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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, LETRAS E ARTES


COORDENAÇÃO DO CURSO DE MÚSICA

ELIEL BERGUE VALENTE

MÚSICA INDÍGENA PARA FLAUTA DOCE: POSSIBILIDADES DIDÁTICAS COM


MUSICALIDADES DE QUATRO ESTILOS RORAIMENSES

Boa Vista, RR
2022
ELIEL BERGUE VALENTE

MÚSICA INDÍGENA PARA FLAUTA DOCE: POSSIBILIDADES DIDÁTICAS COM


MUSICALIDADES DE QUATRO ESTILOS RORAIMENSES

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em


Música da Universidade Federal de Roraima, como
requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado
em Música.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala


Norberto.

Boa Vista, RR
2022
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima

V154m Valente, Eliel Bergue.


Música indígena para flauta doce: possibilidades didáticas com
musicalidades de quatro estilos roraimenses / Eliel Bergue Valente. – Boa
Vista, 2022.
64 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala Norberto.

Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima,


Departamento do Curso de Música.

1 – Musicalidades indígenas roraimenses. 2 – Possibilidades didáticas.


3 – Flauta doce. 4 – Educação musical. 5 – Etnomusicologia. I – Título.
II – Norberto, Rafael Branquinho Abdala (orientador).

CDU – 78.021(=1-82)

Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista:


Mariede Pimentel e Couto Diogo - CRB-11-354 - AM
ELIEL BERGUE VALENTE

MÚSICA INDÍGENA PARA FLAUTA DOCE: POSSIBILIDADES DIDÁTICAS COM


MUSICALIDADES DE QUATRO ESTILOS RORAIMENSES

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura


em Música da Universidade Federal de Roraima,
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Música. Defendida em 16 de
dezembro de 2022, avaliada e aprovada, com nota
dez (10,0), pela seguinte banca examinadora:

_________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador/Curso de Licenciatura em Música - UFRR

_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Katiusca Lamara dos Santos Barbosa
Curso de Licenciatura em Música - UFRR

_________________________________________________________
Prof. Me. Áquilas Torres de Oliveira
Curso de Licenciatura em Música - UFRR
AGRADECIMENTOS

À minha companheira Leidiana Azevedo de Albuquerque, pessoa da mais alta


qualidade, a quem devo gratidão por me incentivar a estudar, esquecendo até de si muitas vezes,
em meio aos obstáculos da vida.
Ao professor Áquilas Torres de Oliveira, pessoa incrível e humilde que me orientou
durante momentos difíceis e não me deixou desistir do meu objetivo de concluir essa magnífica
fase da minha educação.
Ao Professor Rafael Branquinho Abdala Norberto, por seus esforços sem medida para
meu retorno ao curso, e nos maiores momentos de conflitos pessoais proporcionou o caminho
para continuar a pesquisa e realizar esta monografia, para isto, orientou-me fora de seus horários
oficiais de trabalho.
À professora Lavina Pereira Xavier e ao professor Marcílio Curicaca Leal, por cederem
suas histórias de vida e de seu povo, seus anseios para o futuro da música e da sua cultura de
forma geral.
À Universidade Federal de Roraima por manter uma estrutura de qualidade em nosso
estado, utilizando os recursos da sociedade para desenvolver a Educação, a Pesquisa e a
Extensão em suas vertentes mais verdadeiras da ciência que conhecemos.
RESUMO

O objetivo desta pesquisa é apresentar possibilidades didáticas como alternativas para o ensino
da prática musical coletiva do instrumento flauta doce a partir da transcrição, adaptação e
composição de arranjos inspirados em músicas indígenas transcritas de fontes orais. Dessa
forma, o universo foi voltado ao olhar e à escuta da música indígena de Roraima, mais
especificamente de quatro estilos musicais presentes no estado, o Areruia, o Parixara, o Takui
e o Marapá. Quanto à metodologia, a pesquisa trabalhou com abordagens qualitativas inspiradas
no método da etnografia por meio da realização de entrevistas abertas com a professora e o
professor indígenas da etnia Macuxi, Lavina Pereira Xavier e Marcílio Curicaca, bem como das
experiências intersubjetivas enquanto professor de música entre indígenas da mesma etnia nas
comunidades Campo Alegre e Vista Alegre entre os anos de 2009 e 2011. Além disso, a
pesquisa bibliográfica e o referencial teórico nos campos da Etnomusicologia, da Antropologia
e da Educação Musical foram determinantes para a construção das bases conceituais desta
monografia. As histórias de vida cedidas por meus colaboradores e seus anseios para a educação
reforçam a justificativa desta pesquisa. Pretendo, também, homenagear as culturas indígenas de
Roraima observando seus aspectos gerais em diálogo com as pesquisas musicológicas de Devair
Antonio Fiorotti e Terêncio Luiz Silva (2018), uma vez que o autor reconhece que a obra
musical indígena é composta por um universo imenso de características e possibilidades. Ainda,
apresento os quatro estilos em questão com a finalidade de compreendê-los por intermédio da
ampliação de seus aspectos históricos e musicais, embasado, para além das entrevistas e das
pesquisas de Fiorotti e Silva, nas reflexões etnomusicológicas de Tiago de Oliveira Pinto
(2001); de Bastião (2012), com a prática coletiva de instrumentos; de Noara de Oliveira
Paoliello (2007), com a dupla função da flauta doce; e de Paul Zumthor (1997), com a poesia
oral e seu potencial de transmissão. Por fim, publicizo algumas partituras contendo
composições e arranjos - de minha autoria - para flauta doce e percussão, com o objetivo de
contribuir para a educação musical local/regional mediante o diálogo com as musicalidades
indígenas e de fomentar a prática musical indígena dentro e fora da sala de aula, ampliando sua
disseminação para fora do ambiente das comunidades. Como contribuições desta pesquisa,
espero que este seja um referencial inicial para o desenvolvimento de atividades didáticas e
musicais no contexto da Educação Musical Infantil e da prática musical em conjunto a partir de
obras inspiradas em musicalidades indígenas do estado de Roraima.

Palavras-chave: Musicalidades indígenas roraimenses. Possibilidades didáticas. Flauta doce.


