvolvida durante
o século XX, nos Estados Unidos,49 e tem como objetivo o desenvolvimento musical planejado
por meio de etapas em níveis que vão de 1 a 5, que possam proporcionar, de forma detalhada,

49
Para uma compreensão mais acurada do processo de surgimento histórico da tabela de parâmetros técnicos,
consultar Sotelo (2008, p. 36), em “fatores históricos que contribuíram para a consolidação dos parâmetros
técnico-musicais”, e Lages (2012, p. 34), Capítulo 3 – sistematização de repertório.
83

“a preparação de um plano de ensino dentro da banda, bem como na própria formação de uma
banda melhor elaborada” (SOTELO, 2008, p. 36).
A divisão em cinco níveis tem como escopo classificar o nível de dificuldades
incorporado à obra, a partir dos elementos gráficos e técnicos utilizados. Para melhor
sistematização na classificação do nível de dificuldades, não será adotado para classificação o
uso de subcategorias, por entender que a classificação em cinco níveis, de acordo com a tabela
de Sotelo (2008), disposta no Anexo I, é o necessário para a determinação dos critérios e
padrões usados no repertório desta pesquisa.
Os níveis estão classificados em: nível 1 – fácil; nível 2 – fácil/médio; nível 3 – médio;
nível 4 – médio/difícil; e nível 5 – difícil, com os parâmetros estruturados em:

A – Limitações de escrita musical: Compassos a serem usados para cada nível;


Armaduras de clave e suas tonalidades; Valores de notas e pausas; Estruturas
rítmicas possíveis; Dinâmicas; Utilização de ornamentos. B – Limitações
técnico-instrumentais; Articulações; Extensões dos diversos instrumentos. C
– Sugestão de duração das obras para diversos níveis. D – Conselhos gerais
sobre a utilização de determinadas linguagens musicais que não focam parte
do processo de aprendizado musical. E – Instrumentação geral para os níveis
e uso da percussão. (SOTELO, 2008, p. 38-39).

Nessa perspectiva, ao ser designada a um instrumento específico (trompa), serão


considerados os indicadores representados em A, B e D, por entender que são suficientes para
a determinação das limitações técnicas da trompa no dobrado. Seguindo esses parâmetros, a
extensão da trompa é determinada nos cinco níveis, de acordo com o grau de dificuldades,
classificada segundo o Quadro 9.

Quadro 9 – Classificação da extensão da trompa por nível de dificuldade

Extensão da trompa por nível de dificuldade


Nível 1 2 3 4 5

Trompa

Fonte: Sotelo (2008, p. 50).

A figura de semibreve presente no nível 1“indica limite de extensão entre um nível e o


nível seguinte” (SOTELO, 2008, p. 50). Contudo, para esse nível, é natural a escrita limitar-se
à extensão de uma oitava (dó 3 – dó 4) para o melhor desenvolvimento inicial da performance
do trompista.
84

Tendo em vista a compreensão dos mestres de bandas e trompistas a respeito da relação


e do caráter a ser explorado em suas adaptações nas escolhas dos parâmetros melódicos para a
determinação das vozes a serem sugeridas em partes adaptadas, propõe-se, a partir das
percepções coletadas durante a prática deste pesquisador como trompista e mestre de banda,
uma interpretação dos aspectos sonoros reunidos na extensão da trompa no uso em dobrados e
relacionados com outros instrumentos da banda, com as características dispostas no Quadro
10.

Quadro 10 – Extensão da trompa F/Bb e sua relação sonora com os instrumentos da banda

Trompa* Instrumento Características

Sem projeção e instabilidade sonora


Tuba
em marcha (não recomendado)
Si0 – Fá1

Sem projeção e instabilidade sonora


Trombone**
em marcha (não recomendado)

Fá#1 – Si1
Clarinetes e Trompetes em Bb Brilhante, enérgico, estável e ágil
(Dó3 – Sol4)*** (recomendada para marcha)
Escuro a enérgico, porém com
instabilidades em afinação na região
Sax alto (Lab2 – Sol4)
médio agudo (ágil e recomendado
para marcha)
Escuro a enérgico, estável em
afinação na região médio agudo, ágil
Sax tenor (Mib3 – Sol4) e recomendado para marcha, sua
fusão sonora com a trompa lembra o
bombardino.
Firme e poderoso (recomendada
Trombone (Lá2 – Dó4)
para marcha)
Funde-se com o som da trompa,
Si1 – Dó5 porém o bombardino sobressai em
intensidade sonora na banda e assim
Bombardino (Do3 – Sol4) como o sax alto apresenta
instabilidades em afinação na região
médio agudo. (ágil e recomendado
para marcha)
Fonte: manuscrito próprio (2021).
*Notas não transportadas
**Trombone tenor com rotor em Fá
***Notas relacionadas a extensão da trompa

Nas bandas de música estudantil em Teresina, a ausência de instrumentos como a


trompa e o saxhorn é uma realidade, assim como o uso desses instrumentos em quantidade
desproporcional em relação a outros naipes da banda também se faz presente. Essa proposta
busca atenuar a ausência ou o desequilíbrio sonoro em relação à trompa incorporada na função
85

de saxhorns na função de centro na performance do gênero dobrado, sem modificar a


composição original, mas sugerindo o uso da trompa de forma flexível entre as funções do
dobrado.
A metodologia para a seleção melódica presente nos dobrados para a adaptação da
escrita para a trompa é desenvolvida em duas etapas:
• primeiro: identificar os pontos onde a função de centro é imprescindível para a
manutenção do caráter do dobrado enquanto marcha, a extensão melódica e a
identificação de melodias (canto e contracanto) distribuídas de forma desproporcional
(quantidade de instrumentos executando a mesma voz), de modo que possam provocar
desequilíbrio entre os naipes.
• segundo: a identificação de melodias que possam contribuir para a performance da
trompa no dobrado. Para essa etapa, faz-se necessário o uso do Quadro 10 para
orientação das escolhas de timbragem sonoras da trompa e de sua extensão. Dado que
as concepções de interpretações sonoras podem assumir valores subjetivos entre mestres
e trompistas, construídas de acordo com os contextos e as referências musicais, o
referido quadro possibilita a compreensão acerca do melhor uso da extensão da trompa
no dobrado. Essa etapa poderá seguir outros padrões de referências, uma vez que os
dobrados possuem dinamicidades melódicas distintas.

5.2 Dobrado Batista de Melo – Manuel Alves Leite

5.2.1 Perspectiva histórica

A autoria do dobrado Batista de Melo é ponto de divergências entre autores como


Santos (2017) e Lisboa (2005). O primeiro determina que o dobrado é do compositor Manuel
Alves Leite, enquanto o segundo atribui essa autoria a Mathias Albuquerque de Almeida. Essa
divergência ocorre em razão da não sistematização da identificação do compositor e os copistas
nos manuscritos no início do século XIX na música de banda, daí porque se acredita que
Mathias Almeida tenha assinado a obra enquanto copista, provocando incompatibilidades na
identificação da autoria do dobrado.
Em edições difundidas em bandas de música (Figura 10), atribui-se a autoria do dobrado
a Manuel Alves Leite, “composta entre os anos de 1890 a 1896” (SANTOS, 2017, p. 24), a
pedido do deputado federal entre os anos de 1912 a 1914, a Joaquim Batista de Melo (!MG –
86

†1914) “para celebrar a posse do Marechal Hermes da Fonseca” (LISBOA, 2005, p. 9) para a
presidência do Brasil, em 15 novembro de 1910.
Considerando as datas de estimativas de composição em Santos (2017) e a data da
solicitação da composição em Lisboa (2005) como uma referência cronológica, percebe-se um
hiato de tempo na data estimada da composição à estreia da obra de, aproximadamente, 20
(vinte) anos. Logo, isso não permite confirmar a data exata de sua composição. Levando em
consideração os registros do manuscrito das partituras citada na Figura 10, e o reconhecimento
pelos mestres de bandas, credita-se a autoria do dobrado Batista de Melo ao compositor Manuel
Alves Leite.

Figura 10 – Partitura escrita a nanquim do dobrado Batista de Melo, composta por Manuel Alves Leite

Fonte: Arquivos da Banda de Música do IFPI - Campus Teresina Central (1984).

Segundo a história oral existente entre os mestres de bandas, esse compositor


presumivelmente seja oriundo do município de Éloi Mendes, no Estado de Minas Gerais,
“território desmembrado do município de Varginha” (IBGE, Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/eloi-mendes/historico. Acesso em: 15 mar. 2022).
Os dados e registros históricos sobre o dobrado Batista de Melo e Manuel Alves de Leite
ainda necessitam de pesquisas concretas sobre a música e os compositores de banda na primeira
fase do Brasil República, período conhecido como República Velha (1889 – 1930),
historicamente lembrado pelo coronelismo e pelo cangaço: “aos olhos de muitos, a vida política
republicana havia se transformado, na maioria das vozes, em um campo de tiroteio e
emboscadas, e não de diálogo e negociação” (DEL PRIORE, 2010, p. 244).
87

Tais circunstâncias históricas dificultaram a disseminação e produção da música de


banda no Brasil. A isso associam-se limitações de acesso à educação, serviços de edições,
difusão de partituras e uso quase que exclusivo do dobrado nos cerimoniais militares –
condições essas que suprimem a identificação dessa produção musical escrita para bandas de
música nesse período.

