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ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
NATAL – RN
2022
AVELANGE AMORIM LIMA
NATAL – RN
2022
FICHA CATALOGRÁFICA
_________________________________________________________
Prof. Dr. Radegundis Aranha Tavares Feitosa (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Celso José Rodrigues Benedito (Membro)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Ricardo Silva Queiroz (Membro)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
A todos os mestres de bandas do Brasil, em
especial, ao meu pai, Sr. Alvino, que ao
transferir seus esforços e sua dedicação em
fazer música para mim, mantém viva a tradição
e o amor aos sons de uma banda de música.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer à minha família: meu pai, Sr. Alvino, e minha mãe,
Maria do Rosário (in memoriam), que sob a supervisão e benção do nosso criador, não mediram
esforços para assegurar saúde e educação em minha vida.
Ao meu irmão, Avelar Amorim, minha referência em criatividade nas artes e segundo
pai, que me sustenta nos meus principais desafios pessoais e profissionais.
À minha avó, Maria, e às minhas tias, Daluz, Ana e Julia – quatro mães que Deus me
deu para superar as dores da vida.
À minha eterna namorada e esposa, Conceição de Maria, minha companheira em todas
as estradas que tenho percorrido na vida, que me ensina rotineiramente como me tornar cada
vez melhor, por meio de sua generosidade e doação ao próximo.
Aos mestres Paulo Libório, Eraldo Lopes e Iara Marques, que me adotaram enquanto
filho na música e na vida, doando-se para a minha formação humana e profissional.
A todos os músicos que passaram pela banda de música Santa Cecília e continuam
fazendo música, apesar de todas as diversidades, a exemplo de muitas bandas do interior do
Brasil que lutam contra o desmonte e a perda da memória desse patrimônio musical. Foi a minha
primeira escola de música, onde aprendi, em meio a acertos e erros, observando os músicos
mais experientes tocarem em minha cidade natal, Miguel Alves – PI.
Ao meu orientador, Radegundis Tavares, e ao professor Adalto, minhas principais
referências em meu instrumento (trompa): grato por todas as orientações!
A todos os mestres de banda do Brasil. Em especial, aos que contribuíram para esta
pesquisa.
Finalmente, aos meus alunos, com quem aprendo continuamente nos ensaios e nas aulas,
cedendo mais forças para enfrentar os desafios, e ânimo em busca de uma contínua qualificação
e preservação do fazer musical, por meio das bandas de música.
RESUMO
The present research aims to identify the technical-interpretative possibilities in the writing and
performance of the French horn in the dobrado (a Brazilian musical genre) From this
perspective, this research is divided into six sections, similar to the parts of the dobrado,
namely: introduction; part A; part B; bridge; part C (trio); and final coda. The methodology is
based on the bibliographic study, on the structural analysis of the singing, counter-song, center
and bass functions of the musical scores, in addition to semi-structured interviews. The core of
the research is identified in the three initial sections (music band, French horn and dobrado), so
that the theoretical principals is based on authors such as Brum (1980), Carvalho (1994) Adle
(2006), Dantas (2015), Campos (2015) and Sotelo (2008), among others. Regarding to the
bridge, a consultation was carried out with fifteen student band masters working in the city of
Teresina, Piauí, in order to understand the dimensions in which the French horn is similar in
the dobrado’s context. It was found that the use of the French horn configures it as a central
instrument, with no variation of functions, although there is a clear manifestation of new
performance perspectives in this genre, due to the needs of inserting challenges to horn players,
regarding the stimulus to studies of the instrument and the permanence in the band. In part C
(trio), the methodological form of writing for French horn is proposed, from the identification
of the essential functions of center and corner in the proposition of performances, observing the
idiomatic and sound aspects of writing, correlated with the other instruments of the music band,
from the French horn extension table. As a result of the research, extra French horn parts of
dobrados by Batista de Melo, Avante Camaradas, Dois Corações and Barão do Rio Branco are
presented, adapted for use with the original arrangements, as a possibility of writing and
performing the French horn in the music band.
LISTA DE QUADROS
PM Polícia Militar
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 12
2 PARTE A - REVISÃO DE LITERATURA E METODOLOGIA..................... 14
2.1 Estudo sobre a temática investigada................................................................... 15
2.2 A definição da pesquisa........................................................................................ 19
2.3 Justificativas......................................................................................................... 22
2.4 Objetivos............................................................................................................... 24
2.4.1 Objetivos gerais...................................................................................................... 24
2.4.2 Objetivos específicos............................................................................................. 24
2.5 Metodologia.......................................................................................................... 24
3 PARTE B - CONCEITOS QUE FUNDAMENTAM A PESQUISA................. 26
3.1 A banda de música................................................................................................ 26
3.2 Características da escrita tradicional para trompa na banda de música no
repertório de dobrados......................................................................................... 32
3.2.1 Saxhorn, Chiquinha, Trompa cachorrinha, Trompa de harmonia........................... 36
3.3 Possibilidades técnico-interpretativas da trompa.............................................. 40
3.3.1 Extensão e características sonoras.......................................................................... 40
3.3.2 Articulação e acentuações...................................................................................... 46
3.3.3 Possibilidades melódicas........................................................................................ 50
4 PONTE - APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS – A TROMPA
NA BANDA DE MÚSICA PELOS MESTRES DE BANDAS.......................... 52
4.1 Projeto Banda Escola de Teresina – PI.................................................................... 54
4.1.1 Instrumentação da banda estudantil em Teresina.................................................... 58
4.2 A trompa na banda de música estudantil em Teresina...................................... 62
4.3 Os aspectos mais relevantes na escrita para trompa e/ou saxhorn.................... 66
4.4 A trompa como solista na banda.......................................................................... 73
5 PARTE C (TRIO) - POSSIBILIDADES DE ABORDAGÉNS TÉCNICO-
INTERPRETATIVA NA ESCRITA E PERFORMANCE DA TROMPA NO
DOBRADO........................................................................................................... 80
5.1 Tabela de parâmetros técnicos na determinação dos elementos gráficos na
escrita para trompa.............................................................................................. 82
5.2 Batista de Melo (Manuel Alves Leite)................................................................. 85
5.2.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 85
5.2.2 Considerações técnicas........................................................................................... 87
5.2.3 Possibilidade de escrita para a performance da trompa F/Bb.................................. 88
5.2.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 91
5.3 Avante Camaradas - Antonino Manoel do Espírito Santo (1884-1913)........... 92
5.3.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 92
5.3.2 Considerações técnicas........................................................................................... 94
5.3.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 96
5.3.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 99
5.4 Dois Corações – Pedro da Cruz Salgado (1890-1973)........................................ 99
5.4.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 99
5.4.2 Considerações técnicas........................................................................................... 101
5.4.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 102
5.4.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 105
5.5 Barão do Rio Branco – Antônio Francisco Braga (1868-1945).......................... 106
5.5.1 Perspectivas históricas........................................................................................... 106
5.5.2 Considerações técnicas........................................................................................... 107
5.5.3 Possibilidade de escrita para performance da trompa F/Bb.................................... 109
5.5.4 Ficha técnica performática..................................................................................... 112
6 CODA FINAL - CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................... 114
REFERÊNCIAS................................................................................................... 117
APÊNDICE A – Entrevista.................................................................................... 124
APÊNDICE B – Carta de agradecimento............................................................... 126
APÊNDICE C – Termo de consentimento.............................................................. 127
ANEXOS I – Tabela de parâmetros técnicos.......................................................... 128
ANEXOS II – Partituras......................................................................................... 129
12
1 INTRODUÇÃO
dos mestres de banda diante de seus contextos em relação à trompa, tendo como base a ideia de
contexto interpretativo em Gill (2002), ou seja, na contínua construção do discurso a partir do
contexto presente.
Esses dados serviram como base para estabelecer considerações sobre as proposições
técnicas de inserção da trompa nos dobrados Batista de Melo (Manoel Alves Leite), Avante
Camaradas (Antonino Manoel do Espírito Santo), Dois Corações (Pedro da Cruz Salgado) e
Barão do Rio Branco (Antônio Francisco Santos) na parte C (trio) da pesquisa.
A parte C, principal seção de contraste existente no dobrado, denominada de Trio,
buscou exemplificar, por meio de abordagens técnico-interpretativas da escrita dos dobrados,
possibilidades de expansão da performance da trompa, a partir de duas etapas, quais sejam:
identificação de momentos da obra em que a função de centro é imprescindível para a
manutenção do caráter do dobrado enquanto marcha, extensão melódica e identificação de
melodias (canto e contracanto) sujeitas a possíveis desequilíbrios sonoros entre os naipes, em
relação à quantidade do instrumental existente na banda; e por último, de forma conjugada com
as relações sonoras em que a extensão da trompa se apresenta com os demais instrumentos da
banda, a identificação de melodias que possam contribuir para a performance da trompa no
dobrado, adaptando-as com esse fito.
Esses dois estágios tiveram como suporte teórico a tabela de parâmetros técnicos de
Sotelo (2008) e uma ficha técnica performática adaptada a partir do modelo de Campos (2015),
como referência de síntese estrutural de indicadores da perspectiva histórica, considerações
técnicas e suas possibilidades de escrita para a performance do dobrado na trompa.
Finalmente, a coda final representa o último estágio e a conclusão da obra, revelando as
considerações finais da pesquisa, inferindo que cada vez mais, necessita-se de estudos que
provoquem a disseminação de práticas de inserção da trompa no dobrado e na banda de música,
uma vez que o estudo das estruturas e identificação das funções de canto, contracanto, centro e
baixo pelos instrumentos na banda corrobora o domínio dos aspectos técnicos estruturais do
gênero dobrado e técnico-interpretativos do instrumento. Assinala-se, pois, que a inserção das
funções de canto e contracanto articulada com as funções de centro pela trompa poderá
proporcionar uma prática mais rica e dinâmica para a performance da trompa no dobrado.
14
1
Banda de música “é um conjunto de instrumentos de sopro (madeira e metal) e percussão.” (DINIZ, 2007, p. 53).
DINIZ, André. O rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
15
Um dos objetivos mais gerais desta proposta é contribuir para a ampliação de atuação
da trompa nesse repertório. Para esse fim, intenta-se compreender as frases, as concepções e os
aspectos técnicos-metodológicos da performance instrumental nesse cenário. Considerando a
dimensão do repertório tradicional das bandas de música, foca-se nos dobrados, selecionando
algumas daquelas que se destacam nesse universo.
Por sua vez, Fonseca (2012, p. 2, tradução nossa)2 realiza um estudo técnico de vinte
composições de Fernando Morais com objetivos performáticos para estudantes de trompa em
níveis avançados, pois “[...] ele organizou o método em uma sequência de dificuldade crescente,
combinando estilos tonais, modais e atonais em estudos que preservam a escrita da linguagem
idiomática para o instrumento”.
Embora não se trate de um material pensado para o aluno em estágios iniciais em bandas
de música, evidencia percursos técnicos possíveis na trompa. Dentre os motes desta pesquisa,
são contempladas possibilidades de escrita da trompa no dobrado. Nessa direção, concebe-se a
necessidade de entender as viabilidades técnicas a serem exploradas nesse repertório, pois
segundo Fonseca (2012, p. 2, tradução nossa)3, “[...] devido à sua riqueza de estilo, esses
estudos são mais do que apenas exercícios práticos: todos eles podem ser executados como
peças de concerto solo de trompa. As raízes brasileiras são um elemento fundamental de
construção dos estudos.”
McWilliam (2013) apresenta suas conclusões a respeito da performance na trompa a
partir de sua experiência ao longo de quarenta anos como músico profissional, a qual o levou a
considerar que alguns métodos e práticas podem mais prejudicar do que ajudar na performance
da trompa.
Segundo o referido autor, “a trompa não pode ser ensinada, só pode ser aprendida”
(MCWILLIAM, 2013, p. 2, tradução nossa),4 em uma referência às normatizações e aos padrões
de ensino tradicional que divergem da maneira de tocar, mas que permanecem como modelo a
ser seguido por estudantes e profissionais da trompa. Para ele, a busca do desenvolvimento
técnico-musical parte do autoconhecimento, e não necessariamente se fundamenta em um
método de ensino ou um professor específico.
Esse referencial faz-se pertinente nesta pesquisa para a compreensão das práticas
performáticas modernas em contraste com métodos tradicionalmente adotados na literatura da
trompa, no sentido de assimilar como as concepções tradicionais e modernas dialogam entre si.
Nelson (2017) aponta relevantes abordagens e concepções para o desenvolvimento
técnico para instrumentos de metais a partir das ideias desenvolvidas pelo tubista e pedagogo
2
He organized the method in a sequence of increasing difficulty, combining tonal, modal, and atonal styles in
studies that preserve the idiomatic writing for the instrument [...] (FONSECA, 2012, p. 2).
FONSECA, Rinaldo de Melo. Fernando Moraes’ 20 estudos característicos brasileiros para trompa: a
performance guide. 87 f. 2012. Dissertação (Doutorado em Música) – The
University of Memphis, Memphis, 2012.
3
[...] Because of their richness of style, these studies are more than just practice exercises: they all can be performed
as solo horn concert pieces. The Brazilian roots are a key element of construction in the studies (Id., 2012, p. 2).
4
The horn cannot be taught; it can only be learned (MCWILLIAM, 2013, p. 2).
MCWILLIAM, Fergus. Blow your own horn! Horn heresies. Mosaic Press, 2013.
17
Arnold Maurice Jacobs (1915-1998). Nas palavras do supracitado autor, “a ênfase deve estar
em ser músico, não um instrumentista, à medida que aprende a música, aprende o instrumento”
(NELSON, 2017, p. 13, tradução nossa).5
Tal concepção provoca a busca por compreensão sobre a relação do desenvolvimento
técnico-performático existente na prática da trompa em atuação nos dobrados, uma vez que o
dobrado é o principal repertório desenvolvido entre trompistas de níveis iniciantes e avançados
nas bandas de música – características marcantes na atuação dos mestres de banda. Em
consonância com Benedito (2011, p. 79), “o princípio é do “aprende-se fazendo”, pois o
objetivo do mestre é o ingresso mais rápido do aluno no grupo”.
No entendimento das práticas da oralidade e aspectos técnico-interpretativos
desenvolvidos no ambiente de banda de música, ainda que o uso de métodos tradicionais ainda
seja adotado em banda, Soares (2018, p. 117) traz para o escopo do projeto a compreensão de
práticas metodológicas na escrita e/ou adaptação de repertório para instrumentos de metais, pois
segundo o autor,
5
El énfase debe estar em ser un músico, no un instrumentista. A medida que aprendes la música, aprendes el
instrumento (NELSON, 2017, p. 13).