Educação Musical. Etnomusicologia.
ABSTRACT

The objective of this research is to present teaching possibilities as alternatives for teaching the
collective musical practice of the recorder flute based on the transcription, adaptation, and
composition of arrangements inspired by indigenous music transcribed from oral sources. In
this way, the research universe was focused on looking at and listening to the indigenous music
of Roraima, more specifically to four musical styles present in the state, Areruia, Parixara,
Takui, and Marapá. As for the methodology, the research worked with qualitative approaches
inspired by the ethnography method through open interviews with two teachers of the Macuxi
ethnic group, Lavina Pereira Xavier and Marcílio Curicaca, as well as the intersubjective
experiences of the researcher as a music teacher among indigenous people of the same ethnic
group at Campo Alegre and Vista Alegre communities between 2009 and 2011. In addition, the
bibliographical research, and the theoretical framework in the fields of Ethnomusicology,
Anthropology, and Music Education were decisive for the construction of the conceptual bases
of this monograph. The life stories provided by my collaborators and their craves for education
reinforce the reason of this research. I also intend to honor the indigenous cultures of Roraima
by observing their general aspects in dialogue with Devair Antônio Fiorotti e Terêncio Luiz
Silva (2018) musicological research, since the author recognizes that the indigenous musical
work is composed of an immense universe of characteristics and possibilities. Furthermore, I
present the four styles in order to understand them through the expansion of their historical and
musical aspects, based, in addition to Fiorotti e Silva interviews and research, on the
ethnomusicological reflections of Tiago de Oliveira Pinto (2001); by Bastião (2012), with the
collective practice of musical instruments; by Noara de Oliveira Paoliello (2007), with the
double function of the recorder flute; and Paul Zumthor (1997), with oral poetry and its
transmission potential. Finally, I publish some scores containing compositions and
arrangements - of my authorship - for recorder flute and percussion, with the aim of contributing
to local/regional music education through dialogue with indigenous musicalities and to foster
indigenous musical practice inside and outside from the classroom, expanding its dissemination
outside the community environment. As contributions of this research, I hope that this is an
initial reference for the development of teaching and musical activities in the context of Early
Childhood Music Education and of musical practice in general inspired by indigenous
musicalities from the Roraima state.

Keywords: Roraima indigenous musicalities. Teaching possibilities. Recorder flute. Music


Education. Ethnomusicology.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa demonstrando as duas localidades para situar-nos ao contexto geográfico. 19


Figura 2 – Mapa da região da tríplice fronteira – Brasil, Venezuela e Guiana. ...................... 22
Figura 3 – Partitura, Areruia 01............................................................................................... 28
Figura 4 – Exemplo de intervalo para entender a oitava. ........................................................ 29
Figura 5 – Partitura, Areruia 02, acompanhamento de tambor. .............................................. 29
Figura 6 – Partitura, Parixara 01, acompanhamento de chocalho. .......................................... 30
Figura 7 – Partitura, Parixara 02, acompanhamento de chocalho. .......................................... 31
Figura 8 – Partitura, Tukui 01, acompanhamento de tambor. ................................................. 31
Figura 9 – Partitura, Tukui 02, acompanhamento de tambor. ................................................. 32
Figura 10 – Partitura, Tukui 02, parte final, acompanhamento de tambor. ............................. 32
Figura 11 – Partitura, Marapá 01, acompanhamento de tambor. ............................................ 33
Figura 12 – Partitura, Marapá 02, acompanhamento de tambor. ............................................ 33
Figura 13, folha 1 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara. .................................. 38
Figura 14, folha 2 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara. .................................. 39
Figura 15, folha 3 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara. .................................. 40
Figura 16 – Partitura, arranjo inspirado no Parixara – Voz para flauta transcrita na íntegra. . 41
Figura 17 – Partitura, arranjo inspirado no Marapá 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.42
Figura 18, folha 1 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na
íntegra. ...................................................................................................................................... 43
Figura 19, folha 2 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na
íntegra. ...................................................................................................................................... 44
Figura 20 – Partitura, arranjo inspirado no Areruia 5 – Voz para flauta, e chocalho,
transcritos na íntegra................................................................................................................. 45
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 REFLEXÃO SOBRE A MÚSICA INDÍGENA EM RORAIMA E SOBRE OS
SIGNIFICADOS DO TERMO “MÚSICA” ........................................................................ 14
1.1 DIÁLOGO ENTRE AS ÁREAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL E ANTROPOLOGIA ... 16

2 OS QUATRO CANTOS: UM EXERCÍCIO DE COMPREENSÃO DAS


MUSICALIDADES INDÍGENAS DE RORAIMA ............................................................. 18
3 MUSICALIDADES INDÍGENAS E SEUS ENLACES COM A EDUCAÇÃO
MUSICAL: ANÁLISE DOS ESTILOS PROPOSTOS....................................................... 27
3.1 A PRÁTICA MUSICAL COLETIVA E SUAS POSSIBILIDADES ............................... 27
3.2 ANÁLISE DAS PARTITURAS DOS QUATRO ESTILOS ............................................. 28

4 PARTITURAS COM ARRANJOS E RELEITURAS DE MELODIAS INDÍGENAS:


POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL COLETIVA .............................. 37
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 46
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 48
APÊNDICE A – ENTREVISTAS ABERTAS TRANSCRITAS........................................ 50
APÊNDICE B - MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO ..................................................................................................................... 62
APÊNDICE C – FOTOGRAFIA COM OS PARTICIPANTES ....................................... 66
10

INTRODUÇÃO

A ideia inicial de produzir um material didático a partir de músicas indígenas locais teve
início entre os anos de 2009 e 2011, quando atuei como professor de música nas comunidades
indígenas Campo Alegre e Vista Alegre, com jovens indígenas, por meio do Projeto Cantos da
Terra, promovido pela Prefeitura de Boa Vista, capital do estado de Roraima, que tinha como
objetivo a valorização das tradições e da cultura indígena por intermédio de oficinas de música
em Campo Alegre, Vista Alegre, Ilha, Serra da Moça e Morcego, onde se destacou o canto coral
em Campo Alegre por ser o local mais acessível.
Campo Alegre é uma comunidade indígena situada na região rural de Boa Vista. Nessa
comunidade havia, na época, um núcleo do projeto com atividade de canto coral chamado Coral
Esserenk´á, que significa “Cantar”, originado da língua Macuxi.
As atividades contribuíam para o processo de reinserção ao repertório de sua cultura,
sendo que a presença de uma professora de língua indígena foi fundamental para que as crianças
aprendessem as pronúncias nessas atividades de canto coletivo.
A partir dessa iniciativa, a prática da língua entre as crianças cresceu e as aulas de
Macuxi ofertadas pela escola regular indígena em Campo Alegre passaram a ser mais
valorizadas. Uma atitude multiplicadora que despertou em alguns alunos o ensino da língua
materna atualmente como profissão.
Vários profissionais atuavam no projeto; participavam cantores populares, músicos
instrumentistas, artesãs indígenas voluntárias e servidores da Prefeitura do Município de Boa
Vista. Eles se dividiam em atividades de logística, oficinas de música e coordenação do serviço
artesanal das vestimentas tradicionais da etnia Macuxi. Essas ações despertaram, junto aos
indígenas, o gosto por suas práticas quase esquecidas.
Convém destacar o papel de “valorização e resgate” - como os próprios colaboradores
desta pesquisa ressaltaram em diversas oportunidades - dessas práticas culturais quanto às
atividades musicais, à língua e ao artesanato. Elas são ferramentas fundamentais de reinserção
das crianças às suas musicalidades, objeto desta pesquisa, que apesar da ausência de políticas
públicas voltadas para esse fim, atualmente, ainda resistem, e possuem um núcleo musical
coordenado pelo professor Marcílio Curicaca Leal, onde é realizada a oficina coletiva de flauta
doce e a performance com as composições da professora Lavina, além de alguns cantos
herdados de seus antepassados e apreendidos durante os anos do Coral Esserenk´a.
11