5.2.2 Considerações técnicas

O dobrado Batista de Melo é escrito na forma A – B – A – C – A, ou seja, a forma


tradicional desse gênero, em tom menor (Fá menor), com modulação para Lá bemol maior na
parte B e C (trio), com uma instrumentação composta como disposto no Quadro 11.

Quadro 11 – Instrumentação do dobrado Batista de Melo

Madeiras Metais Percussão


1 – Clarinete em Eb 3 – Saxhorn em Mib Caixa
3 – Clarinete em Sib 2 – Trompetes em Bb Pratos
Saxofone Alto 1 – Trombone de canto em Sib Bombo
Saxofone Tenor 2 – Trombone em Sib
1 – Bombardino em Sib
1 – Baixo em Mib
1 – Baixo em Sib
Fonte: arquivos da Banda de Música do IFPI – Campus Teresina Central (1984).

A escrita para instrumento “de canto” presente nessa instrumentação foi uma prática
comum desenvolvida nas bandas de música até o século XIX, ocasionalmente motivada pela
imperícia do instrumentista na execução do dobrado, como recurso para superar a falta de
determinado instrumento na banda ou uma voz instrumental da melodia. Tinham como
propósito inserir um instrumento, geralmente os trombones, devido à sua alta capacidade de
projeção sonora em desfiles, com os principais solos presentes no dobrado.
Escreviam-se as melodias e os principais contrapontos para esse instrumento, que ficava
a cargo do músico mais habilidoso da banda ou do mestre de banda. Essa prática de escrita não
é mais identificada com frequência, embora a prática performática ainda seja encontrada em
pequenas bandas do interior piauiense, onde o corpo instrumental da banda é reduzido a poucos
músicos, em razão da falta de instrumentos e instrumentistas.
O dobrado Batista de Melo é escrito na forma binária simples (2/4), sem variação em
fórmula de compasso. Não há indicação de tempo, porém, por tratar-se de um dobrado, segue
o padrão do tempo da marcha, em semínima a 120 bpm. Inicialmente, é desenvolvido a partir
dos instrumentos de metais, com uma exposição na introdução de uma semifrase em uníssono
88

e em dinâmica fortíssimo (compassos 1 – 4), completando a frase de forma cromática pelas


madeiras e trompetes.
Em sequência, repete-se a semifrase inicial em um grau acima, enfatizando a intensidade
e o brilho dos instrumentos de metais, seguida pela desenvoltura e agilidade dos instrumentos
de madeiras com o uso de semicolcheias finalizando em uma mínima – o que é valorizado pela
finalização das semifrases em tempos fortes, com pouco uso das figuras de pausas, e com
mínimas e semicolcheias como figuras de maior e menor valores de durações rítmicas.
O dobrado prossegue com as divisões das quatros funções do gênero divididas conforme
o Quadro 12.

Quadro 12 – Distribuição das funções instrumentais no dobrado Batista de Melo

Canto Contracanto Centro Baixo


Clarinete em Eb Saxofone Tenor Baixo em Eb
Clarinete em Sib Trombone em Sib Saxhorn alto em Mib Baixo em Bb
Trompetes em Bb Bombardino em Sib
Saxofone Alto
Fonte: arquivos da Banda de Música do IFPI – Campus Teresina Central (1984).

No dobrado Batista de Melo, as quatro funções são invariáveis entre os instrumentos,


não havendo transição de funções entre eles, o que inviabiliza as possibilidades de inversões de
funções50 para trompa – um recurso que poderia determinar a seleção de pontos melódicos
preexistentes. A adaptação deve atentar para que a função de centro esteja presente em pontos
essenciais, enquanto o uso de melodia seja o de intensificação temática da obra.
As indicações sugeridas de articulações são acentos, articulados e legato,
principalmente no uso em semicolcheias, o que facilita a execução, e os staccatos, que
evidenciam a marcação rítmica do dobrado.

5.2.3 Possibilidades de escrita para performance na trompa F/Bb

A melodia principal do dobrado Batista de Melo, atribuída originalmente para a trompa,


seria escrita sob o limite intervalar de 11º (décima primeira) justa (Sib2 – Mib4), desenvolvida
sob graus conjuntos, havendo apenas o intervalo de 6º maior (Sib3 – Sol4) como o maior
intervalo presente na obra.

50
“Inversão de funções” refere-se a estratégias utilizadas para a adaptação melódica para trompa, enquanto outro
instrumento executa a função (linha melódica) da trompa já determinada na composição original, ou quando há
possibilitada de instrumentos em funções de canto, contracanto ou baixo mover-se para a função de centro em
determinadas passagens do dobrado.
89

Figura 11 – Introdução, compasso 16, intervalo de 6º maior

Fonte: Partitura dobrado Batista de Melo, Introdução, compasso 15 - 17, parte das madeiras e trompetes

O uso da trompa em sinal de dinâmica em fortíssimo (ff), em conjunto com os metais,


representa o brilho e a nobreza desses instrumentos, a opção, quando possível, com esse
propósito, é recomendável. Para isso, atribui-se à trompa a melodia presente do naipe dos
metais, como nos quatro primeiros compassos da introdução, exemplificados na Figura 12.

Figura 12 – Introdução Batista de Melo, compassos 1-4

Parte adaptada - trompa


comp. 1 – 4

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Em virtude da agilidade mecânica dos instrumentos de madeira na execução em marcha,


o diálogo da trompa com esses instrumentos igualmente deverá considerar as possibilidades da
performance em deslocamento (marchando).
A anatomia na qual é construída a trompa faz com que ela seja percebida como um
instrumento de difícil afinação, porquanto possui um bocal pequeno e tempo de resposta sonora
menor em relação aos instrumentos da banda, o que poderá contribuir com a instabilidade
sonora na embocadura, sobretudo se o músico for iniciante, tornando, por vezes, desconfortável
a agilidade da performance em deslocamento. Nessa lógica, a escolha melódica deverá ser
analisada em face das perspectivas de reduções melódicas, tendo como sustentação melódica e
harmônica a função de centro.
90

Figura 13 – Exemplo de redução melódica com o uso das funções de canto e centro

Melodia Original Parte adaptada


1º Clarinetes e trompetes, comp. 5 – 8 Trompa, comp. 5 – 8

1º Saxhorn, comp. 5 – 8

Fonte: manuscrito próprio (2021).

O uso da adaptação melódica para trompa, por meio de agrupamento das funções de
canto e centro, tem como objetivo possibilitar a performance da trompa junto com os
instrumentos melódicos de madeiras, ao tempo em que destaca a função de centro exercida pelo
saxhorn. A função de contracanto igualmente obedece ao mesmo princípio, mas diferencia o
fato que nos dobrados, essa função está vinculada ao sax tenor e ao bombardino e, por vezes,
poderá ser atribuída aos trombones, o que pode provocar um desequilíbrio quantitativo e sonoro
em relação aos instrumentos que realizam as funções de contracanto e canto.
A apropriação de contracanto pela trompa na adaptação deverá ser adotada como
recurso de reforço temático do contracanto, em diálogo com a função de centro. Isso dá-se ao
fato de o dobrado Batista de Melo não variar as funções entre os instrumentos, determinando a
linha melódica do saxhorn em apenas uma função.
Diante da naturalidade da inexistencia desse instrumento nas bandas (saxhorn) e, por
vezes, do uso de apenas uma trompa nas banda de música estudantil em Teresina, esse recurso
apresenta-se como uma alternativa de equilíbrio sonoro e performático.

Figura 14 – Exemplo de adaptação com o uso das funções de contracanto e centro

Melodia Original Parte adaptada


Sax Tenor e Bombardino, comp. 35 – 38 Trompa, comp. 35 – 38

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Nessa tônica, no trio, busca-se o diálogo melódico entre canto, centro e contracanto,
tornando a condução melódica da trompa flexível em relação à função de centro. O
91

deslocamento rítmico sincopado do contracanto (comp. 101) passa a reforçar as acentuações de


contratempo do centro (comp. 101) no dobrado, como ilustra a Figura 15.

Figura 15 – Deslocamento de acentuação rítmica no contratempo enfatizando a função de centro

Fonte: manuscrito próprio (2021).

A escrita do trio para a trompa poderá ser explorada com mais variações melódicas, sem
a exclusão da função de centro, o que é característico da parte C do dobrado, podendo ser
indicada de forma sutil no contracanto, mas com ênfase no aspecto harmônico e marcial.

Figura 16 – Exemplo de adaptação com o uso das funções de canto, contracanto e centro

Melodia Original Parte adaptada


Canto: cl., tmp., sxa., comp. 99 – 103 Trompa, comp. 99 – 102

Contracanto: sxt., tbn., bomb. comp. 99 – 103

Fonte: manuscrito próprio (2021).