NELSON, Bruce. Así habló Arnold Jacobs: uma guia para el desarrollo de los músicos de instrumentos de
viento metal. Valencia, España: Piles editoral de música S.A, 2017.
18
de contribuir com a literatura musical na área. Diante dessa realidade, reputa-se necessário
investigar como a prática performática da trompa poderá ser ampliada nos repertórios de
canções da Música Brasileira Popular (MBP) de bandas de música, além de identificar as
principais características presentes no desenvolvimento técnico desse instrumento, no que se
refere aos aspectos da exploração da performance do trompista no dobrado.
Assim sendo, sobreleva-se a importância do estudo ora proposto, pois corroborando Del-
Ben (2003, p. 30), “o desafio para nós, formadores de professores, é aprendermos a incorporar
os saberes da experiência e a reconhecer a prática como local de produção e crítica dos saberes”.
Destarte, o ato de tocar um instrumento em uma banda de música é uma ação prática e
teórica, mas o fazer musical tem ocorrido por intermédio de métodos tradicionais, a exemplo
do Sixty Selected Studies for Horn (G. Kopprasch, 1800-1850) e do The Art of Horn Playing
(Philip Farkas, 1914-1992), que são “livros geralmente adotados por conservatórios e utilizados
por regentes de bandas de acordo com a criatividade e o empenho de cada profissional” (LIMA,
2000, p. 103).
Todavia, para o objeto de estudo em questão, esse material torna-se relevante no sentido
de esclarecer alguns aspectos individuais da performance da trompa, por ser uma habilidade de
técnicas específicas de determinado instrumento de sopro, porém não exclusivo para essa
pesquisa. Para compreender o papel da trompa na banda, Starrett (2009) envidou uma pesquisa
documental sobre os “indivíduos e composições que mudaram o papel da trompa na música de
banda” (STARRETT, 2009, p. 1, tradução nossa),6 relatando como a trompa vem sendo
explorada ao longo de alguns repertórios de banda. Desse modo, é pertinente absorver a relação
de atuação em que a trompa é incorporada.
Considerando que o estudo e entendimento de conceito da MBP7 é amplo e contempla
diversos gêneros de origens distintas, caracterizados pela junção de elementos de variadas
culturas, atina-se que o gênero musical dobrado pertence a essa classificação, uma vez que é
amplamente divulgado, executado e identitário de uma sociedade civil e militar no Brasil.
Nas palavras de Dantas (2015, p. 63),
6
The goal will be to determine the individuals and compositions that have changed the role of the horn in band
music (STARRETT, 2009, p. 1).
STARRETT, Megan Jane. The role of the horn in band music. Dissertação (Mestrado em Música) –
Universidade de Kansas, 2009.
7
A sigla MBP faz referência ao termo utilizado por Feitosa (2016, p. 12) para referir-se à “música brasileira
popular”.
FEITOSA, Radegundis Aranha Tavares. Música brasileira popular no ensino da trompa: perspectivas e
possibilidades formativas. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
21
2.3 Justificativa
desenvolvimento de estudos sobre trompa. Não obstante, “[...] professores e alunos de trompa
no Brasil dependem de livros de métodos tradicionais, como o Maxime - Alphonse horn etudes,
e livros como o de Philip Farkas, The Art of French Horn Playing, ambos escritos por
renomados professores de trompa e virtuosos músicos fora do Brasil” (FONSECA, 2012, p. 2,
tradução nossa).8
Diante dessas circunstâncias onde a prática da transmissão oral é um padrão presente no
cotidiano das bandas de música, constata-se que o paradigma incorporado na escrita da trompa
nos dobrados é uniforme, obedecendo a um modelo de condução rítmica constante e de pouca
exploração de performance.
No levantamento de referencial para essa problemática em pesquisas realizadas em sítios
e publicações específicas da área, como matérias de suporte metodológico na aprendizagem da
trompa em língua portuguesa, não foram encontrados, até o presente momento, trabalhos como
manuais, apostilas ou métodos destinados exclusivamente para a trompa e que tenham o
dobrado como princípio de exploração metodológica e performática.
Entendendo que a escrita da trompa em dobrados é reflexo de padrões culturalmente
incorporados ao gênero (dobrado), a discussão do problema não se esgota nas possibilidades de
extensão da escrita. Busca-se, inclusive, compreender quais padrões corroboram a manutenção
dessa escrita uniforme e pouco flexível, com o intuito de estimular a incorporação de novos
elementos na performance da trompa.
Considerando o contexto apresentado, esta pesquisa contribuirá com o detalhamento de
um tema pouco explorado, qual seja o estudo performático do dobrado na trompa pelo viés da
performance instrumental. Com isso, espera-se, a partir deste trabalho, motivar e auxiliar o
processo de entendimento da trompa por parte de compositores, arranjadores e maestros de
bandas de música, para que o instrumento passe a ser contemplado adequadamente nos
repertórios interpretados por essa formação.
8
Teachers and students of the horn in Brazil depend on traditional method books such as the Maxime – Alphonse
horn etudes, and books such as Philip Farkas’s The Art of French Horn Playing, both written by well-known
horn teachers and virtuosic players outside Brazil (FONSECA, 2013, p. 2).
24
2.4 Objetivos
2.4.1 Geral
2.4.2 Específicos
2.5 Metodologia
• Universo da pesquisa
Para que se avaliem os dados e indiquem alternativas aos padrões usados na trompa, a
análise dos referenciais teóricos parte da reflexão analítica dos conceitos adotados nas
literaturas selecionadas e identificação dos padrões culturais e técnicos incorporados à trompa
no dobrado e na banda de música. Essa parte da pesquisa, denominada de parte B, faz analogia
à segunda seção do dobrado, e tem como objeto a interpretação dos conceitos que norteiam a
trompa na banda de música e no gênero dobrado, revelando as concepções de autores que se
dedicam ao estudo da banda de música, da organologia e da trompa.
A segunda seção temática do dobrado é denominada de parte B. Esta seção diverge da
primeira na exposição de um novo tema contrastante, podendo ser longo ou ocasionalmente
curto, com uso ou não de sinais de repetição e, eventualmente, apresentando elementos de
transição (ponte) para a seção que se segue, parte A ou Trio (parte C).
Portanto, a parte B, assim como a analogia à seção do dobrado, aponta as ideias
contrastantes existentes na literatura, os fundamentos essenciais para as seções seguintes da
pesquisa, recapituladas em forma de conceituações ao longo das reexposições dos dados,
proporcionando diálogo e fundamentação necessários para a compreensão deste estudo.
identidade cultural. Tais representatividades se fizeram a partir tanto das inserções de camadas
menos favorecidas a uma profissionalização quanto à internalização da música instrumental das
bandas de música em gêneros e estilos como dobrados, valsas, hinos (cívicos e religiosos),
maxixes, entre outros ritmos da cultura popular brasileira – muitos deles a serem internalizados
e concebidos como instrumento de influência nas concepções de estados e espíritos da
identidade cultural regional.
Ao entender a música instrumental das bandas de música como mecanismo de educação
e de representações culturais, concebe-se a banda de música como um instrumento que
proporciona a continuidade na formação estética e social. Nessa perspectiva, visando à
compreensão do termo banda de música, empregam-se as características incorporadas a elas a
partir de Silva (2018).
Isso posto, por entender que há uma literatura consolidada sobre o assunto, não se
pretende discorrer sobre os termos e as classificações que envolvem as diversas formações de
bandas. Para esta pesquisa, considera-se a formação de uma pequena banda de música de até
trinta instrumentos, de acordo com a classificação de Brum (1980, p. 71), havendo: “1 flauta
em Dó ou requinta Mib, 9 clarinetes Sib, 1 saxofone soprano Sib, 1 saxofone alto Mib, 1
saxofone tenor Sib, 3 trompas em Fá ou saxhorns Mib, 3 trompetes Sib, 3 trombones, 1 barítono
Sib, 1 bombardino, 2 tubas (Mib e Sib), 1 bombo, 1 pratos, 1 caixa clara, 1 surdo”, não fazendo
uso de instrumentos característicos de bandas sinfônicas, como clarinetes baixos, saxofone
barítono, fagote e oboé.
A escolha desse formato de banda dá-se pelo entendimento de que é a partir desse
modelo de formação instrumental que se encontra o agrupamento mais característico e presente
nas pequenas cidades do interior do Brasil, embrião para diversas formações. Como se observa
em Brum (1980), a trompa é inserida com o uso da conjunção ou, que dá a ideia de alternativa.
Para esse caso, pode-se deduzir que na falta de um instrumento, poderá ser substituído por outro
(o saxhorn).
Para Carvalho (1994, p. 179), ao determinar outras variações de agrupamentos de até 36
integrantes (instrumental), a trompa não é citada, mas há citação de “3 saxhornes (altos em
29
9
“trompas en MIb o en FA” (ADLER, 2006, p. 774).
ADLER, Samuel. El estudio de la orquestración. Tr. Jaime Mauricio Fatás Cabeza, Luis María Fatás Cabeza.
Barcelona: Idea Musica, 2006.
10
Michele Enrico Francesco Vincenzo Aloisio Paolo Carafa di Colobrano (1787 – 1872), compositor italiano e
professor de contraponto no conservatório de Paris, de 1840 a 1858. Disponível em:
https://www.britishmuseum.org/collection/term/AUTH232719. Acesso em: 2 maio 2022.
11
La prueba consistió en reclutar dos bandas, tocando ambas uma composición preparada por los miembros del
consejo. Anteriormente había sido convenido que cada una de estas agrupaciones fuese limitada a cuarenta y
cinco músicos para comparar la diferencia en la instrumentación (BARGUES, 2015, p.240).
BARGUES, Raquel Mínguez. Bernardo Adam Ferrero en el mundo de las bandas de música valencianas.
Tesis (Doctoral) – Facultad de Filología, Traducción y Comunicación, Universitat de València, Valencia, 2015.
30
12
Después de un primer período, a modo de introducción –sobre el acorde de la dominante-, le sigue la sección
más importante, em la tonalidad principal. A ésta le sucede una segunda parte, el tradicional trío de las marchas,
siempre en tonalidad mayor (BARGUES, 2015, p. 279).
31
O uso da tabela de parâmetros técnicos para esta pesquisa limita-se à classificação dos
repertórios do objeto de estudo, a fim de nortear os parâmetros de seleção e classificação das
estruturas melódicas presentes nos dobrados. Entende-se que para o bom direcionamento de
uma escrita e a transcrição de melodia, faz-se necessário que o mestre de banda e/ou professor
de música domine padrões de escrita que corroborem o desenvolvimento da performance de
seu aluno. Nesse sentido, o mestre de banda atuaria como um facilitador da aprendizagem e
performance instrumental.
32
O gênero musical dobrado é caracterizado como a essência dos repertórios das bandas
de música. Para que se possa entender a escrita para trompa nesse gênero, inicialmente, faz-se
necessário conhecer suas principais características e, a partir de então, identificar as
particularidades atribuídas na escrita da trompa.
Por oportuno, tem-se como princípio o conceito adotado por Dantas (2015, p. 54) em
sua reflexão e análise sobre os processos composicionais de música para banda. Ao avaliar o
dobrado, o autor em apreço identifica as “quatro funções instrumentais” presentes na música
militar, quais sejam:
Essas funções são as bases estruturais dos elementos constituintes na escrita do dobrado,
que obedece a uma estrutura formal “dividida em três seções principais A, B e C” (LISBOA,
2005, p. 5), assim como a inserção de componentes de repetições e saltos que dão dinamicidade
a essa estrutura,
[...] com introdução, ponte e coda. Essa forma originou o dobrado [...],
introdução, primeira parte expositiva, segunda parte forte (com solo dos
graves ou não), uma volta à 1ª parte via sinal de S, e com um sinal de O, chega-
se a uma ponte, conduzindo a um trio de dinâmica mansa. (DANTAS, 2015,
p. 63)
contratempo em conjunto com uma figura de curta duração (Figuras 1, 2 e 3), tipificando uma
sistematização com o uso e a condução de poucas notas do campo harmônico da melodia.
A inserção da trompa como instrumento melódico por Pedro Salgado em uma passagem
lírica, com o uso de saltos intervalares de sextas, arpejos descendentes e uso de notas graves,
em uma música onde o principal espaço de performance é em marcha ao ar livre, aponta para
o uso de possibilidades de exploração técnica e escrita para esse instrumento pelos mestres de
banda, compositores de dobrados e professores de trompa.
Ao analisar as obras selecionadas nesta pesquisa, infere-se que a escrita para trompa no
gênero musical dobrado é concatenada ao padrão rítmico-harmônico historicamente
incorporada ao gênero derivadas do pasodoble, ou seja, à marcha militar (Figura 5).
Figura 5 – Exemplo da escrita para trompa no gênero Pasodoble Marcha, compasso 1-33
Fonte: partitura 1º e 2º trompa, Amparito Roca – Spanish March, Jaime Texidor Dalmau, edição de 1935.
35
trompa.
Quatro trompas são necessárias n’um corpo de msica d’hamonia que executa
grandes peças, para que as affinem em diferentes tons. Bastam duas para as
marchas e passo dobrado, nos corpos da musica militar; contudo, muitas vezes
ha mais. Quando não há senão duas partes de trompas, dobram-se. [...]
No período entre 1868 e 1973, no qual estão inseridos os compositores dos dobrados de
estudo desta pesquisa, a escrita para trompa imprimiu funções de acompanhamento rítmico-
harmônica, eco das diretrizes composicionais incorporadas na época.
Por vezes, esses conhecimentos são estabelecidos por autores que corroboram essas
práxis, a exemplo dos saxhorn alto em Mib, classificado por Carvalho (1994, p. 117) como
“trompa ou trompinha ou chiquinha”, terminologia que ratifica que as funções técnicas
exercidas nas marchas sejam condicionadas aos termos preestabelecidos de suas nomenclaturas.
Adolphe Sax, ao desenvolver sua patente de duas famílias de instrumentos de metais,
em 1845, os saxhorns e o saxotrombas, na qual incluía bell-front e bell-up (campana para frente
e campana para o alto) para o uso militar, segundo Mitroulia e Myers (2020, p, 18, tradução
nossa),
A família dos saxhorns é constituído por sete instrumentos. São eles: saxhorns
sopranino Mib (bugle ou cornet); soprano Sib (bugle ou cornet); contralto Sib; alto Mib;
barítono Sib; baixo Sib ou Dó (bombardino); e o contrabaixo em Mib ou Sib. A Figura 6 indica
como o instrumental de Adolphe Sax é concebido, atestando que a família dos saxhorns não se
relaciona com a trompa moderna, uma vez que as características desse instrumento estão
classificadas em uma família distinta.