Dito isso, o presente trabalho dedica-se a elaborar uma proposta de arranjos para flauta
doce com a inserção de música instrumental na Educação Básica, indígena e não indígena, uma
vez em que a educação multicultural é uma realidade em nossa região, visando despertar nas
crianças o interesse nas suas musicalidades tradicionais e na criatividade em ambiente escolar,
podendo, eles mesmos, posteriormente, criarem suas próprias leituras e releituras musicais dos
estilos roraimenses.
A divulgação das musicalidades indígenas será disposta por meio da edição de melodias
tradicionais de Roraima produzindo um material didático sucinto com releitura de melodias
publicadas voltadas para a performance com flautas doces e percussão, com a possibilidade de
serem aplicadas em ambiente escolar ou em outros ambientes musicais.
O processo de construção metodológica deste trabalho envolveu pesquisa bibliográfica
primária, por conter coleta in loco, secundária, por constarem em outras fontes impressas e
digitais (CERVO, 2007, p. 80). Os materiais coletados passaram por uma edição e foram
organizados ao longo do quarto capítulo.
Ainda sobre as abordagens qualitativas, Marília Stein aponta alguns benefícios sobre o
processo de construção etnográfico como fundamental para o desenvolvimento da coletividade,
sendo que, apesar de despontar dentre um grupo uma pessoa com mais facilidade para a música,
ainda assim para que ocorram desenvolvimentos musicais, são necessários os apoios do grupo
inteiro nesse processo (STEIN, 2009, p. 219).
Por conseguinte, busca-se contribuir na reinserção das práticas musicais tradicionais do
cotidiano da comunidade escolar e da comunidade indígena para o desenvolvimento da prática
instrumental como uma fonte de despertamento do conhecimento de melodias da cultura
indígena de nossa região, pois é de conhecimento público que há poucos professores de língua
materna para suprir essa lacuna em nossa sociedade e nas diversas regiões habitadas pelas
populações originárias, como afirma o indígena participante da pesquisa nos apêndices.
Portanto, é de fundamental importância uma atividade musical étnica para a cultura
local, pois as práticas musicais da comunidade indígena Campo Alegre não se restringem à
música indígena.
A partir dos relatos dos colaboradores, entrei em contato com uma especificidade da
realidade local em que me inseri, a de que existem poucos indígenas que ensinam a sua cultura
aos seus filhos, e segundo eles, isso decorre das trocas culturais, como a cultura do forró, do
xote, a internet, a chegada de migrantes e a intervenção da igreja.
Ainda assim, existe reconhecidamente dois compositores de música indígena na
comunidade Campo Alegre. Apesar de os participantes desta pesquisa apontarem para a
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presença de outros, não se nota uma predisposição para a saída do anonimato dentro de sua
própria comunidade, e o único grupo instrumental existente na comunidade onde realizamos a
pesquisa é um grupo de flauta doce que faz parte de atividade extracurricular na escola.
Essas observações visam responder algumas perguntas que surgiram durante o processo
de elaboração do projeto de pesquisa desta monografia e foram esclarecidas por meio das
entrevistas com a professora Lavina e o Professor Marcílio, fazendo-nos refletir sobre estas
questões: Quais os benefícios produzidos pela inserção de melodias tradicionais por intermédio
de atividades de prática de conjunto? Como essa prática pode contribuir no desenvolvimento
cultural de crianças e adolescentes indígenas? Qual a importância de uma atividade musical
étnica para a cultura local? As práticas musicais da comunidade indígena Campo Alegre se
restringem à música indígena? Qual o estado atual da composição musical indígena em Campo
Alegre? Quem são os compositores e as compositoras indígenas? Há na comunidade algum
grupo instrumental?
As relações entre música indígena e educação musical são tratadas de acordo com o
cenário antropológico de Oliveira Pinto (2001) em sua obra Som e Música: questões de uma
antropologia sonora, para reforçar a relação da música indígena com o ensino musical.
A escolha da instrumentação melódica para os arranjos de flauta doce se deu com base
na dupla função historicamente reconhecida, ou seja, função artística e de educação musical,
conforme defendida por Paoliello (2007, p.3).
Voltando o olhar para o procedimento metodológico entre mim e os participantes,
ressalto que a experiência de campo vivida entre os anos de 2009 e 2011 foi primordial para
nos conhecermos e percebermos as compatibilidades e expectativas para a Educação Musical.
Tínhamos objetivos semelhantes, os colaboradores acompanharam a trajetória positiva de
atividades musicais viáveis para o desenvolvimento cultural, gerando uma confiança mútua
entre a professora Lavina Pereira Xavier, o professor Marcílio Curicaca Leal e os participantes
do projeto Cantos da Terra.
Sobre o modelo de entrevistas abertas, adotado nesta pesquisa, Beaud; Weber (2014, p.
129) afirmam que: “[...] um lugar apropriado e um horário compatível com as limitações das
duas partes. Não despreze essas questões materiais, pois condicionam a possibilidade de realizar
uma entrevista aprofundada [...]”, nesse caso, tudo deve ser levado em consideração respeitando
o tempo e as condições que envolvem a aceitação das partes entrevistadas.
Essa forma de ver a entrevista aberta pode se dar pela liberdade dada ao entrevistado no
momento da conversa, e apesar de os dados serem mais difíceis de interpretar, é importante
para que o entrevistado possa escolher o que falar e sentir-se à vontade para se expressar, como
13

segue: “[...] resposta livre, não-limitada por alternativas apresentadas, o pesquisado fala ou
escreve livremente sobre o tema que lhe é proposto. A análise das respostas é mais difícil”
(GOLDENBERG, 2004, p. 86).
Os riscos ambientados por Goldenberg, no caso desta pesquisa, foram minimizados pela
confiança mútua construída ao longo dos anos com os colaboradores, uma vez em que os
próprios alegaram: “professor, o senhor sabe que se fossem outras pessoas da comunidade, ia
ser difícil o senhor conseguir essas informações, né, porque não é qualquer pessoa que a gente
conhece e fala sobre nossas coisas”, e acerca disso é evidente que o entrevistado pode não
querer revelar alguma informação.

Um dos principais problemas das entrevistas e questionários é detectar o grau de


veracidade dos depoimentos. Trabalhando com estes instrumentos de pesquisa é bom
lembrar que lidamos com o que o indivíduo deseja revelar, o que deseja ocultar e a
imagem que quer projetar de si mesmo e de outros. A personalidade e as atitudes do
pesquisador também interferem no tipo de respostas que ele consegue de seus
entrevistados (GOLDENBERG, 2004, p. 86).