5.2.4 Batista de Melo – resumo técnico-performático


Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Batista de Melo
Outros subtítulos ----
Ano da composição: Não identificado
Autor Manuel Alves Leite
Gênero Dobrado
Forma Intr. A B A C A
Edição dos arquivos da Banda de Música do IFPI – Campus Teresina Central,
Fonte usada
data estimada de aquisição da edição, 1984.
Informações Performáticas
Nível 2
92

1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 sxh. Eb, 2 tpt.,1 tbn. de cnt., 2 tbn., 1
Instrumentação
bomb. Bb,1 tb. Eb, 1 tb. Bb.51
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais cl. Eb, cl. Bb, sxt.,tbn.,
sxh. Eb tb. Eb e Bb.
sxa., tpt. bomb.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando) em que
o número de trompas existente na banda é reduzido em um ou dois
instrumentistas;
- Nos sinais de dinâmica f e ff, a trompa são pontos de intensificações
Considerações técnicas
temáticas das melodias em conjunto com os instrumentos de metais;
- Devido à escrita desse dobrado não privilegiar variações de funções entre as
outras vozes instrumentais, faz-se necessária a presença da função de centro
dialogar com outras funções nas partes da trompa;
Vozes instrumentais ajustáveis
cl. Bb, sxa, tpt., tbn., bomb.
para trompa
Extensão da trompa Dó3 – Fá4
Fonte: manuscrito próprio (2021).

5.3 Avante Camaradas – Antonino Manoel do Espírito Santo (1884-1913)

5.3.1 Perspectiva histórica

O dobrado Avante Camaradas é igualmente reconhecido como Brigada Ferreira,


Regresso dos Atiradores Baianos e 220. Foi incorporada à melodia uma “canção de versos
anônimos Avante Camaradas, talvez composta na velha Escola Militar do Realengo” na
melodia do dobrado 220, composta por Antonino Manoel do Espírito Santo (MEIRA;
SCHIRMER, 2000, p. 117).

51
O uso de reduções para determinação das nomenclaturas dos instrumentos tem como objetivo simplificar as
informações da ficha técnica, que são usadas como padronização nas guias (grades) de partituras de bandas, na
orientação das vozes instrumentais nas partituras. Para isso, recebem as seguintes reduções para os respectivos
instrumentos: cl. Clarinete; sxa. sax alto; sxt. sax tenor; sxh. Saxhorn; tpt. trompete; tmp. trompa; tbn. trombone;
bomb. Bombardino; e tb. tuba. A escrita para o trombone de canto não é uma prática adotada na prática de banda
moderna, daí porque na identificação desse instrumento será adotada a redução tbn de cnt.
93

Quadro 13 – Canção Avante Camaradas

Música: Antonino Manoel do Espírito Santo


Letra: anônimo
Avante, camaradas! Avante, camaradas!
Ao tremular do nosso pendão, Ao tremular do nosso pendão,
Vençamos as invernadas Vençamos as invernadas
com fé suprema no coração. com fé suprema no coração.
Avante sem receio Avante sem receio
que em todos nós a pátria confia que em todos nós a pátria confia
Marchemos com alegria, avante! Marchemos com alegria, avante!
Marchemos sem receio. Marchemos sem receio.
--- ---
Aqui não há quem nos detenha Havemos sempre audazes,
E nem quem turbe a nossa galhardia. Afrontar o perigo;
Quem nobre missão desempenha E seremos perspicazes
Temer não pode a tirania, a tirania. Ante o mais férreo inimigo.
E nunca seremos vencidos Por isso não tememos,
Porque marchamos sob a luz da crença! Sempre fortes, sobranceiros;
Marchemos sempre convencidos, E com bravura sempre lutaremos!
Não há denodo que nos vença! Brasileiros nós somos,
Nós somos brasileiros!
Fonte: Disponível em: http://www.cmrj.eb.mil.br/component/k2/item/9-avante-camaradas. Acesso em: 29 jan.
2022.

Embora o dobrado 220 tenha incorporado uma letra em sua melodia, o que o classifica
como uma “canção militar”, segundo o inciso II do Art. 2º do boletim nº 38/2016, identifica-
se como

uma composição musical com letra e característica marcial, normalmente,


vinculada a uma instituição, organização militar (OM) ou tropa especializada.
É evocativa das tradições, missões, características ou anseios, destinada a
emular virtudes militares. Deve possuir, no máximo, três estrofes (Boletim do
exército nº 38, 2016, p. 13).

Avante Camaradas é, em razão de sua essência composicional e da forma principal de


execução desse repertório ser quase que exclusivamente instrumental e sem acompanhamento
de letra, identificado e classificado como dobrado.
Antonino Manoel também é identificado como “Antônio Manuel” ou “Antônio do
Espírito Santo,” como grafado nas partituras em circulação nos acervos de bandas de música
do Brasil no dobrado 220, editado pela Funarte no ano de 2000. Natural de Salvador – BA,
nasceu em 10 de maio de 1884, falecendo aos 29 anos de idade, no dia 16 de abril de 1913. Foi
1° sargento músico do exército brasileiro,52 e mestre de banda do “50º Batalhão de Caçadores

52
Disponível em: https://rondonia.ro.gov.br/casa-militar/institucional/hinos-e-cancoes/hino-oficial-da-marinha-
brasileira-cisne-branco/. 33. Acesso em: 29 jan. 2022.
94

do Exército, em Salvador, função que desempenhou até a sua morte, em 1913” (BENTO, 1990,
p. 20).
É um importante compositor, merecedor de reconhecimento de seu patrimônio musical
para banda de música. Entre suas notáveis obras, relevam-se: Cisne Branco; canção da Marinha
brasileira; os dobrados Bombardeio da Bahia, Quatro dias de viagem, Dobrado nº 182,
Sargento Caveira e Palmeiras dos Índios – este sendo o seu primeiro dobrado composto aos 15
anos de idade, e Último Adeus (dobrado nº 222) o último. Ao longo de quatorze anos de vida
musical, compôs, aproximadamente, 220 dobrados, em conformidade Bento (1990), o que lhe
conferiu o reconhecimento de ser “considerado o maior compositor de dobrado do país” por
mestres de bandas e pelo portal Música Brasilis (Disponível em:
https://musicabrasilis.org.br/compositores/antonio-manoel-do-espirito-santo. Acesso em: 29
jan. 2022).

5.3.2 Considerações técnicas

O dobrado Avante Camaradas, assim como o dobrado Batista de Melo, é igualmente


escrito na forma A – B – A – C – A, em compasso binário simples (2/4) no tom de Fá menor,
com modulação para o tom relativo maior (Lá bemol) na parte B e C (trio), ou seja, obedece à
forma tradicional desse gênero, no qual, normalmente, é composto em uma tonalidade menor e
modulado para seu tom relativo maior. Esse padrão é o modelo na forma de composição desse
gênero, assim como a determinação de suas funções a determinados instrumentos específicos
da banda.
Dentre as edições existentes e disponíveis livremente em sítios eletrônicos, encontra-se
as edições da Funarte (2000)53 e da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (SECULT – CE,
2001).54 Para esta pesquisa, será objeto de reflexão técnica a edição cedida pela SECULT-CE,
por entender que é a de maior uso nas bandas estudantis em Teresina.
A primeira edição Funarte (2000) é escrita com uma instrumentação tradicional de
banda de música formada por: flauta; requinta; (3) clarinetes; (1) sax alto; (1) sax tenor; (3)
trompetes; (3) saxhorn Eb; barítono Bb; bombardino C; (3) trombones; (2) tubas Bb e Eb; e
percussão. A segunda edição SECULT – CE (2001) renuncia o uso do barítono Bb e da tuba
Eb, assim como substitui os saxhorns Eb pelo uso da nomenclatura “trompa (Eb)” para
referenciar os saxhorns. Essa edição compõe-se de conduções melódicas (contracanto) e

53
Disponível em: https://acervo.casadochoro.com.br/files/uploads/scores/score_9839.pdf. Acesso em: 3 fev. 2022.
54
Disponível em: http://rede.cultura.ce.gov.br/partituras/dobrado/. Acesso em: 3 fev. 2022.
95

distribuições temáticas distintas entre os instrumentos, em relação à edição da Funarte, o que


leva acreditar que se trata de uma adaptação.
O dobrado inicia-se com todos os instrumentos em dinâmica ff, com uma melodia
descendente acentuando o tom inicial nos primeiros quatro compassos. Em seguida, destaca-se
o caráter grave e imponente dos instrumentos de metais (trombones, bombardino e tuba) com a
projeção e agilidade dos saxofones (alto e tenor), finalizando a introdução com uma frase com
uso de quiálteras descendentes de forma cromática (Figura 17), enquanto os demais destacam
a harmonia em uma condução de centro.

Figura 17 – Introdução dobrado Avante Camaradas

Melodia Centro harmônico


sxa; sxt; tbn; bomb; tb. comp. 11 – 14 fl; rq; clr; tpt; tmp. comp. 11 – 14

Fonte: SECULT – CE (2001).