13
[...] introduced an element of confusion by using the term “saxotromba” for the bell-up wrap as well as for the
instruments with a narrower bore profile. The confusion in nomenclature continued for a long time, and was
exacerbated when Sax (followed by other makers) used the term “saxhorn” for the tenor and baritone members
of the narrower-bore family in either wrap. (MITROULIA; MYERS, 2020, p. 18).
MITROULIA, Eugenia; MYERS, Arnold. The saxhorn families. In: VON STEIGER, Adrian; ALLENBACH,
Daniel; Skamletz, Martin. Das Saxhorn: Adolphe Sax’ Blechblas instrumente im Kontext ihrer Zeit. Romantic
Brass Symposium. 3. ed. Schliengen: Argus 2020. (Musikforschung der Hochschule der Künste Bern, v. 13), p.
18-34.
39
o rótulo inglês correto […]. Extraído da Ata da Primeira Reunião Geral da IHS, 15 de junho
de 1971, Tallahassee, Flórida, EUA” (THE HORN CALL, 2014, p. 2, tradução nossa).14
Nesse sentido, Meek (1971, p. 19-20, tradução nossa)15 elucida que
A partir da invenção da trompa dupla - F/Bb, “[...] pelo fabricante alemão de trompa
Kruspe em 1897. O desenho da trompa dupla foi criado por Edmund Gumpert, que atuou como
terceiro trompista em Meiningen [...]” (ERICSON, 1998, p. 31, tradução nossa),16 a trompa
14
The International Horn Society recommends that HORN be recognized as the correct English label for our
instrument. [From the Minutes of Fist IHS General Meeting, June 15, 1971, Tallahassee, Floriada, USA] (The
Horn Call. 2014, p.2)
15
From hunting horns the instrument advanced to the natural horn, or hand horn, and into orchestral use, and later
on (about 1830) was adaptedd with valves, to evolve into our present-day instrument. In America it is known as
the horn, in Germany as the horn, in France as the cor, in Italy as the corno, and in Britain as the French horn
(copied after the French-type instrument). The Russians refer to it as the valt horn (a transiteration as near to the
Russian as I can come), which approximates the German wald horn, or natural horn withot valves. In Japan it os
the horn. (MEEK, 1971, p. 19-20).
MEEK, Harold. The Horn! In: The Horn Call, educational journal of the International Horn Society, v. I, n. 2,
p. 19-20, May 1971.
16
“[...] were producede by the German horn maker Kruspe in 1897. The design of the double horn was created by
Edmund Gumpert, who served as third hornist in Mainingen” (ERICSON, 1998, p. 31).
ERICSON, John Q. The double horn and its invetions in 1897. The Horn Call (ed.). Johnny L. Pherigo, v.
XXVIII, n. 2, Kalamazoo, Michigan, USA, feb. 1998.
41
dupla passa a estender-se como um instrumento que possibilitou ao trompista combinar duas
afinações.
De acordo com Bracegirdle (2014, p. 52, tradução nossa),17
17
Anton Horner introduced Kruspe horns to America in 1902, but the name has been associated with brass
instrument making for more than 175 years. In 1833 Karl Kruspe took over the workshop in Erfurt where he had
been apprenticed to Karl Zielsdorf. Karl Kruspe’s son Eduard took over the shop in 1864 and Eduard’s son Fritz
took over in 1893. Fritz and his brother Walter developed the first F-Bb double horn in 1897 (BRACEGIRDLE,
2014, p. 52).
BRACEGIRDLE, Lee. Kruspe horn - Back business. The horn call (ed.) William Scharnberg, Dallas, Texas,
USA, v. XLV, n. 1, oct. 2014.
42
As trompas em F possuem uma tubulação maior, daí porque são caracterizadas com uma
sonoridade encorpada,18 prevalecendo a desenvoltura na região médio e grave, enquanto a
trompa em Bb, de tubulação menor, favorece a agilidade na região aguda do instrumento,
evidenciando uma sonoridade brilhante e penetrante. A propósito, Silva (2012, p. 112-113)
realça que “o uso da tubulação em Si bemol facilitará o ataque das notas agudas e ainda ampliará
o registro grave com notas que acusticamente não são executáveis com a trompa em Fá”.
A trompa dupla com o sistema de válvulas aprimorou a precisão de passagens
virtuosísticas, expandindo a extensão da trompa em quatro oitavas: “Melhorou os sons não
naturais (harmônicos), obtendo-os com clareza, igualmente de voz, com melhor entoação e com
facilidade de execução, sem falar na grande vantagem de se obter toda a extensão na escala
cromática, com os sons abertos” (OLIVEIRA, 2002, p. 14).
18
Adjetivação usada para descrever qualidades sonoras robustas e com harmônicos presentes, caracterizando uma
sonoridade aveludada.
43
19
The requirements of the orchestral and opera repertoire hornists to specialise in either high or low plaing; hornists
are by their very nature and physiognomy predestined to be either “high” or “low” players; the horn should be
played with as little change in the embouchure as possible and it is therefore impossible to cover the entire range
with just the one embouchure; expecting the hornist to cover the complete range of the instrument can
dangerously destabilise the embouchure (MCWILLIAM, 2013, p. 116).
44
Fonte: partitura 1º e 2º trompa, Intermezzo, Fist Suite in Eb for Military Band, Gustav Holst, 1948.
Uma composição é a representação das ideias sonoras do compositor. Com ela, o autor
visa a transmitir sensações ou um contexto específico, e ao determinar um instrumento para
representar uma passagem melódica, prevê que seu som descreva ou se aproxime da ideia que
a mensagem sonora pretende transmitir. Com isso, o trompista deverá ser flexível em descobrir
as cores sonoras que seu instrumento poderá oferecer, associado com as já citadas adjetivações
sonoras. Ademais, é importante destacar os diferentes modelos de trompas duplas.
A evolução das trompas duplas modernas decorre de dois modelos que surgiram entre
os séculos XIX e XX, quais sejam: Kruspe e Geyer. O modelo Kruspe é do já citado Eduard
Kruspe, a segundo pertence a Carl Geyer (1880-1973), alemão que se mudou para EUA em
1904, depois de ver um “anúncio de jornal de Leipzig dizendo que Richard Wunderlich estava
procurando um fabricante de trompa porque músicos de Chicago foram forçados a enviar seus
instrumentos para concertos na Alemanha.” (Disponível em https://www.hornsociety.org/26-
people/honorary/50-carl-geyer-1880-1973. Acesso em: 30 ago. 2021).
Assim, tem-se que a diferença entre esses dois modelos é que
o Lewis Horn tem um som claro, quente, centrado e ressonante que se projeta
facilmente. De especial significado é a regularidade incomum tanto do timbre
quanto da entonação. Notável por sua facilidade de resposta e tom rico
completo em toda a gama, esta trompa tem clareza e definição excepcionais
complementando os registros altos e baixos, bem como uma resposta rápida /
precisa e um legato fluido. Esses atributos permitem ao trompista um amplo
espectro de nuances técnicas e expressão artística. (Disponível em:
https://www.hornsociety.org/26-people/honorary/50-carl-geyer-1880-1973.
Acesso em: 30 ago. 2021).
Contribuindo com essa discussão, Tuckwell (1978, p. 14, tradução nossa)20 ressalta que
20
The tongue is usually given far too much to do and this slows down fast repeated notes. To avoid this always
keep the tongue at the botton of the mouth, out of the way, until it is necessary to begin another note. The only
put it forward at the last possible moment – in much the same way as a piano hammer works (TUCKWELL,
1978, p. 14).
TUCKWELl, Barry. Playing the horn: a pratical guia. London Oxford University Press, 1978.
21
Sons fechados com origens acima do nariz, como a vogal e consoante, ê, m, n, onde “o palato mole assume uma
postura que determina o grau de acoplamento entre boca, faringe e as cavidades nasais” (MILLER, 2019, p. 136).
MILLER, Richard. A estrutura do canto: sistema e arte na técnica vocal. Tradução Luciano Simões Silva. 1.
ed. São Paulo: É Realizações, 2019.
48
Devido a essas características, a música piauiense apresenta essas qualidades, como a música
dos repentistas e dos aboios dos vaqueiros.
Por sua vez, o estado de Pernambuco, igualmente, apresenta aspectos sonoros
nasalizados e fala acelerada. No entanto, o que se destaca é o uso do “i, di,” “ti” e do “s” na
fala, pronúncia mais próxima de um som fechado do que aberto, com o uso da extremidade da
língua no palato duro. Para Miller (2019, p. 137), “qualquer que seja sua designação anatômica,
o véu palatino, assistido pela extensão da elevação da língua, determina o caráter dos fonemas
nasais pelas posturas que ele assume em relação à cavidade oral”.
Essas características são necessárias no domínio da velocidade da língua na interrupção
ou não do ar na articulação, a exemplo do frevo, principal gênero musical pernambucano,
caracterizado pela velocidade e precisão nas articulações.
Sobre a apreensão desses conceitos, Kohut (2006, p.155-156, tradução nossa)22
manifesta que
22
The problem in one of undestanding musical concepts, both aurally and intellectually. The player needs to know
the sound or style he is after. Once he knows this, patience and self-discipline become the major factors which
determine the degree of his sucess in performance. If he i salso a teacher of school musicians, he needs to be able
to tell his students how to produce the particular sound desired. But the concept must como first-one aural picture
is often worth a thousand words (KOHUT, 2006, p. 155-156).
KOHUT, Daniel L. Instrumental music pedagogy: teaching techniques for school band and orchestra directors.
Illinois: Stipes, 1996.
49
23
Para conhecimento das possibilidades na música contemporânea, recomenda-se a tese de doutorado da trompista
Jaqueline de Paula Theoro, intitulada A linguagem da música contemporânea para trompa natural, pela
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, defendida em 2018, em que a autora faz
um estudo das possibilidades sonoras e articulações com a trompa natural, que também são aplicadas à trompa
moderna.
50
Devido às influências diretas das trompas de caça, o uso inicial da trompa enquanto
instrumento melódico, durante o século XVII, foi reduzido a excertos em fanfarras,25 fazendo
com que a trompa natural atuasse em conjunto com os tímpanos e os trompetes naturais,
reforçando as funções harmônicas das melodias ou em tutti orquestrais na primeira metade do
século.
Encontra-se na literatura registro do primeiro uso da trompa na “música notada”, como
as citadas por Alpert (2010, p. 8): as obras “Erminio (1633) de Michelangelo Rossi, Le Nozze
de Teti e di Peleo (1639) de Cavalli, e La Princesse d’Elide (1664) de Jean-Baptiste Lully”, em
que o uso melódico nessas obras ocorre em fanfarras, utilizando a série harmônica das bombas
de afinação.
Com o advento da trompa de válvulas, em 1815, e a partir da segunda metade do século
XIX, o uso da trompa descante26 foi ampliado em tessituras mais agudas, com destaque para as
24
Refere-se à ação do trompista de interromper o som tampando a campana com a mão direita, evitando a saída
quase por completo do ar, forçando a transposição de notas no instrumento e produzindo um som suave e
nasalizado.
25
Passagem melódica vibrante, em toques, chamadas, aberturas ou em coral, com predominância dos instrumentos
de sopros de metais.
26
“As trompas descantes surgiram no final do séc. XIX com a finalidade de conseguir melhores resultados na
execução da tradicional escrita aguda para trompa do período barroco. Inicialmente, esses instrumentos tiveram
sua aplicação em bandas militares” (SILVA, 2012, p. 116).
51
bandas de música militares. Nestas, para opulência de seus soldados, ao serem estimulados
pelas marchas, destacavam-se os instrumentos com maiores projeções sonoras.
No século XX, a trompa alcançou sua plenitude melódica, por meio do desenvolvimento
do sistema de válvula, dupla afinação e, principalmente, refinamento das técnicas dos
trompistas. A música moderna possibilitou aos compositores explorar novas possibilidades
sonoras, combinações de timbres e técnicas a partir de sua criatividade melódica, como se pode
verificar em um relato do compositor e trompista Fernando Morais (1966-), ao comentar sobre
seu processo de composição do Etude nº 8, uma variação sobre Mulher Rendeira: “Quando eu
compus não sigo nenhuma técnica formal para isso. Eu escrevo o que sinto que é bom e satisfaz
meus ouvidos. [...]” (FONSECA, 2012, p. 46, tradução nossa).27
No Etude nº 8, o compositor faz usos de escalas modais, cromatismo, escala menor,
variação de andamentos, trinados, arpejos diminutos, intervalo de duas oitavas, staccato,
acentos, ligaduras, fermatas, sinais de dinâmica, como mezzo forte, forte, fortíssimo, crescendo
e acelerando. Para Fonseca (2012, p. 51, tradução nossa),28 “Morais trata a linha melódica com
saltos virtuosísticos[...].”
A partir desses exemplos, concebe-se que a extensão melódica da trompa moderna é
limitada às possibilidades criativas do compositor e à técnica do trompista. Nessas perspectivas,
infere-se que o uso de condução rítmico-harmônica presente nos dobrados é superado, uma vez
que a performance, no sentido de execução e interpretação, é construída a partir das
informações gráficas (partituras) presentes no discurso musical elaborado pelos compositores.
Assim, em razão da grande extensão da trompa e do reconhecimento das múltiplas
possibilidades de uso melódico, cada vez mais, a trompa é incorporada em gêneros
tradicionalmente não pensados para ela, como frevo, jazz e choro, exigindo do trompista uma
técnica refinada e habilidade para transpor obstáculos impostos na escrita para esse instrumento.
SILVA, Vagner Rebouças da. Trompa grave e trompa aguda: um estudo da tessitura da trompa com base nos
principais modelos que foram referência para as composições orquestrais. Dissertação (Mestre em Música) –
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
27
“When I composed I do not follow any formal technique to do so. I write what I feel is good and satisfies my
ears” (FONSECA, 2012, p. 46).
28
Morais treats the melodic line with virtuosic leaps [...] (Ibid, p. 51).
52
29
A palavra “função”, além do significado próprio, no sentido de executar uma ação, no ambiente de banda de
música, seu uso está relacionado ao ofício, apresentações musicais e concertos.