Quanto à abordagem, a presente pesquisa é de ordem qualitativa, pois os dados coletados


não são baseados estritamente em números.

Nas pesquisas qualitativas há uma predominância de classificações, de análises mais


dissertativas, de menos cálculos. De qualquer forma, como sempre haverá explicações
sobre fenômenos, cálculos e resultados quantitativos, as pesquisas têm em si os dois
métodos. A classificação é, em alguns casos, sutil, mas na maioria das vezes se
distingue pela predominância de técnicas analíticas quantitativas ou qualitativas,
balizadas pelo próprio fenômeno estudado (FORTE, 2004, p. 9).

Este trabalho está estruturado em quatro capítulos onde trago definições sobre o termo
“música” pelos indígenas participantes, criando diálogos que ligam a Educação Musical à
Antropologia, à importância de um material didático e às razões de se manterem as
características fundamentais dos estilos musicais escolhidos.
Com o propósito de situar o leitor geograficamente, são apresentados esclarecimentos
sobre a região da comunidade assistida e a principal localidade de onde surgiram os estilos
musicais abordados nesta pesquisa.
Na sequência, faço uma ligação entre musicalidades indígenas e educação musical e a
importância de se fazer mais música em sala de aula, as possibilidades da prática musical
coletiva, seguida de uma análise das partituras produzidas por Devair Antônio Fiorotti e
Terêncio Luiz Silva com a finalidade de trazer ao leitor as características fundamentais dos
cantos para, em seguida, apresentar os arranjos criados sem prejuízo à sua essência.
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1 REFLEXÃO SOBRE A MÚSICA INDÍGENA EM RORAIMA E SOBRE OS


SIGNIFICADOS DO TERMO “MÚSICA”

Inicialmente, para aprofundar o contexto das musicalidades indígenas de Roraima se faz


necessária uma breve reflexão sobre o significado do termo “música” por diferentes culturas;
inclusive, vale ressaltar que muitas etnias não têm palavra semelhante em suas línguas
maternas, e a tradução é inerte de significado, como observamos nas palavras de Lavina (2022):
“[...] porque se eu for procurar a palavra em português, eu vou procurar a palavra aproximada
porque não tem vocabulário pra aquilo ali [...]”. Reforça ainda, que ao contemplarmos as
manifestações culturais indígenas, estamos vendo apenas o resultado do que o indígena recebeu
das divindades, não a música em si, apontando para o simbolismo e a tradução dos ritos.
A música de Roraima possui características próprias que nos impedem de defini-la de
acordo com os padrões formais da música ocidental. Nessa busca recorri às fontes históricas de
transmissão oral, pois, mesmo quando não havia a escrita, ainda se podia fazer música e, dessa
forma, um conhecimento passa de geração a geração, até chegar ao nosso tempo no processo
de comunicação por meio da oralidade, da qual nossa sociedade é dependente na sua
manutenção histórica como sociedade, como afirma Zumthor (1997, p.10), não podendo
subsistir sem ela.
Embora se reconheça que os meios de transmissão estão normalmente ligados a uma
malha infinda de especificidades culturais, buscamos aliar essa forma de fazer música indígena
em Roraima às formas descritas por autores da música e da etnologia, sem deixar de expor uma
definição clara e sistemática de uma indígena Macuxi:

Há muito tempo, os sábios da tribo macuxi foram ao céu com Makunaima, e


aprenderam os sons das músicas que cantamos. Makunaima disse que todas as
músicas seriam... sonhadas e cantadas por eles, e hoje, seguindo os seus passos,
continuamos a sonhar e a acordar cantando [...] quando eu olhei na montanha, o vento
soando na montanha, ele fez com que eu inspirasse duma letra duma música, então
pra mim, é... tudo é música, por que, a partir do momento em que você faz som ou
está em silêncio, você ouve a música, o barulho do vento faz com que você tá ouvindo
uma música, mas em silêncio. Quando eu viajo, fora da comunidade, quando eu vou
viajar, levo meu caderno, levo meu gravador, muitas vezes vem um som, só um
pedacinho, o vento me dá aquele som, eu gravo a melodia, não a letra, e a partir daí
eu faço a letra da música. Música indígena, é uma coisa que não é inventada, é uma
vocação, a pessoa nasce e a pessoa tem vocação, segue o caminho, é uma coisa... uma
inspiração, é uma música indígena, ele escreve a música... muitas vezes não escreve...
ele só canta... (SERENKATO, 2014).

A música é tão cíclica quanto o dia e a noite, segue uma direção, e a história nos convida
para essa reflexão, para esse olhar na forma com a qual a música é criada, não se trata de uma
15

música composta ao acaso ou aleatória, ela possui uma organização, e isso nos lembra que na
música formal temos qualidades que expressam as linhas a seguir: “significa que a peça é
‘organizada’, isto é, que ela está constituída de elementos que funcionam tal como um
organismo vivo” (SCHOENBERG, 1996, p. 27).
Embora ela use ferramentas da música ocidental, jamais deixaria de ser compositora de
música indígena, além disso, maiores riquezas são percebidas e transponíveis apesar das
barreiras dos significados entre culturas esboçados ao longo das entrevistas.
Lavina Pereira Xavier me apresentou suas memórias enquanto compositora indígena
fazendo uma inter-relação com a sua verdade histórica, o que para si significa música, e a forma
com a qual ela é produz a sua musicalidade, de modo organizado e coerente, dentro de seus
parâmetros culturais próprios desenvolvidos pela sua história de vida, a sua cultura histórica, a
tecnologia e o meio ambiente natural como fonte fundamental para a sua composição.
Muitos se perguntam o que é música para si e para os diversos teóricos musicais de
todos os tempos, e como vimos nas poucas linhas da indígena Lavina: “música indígena é uma
coisa que não é inventada [...], é uma vocação [...], uma inspiração”, e pode ter letra ou não
(SERENKATO, 2014).
Para os Gregos, a música e a poesia eram também algo que se podia compreender como
indissociáveis, pois, ao se falar em poesia, estaria falando também em música, como no uso dos
termos Poesia Lírica, que era poesia executada com acompanhamento do instrumento lira; Ode,
que significava para eles a arte do canto, entre outras (GROUT; PALISCA, 2007, p. 20).
Compreender o que é música, e como a vemos, sempre é uma necessidade presente nas
linhas que se seguem.
Nessa busca de justificar ao máximo possível a necessidade desta produção, com o
propósito de trazer à comunidade um trabalho firmemente alicerçado em estudos bibliográficos
e entrevista in loco, considero que a sua importância está ligada à necessidade de produção de
trabalhos voltados para a Educação Musical que façam relação entre a cultura indígena como
uma fonte inesgotável de conhecimento para a manutenção da própria história dos povos da
Região Amazônica.
A música atua em diversas frentes, tanto no âmbito da relação com o divino, como nas
relações interdisciplinares (GROUT; PALISCA, 2007, p.17). Atualmente vemos a música
indígena de Roraima sob a ótica da musicologia assumindo uma posição ante sua definição
enquanto música.
Em seu trabalho denominado PANTON PIA´, o professor Devair Antônio Fiorotti e
Terênio Luiz Silva desenvolveram uma pesquisa voltada para o registro musical da região
16

denominada Circum-Roraima, que abrange a região da tríplice fronteira Brasil, Venezuela e