O uso de instrumentos agudos e graves em funções opostas, simultaneamente, pelos


compositores e arranjadores de dobrados, coloca em evidência as quatro funções de canto,
contracanto, centro e marcação em destaque. O uso simultâneo desses padrões de formas
distintas das funções têm como objetivo evidenciar o equilíbrio de timbres entre os
instrumentos, realçando o brilho sonoro das melodias e o acompanhamento entre os naipes, que
por vezes, são reduzidos a duas ou três funções, o que é característico e presente ao longo de
todo o dobrado Avante Camarada.
A melodia principal (canto) do dobrado é marcada pela presença de um intervalo de
oitava sobre o quinto grau do tom principal (dó3-do4), o qual destaca a atenção para afinação
dos instrumentos na execução em uníssono (flauta, clarinete, sax alto, trompetes e trombones).
No contracanto, o maior intervalo existente é identificado no sax tenor e bombardino,
com o intervalo de décima segunda, sib2-fá4 (compasso 39), responsável pela conexão
melódica fraseológica sugerindo a retomada intervalar do tema principal, conectando de forma
cromática descendente para finalização da frase.
96

Figura 18 – Maiores intervalos existentes no dobrado Avante Camaradas

Melodia principal Contracanto


fl; cl; sxa; tpt; tbn. Comp. 15 – 18 sxt; bomb. comp. 39 – 43

(Intervalo de oitava) (Intervalo de decima segunda)


Fonte: Secult – CE (2001).

A instrumentação das funções do dobrado Avante Camaradas difere-se do dobrado


Batista de Melo nas permutas de funções entre os instrumentos, o que possibilita mais
dinamicidade entre as quatro funções do dobrado, dispostas conforme Quadro 14.

Quadro 14 – Distribuição das funções instrumentais no dobrado Avante Camaradas

Partes Canto Contracanto Centro Baixo


sxa., sxt., tbn., bomb. C, e tb. (cl. fl. cl. Eb, cl. Bb, tpt.,
Introdução Eb, cl. Bb, tpt. e tmp., nos quatro tmp. Eb
primeiros compassos)
Parte A fl., cl., Eb, cl. Bb, sxa., tpt.,tmb., sxt., bomb. C tmp. Eb tb. Bb
Parte B fl., cl., Eb, cl. Bb, sxa., sxt., tbn., tpt. tmp. Eb, tmb. tb. Bb
bomb. C
Parte C fl., cls. Eb e Bb, sxa., sxt., tbn., tpt., sxt., bomb. C cl. Bb, tmp.Eb, tbn tb. Bb
bomb. C
Fonte: SECULT-CE (2001).

Sobre essa instrumentação, os sinais de expressões existente são mezzoforte e fortíssimo,


o que evidencia os aspectos vibrantes das melodias com o uso de articulações como acentuado
(>) e staccato (·) em articulações de passagem ligeira e ligaduras para conexões sonoras e de
frases.

5.3.3 Possibilidades de escrita para performance na trompa F/Bb

Dentre os aspectos adotados, já pontuados nas etapas da adaptação, no dobrado Avante


Camaradas, avulta-se a identificação dos pontos onde a função de centro é compartilhada entre
outros instrumentos. Na edição da Secult-CE (2001), a função de centro é compartilhada em
pontos específicos da obra com a flauta transversal, clarinete, sax alto, sax tenor, trompetes e
trombones.
Nessa perspectiva, realiza-se a análise melódica para que as possibilidades de
performance da trompa possam dialogar entre as funções do dobrado, facultando a
97

intensificação temática da obra, obedecendo aos princípios da marcialidade com os aspectos


idiomáticos da trompa, a saber:

Introdução: nos compassos 5 a 14, a função de centro está atribuída aos instrumentos agudos,
como flauta, clarineta e trompetes, enquanto os instrumentos médio-graves (sax alto, sax tenor,
trombone, bombardino e tuba) estão com a função de canto.
Ao atribuir à trompa a melodia da introdução, possibilita-se acentuar a sonoridade grave
e imponente da melodia inicial situada na região média do instrumento, o que viabiliza ao
instrumentista executar de forma confortável sinais de dinâmica como f e ff sem alterações
drásticas de embocadura e afinação na execução em marcha.

Figura 19 – Transcrição melódica da introdução do Avante Camaradas

Parte adaptada – trompa


comp. 1 – 14

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte A: é a seção onde a função de centro deverá ser preservada o quanto possível para que
as quatro funções do dobrado estejam presentes, uma vez que o arranjo tem como mote a
exposição do tema de forma uníssona entre as madeiras (exceção do sax tenor) e os trompetes
e trombones.
No entanto, com o propósito de evitar o uso excessivo da repetição do acompanhamento
rítmico-harmônico e a fadiga dos músculos da embocadura durante a performance nessa seção,
opta-se por inserir a trompa ao termo da parte A com uma condução melódica descendente
existente no dobrado que permite ao trompista relaxar a tensão repetitiva exercida durante a
função de centro e restabelecer a embocadura para a retomada dessa seção. Assim, igualmente
poderá ser realizada a permutação das vozes entre a primeira e segunda trompa na repetição
como uma alternativa de relaxamento muscular da embocadura.
98

Figura 20 – Variação melódica para retomada da função de centro

Parte adaptada - trompa


comp. 39 – 46

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte B: a ponte (comp. 47 – 63) que liga a parte A à B tem como destaque a agilidade rítmica
dos instrumentos de madeiras na execução de semicolcheias com o uso de ligaduras e staccato.
Nesse ponto, a trompa é preservada para que possa, na sequência (parte B), desenvolver-se por
meio do canto em conexão temática com o contracanto e centro, uma vez que os trombones
desenvolvem a função de centro.

Figura 21 – Conexão temática

Parte adaptada - trompa


comp. 64 – 70

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte C: o trio do dobrado Avante Camaradas traz uma melodia vibrante em dinâmica forte,
em contraste com o que normalmente ocorre nessa seção, em relação aos padrões determinados
para o dobrado, como ocorre nos dobrados Batista de Melo, Dois Corações e Barão do Rio
Branco, onde o trio é um contraste melódico que conduz a uma mudança temática em dinâmica
suave.
No Avante Camaradas, os clarinetes e trombones estão arranjados de forma intercalada
em função de centro, o que proporciona à trompa conectar-se melodicamente com os
trombones, bombardinos e saxofones na função de canto nessa seção, explorando e acentuando,
dessa forma, as particularidades melódicas dos instrumentos graves no trio do dobrado.

Figura 22 – Trompa na função de canto

Parte adaptada - trompa


comp. 104 – 111

Fonte: manuscrito próprio (2021).


99

5.3.4 Avante Camaradas – resumo técnico-performático

Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Avante Camaradas
Outros subtítulos Dobrado 220; Brigada Ferreira; Regresso dos Atiradores Baianos
Ano da composição: Não identificado
Autor Antonino Manoel do Espírito Santo
Gênero Dobrado
Forma Intr. A ponte B A C A
Fonte usada SECULT - CE (2001).
Informações Performáticas
Nível 2
1 fl, 1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 tmp. Eb, 3 tpt., 3 tbn., 1 bomb. C, 1
Instrumentação
tb. Bb.
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais fl, cls, sxa.,sxt., sxt.,tpt., fl., cls., tmp.
tb. Bb.
tpt., tbn., bomb., bomb. Eb, tpt., tbn.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando) e que
o número de trompas existente na banda é reduzido a um ou dois
instrumentistas;
- a trompa em passagens f e ff são pontos de intensificações temáticas das
melodias em conjunto com os instrumentos de metais, portanto, deve-se ter
prudência no controle da intensidade sonora e na afinação;
Considerações técnicas - a função de centro existente dá-se em pontos onde o arranjo do dobrado
não realiza mudança de funções entre outros instrumentos, ou há o reforço
dessa função na adaptação para que o centro harmônico seja destacado na
obra;
- a execução da função de centro na parte A, caso haja dois trompistas,
poderá ser alterada entre os trompistas na repetição, a fim de evitar fadiga
muscular na repetição constante das células rítmicas.
Vozes instrumentais ajustáveis
cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tbn., bomb.
para trompa
Extensão da trompa Sib2 – Mib4
Fonte: manuscrito próprio (2021).