30
Eraldo Lopes dos Santos, natural de Teresina, nasceu em 8 de janeiro de 1955. Graduado em Licenciatura em
Educação Artística, com habilitação em Música pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) no ano de 1990, é
professor, maestro e trompetista da banda do IFPI – Campus Teresina Central.
31
Luiz José dos Santos (3 de maio de 1922 – 4 de maio de 2009) é natural de Valença – PI, foi capitão música e
mestre de banda da Polícia Militar do Piauí, em 1962. Foi fundador de diversas bandas no Piauí, dentre as quais
a da Escola Técnica Federal, atual IFPI, onde atuou de 1970, ano de fundação da banda, até a sua aposentadoria,
em 1990.
53
da primeira turma dessa banda, em 1970, e em 1979, assumiu a função de contramestre até a
aposentadoria do maestro Luiz Santos, em 1990. Tornou-se maestro titular desde então, e
acompanhou o desenvolvimento do movimento de banda na cidade nos anos que antecederam
o surgimento do projeto de banda da Fundação Cultural Monsenhor Chaves (FCMC).
O segundo, Antônio Carlos Rocha Sousa,32 está diretamente ligado ao projeto Banda
Escola, por meio do qual iniciou sua carreira como contramestre e, posteriormente, como mestre
de banda, sendo também foi coordenador do projeto entre 2001 e 2008.
Posto isso, as escolhas por esses dois mestres como fonte das memórias orais das bandas
de música em Teresina fundamentam-se, em uma primeira perspectiva, na acepção do olhar de
um agente que não é integrante do projeto de banda da FCMC. Logo, é desprendido de uma
interpretação afetiva dos fatos, apesar de sua participação ativa na formação de novos músicos
e mestres de bandas, com o compartilhamento de experiências técnicas entre os membros que
passaram no projeto e nas demais bandas da cidade. Sob uma segunda perspectiva, a escolha
do outro agente deu-se por desenvolver-se como mestre por meio desse projeto, trazendo a
essência e o olhar interno dessas bandas.
Os propósitos de delimitação da pesquisa na reflexão e coletas de dados nesta seção
restringem-se à visão dos mestres já referenciados, em paralelo com a de mestres que
compunham o Projeto Banda Escola no ano de 2021, uma vez que o mote da pesquisa não é
realizar um estudo sistêmico de todos os mestres de banda de Teresina, mas entender como esse
grupo compreende a função da trompa na banda de música e no dobrado.
A coleta de material deu-se mediante entrevistas semiestruturadas, refletidas a partir da
ideia de que “como atores sociais, nós estamos continuamente nos orientando pelo contexto
interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para ajustarmos a esse
contexto” (GILL, 2002, p. 248).
Nessa concepção incorporada, a análise do discurso é vinculada à prática social, em que
o resultado da experiência direta com o objeto de estudo pode assumir interpretação divergente
a partir de novas perspectivas adquiridas ao longo da prática em campo, ou seja, como mestre
de banda.
Com isso, busca-se compreender como a trompa é entendida nesse universo de mestres
de banda, de modo que essa seção seja a ponte para parte C desta pesquisa, quando os dados e
32
Antônio Carlos Rocha Sousa, capitão músico da reserva da Polícia Militar do Piauí, natural de José de Freitas –
PI, nasceu no dia 12 de agosto de 1967. Mestre de banda, arranjador e compositor, foi coordenador de projetos
de bandas em Teresina e em cidades do interior do Piauí, como Água Branca e União.
54
As atividades musicais desenvolvidas por meio das bandas de música estudantil são um
importante instrumento de formação cultural e profissional. Quando se faz referência a essas
corporações musicais em cidades distantes de centros de referências culturais, elas assumem o
papel de produtoras culturais presentes nas principais manifestações religiosas e cívicas de uma
comunidade. Por sinal, Andrade (1989, p. 13) ressai que “a banda de música é considerada
como conservatório ou escola de música do interior, onde iniciaram o aprendizado musical
importantes músicos do País”.
Em Teresina, no ano de 1986, foi criada a FCMC, por força da lei municipal nº 1.842,
de 26 de fevereiro. Teve como primeira presidente Eugênia Maria Parentes Fortes Ferraz,
instituída por meio do decreto s/n, de 25 de março de 1986. A FCMC tinha como finalidades
“planejar e executar a política cultural da cidade de Teresina, sendo vinculada para efeito de
supervisão e fiscalização à Secretaria Municipal de Educação e Cultura” (NEGREIROS, 2016,
p. 174).
Em estudo idealizado por Negreiros (2016), sobrelevam-se as ações da FCMC entre os
anos de 1986, ano de fundação da instituição, e 1988, ano de surgimentos dos primeiros relatos
de criação do projeto de banda. As principais ações musicais para banda de música
desenvolvidas pela FCMC estão listadas no Quadro 4.
É por meio dessa instituição que em 1988, surgiram os primeiros passos do que passaria
a tornar-se o Projeto Banda Escola de Teresina. Em um documentário realizado no ano de 2006,
33
Prefeitura Municipal de Teresina (PMT).
34
Vigésimo Quinto Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro (25ºBC), Alferes Leonardo de Carvalho Castelo
Branco.
35
Polícia Militar (PM) do Estado do Piauí.
55
Nesse período, o maestro Vicente Cariús da Cunha foi convidado pelo prefeito Wall
Ferraz para o desenvolvimento e a formação de bandas de música infanto-juvenil nas escolas
de Teresina. O maestro Cariús é natural do Rio de Janeiro, nasceu em 6 de abril de 1937, foi
trombonista e bombardinista, major incorporado à reserva do exército brasileiro em 31 de
janeiro de 1988 (Disponível em: https://www.portaltransparencia.gov.br/servidores/82309491.
Acesso em: 31 out. 2021).
Posteriormente, foi nomeado ao enquadramento dos servidores da FCMC, em 1991, por
força do Decreto nº 1.585, de 9 de janeiro, “tendo os seus respectivos empregos, com a mesma
denominação, transformados em funções públicas [...],” sendo designado ao cargo de assistente
de administração, com data de admissão em 19 de julho de 1988. A ele é atribuído o cargo de
coordenador de banda e corais da FCMC.38
Nesse mesmo decreto, foram efetivados outros mestres de bandas que compuseram o
embrião do projeto de bandas da FCMC em sua primeira fase de desenvolvimento, sendo eles:
36
É natural de São João do Piauí. Nasceu em 10 de dezembro de 1943. É mestre em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, professor, escritor, político e gestor. Foi presidente da FCMC de 2001
a 2008.
37
É natural de Simplício Mendes – PI. Nasceu em 11 de março de 1943 e faleceu em 7 de abril de 2014. Foi
professor da UFPI e presidente da FCMC, de 1989 a 1990.
BRASIL, Assembleia Legislativa do Piauí. Disponível em: https://sapl.al.pi.leg.br/parlamentar/36. Acesso em:
30 out. 2021.
38
Sua exoneração ao cargo é registrada na portaria nº 1672/2001, com efeitos retroativos a 09.08.2001.
56
Foi a partir desses mestres de banda que, em 1989, o projeto de banda da FCMC iniciou
suas atividades nos bairros de Teresina, sendo onze na função de mestres de banda e um
coordenador, formando um grupo de doze mestres de banda e um auxiliar (contramestre) de
banda, tendo o maestro Cariús como principal representante de condução inicial do projeto.
Ao longo de seus trinta e dois anos de existência, o projeto experienciou altos e baixos,
algo compreendido como natural, tendo em vista o modelo de gestão condicionado aos recursos
públicos municipais, com prioridades de momento e objetivos a serem alcançados em cada
gestão. Entende-se que os investimentos nas manifestações culturais são necessários para a
construção e valorização de uma identidade cultural regional, podendo ser desenvolvidas e
preservadas de formas múltiplas, por meio das artes visuais, artes cênicas e manifestações de
culturas populares e musicais. Nessa perspectiva, a FCMC buscou preservar esse projeto de
banda contribuindo para a formação musical de jovens na periferia de Teresina.
No ano de 2010, ao completar vinte e dois anos de existência, o projeto alcançou a marca
de vinte bandas em plena atividade. Sobre esse período, Sousa (2010) salienta que o projeto
“atendeu mais de 4.000 alunos e atualmente tem 850 alunos matriculados.” (Disponível em:
http://maestrorochasousa.blogspot.com/2010/03/projeto-bandas-escolas-de-teresina.html.
Acesso em: 12 set. 2021). Trata-se de uma numeração expressiva para uma capital onde a
população, segundo o IBGE de 2010, era de 814.230 pessoas.
Esse fato reflete diretamente o movimento musical da cidade através de concertos em
eventos comunitários e em projetos paralelos, com destaque para o Festival de Banda de Música
de Teresina, evento que tem uma relação próxima com o projeto de banda da FCMC, por
destacar-se como um encontro que reúne bandas, estudantes e músicos profissionais de Teresina
57
e outras cidades do estado do Piauí para compartilhar o trabalho musical desenvolvido ao longo
do ano.
Durante o desenvolvimento desta pesquisa, no ano de 2021, o projeto Banda Escola
dispunha de oito bandas – como dispõe o Quadro 6 – em atividade e treze instrutores, em
consonância com a coordenação do projeto. Os instrutores atuam nas funções de mestres de
banda, uma vez que são eles que desenvolvem o processo de ensino-aprendizagem dos
instrumentos e o repertório interpretado nessas bandas estudantis, do mesmo modo que estão
na condução dessas bandas em apresentações públicas.
O projeto Banda Escola de Teresina é uma ação educativa e cultural da FCMC que se
esforça em desenvolver, a partir da prática de banda de música, a aprendizagem de um
instrumento musical, ensejando a inserção no mercado profissional de jovens aprendizes em
seu quadro de instrutores, os quais podem assumir com o tempo a função de contramestre e
mestre de banda, a partir da desenvoltura e evolução individual de seus alunos.
Depreende-se, historicamente, de forma empírica, que a passagem da batuta ocorre por
meio da aposentadoria ou de uma nova oportunidade profissional do mestre. Nesse contexto,
assume a direção do grupo o aluno de maior destaque técnico-instrumental e de liderança,
evidenciando uma prática comum em bandas de música no Piauí. O Projeto Banda Escola
também conserva perene essa prática cultural: dos treze instrutores(as) existentes, onze
iniciaram como alunos(a) e tornaram-se mestres de banda durante o projeto.
58
O Projeto de Bandas, criado pela Funarte, em 1979, é outra ação importante para o
desenvolvimento no País da padronização e disseminação do instrumental das bandas de
música, disponibilizando kits instrumentais a bandas em todo o território nacional, segundo
Rosana G. Lemos, coordenadora desse projeto:
Nos anos de 1996 a 1999, 2001 e 2002 - O kit era composto por: um
bombardino; cinco clarinetes; dezessete chaves; seis anéis; um saxofone alto;
um saxofone tenor; três saxhorns altos; um bombardão tuba ¾; três trombones
de vara Master; e três trompetes, perfazendo o total de dezoito instrumentos.
No ano de 2003, as bandas de música foram contempladas com instrumental
de acordo com as suas necessidades. Neste ano, não houve dotação
orçamentária para que pudéssemos distribuir os kits. (LEMOS, 2021).
Com a retomada do Projeto de Bandas de Música pela Funarte, em 1994, nota-se que o
modelo instrumental adotado favoreceu a estrutura instrumental estabelecida pelas literaturas
citadas. Ainda que esse órgão não tenha tido participação direta na aquisição de instrumentos
pelas bandas referidas neste estudo, é meritório destacar a relevância que essa instituição
desenvolveu nas políticas voltadas para manutenção das bandas de música no País.
Na compreensão das concepções da padronização de um modelo de banda, igualmente
ressaem-se as relações existentes entre as bandas construídas a partir da observação e das trocas
de experiências entre os mestres de banda em encontros e eventos musicais. Ao perceberem a
instrumentação utilizada de outras bandas e o repertório favorecido culturalmente, de forma
indireta, surge a adoção de uma padronização de uma banda a partir dos modelos estabelecidos
e a instrumentação privilegiadas nas composições, como no exemplo do gênero dobrado e de
sua instrumentação característica.
Nos três modelos de bandas determinadas pela pesquisa da Weril Ltda e pelo Projeto de
Bandas da Funarte, constata-se que a trompa dupla F/Bb é inexistente na instrumentação.
Contudo, o saxhorn é firmado como um instrumento padrão de uma concepção estrutural na
banda, representado em número de dois a quatro no naipe.
Em Teresina, a banda de música estudantil cinquentenária do IFPI – Campus Teresina
Central, teve como formação padrão, entre os anos 1970 a 1990, instrumentação classificada
como tipo C, com variações quantitativas entre naipes devidos às funções atribuídas à banda,
como os desfiles cívicos onde havia a necessidade de maior projeção sonora.
Em geral, a variação instrumental dava-se nos instrumentos mais requisitados pelos
alunos, como três saxofones tenor e três a quatro saxofones altos. Em entrevista realizada em
15 de outubro de 2011, Santos assim se manifesta: “nos idos de 86, quando a gente tinha os
60
desfiles, a gente tinha mais componentes, normalmente na escola sempre que começávamos as
aulas, vinham se inscrever sessenta alunos se inscrever pra banda, e aí ficam entre 30 e 32
alunos, os que queriam realmente […]”.
De forma simultânea, o projeto de banda da FCMC desenvolve-se com uma
configuração próxima do tipo B, com variação em número de instrumentos ao longo dos anos,
até chegar ao tipo C. Sobre isso, em entrevista realizada no dia 23 de setembro de 2021, Sousa
revelou que o projeto foi constituído com os seguintes instrumentos “guardadas as proporções
de balanço [...]”:
[...] clarinetes como instrumento soprano representativo, no início tinha
requinta, mas no balanço em bancada de clarinete, um clarinete em Eb ele é
apenas um em bancada de seis, sete instrumentos [...]; dois saxofones altos,
dois saxofones tenor, um bombardino [...] não tem trompa de harmonia,
trompa em F, mas a gente tem a já cinco, seis trompetes por banda, trombones,
no primeiro momentos os trombones eram todos trombones de pisto [...] e
representatividade pra marcação rítmico-harmônico, deste o primeiro
momento a gente teve o saxhorns [...]; sousafones Eb e Bb e percussão de
banda.
39
O que Sousa classifica de segunda etapa é em referência ao segundo momento de desenvolvimento do projeto
de banda da FCMC, situado entre os anos 2000 e 2010, classificando o projeto de bandas em três etapas: primeira
fase estabelecida na criação do projeto, em 1988; seu desenvolvimento, até o ano de 1999; e a terceira etapa entre
os anos de 2011 e 2021.