Guiana Inglesa, ao redor do Monte Roraima.
Ao tratar com uma amplitude maior a música sob a ótica literária e poética, o autor nos
traz uma definição sumamente importante para este trabalho musical quando afirma que “a
música indígena de Roraima é considerada poesia oral”, e da forma como é apresentada nos
remete à junção do som e da poesia literária e, assim, transmitida historicamente sem a
necessidade da escrita como conhecemos tradicionalmente (SANTOS, FIOROTTI, 2015,
p.1651).
A origem da poesia oral tem sua base composta por três aspectos fundamentais e
interdependentes: o simbolismo cultural, o som da voz e as palavras (ZUMTHOR, 1997, p. 10).

1.1 DIÁLOGO ENTRE AS ÁREAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL E ANTROPOLOGIA

Consideremos a inserção de música instrumental dos povos indígenas a que se refere o


artigo 26-A, §1, da LDB, como uma metodologia que “contribui para a cultura indígena [...]
brasileira na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil” (BRASIL, 2017).
Qual seria a verdadeira utilidade de um material didático? Fernanda de Assis Oliveira
nos ajuda a entender, em sua dissertação de mestrado, que o uso de materiais didáticos está
ligado diretamente ao contexto da atividade de ensino, “[...] os materiais didáticos são
mediadores entre o processo de ensino e o de aprendizagem [...]” (OLIVEIRA, 2005, p.53).
Partindo do ponto de vista da história, é de conhecimento público que há muito material
pronto para ser estudado, porém, pouquíssima produção voltada à prática instrumental com as
músicas indígenas da nossa localidade.
A prática musical coletiva no ensino de música em nosso país possui grande relevância
no âmbito da cultura em geral, para tanto, é imprescindível considerar a imensa diversidade
cultural expressa pelas etnias locais, prevendo a inclusão dessas no cotidiano dos estudantes
indígenas e não indígenas, dando o valor necessário a essa forma de olhar o conjunto da cultura
brasileira para a reflexão sobre a nossa sociedade e sua formação, considerando-a uma cultura
genuinamente nacional, com suas musicalidades desenvolvidas desde antes da colonização.
É de extrema importância salientar o fundamental valor de um material como este para
a educação cultural, pois, a escola, de modo geral, não dispõe de professores qualificados em
17

quantidade suficiente para o ensino de língua indígena, e a música instrumental entra como uma
ferramenta importante nesse processo.
Oliveira Pinto aponta que ao darmos atenção às sonoridades dos outros, percebemos a
nós mesmos, e nosso meio ambiente, e a música manifesta o que acreditamos, o que somos, e
dá sentido à nossa existência, seja em qual for a sociedade (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 223).
A coleta dessas músicas para a produção de música instrumental indígena para flautas
doces e percussão é proposta para contribuir na divulgação da nossa música local valorizando
a história de nosso povo, e a música como um instrumento de desenvolvimento social e
intelectual, ampliando horizontes no conhecimento musical étnico, norteados por pesquisas que
mantêm o seu valor frente à gama de outros gêneros na educação musical instrumental.
A escolha do instrumento musical flauta doce se deu pelas minhas experiências com o
instrumento e pelo belo trabalho de Noara de Oliveira Paoliello (2007), que se baseia nas
transformações históricas que o instrumento vem passando, considerando a sua dupla função,
como instrumento artístico e de educação musical.
As partituras produzidas pela pesquisa do Dr. Devair passaram por uma análise,
observando-se os aspectos principais de meu interesse para a construção da proposta de
arranjos, como ritmos predominantes, fórmulas de compasso, pulso, andamento, tessitura e
acompanhamento, características em comum entre os estilos.
Ao estruturar os arranjos, segundo a ótica de releitura, busco manter características
apresentadas pelos participantes da pesquisa, que obviamente se enlaçam às apresentadas pela
pesquisa de Fiorotti e Silva (2018), e a sua junção nos esclarece a estrutura geral da música
indígena, tais como: tessitura, ritmos predominantes, ausência de acompanhamento harmônico,
ausência de fórmula composicional tradicional e o empirismo enraizado na criação.
Embora tenha que me valer da junção com a teoria musical ocidental, utilizo como
sugestão a aquisição ou confecção de instrumentos musicais percussivos, flauta, entre outros
instrumentos artesanais, com a meta de manter algumas das principais especificidades dos
cantos em geral, como aponta (SANTOS, FIORROTTI, 2015, p.1658).
18

2 OS QUATRO CANTOS: UM EXERCÍCIO DE COMPREENSÃO DAS


MUSICALIDADES INDÍGENAS DE RORAIMA

Para que possamos nos situar ao contexto geográfico da pesquisa, é imprescindível saber
os seus limites territoriais. Seu início é na cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima,
com uma população estimada de 43.6591 pelo IBGE (2021), integralmente localizada no
Hemisfério Norte. Estamos na fronteira com a Venezuela, Guiana, e na divisa com os estados
do Amazonas e do Pará.
Segundo relato etnográfico, após a extinção da aldeia indígena Inajatuba, deu-se espaço
para a atual Comunidade Vista Alegre, ali já se notava a presença de influências de culturas
externas, mesmo antes da passagem do etnógrafo Koch Grunberg1 por essa região de Roraima
(KOCH-GRUNBERG, 2006, p. 36).
Para excluírem-se dúvidas acerca da posição geográfica da comunidade indígena citada
ao longo deste trabalho, apresentamos a seguir um mapa que ilustra claramente essa distinção
para se dirimirem as relações com as citações de Koch Grunberg, muitas vezes confundidas.
Sabe-se agora que ambas são distintas em sua geografia, ao norte temos as tratadas neste
trabalho, acesso pela RR-319, e a outra ao sul, no município de Caracaraí, acesso pela BR-174,
como vemos no mapa (fig. 1). Apesar de serem localidades distantes, não obstante, podemos
avaliar algo em comum entre os dois pontos geográficos, a sua relação com as influências
externas sobre os povos indígenas.

1
Etnógrafo, entre 1911 e 1913, Koch Grünberg viajou para o Rio Branco na fronteira entre Brasil, Guiana e
Venezuela. Resultou na publicação dos cinco volumes que relatam a experiência do viajante alemão na expedição
que fez ao norte do Amazonas e ao sul da Venezuela: Vom Roraima zum Orinoco: Ergebnisse einer Reise in
Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren (Do Roraima ao Orinoco: Observações de uma viagem pelo norte do
Brasil e pela Venezuela entre os anos de 1911 e 1913). Sua importância para este trabalho é o esclarecimento
geográfico da comunidade citada.
19

NORTE

SUL

Figura 1 – Mapa demonstrando as duas localidades para situar-nos ao contexto geográfico.