5.4 Dois Corações – Pedro da Cruz Salgado (1890 – 1973)

5.4.1 Perspectivas históricas

Pedro da Cruz Salgado é natural de Arrozal do Pirahy, município de Piraí – Rio de


Janeiro, cidade que se destacou durante o período Imperial com a produção e exportação em
larga escala de café, “a sua maior fonte de riqueza, proporcionando considerável abastança aos
fazendeiros locais” (IBGE, 1948, p. 7).
Pedro Salgado nasceu em 1890, dois anos após a abolição da escravatura no Brasil
(1888), evento que provocou em sua cidade natal o declínio da cultura do café. Uma vez que a
principal mão de obra usada era a escrava, uma vez libertos, “procuravam fugir das zonas onde
100

tinham vivido em cativeiro” (IBGE, 1948). Pedro Salgado, em 1891, então com um ano e meio
de idade, ficou órfão de pai, e motivada pelas dificuldades financeiras, sua mãe, em 1892,
mudou-se para Taubaté, em São Paulo.
Em 1896, já morando na cidade de Aparecida do Norte, iniciou seus primeiros contatos
com a música por meio das bandas de músicas locais. Em 1905, aos quinze anos de idade,
passou a integrar, como trombonista, a Corporação Musical de Aparecida, onde compôs sua
primeira obra musical, o dobrado Estrela do Norte. Durante a sua vida, acumulou cerca de 400
dobrados, o que lhe conferiu o cognome de “rei dos dobrados,” pela habilidade de compor um
dobrado em apenas três horas. Ademais, Pedro Salgado foi multi-instrumentista, regente e
compositor, e dentre os dobrados de sua autoria estão: Treze listras; Saudade de Monte Azul;
Salve o 80º Aniversário da Antárctica; Presidente General Médici; Saudade do Arrozal do
Piraí; e Dois Corações.
Em Dois Corações, série repertório de ouro das bandas de música do Brasil, editado
pela Funarte, salienta-se que Pedro Salgado, em 1920,

[…] em apuros financeiros, colocou um anúncio no jornal, oferecendo-se para


compor música para bandas. Passou a receber quatro ou cinco pedidos por dia;
um de seus clientes habituais, morador da cidade de Conceição do Cerro (MG)
de nome João Carmo Souza, certa vez deu para ele uma caneta de ouro. Em
agradecimento, Pedro Salgado compôs Dois Corações; sua obra-prima foi,
assim, dedicada a alguém que ele mal conhecia. (FUNARTE, 2008, p. 9).55

Dessa maneira, o dobrado Dois Corações foi concebido, diante de sua expressividade e
simplicidade, em uma melodia característica desse gênero. Por oportuno, sobreleva-se como
“um dobrado que se identifica com qualquer banda de música do interior do Brasil, uma das
melodias mais reconhecidas [...]” (DANTAS, 2015, p. 51).
É agraciado com título de hino das bandas de música, em razão de sua extensiva adesão
nos repertórios das bandas de música. Pedro Salgado faleceu aos 83 anos de idade, em
consequência de um acidente vascular cerebral, em 28 de setembro de 1973 (Disponível em:
https://dicionariompb.com.br/artista/pedro-salgado/. Acesso em: 15 fev. 2022).

55
In 1920, in financial straits, he put an advertisement in the newspaper, offering to composse music for bands. He
started to receive four or five requests each day; one of his usual customers, a resident of the city of Conceição
do Cerro (MG) by the name of João Carmo Souza, once gave him a gold pen. In thanks, Pedro Salgado composed
Dois corações; his master work was, thus dedicated to someone he scarcely knew (FUNARTE, 2008, p. 9).
101

5.4.2 Considerações técnicas

A edição de estudo para esta pesquisa no dobrado Dois Corações foi vislumbrada para
instrumentação de bandas sinfônicas, e como mencionado, elas “não são essenciais a execução
da obra”. Essa concepção também considerou as possibilidades de escrita e performance da
trompa como sugestão para além da função de instrumento de centro-harmônico, como uma
adaptação que demonstre o potencial da trompa enquanto instrumento melódico. Os motes desta
pesquisa estão no estudo sobre as instrumentações características das bandas de músicas
tradicionais inseridas na edição da Funarte (2008).
O dobrado Dois Corações foi composto sobre a tonalidade de Ré menor na seção A e
ponte (comp. 63-84). Essa seção temática (ponte) desenvolve-se a partir da variação melódica
sobre os intervalos da introdução, dando uma nova característica sobre o tema inicial,
conectando a uma nova seção, qual seja o trio, enquanto na parte B e C (trio), modula-se para
a tonalidade de Fá maior, seguindo o modelo desse gênero, em que a modulação se dá para o
tom relativo maior quando o tom principal (inicial) estiver em tom menor.
Sua fórmula de compasso é binário simples (2/4), sem variação rítmica. Inicialmente,
ocorre sobre uma anacruse, o que evidencia a acentuação dos primeiros tempos dos compassos,
reforçada pelos sinais de articulações, como acento e staccato, dando à melodia a energia
necessária da marcialidade. Também estão presentes ao longo da obra sinais de articulações
como marcato (˄), tenuto (˗) e ligaduras de frases, prolongamentos e trinados.
Melodicamente, desenvolve-se sobre figuras rítmicas de colcheias e semínimas, sendo
a mínima a figura de maior valor e a semicolcheia de menor valor em uso, fazendo uso, ainda,
de quiálteras de semicolcheias. As quatro funções do dobrado na edição da Funarte (2008) estão
determinadas no Quadro 15.

Quadro 15 – Distribuição das funções instrumentais no dobrado Dois Corações

Partes Canto Contracanto Centro Baixo


Introdução tmp., tbn., bomb. C, e tb. fl. cl. Eb, cl. Bb, sxa., sxt
Parte A cl. Bb, sxa., tpt. fl. cl, Eb, sxt., tmp, tmb tb. C
bomb. C
Parte B fl., cl., Eb, cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tmp., tmb., bomb., tb. tb. C
bomb.
(tmp. e bomb., somente nos
sete últimos compassos da
seção)
Ponte sxa., sxt., tbn., bomb., tb. fl., cl. Eb, cl. Bb, tmp., tpt.
Parte C fl., cls. Eb e Bb, tmp., bomb. fl., cl. Eb, sxt., sxa., sxt.,(15 primeiros tb. C
bomb. comp.) tmp., (16 últimos
comp.) e tbns.
Fonte: Funarte (2008).
102

Em Dois Corações, embora se apresente uma nova revisão e configuração em sua


instrumentação na edição da Funarte (2008), o dobrado configura-se dentro dos padrões
tradicionais de escrita na determinação das funções do dobrado a instrumentos historicamente
categorizados, designando um padrão específico de canto, centro, contracanto e baixo.
Verifica-se que a trompa, objeto em estudo nessa edição, apresenta maior deslocamento
entre as funções ao longo do dobrado, o que leva acreditar na hipótese de modificação das partes
desse instrumento em relação ao arranjo original do compositor, tendo em vista o padrão de
composição adotado no período de sua composição. Portanto, o arranjo configura-se seguindo
os propósitos determinados pelas edições da Funarte.

5.4.3 Possibilidades de escrita para performance na trompa F/Bb

Introdução: a trompa inicia melodicamente, e simultaneamente com os instrumentos de metais


(trombones, bombardino e tuba) em uníssono, enquanto os demais instrumentos desenvolvem
a função de centro.
Ao instrumentar a trompa de forma simultânea na mesma função, em conjunto com os
instrumentos de metais, identifica-se uma contraposição ao que Tuckwell (2002) classificou de
“atração visual” na banda. Dado que ao ressaltar o tema inicial com destaque para a sonoridade
médio-grave desses instrumentos, em dinâmica forte, a trompa em sua performance destaca a
intensidade e o brilho sonoro aos instrumentos graves da banda na função de canto, não há
necessidade de adaptação na parte da trompa na introdução do dobrado.

Parte A: nesta seção (comp. 9 ao 42), a trompa está exercendo a função de centro, assim como
os trombones, havendo um instrumento por meio do qual a projeção sonora possibilita o
desempenho dessa função (centro) com maior destaque em números superior as trompas, como
os trombones. Recomenda-se inserir a trompa na função de canto em uníssono com as madeiras
em dinâmica piano ou forte para que a função de centro escrita para trompa não seja nula diante
da massa sonora da banda.
103

Figura 23 – Trombones na função de centro

Parte adaptada - trompa


Parte A: compassos 9 – 16

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte B: na parte B (compassos 43 – 58)n a escrita adotada no arranjo original possibilita a


exploração da performance da trompa de forma a colocar esse instrumento em destaque na
função melódica existente, assim como na introdução, sem a necessidade de adaptação. No
entanto, cabe ressaltar que o uso da trompa em conjunto com os saxofones e o bombardino, em
uma passagem melódica exclusiva no arranjo (compassos 50 – 56), evidencia a afinidade de
timbres existentes entre esses instrumentos – esse uso atesta a versatilidade do uso da trompa
no dobrado.

Figura 24 – Uso da trompa em uníssono com sax alto e bombardino

Parte B - trompa

Parte A: compassos 50 – 56.

Fonte: Funarte (2008).

Ponte: importante seção do dobrado Dois Corações, na qual Pedro Salgado escreve a ponte em
dezesseis compassos, com sinal de repetição em forma de variação temática da melodia da
introdução – o que é incomum para esta seção. Também é a seção de finalização do dobrado
após as repetições e os saltos com sinal de Coda.
Nesta seção, a instrumentação do arranjo evidencia os instrumentos graves de metais no
canto, como na introdução. A trompa ocupa a função de centro, com a flauta, a clarineta e os
trompetes. Logo, é plausível inserir a trompa na função de canto, uma vez que os referidos
instrumentos agudos ocupam a função de centro, e a trompa poderá intensificar a atmosfera da
104

energia da melodia, destacando os instrumentos graves nessa seção, repetindo a instrumentação


da introdução.