61
Ainda que o instrumento citado não tenha alcançado o êxito pretendido, passou a ser
incorporado nas bandas estudantis em Teresina a flauta transversal como instrumento
pertencente a essa formação – uma ação que acentua a incorporação da percepção individual
do mestre de banda a respeito da estrutura e concepção sonora de uma banda.
A variação estrutural entre as bandas, tendo em consideração os três modelos (tipo A, B
e C) e a ideia de que “o reconhecimento de que as maneiras como nós normalmente
compreendemos o mundo são histórica e culturalmente específicas e relativas” (GILL, 2002, p.
245), levam à reflexão de que o processo de análise do discurso nesse contexto, em relação à
percepção da instrumentação adotada por uma banda de música pelos mestres de banda, é um
corpo que toma forma mediada pelo contexto presente, com suas próprias necessidades e
prioridades individuais.
Posto dessa maneira, estrutura-se a instrumentação base da banda estudantil adotada em
Teresina, elaborada a partir dos relatos dos mestres de banda participantes desta pesquisa,
fundamentada na literatura pontuada neste estudo. Igualmente, depreende-se que há uma
atenção no sentido de contemplar de alguma forma todas as divisões das vozes instrumentais
da banda (soprano, contralto, tenor e baixo).
Mesmo havendo desequilíbrio em números de instrumentos entre os naipes, eles são
determinados a critério dos mestres de bandas, de acordo com o contexto e o período. Dessa
maneira, a instrumentação é determinada da forma disposta no Quadro 7.
Eu vou seguindo essa linha que muita gente está utilizando, hoje a China está
produzindo instrumento bem mais em conta, a trompa chega hoje pra gente
bem mais em conta até comparada ao saxhorn de fabricação nacional, então
eu também estética eu tenho feito essa substituição, tenho deixado um pouco
de lado o saxhorn e tenho utilizado a trompa, embora seja um pouco mais
didaticamente falando de difícil aprendizagem a trompa porque ela tem
harmônicos muito próximos da série harmônica, mas a questão tanto de
estética na banda como de som, a trompa soa muito melhor do que o saxhorn.
E o saxhorn eu acho ele mais limitado também na questão de extensão, e na
questão de timbre.40
40
MORAIS. Entrevista realizada em 31 ago. 2021.
63
contexto, a trompa é inserida de forma incipiente, a partir de iniciativas dos próprios mestres
de banda, ou por meio de alguma aquisição instrumental realizada em processos licitatórios,
como identificado no contrato nº 01/2021 (pregão eletrônico),41 que tem como objetivo a
aquisição de material permanente de 24 (vinte e quatro) “trompas sinfônicas”.42
Entre os mestres entrevistados, foi possível deduzir que entre as bandas atuantes no ano
de 2021 no Projeto Banda Escola de Teresina, três bandas de música não possuíam a trompa
em sua formação, enquanto as demais contavam com um a dois instrumentos, com ou sem
trompista atuante. Em relação aos aspectos obsoletos do saxhorn na banda, em entrevista
realizada em 13 de setembro de 2021, o mestre de banda Humberto Magno dos Santos Oliveira
informou que
41
Pregão eletrônico SRP Nº 02/2020 – FMC/PMT, Processo Administrativo Nº 00042.0004281/2019 – FMC.
Disponível em DOM - Teresina, 26 fev. 2021, nº 2.970, p. 14.
42
Sobre o termo utilizado “trompa sinfônica,” ver a unidade 3.2.1.
43
[...] In the orchestra, the horn is one of the most often-used and satisfactory solo instruments; it is rarely so used
with success in the band. The massed horns in the orchestra seem to have great power; in the band their weight
is little against the other brass [...] (STARRET, 2009 apud GOLDMAN, 1946. p. 7).
64
[...] essa trompa sinfônica ela não tem mais o mesmo papel que era do saxhorn,
de mais marcação, hoje a trompa ela viaja, porque nós usamos mais um
repertório americano onde a trompa tem um protagonismo, tem o momento de
solo, momento de harmonia, e tem também momento de marcação[...]..
Concebe-se, pois, que a trompa leva consigo o uso habitual da tradição no uso de
funções harmônicas na banda de música. Ainda que seja compreendido como um instrumento
melódico de perfeita exploração técnica, a trompa não tem assumido funções de instrumento
65
solista nesse gênero, como certificado pelo mestre de banda Eraldo Lopez, em entrevista
realizada em 15 de outubro de 2021.
[...] o dobrado continua sendo escrito do mesmo modo, ninguém criou uma
forma diferente para trompa executar [...] o que se ver de novidade é o
instrumento em se [...], que enriquece o instrumental da banda, mas que é
subutilizado[...], então os compositores não sabem utilizar a trompa nos
dobrados porque ficam presas a uma determinada forma de composição [...].
44
“Si estás motivado musicalmente, la introducción de un nuevo estímulo y el cambio resultante casi siempre será
positivo[...]”(JACOBS, apud NELSON 2017, p. 17)
45
[...] is that which, by compression and condensation, presents the principal features of a composition for the
student's guidance in such a way that they can be performed on the organ, pianoforte, or other solo instrument
(GROVE’S, 1910, p. 140).
67
dobrados, músicos militares ou mestres de banda que exercem em seus grupos a prática de
escrever arranjos e transcrições como uma ação presente devido às necessidades de
performance do repertório pela banda estudantil.
A adaptação é igualmente um recurso presente nessas práticas, uma vez que ao realizar
uma transcrição, como resultado, há uma adaptação da obra. Daí, entende-se que a adaptação
se refere a
[...] obras que passam por alterações tanto nos aspectos estruturais quanto
ferramentais, mas que quando não envolvem mudança de linguagem
apresentam pequenas alterações estruturais que são em geral específicas [...].
São feitas em função de adequar a obra a algo, seja instrumento, determinado
público, contexto ou gênero. (PEREIRA, 2011, p. 219).
[..] às vezes eu pegava a trompa e botava alguns arranjos que a gente não tinha
o instrumento, a gente não tinha sax tenor, e aí eu ficava assim nossa o arranjo
precisa do sax tenor! Então quando eu via que o arranjo da trompa era muito
fácil para o nível do aluno que eu já tenho, pra não deixar ele fazendo só
colcheia no contratempozinho ali! Eu pegava um arranjo da parte do sax tenor,
botava ali, do sax alto a gente fazia uma mesclava um pouco pra desenvolver
também [...].
Junto aos mestres consultados nesta pesquisa, constatou-se que o processo de escrever
é uma ação presente, com a predominância do uso da adaptação e a transcrição em suas práticas,
como verificado na amostragem representada no Gráfico 1.
68
15 1º Escreve 3º Adaptação
13 11 11 4º Transcrição
11 8 5º Arranjo
9 2º Não escreve 6
7 4º Composição
4
5 3
3
1
Com essa práxis, a escrita para trompa no dobrado permanece inalterada, seguindo os
padrões e as percepções já postuladas nesta pesquisa, na parte 3, observados em Dantas (2015),
em que a marcação, como modelo uniforme e constante, é representada a partir de contraponto
rítmico-harmônico. A adaptação é presente a partir de processos do uso de transposições de
notas como estratégia de uso didático de ensino e performance instrumental.
O mestre Michael Cruz, em entrevista realizada em 16 de setembro de 2021, ressaltou
que
[...] tem muita coisa que a gente não precisa transcrever, mas a gente precisa
adaptar pra o nível do aluno né! Por exemplo, você pega um dobrado sinfônico
como o Verde e Branco, que o nível mesmo da trompa já é um nível um pouco
avançado, aí você vai fazer adaptação, vai oitavar algumas notas, vai mudar
alguns trechos, costuma-se dizer que nas bandas profissionais a gente não
mexe no arranjo do autor, mas na banda estudantil é necessário, que se não
você não consegue inserir o aluno naquele contexto que é a banda. Porque o
que acontece, a banda em se ela tem o caminho dela, a gente desacelera um
pouco a banda para os novatos chegarem ao nível de ir acompanhando, mas a
gente não pode impedir da banda de ir seguir seu caminho com os alunos mais
veteranos, e pra que isso aconteça você tem que estar adaptando ali os
arranjos.
Quando uma obra é composta para uma banda de música, a escrita parte da referência
do tom no “som real” para, em seguida, os demais tons serem transportados aos seus respectivos
instrumentos. A prática da transposição é uma particularidade dos instrumentos de sopro da
banda, com exceção da flauta transversal e do trombone, que são classificados como
instrumentos não transpositores.
69
Nos dobrados selecionados para esta pesquisa, a escrita original da trompa foi composta
para o saxhorn alto em Mib, havendo a necessidade de o trompista ou o mestre de banda realizar
a transposição do repertório. No entanto, em outros gêneros, como MBP e a música Pop,46
habitualmente, identifica-se entre os mestres a atenção conferida à trompa na aplicação desse
instrumento de forma mais expressiva melodicamente no repertório, em uma estratégia de
incentivo e permanência do aluno na banda e no instrumento (trompa).
A escrita para trompa, no ponto de vista dos mestres de bandas, está direcionada aos
aspectos da extensão do instrumento e à tessitura alcançada pelo aluno, de forma que possam
ser atingidas e exploradas progressivamente as múltiplas possibilidades de execução do
trompista na banda. O mestre de banda Jorceley Nildo, em entrevista realizada no dia 1 de
setembro de 202, ressaiu que os aspectos da extensão da escrita para trompa nos dobrados é
uma condição que está presente nesse repertório, exigindo um esforço físico da musculatura da
embocadura, em uma execução repetitiva e incômoda, por situar-se em uma região aguda do
instrumento. Para ele,
No dobrado, [...], pulsação é base, mas a gente sabe como é um dobrado, [...]
Mas eu sempre via então a questão da extensão. É porque, nossa, alguns
arranjos que eu pego de alguns dobrados que eu já toquei a extensão nunca era
compatível com o nível do dobrado entendeu! Às vezes o dobrado era até fácil,
mas as trompas eram escritas lá em cima, era muito agudo e cansava muito a
questão da embocadura, isso num dobrado iniciante, pra quem tá começando
isso é horrível, porque o aluno começando agora tendo que tocar uns dobrados
que relativamente fácil, mas que cansava muito [...].
Enquanto o uso dos saxhorns nessas bandas está tornando-se obsoleto, no dobrado, a
escrita permanece inalterada, resultando na inversão de funções e características instrumentais
concebidas em um instrumento específico, atribuídas a outros que apresentem similaridades
sonoras, a exemplo de trompas, bombardinos ou saxofones altos. O mestre de banda Guilherme
Rafael destacou, em entrevista datada de 8 de setembro de 2021: “[...] a gente toca muito
dobrado, mais geralmente a gente não utiliza as partes de trompa, [...] a gente acaba as vezes
transcrevendo pra algum outro instrumento em se [...] geralmente a gente gosta de transcrever
a parte da trompa pro bombardino [...].”
46
O que se caracteriza como música pop para esta pesquisa está relacionado com a concepção de que,
“culturalmente, toda música pop é uma mistura de tradições, estilos e influências musicais [...] os principais
gêneros musicais produzidos comercialmente e lançados no mercado, especialmente o ocidental” (SHUKER,
1999, p. 8-9). Estão inseridos nesse contexto os repertórios de músicas internacionais de artistas pop, como
Michael Jackson (1958-2009) e John Lennon (1940-1980), assim como trilhas sonoras de filmes, a exemplo de
Star Wars (1977) e Rocky Balboa (2006), entre outros, constituindo repertórios de música pop presentes nas
bandas estudantis de Teresina-PI.
70
1º Marcação
rítmica
15 harmônica
12
13
11
2º Timbre
9
6
3º Extensão
7
4
5º Melodia
5
2
3
1
1º Marcação 2º Timbre 3º Extensão 5º Melodia
rítmica
harmônica
Eu ainda não pesquisei muito a função da trompa, no entanto a gente sabe que
a trompa não é só instrumento harmônico ela é um instrumento melódico
dentro desse contexto, ela é diferente do saxhorn porque o saxhorn ele tem
uma função definida de centro, de fazer centro junto com na parte harmônica
com o baixo que faz ritmo-marcação[…], como eu não sou de escola, como
eu não tenho uma formação de escola, porque quando você é formado por
escola você estuda o que tem que ser estudado, mas eu sou formado pelo
ambiente dentro do contexto, então eu nunca me aprofundei muito na questão
de escrever; Ah! tem que escrever como se deve escrever para trompa em Fá!
Mas se me disser, você tem de escrever dobrado, eu já penso que tem que
escrever para o saxhorn […].
Teresina-PI, durante o ano de 2021, percebeu-se o desuso dos saxhorns em função da trompa.
Com isso, esta tem sido associada na função do saxhorn nos dobrados.
Em face dessa realidade, identifica-se nas obras da Série Repertório de Ouro das Bandas
de Música do Brasil, edições de 2008, realizadas pela Funarte, um importante projeto de
abrangência nacional para salvaguarda dos repertórios de bandas, dentre elas, o dobrado. A
sugestão nas edições dos repertórios desse projeto é que os saxhorns sejam partes extras na
instrumentação da banda, o que aponta e corrobora o uso circunstancial desse instrumento – o
que poderá sinalizar para a ideia de desuso do saxhorn na banda.
Apesar da forma de composição e distribuição dos elementos constituintes dos dobrados
não ter mudado ao longo dos anos, esse gênero tem sido pensado para o saxhorn, como
constatado nos dobrados citados e nas percepções dos mestres de bandas.
O projeto de edições da Funarte teve a preocupação de propor uma nova instrumentação
que pudesse ser executada na formação de bandas sinfônicas ou de concertos, aspecto
compreensível, levando em consideração a globalização do conhecimento das formas de pensar
a banda, mas contrastante em relação à realidade cultural brasileira, dada a inexpressividade
quantitativa de bandas sinfônicas em relação à banda de música tradicional.
Segundo a Funarte, no tocante aos objetivos para os quais foram sugeridas partes
opcionais,
47
[...] Such parts were added in accordance with the composer’s writing and the function of these instruments in
the band, in order to allow the formatting of the score according to present-day international standards (JARDIM,
2008, p. 7).
73
Não obstante, como detectado, a escrita nesse repertório não contribuiu para a evolução
do instrumento nesse gênero, mas apenas para a apropriação de funções de outro instrumento
(saxhorn). No entanto, ao direcionar-se a percepção do mestre Gabriel Fidelis para outros
repertórios, como a música barroca de concerto, na qual há a valorização de passagens
virtuosísticas em regiões agudas do instrumento – como nos excertos de Brandenburg Concerto
nº 1, BWV 1046 e a Mass in B minor, BWV 232 de Johann Sebastian Bach (1685-1750) –
percebe-se que o repertório tem uma importante contribuição na evolução técnico-instrumental
do trompista.