A partir da inspiração etnográfica, tornou-se fundamental o diálogo com os agentes que


compõem o contexto sociocultural estudado, e ao apresentar os relatos de dois indígenas,
Lavina e Marcílio, reforçamos a importância da construção conjunta da obra.
Dessa forma, ao averiguar as razões que levam essas crianças a desconhecerem as
músicas dos povos indígenas de Roraima, a ausência de práticas musicais desse gênero no
cotidiano da educação musical, como conteúdo para o conhecimento de suas tradições culturais,
e a ausência de prática instrumental, tornaram-se valores fundamentais na construção desta
obra.
Proponho, portanto, que atentemos para os relatos dos participantes Marcílio e Lavina,
quando nos trazem sua visão de dentro da comunidade, afirmando que as principais razões do
desconhecimento da língua e da cultura indígena em geral por parte das crianças, deve-se às
violências dos missionários, que proibiam os seus pais, quando esses estavam em fase escolar,
de falar sua língua materna, pois, denominavam a língua indígena de gírias (LAVINA, 2022).
20

Do mesmo modo, outra forma de vermos os efeitos dessas influências é a partir da ótica
do professor Marcílio, que nos indica a chegada maciça de pessoas não indígenas na
comunidade e as trocas culturais com a música urbana como pontos a serem incluídos nessas
interferências que vêm modificando a vida e a estrutura da própria comunidade (MARCÍLIO,
2022).
As palavras a seguir expressam a realidade de Campo Alegre, cedidas pelos
participantes da pesquisa. Quando perguntados sobre o que levou as crianças a desconhecerem,
ou estarem desinteressadas pela sua cultura – língua e música cantada em Macuxi:

Lavina - a minha preocupação é que as crianças não querem saber, a gente ensina,
mas elas não querem saber.... a minha preocupação é essa, vai morrer a cultura! [...]
Por que os pais não falam mais, na cabeça deles, os pais, na escola que eles estudaram
não era pra falar as gírias, porquê senão não iam merendar, era por isso que eles não
falavam, e ficou isso, e a gente fala que não é mais a palavra gíria, é língua, língua
indígena, não existe mais a palavra gíria, não sei de que modo a gente pode levar pra
eles entenderem que aquilo ali é a nossa língua, a língua dos pais, a língua dos
antepassados, né... Eu sempre falo pra esses que aqui na cidade tem uma igreja, eles
falam muito bem a língua, e eles me chamaram e falaram que estão ensinando as
crianças na língua Macuxi, eu gostaria de aprender esse método pra ensinar esses
alunos que não querem (LAVINA, 20.11.2022).

Marcílio - eu vejo que é por causa da chegada dos brancos na comunidade, está muito
acentuada, né, a questão da música, é o forró, é o rock... então isso vai tirando, e a
própria escola não tem um trabalho específico pra isso, né, então fica aí aleatório,
como eu falei, cadê o professor de música nas séries iniciais? Não tem o cara
específico pra trabalhar isso aí, o próprio professor de língua, ele não tem essa base,
não tem nem pelo menos uma teoria musical. Isso desfavorece o despertar do interesse
do aluno, ele tem que ter uma pessoa específica pra aquela área. A própria escola ter
em seu planejamento no seu PPP o ensino da musicalidade, o resgate cultural. Essas
coisas mais presentes, com certeza ia despertar o interesse, mas eu acho também o que
desfavorece o desinteresse é essa massificação das culturas não indígenas dentro das
comunidades indígenas; as próprias secretarias de educação municipais e estaduais
não se preocupam com a contratação do professor específico pra essa área, ah... nós
contratamos professores de língua! Sim, eles são professores de língua, mas cadê o
outro grupo de apoio? Até o professor de artes nas séries iniciais não tem, então se
nós tivesse um professor de artes aliado como professor de língua indígena, com
certeza o trabalho seria excelente, esse trabalho de regate e promoção da cultura, e
língua indígena, já teria ganhado um espaço maior e despertado o interesse dos alunos,
porque quando ele chegar lá no fundamental dois, né, ele já vai ter um conhecimento
mais a fundo da cultura, porque é criança, tá em formação (MARCÍLIO, 24.11.2022).

Neste trabalho, meu intuito não é publicar um estudo etnográfico, mas sim
possibilidades voltadas para o desenvolvimento da música popular de Roraima inspiradas nos
estudos etnográficos, voltando o nosso olhar para o aspecto da educação musical.
Diante disso, sei da dificuldade da escassez de materiais didáticos, poucas políticas
públicas voltadas para o diálogo das necessidades educacionais dos povos originários que
apresente a língua e a música indígena de nossa região e suas potencialidades aplicáveis nos
21

ambientes da Educação Básica, ferramentas imprescindíveis para a manutenção das culturas


presentes em nosso estado.
As experiências que foram adquiridas ao longo dos anos de 2009 a 2022 com a música
indígena de Roraima, ao participar de projeto social em comunidade indígena e dialogado com
membros importantes para a educação indígena na região rural de Boa Vista - Campo Alegre,
faz-me pensar que a música indígena deve ser conduzida em um processo de parceria,
considerando que não há branco detentor integral das informações.
Dessa forma, ao compreender essa realidade, apresento também a visão de indígenas
sobre esse fim, visto que eles estão inseridos no cotidiano da Educação Básica e podem falar
com propriedade desse cerne, muitas vezes inacessíveis pelas barreiras formadas pelas
imposições geralmente exercidas pelos brancos, ou pessoas não indígenas, governos e religiões.
Assim, sigo neste exercício acadêmico para a construção de uma música aceita pelos
indígenas de Roraima, por ser parte de sua própria história, a qual poderá ser aplicada em
atividades cotidianas em sala de aula, uma vez que ficará à disposição.
Ressalto que, quando olhamos de fora, podemos notar uma manifestação cultural, mas
ao participar e deixar que eles falem de sua história, pode-se concluir que existe uma
diversidade de potencialidades que podem e devem ser usadas na Educação Básica, bem como
na própria comunidade.
Portanto, a música da qual tratamos nesta monografia faz parte da música dos povos
indígenas de uma região denominada de Circum-Roraima, região da tríplice-fronteira, ao redor
do Monte Roraima, como vemos no mapa a seguir (fig. 2), onde os indígenas de diversas etnias
desenvolveram variados estilos de músicas, dentre os quais concentrarei meus estudos para a
produção dos arranjos, em quatro cantos, ou estilos musicais de Roraima: Parixara, Areruia,
Tukui e Marapá.
22

Figura 2 – Mapa da região da tríplice fronteira – Brasil, Venezuela e Guiana.