Figura 25 – Trompa na função de canto na ponte

Ponte - trompa

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte C: do mesmo modo que a parte B, o trio é escrito de maneira equilibrada na distribuição
das funções entre os instrumentos, e a trompa, simultaneamente com clarinetes e bombardino,
exerce a função de canto nos dezesseis primeiros compassos do trio (compassos 84 – 99),
enquanto trombones e saxofones ocupam a função de centro. Em seguida, a trompa passa para
a função de centro (compassos 100 – 115), como suporte aos trombones. Essa permuta de
funções possibilita aos instrumentos da banda uma exploração mais adequada das
possibilidades de escrita e performance no dobrado.
Não obstante, cabe sublinhar que a função de contracanto, por vezes, é exercida somente
por um ou dois instrumentos, como o saxofone tenor e bombardino. No dobrado Dois Corações,
o trio esses instrumentos está na função de canto, havendo pouca variação em forma de floreio,
com quiálteras de semicolcheias, enquanto os trompetes exercem essa função de contracanto
em forma de cornetadas.
A opção de inserir a trompa na função de contracanto deve ensejar prudência nesse uso,
uma vez que normalmente, os contracantos são linhas melódicas que exigem maior agilidade
fraseológica, e devido aos aspectos idiomáticos da trompa (extensão e projeção sonora),
eventualmente, o uso na função de contracanto não é recomendado para a execução em marcha.
Sobre os aspectos idiomáticos da trompa, em referência ao quadro 10, é identificado na
melodia o uso das notas sol2 e lá2 na trompa (compasso 96), em uníssono com clarinetes e
bombardino. O uso dessas notas pode exercer apenas reforço temático e não ter a projeção
necessária, o que na execução em marcha pode perder o brilho e a estabilidade sonora com
esses instrumentos
Como opção alternativa nessa passagem, pode-se realizar a substituição do sol2 pela
sétima (fá3) do acorde, seguida pela nota de passagem ré3, que também faz parte do acordo
presente na função de centro nos trombones, em substituição ao lá2 (Figura 28), permitindo ao
105

trompista um controle sobre a sonoridade e afinação, em uma extensão apropriada para o uso e
a escrita para trompa no dobrado.

Figura 26 – Alternativa técnica na performance

Trio - trompa
Compassos 94 – 99

Fonte: manuscrito próprio (2021).

5.4.4 Dois Corações – resumo técnico-performático

Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Dois Corações
Outros subtítulos ----
Ano da composição: 1920
Autor Pedro da Cruz Salgado
Gênero Dobrado
Forma Intr. A B A ponte (seção temática) C A ponte (seção temática)
Fonte usada Funarte (2008)
Informações Performáticas
Nível 2
Instrumentação 1 fl, 1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 tmp. F, 3 tpt., 3 tbn., 1 bomb. C, 1 tb.
Canto Contracanto Centro Baixo
fl., cls., sxa.,
Funções instrumentais fl, cls, sxa.,sxt., tpt., fl., sxt.,tpt., sxt., tmp. Eb,
tb.
tbn., bomb., bomb. tpt., tbn.,
bomb.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando), em que o
número de trompas existente na banda é reduzido a um ou dois instrumentistas;
- a trompa em passagens f e ff são pontos de intensificações temáticas das
Considerações técnicas
melodias, em conjunto com os instrumentos de metais;
- a função de centro existente é do arranjo original (FUNARTE, 2008), logo, estão
em pontos onde essa função cumpre o papel necessário de condução harmônica.
Vozes instrumentais
cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tbn., bomb.
ajustáveis para trompa
Extensão da trompa Lá2 – Mi4
Fonte: manuscrito próprio (2021).
106

5.5 Barão do Rio Branco – Antônio Francisco Braga (1868 – 1945)

5.5.1 Perspectivas históricas

Antônio Francisco Braga nasceu em 15 de abril de 1868, no Rio de Janeiro, em uma


família pobre, sendo sua infância marcada pelo convívio com outras crianças em igual situação.
Aos oito anos de idade, foi internado no Asilo dos Meninos Desvalidos, onde teve suas
primeiras experiências em uma banda de música: “Mestre Martins, instrutor da banda do Asilo,
percebendo seu talento para música, convida-o para integrar o conjunto. Começa tocando “sax-
horn” em mi bemol, depois requinta e, por fim, clarineta” (OLIVEIRA, 2019, p. 1).
Essa oportunidade permitiu a Francisco Braga dirigir a banda do asilo, onde “ensaiava
os seus primeiros passos como compositor, escrevendo partituras que fazia executar pelos
colegas: a valsa de concerto Meiga e a fantasia Sonho de Deus” (HEITOR, 2016, p. 152). Em
seguida, pôde aprimorar seus estudos em clarinete, harmonia e contraponto no Imperial
Conservatório de Música.
Em 1889, por meio de um concurso promovido pelo Governo Provisório para a escolha
do Hino da República, participou do evento, classificando-se em segundo lugar, o que lhe
garantiu uma bolsa de estudo na Europa durante quatro anos. Retornou ao Brasil em 1900, onde
desenvolveu intensas atividades musicais como compositor, professor e mestre de banda,
sobressaindo-se como professor de fuga, contraponto e composição do Instituto Nacional de
Música.
Foi professor e instrutor de bandas do Corpo de Fuzileiros Navais, em 1908, compositor
de hinos – cerca de 23 hinos – o que lhe conferiu o cognome de Chico dos Hinos, sendo o de
maior destaque o Hino à Bandeira, com letra de Olavo Bilac.
Sua obra é extensa e variada, e apesar de não ser um compositor de sinfonias, obteve
destaque a partir de poemas sinfônicos, como Paysage, Cauchemar, Marabá e Insônia. Para
Heitor (1950, p. 241), ele é um “artista fantástico da perfeição, cuja obras denotam uma tão
intensa unidade, devida ao jogo de imitações e de transformações temáticas, numa escrita
acentuadamente linear, [...]”.
Na composição de dobrados, destacam-se Dragões da Independência, Satanás, O
Guaraní e Barão do Rio Branco, composto em 1904 e gravado no mesmo ano pela banda de
música da Casa Edison.56 O dobrado foi escrito em referência a José Maria da Silva Paranhos

56
Dobrado Barão do Rio Branco. Disponível em: https://discografiabrasileira.com.br/composicao/1363/barao-do-
rio-branco. Acesso em: 20 fev. 2022.
107

(1845-1912), “o estadista que mais tempo exerceu o cargo de Ministro do Exterior, servindo a
quatro governos da República ininterruptamente” (HAICKEL, 2007, p. 10).
José Maria recebeu, em 1888, o título de Barão do Rio Branco, diplomata brasileiro
reconhecido pela resolução das questões das fronteiras do Brasil por meio de importantes
tratados, como o de “1904, com o Equador; em 1907, com a Colômbia; em 1904 e 1909, com
o Peru; em 1909 assinou tratado do condomínio da Lagoa-Mirim com o Uruguai; em 1910, com
a Argentina,”57 e o tratado de Petrópolis, por meio do qual a Bolívia reconheceu a
independência do Acre – evento que lhe rendeu a homenagem de levar seu nome à capital do
Acre, Rio Branco.
Francisco Braga faleceu aos 76 anos de idade, em 14 de março de 1945, deixando
contribuições meritórias para a música brasileira, por intermédio de suas músicas e seus feitos.
Em destaque estão a inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909, ocasião
em que dirigiu sua obra Insônia; e em 1907, foi fundador e primeiro presidente do Centro
Musical (Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro). Segundo Heitor (1950, p. 242),
Francisco Braga “era o patriarca da nossa música. Um Mestre que não formou escolas, mas que
era o Mestre confessado de quase todos os nossos compositores”.

5.5.2 Considerações técnicas

Dentre os dobrados estudados nesta pesquisa, o Barão do Rio Branco singulariza-se


pela sua particularidade de não repetir um padrão estabelecido, uma vez que a forma
normalmente obedece ao formato ABACA, com suas respectivas repetições e seus saltos de
sinal de “O.” Tal fato dá-se em razão do estilo adotado, da escrita linear, e do profundo
conhecimento sobre os processos de variação da composição que Francisco Braga revela em
sua obra.
Outro ponto de dicotomia desse padrão é refletido quando o supracitado autor elege o
tom maior (F maior) e não menor para o tom inicial, modulando para o tom de subdominante
(Sib maior) no Trio, além de maior seção desse dobrado, composto por meio de três períodos58

57
Em Academia Brasileira de Letras. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/barao-do-rio-
branco-jose-maria-da-silva-paranhos/biografia. Acesso em: 18 fev. 2022.
58
“É o agrupamento mais completo da fraseologia, correspondendo, muitas vezes, a uma parte da estrutura
morfológica”, que são partes de uma seção que se relacionam com as frases “antecedentes” e “consequente”
formando um todo (SCLIAR, 2008, p. 45).
SCLIAR, Esther. Fraseologia musical. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 2008.
108

de quinze compassos, com a reexposição em sequência dos dois primeiros períodos uma oitava
acima.
O dobrado Barão do Rio Branco resulta na forma ABCDCAB, em que a seção B nesse
dobrado é representada em apenas cinco compassos como uma ponte. Uma curta transição de
seções que recapitula a ideia temática da introdução como reflexos da escrita linear de Francisco
Braga.
Sua instrumentação na edição Funarte (2008), além dos instrumentos tradicionais de
banda de música já citados, inclui uma flauta piccolo que desenvolve uma importante função
de destaque das melodias existentes no canto e contracanto, bem como uma curta e exitosa
contribuição na função de centro (compassos 21 – 28), facultando à obra maior brilho e destaque
em ocasiões em que os instrumentos agudos evidenciam as melodias.
Nos contracantos, usados em forma de arpejos em seções contrastantes, como nos
compassos 72 – 87, Francisco Braga ressalta as variações melódicas com o uso de figuras
rítmicas mais aceleradas de semicolcheias e quiálteras no canto. Os usos dos sinais de
articulações de acento e staccato e de dinâmicas, cresc., p, mf, f, e ff, expressam a dinamicidade
melódica que ritmicamente se apresentam simples, com usos de semínimas e colcheias
(compassos 5 – 36) sem grandes saltos intervalares.