Na perspectiva de desenvolvimento do instrumento, surge, em 1960, como alternativa
aos instrumentos de época, a primeira trompa tripla F/Bb/F alto, criada em Londres, por C. J.
Paxman e R. e A. Merewether.
Para Oliveira (2002, p. 21), essas trompas são um instrumento “derivado da trompa
dupla descante afinada em Si bemol alto e Fá agudo. É uma tentativa de reunir em um
instrumento todas as qualidades desejadas”. Assim, facultam maior conforto e agilidade na
extremidade aguda do instrumento, possibilitando ao trompista trabalhar o repertório com mais
segurança. Nas bandas de música de Teresina, devido ao seu alto custo financeiro, esse
instrumento é inexistente, sendo a trompa dupla F/Bb a de uso padrão dessas bandas.
Dentro das tradições de banda, a trompa como instrumento solista no dobrado traz
consigo as distinções do passado, como um instrumento resignado a uma prática performática
periférica, colocada como símbolo do possível insucesso na desenvoltura e aprendizagem do
músico na banda, enquanto as necessidades de um bom desenvolvimento das habilidades
técnicas e sonoras são instruídas a outros instrumentos da banda, como trompetes, saxofones e
trombones.
Em entrevista com o mestre Gustavo, em 23 de setembro de 2021, ele ratificou que a
trompa tem possibilidade de exercer uma função mais melódica nesse gênero, mas que essa
75
percepção não foi estimulada no próprio instrumento, em razão da forma como os mestres de
bandas do passado entendiam a trompa. Em seu entendimento,
[...] tinha a ideia quando eu comecei a estudar dos antigos mestres de banda,
que; Ah isso aqui não conseguia passar, não conseguia ler direito, vai pra
trompa! Tinha essa ideia! [...] sem muito menos eles perceberem que o
instrumento que ele tava colocando era um dos piores instrumentos, é no
quesito de leitura dentro da banda de música, é o instrumento que tem que ter
mais responsabilidade ainda, não desmerecendo os outros, mas devido a
função que ele fazia dentro da banda, porque ele é um instrumento que guiava
a banda [...], tanto harmonicamente como ritmicamente né! Que era a escrita
que era feita na época né! Aí tinha essa ideia, não, você não tocou legal, não
conseguiu acompanhar os estudos pra poder entrar na banda, coloca na
trompa! [...].
ideias sobre a aceitação ou não, uma vez que o “novo” é desconhecido e a avaliação, um
processo natural. Ao propor a trompa como instrumento de uso múltiplo, não somente de centro
no dobrado, propõe-se uma ruptura com a tradição, porquanto os saxhorns eram determinados
como instrumento modelo, uma vez que o contexto histórico presente é divergente daquele nos
quais foram concebidos os dobrados em estudo.
Dessa maneira, quando essa prática contém novas demandas contemporâneas e há
necessidade de diálogo afinado com os contextos em que está inserida, o novo deixa de ser
singular para tornar-se uma estratégia, transformando-se em uma prática.
O mestre Paulo Henrique citou os aspectos da dupla afinação do instrumento e as
possibilidades de transposição da trompa, em entrevista realizada em 16 de setembro de 2021.
Em seu entendimento, o saxhorn é “[...]muito limitado, não tem recursos sabe! Já essa nova
trompa em Fá, na minha visão ela é mais sofisticada em relação a tocar de duas formas
diferentes [...]”.
Porém, percebe-se que a trompa nas bandas estudantis em Teresina está em um processo
de inserção. Mesmo em números e naipes incompletos em relação ao presente contexto, a
trompa conserva-se incipiente, de modo que o repertório (dobrados) coadjuva para essa
condição.
Para os mestres de banda, a função de centro da trompa é compartilhada com outros
instrumentos nos dobrados, a exemplo de trombones e clarinetas, o que possibilita a trompa
transportar a função de centro em determinadas passagens, imprimindo uma condição em que
os dobrados apontam essa estratégia de adaptação. A fim de que esse método se processe, é
necessária a iniciativa do mestre à frente de suas necessidades individuais como professor de
instrumento (trompa) e arranjador da banda.
Para o mestre Eraldo Lopez, em entrevista realizada em 15 de outubro de 2021,
[...] desde que alguém queira passar os solos para os trompistas, [...] assim na
concepção que o instrumento veio, na concepção da forma do dobrado como
ele nos foi repassado e a função de cada instrumento na composição, então os
compositores ouviu e também recriavam aquilo que eles ouviram né? Porque
é um dobrado então já tinha aquela forma na cabeça como se cada instrumento
ia fazer sua participação na obra, então sempre castigaram né! Esse castigo
para o instrumento ficar nunca botar solo pra ele [...], porque eles aprenderam
ouvindo que ela não tinha solo continuou fazendo a mesma coisa [...].
Como dito, o uso e a inserção da trompa de forma melódica é cada vez mais frequente
devido às necessidades de atribuição de desafios técnicos ao repertório tradicional de banda
para trompa. Os repertórios de dobrados na atualidade, assim como nas edições da Funarte,
indicam uma consolidação pelo uso da trompa na instrumentação em oposição ao saxhorn, a
qual se acredita que está a definir de forma indireta um modelo padrão para bandas estudantis
atuais.
Como é característico em uma banda, a execução de repertórios de gêneros variados em
repertórios contemporâneos para banda, semeados a partir dos surgimentos de editoras como
Alfred Music (1922) e Hal Leonard (1947) na comercialização de arranjos para marching band,
percebe-se que os arranjadores e compositores dessas editoras têm explorado com mais
proeminência a trompa, incorporando-a em uma perspectiva de instrumento melódico na banda,
não somente de sustentação harmônica.
Em paralelo, depreenderam-se ao longo das entrevistas com os mestres de banda
apontamentos que direcionam para a necessidade de um olhar mais aguçado dos arranjadores e
compositores para que a trompa se desenvolva em funções de solo no dobrado.
78
Visando à distinção das percepções que a trompa representa para esses mestres na banda,
eles foram indagados sobre a função ou o papel principal da trompa na banda de música. O
mestre Vitalino, em entrevista concedida a este pesquisador em entrevista 7 de setembro de
2021, diz entender que a trompa na banda é sinônimo de transmutação, pois incorpora novos
timbres a sonoridades da banda e de seus arranjos:
eu acho que é isso da mudança né! da característica sonora dos arranjos, então
eu acho que o papel principal é esse; mudar a cabecinha de ficar a trompa só
é pra fazer os contracantos, só é pra fazer o papel da guitarra, não! ela mudou
completamente eu acho que veio pra somar pra melhor.
Enquanto isso, o mestre Siqueira destacou em sua fala que a trompa é subutilizada em
consequência do padrão determinado de escrita, em face de os compositores obedecerem às
funções e formas como uma regra permanente para o uso da trompa na banda e no dobrado. Em
seu entendimento,
[...] ela está sendo posta em segundo plano, [...] quando você pega uma
partitura de um dobrado antigo [...], você não ver em nenhuma dessas peças
com ausência do saxhorn por exemplo! Então hoje eu creio que tá se fazendo
isso [...], mas como acontece isso? É através dos compositores né! Os
compositores tem que atentar mais pra isso pra cultura pra não deixar daqui
um dia, daqui um tempo assim, tá difícil até de você ver uma banda de música
se tocar um dobrado [...].
O trio no dobrado é uma seção que tipifica em contraste a energia vibrante das melodias
que fazem uso de sinais de expressões de forte ou fortíssimo, determinante para a altivez do
aspecto marchante dos dobrados desenvolvida nas primeiras seções, A e B. É, geralmente,
exposto a partir de uma melodia lírica, fazendo uso de uma dinâmica suave em piano ou mezzo
piano, evidenciando as melodias do contracanto, rompendo com a vivacidade melódica das
primeiras seções.
A propósito, Dantas (2015, p. 61) explica que “o trio é a parte mais delicada de um
dobrado, podendo ter uma duração maior que a 1ª parte, sendo do mesmo modo repetido por
rittornello. No trio, o contracanto geralmente tem uma partitura ainda mais rebuscada que o
canto”.
As propostas presentes nesta parte da pesquisa são feitas a partir de uma perspectiva
segundo a qual a função da trompa no dobrado é observada a partir de suas possibilidades
técnico-performáticas, fazendo uso de adaptações das partes de outros instrumentos que
dialogam em afinidades sonoras com a trompa, por meio de melodias existentes na
instrumentação utilizada pelos compositores, apontando direcionamentos capazes de contribuir
para o uso da trompa como instrumento versátil no dobrado.
Portanto, parte-se da compreensão de que a trompa dispõe de liberdade perante a
exploração das múltiplas possibilidades de performance nesse gênero. Essa proposta parte da
concepção de que originalmente, os dobrados foram escritos para o saxhorn e que a apropriação
da função de centro pela trompa sobre esse instrumento no gênero dobrado, a partir das
influências do uso das trompas naturais nas primeiras formações de bandas, como os
charameleiros e as harmoniemusik, permite tal fito.
Como apreendido na seção anterior e observado na experiência deste pesquisador
enquanto trompista e mestre de banda, é notável a ausência da trompa como instrumento
melódico nas bandas estudantis de Teresina. Dessa maneira, há uma demanda dos mestres de
banda sobre a inserção de novos desafios técnicos aos trompistas como recurso de
desenvolvimento de sua performance nesse gênero. Para tanto, o reconhecimento das
possibilidades técnicas da trompa na performance permitirá aos mestres de banda explorarem
o uso dela no dobrado.
81
o uso tradicional aponta para o que pode ser modificado: funções, forma,
instrumentação. As tais funções (canto-contracanto-centro-marcação) pedem
novo canto, novo contracanto [...] esses pilares que chamo de funções
instrumentais na filarmônica existem na maioria dos estilos de música
ocidental.
48
A line of shining horn in the parade looks pretty, but the attraction is only visual, since the horn contributes very
little sound in these circumstances (TUCKWELL, 2002, p. 181).
82
Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s)
Outros subtítulos
Ano da composição:
Autor
Gênero
Forma
Fonte usada
Informações Performáticas
Nível*
Instrumentação original
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais
Considerações técnicas
Vozes instrumentais
ajustáveis para trompa
Extensão da trompa
Fonte: manuscrito próprio (2021).
*Tabela de Parâmetros Técnicos (SOTELO, 2008).
49
Para uma compreensão mais acurada do processo de surgimento histórico da tabela de parâmetros técnicos,
consultar Sotelo (2008, p. 36), em “fatores históricos que contribuíram para a consolidação dos parâmetros
técnico-musicais”, e Lages (2012, p. 34), Capítulo 3 – sistematização de repertório.
83
“a preparação de um plano de ensino dentro da banda, bem como na própria formação de uma
banda melhor elaborada” (SOTELO, 2008, p. 36).
A divisão em cinco níveis tem como escopo classificar o nível de dificuldades
incorporado à obra, a partir dos elementos gráficos e técnicos utilizados. Para melhor
sistematização na classificação do nível de dificuldades, não será adotado para classificação o
uso de subcategorias, por entender que a classificação em cinco níveis, de acordo com a tabela
de Sotelo (2008), disposta no Anexo I, é o necessário para a determinação dos critérios e
padrões usados no repertório desta pesquisa.
Os níveis estão classificados em: nível 1 – fácil; nível 2 – fácil/médio; nível 3 – médio;
nível 4 – médio/difícil; e nível 5 – difícil, com os parâmetros estruturados em:
Trompa
Quadro 10 – Extensão da trompa F/Bb e sua relação sonora com os instrumentos da banda
Fá#1 – Si1
Clarinetes e Trompetes em Bb Brilhante, enérgico, estável e ágil
(Dó3 – Sol4)*** (recomendada para marcha)
Escuro a enérgico, porém com
instabilidades em afinação na região
Sax alto (Lab2 – Sol4)
médio agudo (ágil e recomendado
para marcha)
Escuro a enérgico, estável em
afinação na região médio agudo, ágil
Sax tenor (Mib3 – Sol4) e recomendado para marcha, sua
fusão sonora com a trompa lembra o
bombardino.
Firme e poderoso (recomendada
Trombone (Lá2 – Dó4)
para marcha)
Funde-se com o som da trompa,
Si1 – Dó5 porém o bombardino sobressai em
intensidade sonora na banda e assim
Bombardino (Do3 – Sol4) como o sax alto apresenta
instabilidades em afinação na região
médio agudo. (ágil e recomendado
para marcha)
Fonte: manuscrito próprio (2021).
*Notas não transportadas
**Trombone tenor com rotor em Fá
***Notas relacionadas a extensão da trompa
†1914) “para celebrar a posse do Marechal Hermes da Fonseca” (LISBOA, 2005, p. 9) para a
presidência do Brasil, em 15 novembro de 1910.
Considerando as datas de estimativas de composição em Santos (2017) e a data da
solicitação da composição em Lisboa (2005) como uma referência cronológica, percebe-se um
hiato de tempo na data estimada da composição à estreia da obra de, aproximadamente, 20
(vinte) anos. Logo, isso não permite confirmar a data exata de sua composição. Levando em
consideração os registros do manuscrito das partituras citada na Figura 10, e o reconhecimento
pelos mestres de bandas, credita-se a autoria do dobrado Batista de Melo ao compositor Manuel
Alves Leite.
Figura 10 – Partitura escrita a nanquim do dobrado Batista de Melo, composta por Manuel Alves Leite
A escrita para instrumento “de canto” presente nessa instrumentação foi uma prática
comum desenvolvida nas bandas de música até o século XIX, ocasionalmente motivada pela
imperícia do instrumentista na execução do dobrado, como recurso para superar a falta de
determinado instrumento na banda ou uma voz instrumental da melodia. Tinham como
propósito inserir um instrumento, geralmente os trombones, devido à sua alta capacidade de
projeção sonora em desfiles, com os principais solos presentes no dobrado.
Escreviam-se as melodias e os principais contrapontos para esse instrumento, que ficava
a cargo do músico mais habilidoso da banda ou do mestre de banda. Essa prática de escrita não
é mais identificada com frequência, embora a prática performática ainda seja encontrada em
pequenas bandas do interior piauiense, onde o corpo instrumental da banda é reduzido a poucos
músicos, em razão da falta de instrumentos e instrumentistas.