Antes de expor os cantos indígenas em questão, tomei o cuidado de consultar meus


colaboradores acerca da sua experiência com os estilos musicais, denominados da região de
Roraima, originados dos povos indígenas.
Ao apresentar o trabalho aos participantes, dona Lavina contou que não conhecia o
Tukui e o Marapá, e o professor Marcílio havia apenas ouvido falar sobre o Tukui, e o Marapá,
desconhecia. Foi unânime a identificação com o Parixara e o Areruia.
Sobre os estilos identificados por eles, tornaram-se evidentes as influências externas
sobre a cultura indígena. Embora não seja esse o objetivo principal deste trabalho, não podemos
ignorar que a aparente perda das práticas ritualísticas musicais de nossa região se deu e se dá
por razões adversas, assim vemos sobre o estilo Areruia:

Quando eu era meninota, assim professor, lá onde a gente morou num tal de Caracanã,
não existia mais essas coisas por causa dos Missionários que não deixavam. Aonde
eu vivia com os meus pais quando era pequena, tinha uma pessoa, ainda existe uma
pessoa, é minha prima, segunda, assim, né, então ela para nós é uma pessoa principal,
ela identifica o que vai acontecer, ela é EPÜKENAN. Então lá na comunidade quando
ela fazia… dia de domingo assim ela fazia esse Areruia, e fazia uma bebida, a bebida
23

era feita de caldo de cana com aquelas batata roxa, entendeu?!, era misturado tipo
vinho, né... então ela dizia que aquelas garrafas branquinha, eu não sei se é... eu não
sei se é... até hoje eu não sei. Ela dizia que quando a bebida dela fazia assim... xihh....
subindo pra cima, borbulhando né! Aí ela dizia que os anjos estavam rezando a bebida,
pra não fazer mal, pra você não ficar bêbado (LAVINA, 20.11.2022).

Relacionando a sua vivência ao aspecto místico, o proibido se sobressai, e no decorrer


do diálogo ela ainda afirma que se trata de uma música que não se pode cantar muitas vezes,
pois se assim o fizer, certamente se tornará um Epükenan.
A professora explica o nome em questão. Trata-se de uma pessoa que recebe em sonhos
os cantos Areruia, sendo obrigada a acordar, cantar e repassar o canto para os demais membros
da comunidade. Observei nesse ponto um aspecto interessante em sua fala: o proibido eram os
rituais utilizados anteriormente em conjunto com o Areruia, e não a música em si, podendo
levar-nos a crer que o Areruia já existia; diferente do que apontam os estudos de Fiorotti (2015),
apenas foram modificados.
Os Areruias, que significa aleluia, são cantos que surgiram do contato com o não índio,
podendo serem vistos como uma imitação do Parixara, originado das missões religiosas
(SANTOS, FIOROTTI, 2015, p.1653).
Lavina complementa sua fala sobre o Areruia, destacando um aspecto musical
importante para os resultados pretendidos ao afirmar que se trata de uma dança, de andamento
suave e de três passos, a qual podemos associar aos pulsos, que deverei abordar no capítulo
seguinte com mais ênfase, dizendo:

Areruia é uma dança bem suave, de três passos, só que quem canta muito Areruia,
pode virar Epükenan; como? Através dos sonhos, o senhor vai adquirindo aquilo, você
não pode guardar, você tem que acordar e cantar... porque se você disser não, eu não
sei cantar, aí ele não vem mais; minha mãe era desse jeito, acordava cantando
(LAVINA, 20.11.2022).

Comparativamente temos os relatos de Marcílio sobre o que ele pôde nos esclarecer
acerca de sua vivência musical. Temos um relato sobre seus pais, ele diz que seu pai era um
Epükenan, o principal cantor da região de Normandia, município mais próximo da Guiana entre
os três que formam o triângulo na tríplice fronteira (fig. 2).
Sua mãe tocava cavaquinho e depois da morte de seu pai ela dizia ter herdado o dom de
receber as músicas em sonho, cantava para ele, mas como veio para a cidade muito criança,
acabou esquecendo os cantos de seus pais, hoje falecidos. Conforme afirmou o professor:

O antigo Tuxaua daqui sempre cantou no final do ano, assim... sempre vem no final
do ano. Segundo ele o Areruia faz referência às festas natalinas, a Cristo... essas
24

situações de final do ano mesmo, inclusive, anteriormente, acho que 92... 93... por aí...
o natal aqui na comunidade era cantado só Areruia, depois da ceia até de manhã era
cantado Areruia por eles os primeiros moradores aqui. [...] A minha mãe, de vez em
quando cantava uma música dele lá... Ela disse que herdou o dom dele, ela sonhava e
acordava cantando, ela tocava cavaquinho, ela chegou até a acompanhar ele.
Professor, a única lembrança assim mesmo, eu vim com quatro anos de lá, mas teve
dois festejos que nós fomos, um no Napoleão, na minha comunidade lá e outro na
Raposa, foram três dias de festa, acho que a professora Lavina lembra, aquelas
flautonas de bambu, é bambú é... mas enorme assim! Umas oito! Taboca! Aí
professor, os caras tocando lá, phunnn... phumm... e olhe! Quando ele dava um
intervalo assim... o cantor cantava, cantava, cantava, e depois descansava a boca e
ficava lá dançando. Rapaz! Eu lembro disso aí, eu ia sempre com a mamãe e com o
papai pra lá, né, e tinha isso aí, e eu nunca mais vi esses instrumentos; não tem porque
os que faziam esses instrumentos já se foram (MARCÍLIO, 24.11.2022).

Os relatos da professora Lavina e do professor Marcílio retratam sempre suas relações


com os seus antepassados diretos, os pais, ou indiretos, primos mais velhos. Nesse sentido,
essas relações familiares - que ao longo dos anos vêm se desvaindo e se desestruturando nas
malhas das trocas culturais -, e a transmissão cultural pela oralidade histórica, não
acompanharam eles em suas mais diversas informações, pois saíram de suas comunidades.
Sobre o simbolismo na música, Lavina diz que o significado para ela, que é indígena, é
diferente do significado que os brancos percebem ao se depararem com as músicas indígenas,
e comenta que quando ouvimos uma música, a música já existiu, já foi recebida, logo, aquilo
que vemos e ouvimos é apenas o resultado de sua recepção. Na sequência, ela comentou um
Parixara:

[...] Tawake Tawake Tatarumenk´ai, pra mim é tranquilo entender, mas pra mim que
sou indígena, mas agora vem o branco pedir pra eu traduzir pra ele entender melhor,
aí já vai ficar sem significado, porque se eu for procurar a palavra em português, eu
vou procurar a palavra aproximada porque não tem vocabulário pra aquilo ali. Na
música não tem aquele título... ah eu vou cantar... mas dentro da música já está
existindo. A letra diz, ele se pinta, ele está se manifestando através do corpo dele para
receber essa música, que música é essa? Parixara que tá vindo, que ele já recebeu
através dos sonhos, aí ele está desenvolvendo, cantando pra outras pessoas. Então ele
fala tatarumenk´ai – eu me pinto pra receber, então vamos receber, está convidando
pra dançar, então vamos dançar! (LAVINA, 20.11.2022).