Figura 27 – Exemplo da guia dos compassos 72 – 76

Fonte: Funarte (2008).

O dobrado Barão do Rio Branco, ainda que escrito sob novas perspectivas, como o uso
de modulações pouco usuais, como F maior - Si bemol maior - Ré bemol maior e retornando
para o tom de origem (Fá maior), e uso de variação temática em poucas sessões, preserva um
centro temático inicial, levando a esperar uma instrumentação equilibrada entre as quatro
funções do dobrado. No entanto, Francisco Braga é envolvido pelas forças da tradição do gênero
dobrado, e conclui com o não rompimento com a determinação das funções a instrumentos
predeterminados a essas funções, a exemplo do uso da trompa somente na função de centro.
As quatro funções no dobrado Barão do Rio Branco são concebidas no Quadro 16.
109

Quadro 16 – Distribuição das funções instrumentais no dobrado Barão do Rio Branco

Partes Canto Contracanto Centro Baixo


Introdução Todos os instrumentos
Parte A cl. Bb, sxa, sxt, tpt, 1º tnb, pic., fl. cl, Eb, sxt., pic, fl, cl. Eb, cl. tb.
bomb tnb, bomb Bb, tmp
Ponte Todos os instrumentos
Parte B pic, fl, cls, sxa, tpt, 1º tnb, sxa, sxt, tnbs 2º e 3º cl. Bb, sxt, bomb, tb
bomb tmp., tnb, 3° tpt
Fonte: Funarte (2008).

5.5.3 Possibilidades de escrita para performance na trompa F/Bb

Introdução: o dobrado Barão do Rio Branco inicia-se com uma curta introdução de quatro
compassos bem elaborada, de forma ascendente e descendente por graus conjuntos anunciando
a seção temática que se segue, ou seja, a parte A. Ao término dessa seção (compassos 37 – 42),
é igualmente recapitulada, com uso de apojaturas sucessivas que dão ênfases conclusivas ao
fim da frase, como uma ponte (nesse dobrado será classificado como B) para o Trio e Coda
final da obra, após reexposição de A.

Figura 28 – Escrita original, sem adaptação

Ponte – trompa
Compassos 37 – 41

Fonte: Funarte (2008).

Essas duas frases são os únicos momentos nos quais o dobrado Barão do Rio Branco
insere a trompa em um tutti melódico com os demais instrumentos da banda, assinalando para
o uso desse instrumento na função de canto. Ao usar a trompa em dinâmica forte, em uníssono
melódico e com o uso de ornamentos, a escrita e performance da trompa desvinculam-se dos
estigmas de uso exclusivo da trompa na função de centro, inserindo-a em uma atuação natural
dos instrumentos melódicos e não de instrumentos harmônicos, como incorporada no gênero
dobrado.
Em razão de o processo melódico valorizar a performance da trompa em conjunto com
os demais instrumentos, sem provocar algum desequilíbrio técnico da obra, dentro das
110

possibilidades de escrita para performance da trompa, opta-se em preservar essa representação


melódica para trompa.

Parte A: nessa seção, o tema inicial do dobrado é interpretado pelos saxofones, trompetes e
trombones, repetindo a instrumentação da introdução. As trompas e clarinetes são incorporados
na função de centro nos oitos compassos iniciais de A, repetida e duplicada com as flautas logo
após a recapitulação de A (compassos 21 – 27).
Segundo a proposta desse trabalho de incorporação da trompa na função de canto, o
tema inicial na primeira exposição e repetição desse período, permite-se inserir a trompa em
forma de intensificação melódica do dobrado, sem perder a função de centro presente nos
instrumentos agudos, como clarinetes e flautas.
Ao propor o uso dessa melodia escrita sobre uma extensão entre Mi3 – Dó4 e com pouca
movimentação rítmica, possibilita-se para performance da trompa o controle da projeção sonora
e articulação associada a uma afinação estável na execução em marcha com os demais
instrumentos de metais da banda.

Figura 29 – Função de canto

Tema inicial – trompa


Compassos 5 – 12

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Após a repetição do tema (compassos 25 – 27), a melodia prossegue ascendentemente,


com o uso de trinados e apojaturas executados a partir dos instrumentos de madeiras e metais,
com exceção do terceiro trombone e da tuba, que se movimentam cromaticamente de forma
oposta (compassos 28 – 31). A instrumentação anuncia a finalização dessa seção, preparando
para a transição para a seção seguinte.
Como mote de equilíbrio sonoro entre a função de canto e baixo, prioriza-se a trompa
nessa passagem (baixo), porquanto harmonicamente, a função de centro é contemplada
favorecendo dinamicidade da performance da trompa em marcha.
111

Figura 30 – Função de baixo

Função de baixo – trompa


Compassos 26 – 31

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Parte C: o trio do dobrado Barão do Rio Branco é estruturado em duas seções: C e D. O


segundo período de D é a reexposição de C, em uma oitava mais aguda. A instrumentação
inicial do trio (parte C) não faz uso da função de contracanto, e apenas um instrumento na
função de centro, a trompa, enquanto trombones e clarinetes em Eb permanecem em pausas.
Em busca de equilíbrio para essas funções, os mestres de banda podem optar em inserir
os trombones e o clarinetes em Eb na função de centro para que a trompa exerça a função de
canto, adicionando um aspecto sonoro mais escuro – atribuição que a trompa pode
proporcionar. estimulada pela modulação.

Figura 31 – Trio

Trio – trompa
Compassos 42 – 46

Fonte: manuscrito próprio (2021).

Na primeira seção de D (compassos 72 – 87), a função de centro faz-se necessária devido


à melodia principal deslocar-se de forma ágil e dinâmica com passagem em semicolcheias e
quiálteras nos instrumentos de maiores projeções e agilidades em marcha, enquanto o segundo
e terceiro clarinete e terceiro trompete desenvolvem a função de centro. Entretanto, ao retomar
a seção C, a trompa conecta-se com os instrumentos graves de metais no uso de quiálteras
descendentes (Figura 32), em contraste com os instrumentos agudos de madeiras, retomando a
proposta de início de C.
112

Figura 32 – Trio, reexposição

Reexposição de C – trompa
Compassos 86 – 92

Fonte: manuscrito próprio (2021).

A fim de dar maior dinamicidade à performance da trompa na função de centro em


pontos onde essa função é imprescindível para a sua interpretação, buscou-se variar a escrita
para que na performance, o trompista não desenvolvesse fadiga muscular, perda na estabilidade
sonora e repercutisse afinação. Nessa lógica, é preferível sugerir pontos de variação rítmica que
permitam a condução harmônica sem excessivas repetições de células rítmicas invariáveis,
como no exemplo do excerto seguinte:

Figura 33 – Centro e canto na reexposição de C

Reexposição de C – trompa
Compassos 103 – 109

Fonte: manuscrito próprio (2021).