O dobrado Batista de Melo é escrito na forma binária simples (2/4), sem variação em
fórmula de compasso. Não há indicação de tempo, porém, por tratar-se de um dobrado, segue
o padrão do tempo da marcha, em semínima a 120 bpm. Inicialmente, é desenvolvido a partir
dos instrumentos de metais, com uma exposição na introdução de uma semifrase em uníssono
88
50
“Inversão de funções” refere-se a estratégias utilizadas para a adaptação melódica para trompa, enquanto outro
instrumento executa a função (linha melódica) da trompa já determinada na composição original, ou quando há
possibilitada de instrumentos em funções de canto, contracanto ou baixo mover-se para a função de centro em
determinadas passagens do dobrado.
89
Fonte: Partitura dobrado Batista de Melo, Introdução, compasso 15 - 17, parte das madeiras e trompetes
Figura 13 – Exemplo de redução melódica com o uso das funções de canto e centro
1º Saxhorn, comp. 5 – 8
O uso da adaptação melódica para trompa, por meio de agrupamento das funções de
canto e centro, tem como objetivo possibilitar a performance da trompa junto com os
instrumentos melódicos de madeiras, ao tempo em que destaca a função de centro exercida pelo
saxhorn. A função de contracanto igualmente obedece ao mesmo princípio, mas diferencia o
fato que nos dobrados, essa função está vinculada ao sax tenor e ao bombardino e, por vezes,
poderá ser atribuída aos trombones, o que pode provocar um desequilíbrio quantitativo e sonoro
em relação aos instrumentos que realizam as funções de contracanto e canto.
A apropriação de contracanto pela trompa na adaptação deverá ser adotada como
recurso de reforço temático do contracanto, em diálogo com a função de centro. Isso dá-se ao
fato de o dobrado Batista de Melo não variar as funções entre os instrumentos, determinando a
linha melódica do saxhorn em apenas uma função.
Diante da naturalidade da inexistencia desse instrumento nas bandas (saxhorn) e, por
vezes, do uso de apenas uma trompa nas banda de música estudantil em Teresina, esse recurso
apresenta-se como uma alternativa de equilíbrio sonoro e performático.
Nessa tônica, no trio, busca-se o diálogo melódico entre canto, centro e contracanto,
tornando a condução melódica da trompa flexível em relação à função de centro. O
91
A escrita do trio para a trompa poderá ser explorada com mais variações melódicas, sem
a exclusão da função de centro, o que é característico da parte C do dobrado, podendo ser
indicada de forma sutil no contracanto, mas com ênfase no aspecto harmônico e marcial.
Figura 16 – Exemplo de adaptação com o uso das funções de canto, contracanto e centro
1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 sxh. Eb, 2 tpt.,1 tbn. de cnt., 2 tbn., 1
Instrumentação
bomb. Bb,1 tb. Eb, 1 tb. Bb.51
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais cl. Eb, cl. Bb, sxt.,tbn.,
sxh. Eb tb. Eb e Bb.
sxa., tpt. bomb.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando) em que
o número de trompas existente na banda é reduzido em um ou dois
instrumentistas;
- Nos sinais de dinâmica f e ff, a trompa são pontos de intensificações
Considerações técnicas
temáticas das melodias em conjunto com os instrumentos de metais;
- Devido à escrita desse dobrado não privilegiar variações de funções entre as
outras vozes instrumentais, faz-se necessária a presença da função de centro
dialogar com outras funções nas partes da trompa;
Vozes instrumentais ajustáveis
cl. Bb, sxa, tpt., tbn., bomb.
para trompa
Extensão da trompa Dó3 – Fá4
Fonte: manuscrito próprio (2021).
51
O uso de reduções para determinação das nomenclaturas dos instrumentos tem como objetivo simplificar as
informações da ficha técnica, que são usadas como padronização nas guias (grades) de partituras de bandas, na
orientação das vozes instrumentais nas partituras. Para isso, recebem as seguintes reduções para os respectivos
instrumentos: cl. Clarinete; sxa. sax alto; sxt. sax tenor; sxh. Saxhorn; tpt. trompete; tmp. trompa; tbn. trombone;
bomb. Bombardino; e tb. tuba. A escrita para o trombone de canto não é uma prática adotada na prática de banda
moderna, daí porque na identificação desse instrumento será adotada a redução tbn de cnt.
93
Embora o dobrado 220 tenha incorporado uma letra em sua melodia, o que o classifica
como uma “canção militar”, segundo o inciso II do Art. 2º do boletim nº 38/2016, identifica-
se como
52
Disponível em: https://rondonia.ro.gov.br/casa-militar/institucional/hinos-e-cancoes/hino-oficial-da-marinha-
brasileira-cisne-branco/. 33. Acesso em: 29 jan. 2022.
94
do Exército, em Salvador, função que desempenhou até a sua morte, em 1913” (BENTO, 1990,
p. 20).
É um importante compositor, merecedor de reconhecimento de seu patrimônio musical
para banda de música. Entre suas notáveis obras, relevam-se: Cisne Branco; canção da Marinha
brasileira; os dobrados Bombardeio da Bahia, Quatro dias de viagem, Dobrado nº 182,
Sargento Caveira e Palmeiras dos Índios – este sendo o seu primeiro dobrado composto aos 15
anos de idade, e Último Adeus (dobrado nº 222) o último. Ao longo de quatorze anos de vida
musical, compôs, aproximadamente, 220 dobrados, em conformidade Bento (1990), o que lhe
conferiu o reconhecimento de ser “considerado o maior compositor de dobrado do país” por
mestres de bandas e pelo portal Música Brasilis (Disponível em:
https://musicabrasilis.org.br/compositores/antonio-manoel-do-espirito-santo. Acesso em: 29
jan. 2022).
53
Disponível em: https://acervo.casadochoro.com.br/files/uploads/scores/score_9839.pdf. Acesso em: 3 fev. 2022.
54
Disponível em: http://rede.cultura.ce.gov.br/partituras/dobrado/. Acesso em: 3 fev. 2022.
95
Introdução: nos compassos 5 a 14, a função de centro está atribuída aos instrumentos agudos,
como flauta, clarineta e trompetes, enquanto os instrumentos médio-graves (sax alto, sax tenor,
trombone, bombardino e tuba) estão com a função de canto.
Ao atribuir à trompa a melodia da introdução, possibilita-se acentuar a sonoridade grave
e imponente da melodia inicial situada na região média do instrumento, o que viabiliza ao
instrumentista executar de forma confortável sinais de dinâmica como f e ff sem alterações
drásticas de embocadura e afinação na execução em marcha.
Parte A: é a seção onde a função de centro deverá ser preservada o quanto possível para que
as quatro funções do dobrado estejam presentes, uma vez que o arranjo tem como mote a
exposição do tema de forma uníssona entre as madeiras (exceção do sax tenor) e os trompetes
e trombones.
No entanto, com o propósito de evitar o uso excessivo da repetição do acompanhamento
rítmico-harmônico e a fadiga dos músculos da embocadura durante a performance nessa seção,
opta-se por inserir a trompa ao termo da parte A com uma condução melódica descendente
existente no dobrado que permite ao trompista relaxar a tensão repetitiva exercida durante a
função de centro e restabelecer a embocadura para a retomada dessa seção. Assim, igualmente
poderá ser realizada a permutação das vozes entre a primeira e segunda trompa na repetição
como uma alternativa de relaxamento muscular da embocadura.
98
Parte B: a ponte (comp. 47 – 63) que liga a parte A à B tem como destaque a agilidade rítmica
dos instrumentos de madeiras na execução de semicolcheias com o uso de ligaduras e staccato.
Nesse ponto, a trompa é preservada para que possa, na sequência (parte B), desenvolver-se por
meio do canto em conexão temática com o contracanto e centro, uma vez que os trombones
desenvolvem a função de centro.
Parte C: o trio do dobrado Avante Camaradas traz uma melodia vibrante em dinâmica forte,
em contraste com o que normalmente ocorre nessa seção, em relação aos padrões determinados
para o dobrado, como ocorre nos dobrados Batista de Melo, Dois Corações e Barão do Rio
Branco, onde o trio é um contraste melódico que conduz a uma mudança temática em dinâmica
suave.
No Avante Camaradas, os clarinetes e trombones estão arranjados de forma intercalada
em função de centro, o que proporciona à trompa conectar-se melodicamente com os
trombones, bombardinos e saxofones na função de canto nessa seção, explorando e acentuando,
dessa forma, as particularidades melódicas dos instrumentos graves no trio do dobrado.
Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Avante Camaradas
Outros subtítulos Dobrado 220; Brigada Ferreira; Regresso dos Atiradores Baianos
Ano da composição: Não identificado
Autor Antonino Manoel do Espírito Santo
Gênero Dobrado
Forma Intr. A ponte B A C A
Fonte usada SECULT - CE (2001).
Informações Performáticas
Nível 2
1 fl, 1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 tmp. Eb, 3 tpt., 3 tbn., 1 bomb. C, 1
Instrumentação
tb. Bb.
Canto Contracanto Centro Baixo
Funções instrumentais fl, cls, sxa.,sxt., sxt.,tpt., fl., cls., tmp.
tb. Bb.
tpt., tbn., bomb., bomb. Eb, tpt., tbn.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando) e que
o número de trompas existente na banda é reduzido a um ou dois
instrumentistas;
- a trompa em passagens f e ff são pontos de intensificações temáticas das
melodias em conjunto com os instrumentos de metais, portanto, deve-se ter
prudência no controle da intensidade sonora e na afinação;
Considerações técnicas - a função de centro existente dá-se em pontos onde o arranjo do dobrado
não realiza mudança de funções entre outros instrumentos, ou há o reforço
dessa função na adaptação para que o centro harmônico seja destacado na
obra;
- a execução da função de centro na parte A, caso haja dois trompistas,
poderá ser alterada entre os trompistas na repetição, a fim de evitar fadiga
muscular na repetição constante das células rítmicas.
Vozes instrumentais ajustáveis
cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tbn., bomb.
para trompa
Extensão da trompa Sib2 – Mib4
Fonte: manuscrito próprio (2021).
tinham vivido em cativeiro” (IBGE, 1948). Pedro Salgado, em 1891, então com um ano e meio
de idade, ficou órfão de pai, e motivada pelas dificuldades financeiras, sua mãe, em 1892,
mudou-se para Taubaté, em São Paulo.
Em 1896, já morando na cidade de Aparecida do Norte, iniciou seus primeiros contatos
com a música por meio das bandas de músicas locais. Em 1905, aos quinze anos de idade,
passou a integrar, como trombonista, a Corporação Musical de Aparecida, onde compôs sua
primeira obra musical, o dobrado Estrela do Norte. Durante a sua vida, acumulou cerca de 400
dobrados, o que lhe conferiu o cognome de “rei dos dobrados,” pela habilidade de compor um
dobrado em apenas três horas. Ademais, Pedro Salgado foi multi-instrumentista, regente e
compositor, e dentre os dobrados de sua autoria estão: Treze listras; Saudade de Monte Azul;
Salve o 80º Aniversário da Antárctica; Presidente General Médici; Saudade do Arrozal do
Piraí; e Dois Corações.
Em Dois Corações, série repertório de ouro das bandas de música do Brasil, editado
pela Funarte, salienta-se que Pedro Salgado, em 1920,
Dessa maneira, o dobrado Dois Corações foi concebido, diante de sua expressividade e
simplicidade, em uma melodia característica desse gênero. Por oportuno, sobreleva-se como
“um dobrado que se identifica com qualquer banda de música do interior do Brasil, uma das
melodias mais reconhecidas [...]” (DANTAS, 2015, p. 51).
É agraciado com título de hino das bandas de música, em razão de sua extensiva adesão
nos repertórios das bandas de música. Pedro Salgado faleceu aos 83 anos de idade, em
consequência de um acidente vascular cerebral, em 28 de setembro de 1973 (Disponível em:
https://dicionariompb.com.br/artista/pedro-salgado/. Acesso em: 15 fev. 2022).
55
In 1920, in financial straits, he put an advertisement in the newspaper, offering to composse music for bands. He
started to receive four or five requests each day; one of his usual customers, a resident of the city of Conceição
do Cerro (MG) by the name of João Carmo Souza, once gave him a gold pen. In thanks, Pedro Salgado composed
Dois corações; his master work was, thus dedicated to someone he scarcely knew (FUNARTE, 2008, p. 9).
101
A edição de estudo para esta pesquisa no dobrado Dois Corações foi vislumbrada para
instrumentação de bandas sinfônicas, e como mencionado, elas “não são essenciais a execução
da obra”. Essa concepção também considerou as possibilidades de escrita e performance da
trompa como sugestão para além da função de instrumento de centro-harmônico, como uma
adaptação que demonstre o potencial da trompa enquanto instrumento melódico. Os motes desta
pesquisa estão no estudo sobre as instrumentações características das bandas de músicas
tradicionais inseridas na edição da Funarte (2008).
O dobrado Dois Corações foi composto sobre a tonalidade de Ré menor na seção A e
ponte (comp. 63-84). Essa seção temática (ponte) desenvolve-se a partir da variação melódica
sobre os intervalos da introdução, dando uma nova característica sobre o tema inicial,
conectando a uma nova seção, qual seja o trio, enquanto na parte B e C (trio), modula-se para
a tonalidade de Fá maior, seguindo o modelo desse gênero, em que a modulação se dá para o
tom relativo maior quando o tom principal (inicial) estiver em tom menor.
Sua fórmula de compasso é binário simples (2/4), sem variação rítmica. Inicialmente,
ocorre sobre uma anacruse, o que evidencia a acentuação dos primeiros tempos dos compassos,
reforçada pelos sinais de articulações, como acento e staccato, dando à melodia a energia
necessária da marcialidade. Também estão presentes ao longo da obra sinais de articulações
como marcato (˄), tenuto (˗) e ligaduras de frases, prolongamentos e trinados.
Melodicamente, desenvolve-se sobre figuras rítmicas de colcheias e semínimas, sendo
a mínima a figura de maior valor e a semicolcheia de menor valor em uso, fazendo uso, ainda,
de quiálteras de semicolcheias. As quatro funções do dobrado na edição da Funarte (2008) estão
determinadas no Quadro 15.
Parte A: nesta seção (comp. 9 ao 42), a trompa está exercendo a função de centro, assim como
os trombones, havendo um instrumento por meio do qual a projeção sonora possibilita o
desempenho dessa função (centro) com maior destaque em números superior as trompas, como
os trombones. Recomenda-se inserir a trompa na função de canto em uníssono com as madeiras
em dinâmica piano ou forte para que a função de centro escrita para trompa não seja nula diante
da massa sonora da banda.