5.5.4 Barão do Rio Branco – resumo técnico-performático


Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Barão do Rio Branco
Outros subtítulos ----
Ano da composição: 1904
Autor Antônio Franciso Braga
Gênero Dobrado
Forma Intr. A B C D C A B
Fonte usada Funarte (2008)
Informações Performáticas
Nível 3
1 fl, 1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 tmp. F, 3 tpt., 3 tbn., 1 bomb.
Instrumentação
C, 1 tb.
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais fl., cls., tmp.,
fl, cls, sxa.,sxt., fl., sxt.,tpt.,
tpt., tbn., sxt., bomb., tb.
tpt., tbn., bomb., bomb.
bomb.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando)
Considerações técnicas em que o número de trompas existente na banda é reduzido a um ou
dois instrumentistas;
113

- passagens de canto na trompa estão inseridas nas seções temáticas


em que as funções de centro estão empregadas em outros instrumentos;
- a função de centro existentes são do arranjo original (FUNARTE,
2008), mas com variações rítmicas, com o propósito de dinamicidade
técnica dessa função e da performance da trompa.
Vozes instrumentais ajustáveis
cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tbn., bomb.
para trompa
Extensão da trompa Sib2 – Fá4
Fonte: manuscrito próprio (2021).
114

6 CODA FINAL – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, chega-se à Coda final da pesquisa, após a apresentação dos temas e suas
reexposições, seguindo o modelo A-B-ponte-C-A da forma dobrado. Dessa forma, após uma
intensa pesquisa bibliográfica sobre o tema “trompa e dobrado”, que guiou este estudo,
constata-se que esse objeto ainda exige pesquisas que aprofundem essa temática, a fim de
locupletar essa área, tendo em vista que o estudo das práticas da trompa no universo dos
dobrados ainda se encontra surgente, enquanto o gênero permanece em constante disseminação
nos repertórios das bandas de música, seja em uso didático ou em performance.
O estudo da técnica da trompa e de sua literatura em contextos e práticas da música
orquestral desenvolveu-se em paralelo ao desenvolvimento técnico-performático nos quais a
trompa de caça chegou até a contemporaneidade como trompa dupla F/Bb. A evolução
tecnológica proporcionou novas matérias-primas na construção desses instrumentos modernos,
fazendo com que os compositores e intérpretes explorassem novas formas e possibilidades
sonoras na composição e performance em suas obras.
De forma concomitante nas bandas de música, as marchas e os dobrados não
modificaram a sua essência, preservando estruturas e padrões de escrita, o que se tornou
determinante para a preeminência de determinados instrumentos sobre outros, como a
substituição dos saxhorn barítono em Bb pelos bombardinos, e os saxhorns alto em Eb pelas
trompas, de modo a transferir a esses instrumentos suas respectivas atribuições nesse gênero,
sem considerar suas reais possibilidades de performance.
A força da tradição cultural existente nesse cenário de banda de música, compreendida
a partir dos relatos dos mestres de bandas pesquisados, são fatores consideráveis para a
representação e conservação dos padrões de composições dos dobrados, permanecendo
inalterado em relação à divisão e determinação de suas funções de canto, contracanto, centro e
baixo.
Apesar de iniciativas como as da Secult-CE (1999 a 2014), de Funarte (2008) e de
Dantas (2015) em propor novos arranjos e instrumentações, a trompa ainda se mantém inserida
exclusivamente na função de centro no dobrado. E mesmo que o mundo contemporâneo se
mostre com novas demandas sociais e culturais, como as necessidades enfrentadas pelos
mestres de banda de elaborar seus próprios arranjos e suas adaptações, representando as
configurações instrumentais de seu grupo, na música de banda, em especial no dobrado, ainda
se preservam os traços de suas origens.
115

A adaptação desse repertório apresenta-se como um método de construção de novas


possibilidades de uso da trompa pelos mestres de banda, sem alterações em relação à
instrumentação na qual a trompa esteja em uso desequilibrado em números em relação aos
demais naipes da banda. Para que isso aconteça, é primordial o estudo e a identificação das
quatro funções do dobrado, entendendo como cada função se comporta na obra e a sua relação
com os demais instrumentos, para que o processo de adaptação tenha um equilíbrio mínimo
necessário nessas funções.
Com a finalidade de preservação dos valores culturais já citados, a adaptação busca
equilibrar o uso da função de centro em relação aos demais instrumentos da banda e a inserção
de novas possibilidades de performance da trompa no dobrado, como alternativas a serem
incorporadas como partes extras, de acordo com as necessidades individuais de cada mestre de
banda.
A sugestão apresentada nas adaptações nos quatro dobrados selecionados para esta
pesquisa é uma pequena mostra das possibilidades em que a escrita para trompa no dobrado
poderá ser explorada. O conhecimento técnico-idiomático apontado neste estudo, a partir de
fundamentos como extensão, articulações, afinidade sonoras e melódicas na composição em
relação aos demais instrumentos da banda são percepções pessoais deste autor, obtidas nas
literaturas citadas na pesquisa no tocante aos conhecimentos tácitos adquiridos ao longo dos
anos em experiência enquanto trompista performer e mestre de banda. Então, tem-se dois polos
de percepção: a do intérprete (trompista) e do formador (representado pelos mestres de banda)
que atua para a avaliação e seleção de elementos musicais para a exploração do dobrado, em
conformidade com experimentações musicais diárias.
A disseminação desse conhecimento técnico da trompa poderá revelar seus mistérios a
esses agentes mestres de banda, com o uso versátil da trompa e o início de novos estudos nessa
área, uma vez que a literatura brasileira para trompa na banda de música ainda é desprovida de
estudos em relação a outras especialidades, como a música orquestral e a de câmara.
Ao mesmo tempo, também se corrobora a necessidade de estudo e difusão de autores de
dobrados que regularmente não são encontrados em publicações e listados entre os
compositores amplamente difundidos em periódicos da música brasileira, esquecidos pela
erudição dos escritores da música ocidental, mas amplamente difundidos nas comunidades mais
remotas do interior do Brasil, por intermédio das bandas de música.
Portanto, este estudo não busca interromper um padrão determinado e historicamente
consolidado na história da música brasileira de banda de música, mas propor novas formas de
abordagem e alternativas de performance capazes de contribuir para o desenvolvimento da
116

trompa e do trompista no principal gênero de identificação das bandas de música, qual seja o
dobrado, permitindo, de forma síncrona ao dobrado, uma práxis variada de suas funções
instrumentais, fomentando o estudo e a disseminação desse patrimônio histórico e cultural
brasileiro.
117

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Lisboa entre a Regeneração e a República (1850-1910): história, organologia, repertórios e
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escrita musical. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, PUC – SP, São Paulo, 1998.
124

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Entrevista semiestruturada realizada com o mestre de banda

Nome completo:
Data de nascimento:
Banda de atuação:
Tempo de atuação como mestre de banda:
Qual o seu principal instrumento de atuação?
1. A sua banda inclui TROMPA na formação? Sim ( ) Não ( )
Se sim, quantas?
Se não, por quê?

2. A sua banda inclui SAXHORN na formação? Sim ( ) Não ( )


Se sim, por quê?
Se não, por quê?

3. Você transcreve partes de outros instrumentos para trompa? Sim ( ) Não ( )


4.1 Se sim, por quê? Quais são os critérios?
4.2 Para quais gêneros musicais?
4.3 Se não, por quê?

4. Quando você compõe um dobrado, inclui trompa na formação? Incluindo a trompa ou o


saxhorn, ou ambos, por quê?

5. Em sua opinião, quais são os aspectos mais relevantes na “escrita” para trompa e/ou saxhorn
no gênero dobrado?
125

6. Em sua análise, quais motivos levaram à padronização da escrita para o saxhorn no dobrado?

7. Em sua percepção, quais as possibilidades da trompa como instrumento solista?

8. Você acredita que seria possível distribuir as linhas rítmicas do saxhorn por outros
instrumentos para que a trompa tivesse papel equivalente ao de outros instrumentos na banda?

9. A trompa tem substituído o saxhorn em muitas bandas de música. Qual a sua opinião em
relação a essa situação?

10. Em sua análise, qual é função ou papel principal da trompa moderna na banda de música?
126

APÊNDICE B – Carta de agradecimento

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Carta de Agradecimento

Prezado mestre de banda:

Agradeço toda a sua contribuição e disponibilidade em participar da minha pesquisa de


mestrado, intitulada Possibilidades de escrita e performance para trompa em dobrados nas
bandas de música. Seguramente, sua colaboração foi fundamental para o desenvolvimento da
pesquisa.
Portanto, mantenho-me no comprometimento com a honestidade e transparência quanto
às informações que foram prestadas, tendo em vista a confiança depositada na elaboração deste
estudo científico.

_______________________________________
Avelange Amorim Lima
127

APÊNDICE C – Termo de consentimento

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


Centro de Comunicação, Turismo e Artes
Programa de Pós-Graduação em Música

Termo de Consentimento

Eu, _____________________________________________________________, disponho-


me, voluntariamente, a participar da pesquisa desenvolvida pelo mestrando Avelange Amorim
Lima no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que
tem como objetivo compreender as possibilidades de escrita e performance da trompa moderna
em dobrados em bandas de música. Assim, autorizo a coleta de dados a partir de entrevistas
realizadas durante os anos de 2021 e 2022. O meu nome poderá ser mencionado em citações
obtidas a partir das entrevistas, desde que seja considerado o preceito fundamental da ética na
pesquisa, o que implica o fato de que não haverá qualquer juízo de valor sobre as quaisquer
falas, depoimentos e análises.

Teresina – PI, ____ de outubro de 2021.

____________________________________________
128

ANEXO A – Parâmetros técnicos para sopros

Fonte: Sotelo (2008, p. 49).


129

ANEXO B – Partes adaptadas

Disponível em: https://bit.ly/3Oo5qlz


130

Disponível em: https://bit.ly/3HTk3ut


131

Disponível em: https://bit.ly/3xUYmpw


132

Disponível em: https://bit.ly/3OB0QAc

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