103
Parte B - trompa
Ponte: importante seção do dobrado Dois Corações, na qual Pedro Salgado escreve a ponte em
dezesseis compassos, com sinal de repetição em forma de variação temática da melodia da
introdução – o que é incomum para esta seção. Também é a seção de finalização do dobrado
após as repetições e os saltos com sinal de Coda.
Nesta seção, a instrumentação do arranjo evidencia os instrumentos graves de metais no
canto, como na introdução. A trompa ocupa a função de centro, com a flauta, a clarineta e os
trompetes. Logo, é plausível inserir a trompa na função de canto, uma vez que os referidos
instrumentos agudos ocupam a função de centro, e a trompa poderá intensificar a atmosfera da
104
Ponte - trompa
Parte C: do mesmo modo que a parte B, o trio é escrito de maneira equilibrada na distribuição
das funções entre os instrumentos, e a trompa, simultaneamente com clarinetes e bombardino,
exerce a função de canto nos dezesseis primeiros compassos do trio (compassos 84 – 99),
enquanto trombones e saxofones ocupam a função de centro. Em seguida, a trompa passa para
a função de centro (compassos 100 – 115), como suporte aos trombones. Essa permuta de
funções possibilita aos instrumentos da banda uma exploração mais adequada das
possibilidades de escrita e performance no dobrado.
Não obstante, cabe sublinhar que a função de contracanto, por vezes, é exercida somente
por um ou dois instrumentos, como o saxofone tenor e bombardino. No dobrado Dois Corações,
o trio esses instrumentos está na função de canto, havendo pouca variação em forma de floreio,
com quiálteras de semicolcheias, enquanto os trompetes exercem essa função de contracanto
em forma de cornetadas.
A opção de inserir a trompa na função de contracanto deve ensejar prudência nesse uso,
uma vez que normalmente, os contracantos são linhas melódicas que exigem maior agilidade
fraseológica, e devido aos aspectos idiomáticos da trompa (extensão e projeção sonora),
eventualmente, o uso na função de contracanto não é recomendado para a execução em marcha.
Sobre os aspectos idiomáticos da trompa, em referência ao quadro 10, é identificado na
melodia o uso das notas sol2 e lá2 na trompa (compasso 96), em uníssono com clarinetes e
bombardino. O uso dessas notas pode exercer apenas reforço temático e não ter a projeção
necessária, o que na execução em marcha pode perder o brilho e a estabilidade sonora com
esses instrumentos
Como opção alternativa nessa passagem, pode-se realizar a substituição do sol2 pela
sétima (fá3) do acorde, seguida pela nota de passagem ré3, que também faz parte do acordo
presente na função de centro nos trombones, em substituição ao lá2 (Figura 28), permitindo ao
105
trompista um controle sobre a sonoridade e afinação, em uma extensão apropriada para o uso e
a escrita para trompa no dobrado.
Trio - trompa
Compassos 94 – 99
Ficha Técnica
Informações Catalográficas
Título(s) Dois Corações
Outros subtítulos ----
Ano da composição: 1920
Autor Pedro da Cruz Salgado
Gênero Dobrado
Forma Intr. A B A ponte (seção temática) C A ponte (seção temática)
Fonte usada Funarte (2008)
Informações Performáticas
Nível 2
Instrumentação 1 fl, 1 cl. Eb, 3 cl. Bb, 1 sxa., 1 sxt., 3 tmp. F, 3 tpt., 3 tbn., 1 bomb. C, 1 tb.
Canto Contracanto Centro Baixo
fl., cls., sxa.,
Funções instrumentais fl, cls, sxa.,sxt., tpt., fl., sxt.,tpt., sxt., tmp. Eb,
tb.
tbn., bomb., bomb. tpt., tbn.,
bomb.
- Parte para performance em concerto ou deslocamento (marchando), em que o
número de trompas existente na banda é reduzido a um ou dois instrumentistas;
- a trompa em passagens f e ff são pontos de intensificações temáticas das
Considerações técnicas
melodias, em conjunto com os instrumentos de metais;
- a função de centro existente é do arranjo original (FUNARTE, 2008), logo, estão
em pontos onde essa função cumpre o papel necessário de condução harmônica.
Vozes instrumentais
cl. Bb, sxa., sxt., tpt., tbn., bomb.
ajustáveis para trompa
Extensão da trompa Lá2 – Mi4
Fonte: manuscrito próprio (2021).
106
56
Dobrado Barão do Rio Branco. Disponível em: https://discografiabrasileira.com.br/composicao/1363/barao-do-
rio-branco. Acesso em: 20 fev. 2022.
107
(1845-1912), “o estadista que mais tempo exerceu o cargo de Ministro do Exterior, servindo a
quatro governos da República ininterruptamente” (HAICKEL, 2007, p. 10).
José Maria recebeu, em 1888, o título de Barão do Rio Branco, diplomata brasileiro
reconhecido pela resolução das questões das fronteiras do Brasil por meio de importantes
tratados, como o de “1904, com o Equador; em 1907, com a Colômbia; em 1904 e 1909, com
o Peru; em 1909 assinou tratado do condomínio da Lagoa-Mirim com o Uruguai; em 1910, com
a Argentina,”57 e o tratado de Petrópolis, por meio do qual a Bolívia reconheceu a
independência do Acre – evento que lhe rendeu a homenagem de levar seu nome à capital do
Acre, Rio Branco.
Francisco Braga faleceu aos 76 anos de idade, em 14 de março de 1945, deixando
contribuições meritórias para a música brasileira, por intermédio de suas músicas e seus feitos.
Em destaque estão a inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909, ocasião
em que dirigiu sua obra Insônia; e em 1907, foi fundador e primeiro presidente do Centro
Musical (Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro). Segundo Heitor (1950, p. 242),
Francisco Braga “era o patriarca da nossa música. Um Mestre que não formou escolas, mas que
era o Mestre confessado de quase todos os nossos compositores”.
57
Em Academia Brasileira de Letras. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/barao-do-rio-
branco-jose-maria-da-silva-paranhos/biografia. Acesso em: 18 fev. 2022.
58
“É o agrupamento mais completo da fraseologia, correspondendo, muitas vezes, a uma parte da estrutura
morfológica”, que são partes de uma seção que se relacionam com as frases “antecedentes” e “consequente”
formando um todo (SCLIAR, 2008, p. 45).
SCLIAR, Esther. Fraseologia musical. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 2008.
108
de quinze compassos, com a reexposição em sequência dos dois primeiros períodos uma oitava
acima.
O dobrado Barão do Rio Branco resulta na forma ABCDCAB, em que a seção B nesse
dobrado é representada em apenas cinco compassos como uma ponte. Uma curta transição de
seções que recapitula a ideia temática da introdução como reflexos da escrita linear de Francisco
Braga.
Sua instrumentação na edição Funarte (2008), além dos instrumentos tradicionais de
banda de música já citados, inclui uma flauta piccolo que desenvolve uma importante função
de destaque das melodias existentes no canto e contracanto, bem como uma curta e exitosa
contribuição na função de centro (compassos 21 – 28), facultando à obra maior brilho e destaque
em ocasiões em que os instrumentos agudos evidenciam as melodias.
Nos contracantos, usados em forma de arpejos em seções contrastantes, como nos
compassos 72 – 87, Francisco Braga ressalta as variações melódicas com o uso de figuras
rítmicas mais aceleradas de semicolcheias e quiálteras no canto. Os usos dos sinais de
articulações de acento e staccato e de dinâmicas, cresc., p, mf, f, e ff, expressam a dinamicidade
melódica que ritmicamente se apresentam simples, com usos de semínimas e colcheias
(compassos 5 – 36) sem grandes saltos intervalares.
O dobrado Barão do Rio Branco, ainda que escrito sob novas perspectivas, como o uso
de modulações pouco usuais, como F maior - Si bemol maior - Ré bemol maior e retornando
para o tom de origem (Fá maior), e uso de variação temática em poucas sessões, preserva um
centro temático inicial, levando a esperar uma instrumentação equilibrada entre as quatro
funções do dobrado. No entanto, Francisco Braga é envolvido pelas forças da tradição do gênero
dobrado, e conclui com o não rompimento com a determinação das funções a instrumentos
predeterminados a essas funções, a exemplo do uso da trompa somente na função de centro.
As quatro funções no dobrado Barão do Rio Branco são concebidas no Quadro 16.
109
Introdução: o dobrado Barão do Rio Branco inicia-se com uma curta introdução de quatro
compassos bem elaborada, de forma ascendente e descendente por graus conjuntos anunciando
a seção temática que se segue, ou seja, a parte A. Ao término dessa seção (compassos 37 – 42),
é igualmente recapitulada, com uso de apojaturas sucessivas que dão ênfases conclusivas ao
fim da frase, como uma ponte (nesse dobrado será classificado como B) para o Trio e Coda
final da obra, após reexposição de A.
Ponte – trompa
Compassos 37 – 41
Essas duas frases são os únicos momentos nos quais o dobrado Barão do Rio Branco
insere a trompa em um tutti melódico com os demais instrumentos da banda, assinalando para
o uso desse instrumento na função de canto. Ao usar a trompa em dinâmica forte, em uníssono
melódico e com o uso de ornamentos, a escrita e performance da trompa desvinculam-se dos
estigmas de uso exclusivo da trompa na função de centro, inserindo-a em uma atuação natural
dos instrumentos melódicos e não de instrumentos harmônicos, como incorporada no gênero
dobrado.
Em razão de o processo melódico valorizar a performance da trompa em conjunto com
os demais instrumentos, sem provocar algum desequilíbrio técnico da obra, dentro das
110
Parte A: nessa seção, o tema inicial do dobrado é interpretado pelos saxofones, trompetes e
trombones, repetindo a instrumentação da introdução. As trompas e clarinetes são incorporados
na função de centro nos oitos compassos iniciais de A, repetida e duplicada com as flautas logo
após a recapitulação de A (compassos 21 – 27).
Segundo a proposta desse trabalho de incorporação da trompa na função de canto, o
tema inicial na primeira exposição e repetição desse período, permite-se inserir a trompa em
forma de intensificação melódica do dobrado, sem perder a função de centro presente nos
instrumentos agudos, como clarinetes e flautas.
Ao propor o uso dessa melodia escrita sobre uma extensão entre Mi3 – Dó4 e com pouca
movimentação rítmica, possibilita-se para performance da trompa o controle da projeção sonora
e articulação associada a uma afinação estável na execução em marcha com os demais
instrumentos de metais da banda.
Figura 31 – Trio
Trio – trompa
Compassos 42 – 46
Reexposição de C – trompa
Compassos 86 – 92
Reexposição de C – trompa
Compassos 103 – 109
Por fim, chega-se à Coda final da pesquisa, após a apresentação dos temas e suas
reexposições, seguindo o modelo A-B-ponte-C-A da forma dobrado. Dessa forma, após uma
intensa pesquisa bibliográfica sobre o tema “trompa e dobrado”, que guiou este estudo,
constata-se que esse objeto ainda exige pesquisas que aprofundem essa temática, a fim de
locupletar essa área, tendo em vista que o estudo das práticas da trompa no universo dos
dobrados ainda se encontra surgente, enquanto o gênero permanece em constante disseminação
nos repertórios das bandas de música, seja em uso didático ou em performance.
O estudo da técnica da trompa e de sua literatura em contextos e práticas da música
orquestral desenvolveu-se em paralelo ao desenvolvimento técnico-performático nos quais a
trompa de caça chegou até a contemporaneidade como trompa dupla F/Bb. A evolução
tecnológica proporcionou novas matérias-primas na construção desses instrumentos modernos,
fazendo com que os compositores e intérpretes explorassem novas formas e possibilidades
sonoras na composição e performance em suas obras.
De forma concomitante nas bandas de música, as marchas e os dobrados não
modificaram a sua essência, preservando estruturas e padrões de escrita, o que se tornou
determinante para a preeminência de determinados instrumentos sobre outros, como a
substituição dos saxhorn barítono em Bb pelos bombardinos, e os saxhorns alto em Eb pelas
trompas, de modo a transferir a esses instrumentos suas respectivas atribuições nesse gênero,
sem considerar suas reais possibilidades de performance.
A força da tradição cultural existente nesse cenário de banda de música, compreendida
a partir dos relatos dos mestres de bandas pesquisados, são fatores consideráveis para a
representação e conservação dos padrões de composições dos dobrados, permanecendo
inalterado em relação à divisão e determinação de suas funções de canto, contracanto, centro e
baixo.
Apesar de iniciativas como as da Secult-CE (1999 a 2014), de Funarte (2008) e de
Dantas (2015) em propor novos arranjos e instrumentações, a trompa ainda se mantém inserida
exclusivamente na função de centro no dobrado. E mesmo que o mundo contemporâneo se
mostre com novas demandas sociais e culturais, como as necessidades enfrentadas pelos
mestres de banda de elaborar seus próprios arranjos e suas adaptações, representando as
configurações instrumentais de seu grupo, na música de banda, em especial no dobrado, ainda
se preservam os traços de suas origens.
115
trompa e do trompista no principal gênero de identificação das bandas de música, qual seja o
dobrado, permitindo, de forma síncrona ao dobrado, uma práxis variada de suas funções
instrumentais, fomentando o estudo e a disseminação desse patrimônio histórico e cultural
brasileiro.
117
REFERÊNCIAS
ADLER, Samuel. El estudio de la orquestración. Tr. Jaime Mauricio Fatás Cabeza, Luis
María Fatás Cabeza. Barcelona: Idea Musica, 2006.
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Nome completo:
Data de nascimento:
Banda de atuação:
Tempo de atuação como mestre de banda:
Qual o seu principal instrumento de atuação?
1. A sua banda inclui TROMPA na formação? Sim ( ) Não ( )
Se sim, quantas?
Se não, por quê?
5. Em sua opinião, quais são os aspectos mais relevantes na “escrita” para trompa e/ou saxhorn
no gênero dobrado?
125
6. Em sua análise, quais motivos levaram à padronização da escrita para o saxhorn no dobrado?
8. Você acredita que seria possível distribuir as linhas rítmicas do saxhorn por outros
instrumentos para que a trompa tivesse papel equivalente ao de outros instrumentos na banda?
9. A trompa tem substituído o saxhorn em muitas bandas de música. Qual a sua opinião em
relação a essa situação?
10. Em sua análise, qual é função ou papel principal da trompa moderna na banda de música?
126
Carta de Agradecimento
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Avelange Amorim Lima
127
Termo de Consentimento
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