A professora relata ainda que a sua mãe a reprimia quando ela ensinava o Parixara às
suas amigas dizendo:

[...] pra quê ensinar isso minha filha, isso não presta não, ela dizia. Agora ela não disse
assim pra mim, o porquê, qual o motivo né... aí nós duas deitada mesmo, eu perguntei
pra ela: Mãe, a senhora disse que Parixara não presta, por que a senhora falou isso? É
porque na época a gente não entendia ainda o que era religião, religião era isso aqui,
Areruia, cantado pela indígena, cantava, dançava agradecendo a Deus, né... então
existia isso aqui, não existia forró, não existia nada... ela dizia que Parixara é aqueles
que bebe Pajuarú, fica bêbo, não sei o que lá... fica dançando... é por isso que não
presta, aí ela me proibia muito fazer essas coisas assim (LAVINA, 20.11.2022).
25

O Parixara para a literatura de Roraima é uma manifestação cultural amplamente


comprometida com as festividades, e quem mora neste estado sabe que é um dos estilos
musicais roraimenses mais difundidos da região (SANTOS, FIOROTTI, 2015, p.1653), seja
pelos indígenas ou por artistas e poetas, cantando suas releituras com os ritmos do estilo ou
transmitindo textos poéticos com temas regionalistas e suas influências voltadas para as
palavras que retratam a fauna, a flora, a gastronomia e o sotaque que a “miscigenação” produz
em nosso cotidiano.
Marcílio Curicaca Leal apresenta um relato que nos confirma pela voz de um indígena
o que estamos falando aqui, ele diz:

Parixara é um momento de comemoração, é quando você tem um resultado positivo


nas colheitas, na saúde na sua família, eles nos explicaram que é isso né, é uma forma
de expressar a alegria daquilo que foi conquistado, tudo que foi positivo a agente
comemora com Parixara, né (MARCÍLIO, 20.11.2022).

Apesar de ambos os entrevistados declararem que não conhecem os outros dois estilos
apresentados a eles, demonstraram interesse em conhecer e aplicar nas suas futuras atividades
musicais e incentivar outros a buscar e a produzir música nesse sentido.
Em sua obra Panton Pia´, é atribuido um significado ao Tukui como “Beija-flor, e são
canções relacionadas a sabedoria dos Pajés, natureza, acalmar trovões, e eram dançados
coletivamente” (FIOROTTI, SILVA, 2018, p. 30).
Quanto ao Marapá, ele diz que “o Marapá tem como significado morcego, que segundo
relatos indígenas seriam canções de danças noturnas ou canções de ninar” (SANTOS,
FIOROTTI, 2015, p.1653).
Como vimos no referencial apresentado, os cantos indígenas, de forma geral, possuem
características importantes para que o reconheçamos assim, e ao longo deste trabalho apresento
de forma prática essas especificidades. Reafirmado nas linhas que se seguem:

[...] são melodias feitas com cinco a seis notas, o ritmo é sincopado, as músicas
praticamente são cantadas no mesmo tom sem instrumento de acompanhamento
harmônico. No ato de compor música não existe uma fórmula composicional. Os
cantos foram feitos inicialmente pelos povos indígenas de forma empírica, não houve
necessidade de conhecimento formal da teoria musical. Na tradição da música
ocidental, faziam afirmações de que sons que procedessem de um instrumento
convencional não poderiam ser utilizados nas composições, estes seriam considerados
ruídos se ocorressem no momento da execução. Nos cantos indígenas a melodia é
acompanhada por chocalho, flauta entre outros instrumentos artesanais. Estes
funcionam como adereços da melodia que expressam elementos simbólicos dos mitos
indígenas. A ligação da música com o som, não é organizar os sons das notas, mas a
organização sonora (SANTOS, FIOROTTI, 2015, p.1658).
26

Como complemento às informações, ainda divulgaremos uma análise musical para que
possamos visualizar a escrita formal e ver as especificidades apresentadas por Fiorotti e Silva,
dessa maneira, possamos estar adiante nesse processo, cientes de que, além das características
difundidas por ele, há uma a ser acrescentada e claramente percebida ao vermos as partituras,
o fato de alcançarem uma tessitura de até uma oitava.
27

3 MUSICALIDADES INDÍGENAS E SEUS ENLACES COM A EDUCAÇÃO


MUSICAL: ANÁLISE DOS ESTILOS PROPOSTOS

Antes de adentrar no assunto que conectará a perspectiva das musicalidades indígenas


com a Educação Musical, importa saber que a expressão “musicalidades” exposta neste estudo
é utilizada para manter a forma como os indígenas entrevistados a usam, como uma forma de
fazer musical, usando também: desenvolver a musicalidade, trabalhar a musicalidade e
desenvolver a educação por meio da musicalidade.
Diante disso, trazemos a seguinte reflexão sobre o fazer musical dentro de um trabalho
de pesquisa em Licenciatura em música: “Costuma-se falar muito sobre música, mas pouco se
pratica música com os alunos” (BASTIÃO, 2012, p.62).
A música tem sido uma ferramenta muito utilizada para reforçar outras disciplinas ou
conteúdos de outras áreas, geralmente usam o canto como a ferramenta principal para o trabalho
em grupo nas escolas, seja em datas comemorativas ou em prática musical coletiva; por isso,
apresento essas possibilidades para o fazer e o dialogar musical.

3.1 A PRÁTICA MUSICAL COLETIVA E SUAS POSSIBILIDADES

A Educação Musical contendo prática instrumental coletiva, inspirada nas canções


indígenas de quatro estilos de Roraima, possibilitava a participação ativa de crianças e
adolescentes em atividades que dependiam fortemente do professor de língua, mas como vimos
ao longo desta pesquisa, as atividades musicais com esses estilos em nosso estado são benéficas
para o retorno às práticas culturais na educação por meio da música.
Sei da carência de professores de língua indígena nas escolas das comunidades rurais e
principalmente nas escolas urbanas, e isso tornou mais difícil a difusão da música indígena em
nossa região, onde a música popular de outras partes do Brasil se implantou chegando a ser
mais popular que a cultura musical tradicional de parte de nosso estado.
Os povos indígenas sempre tiveram suas práticas musicais envolvendo música
instrumental e música cantada. O que propomos não é uma novidade, mas a realidade notada
durante a nossa entrevista nos mostra que essas práticas já não existem em diversas
comunidades indígenas, e os anseios expostos pelos colaboradores da pesquisa apontam para a
continuidade dessas práticas, herdadas pelos seus antepassados, e de desenvolvimento de
políticas públicas mais eficientes nessa área.
28

Não pretendemos, com isso, ausentar a língua das atividades musicais; essa parte fica
de acordo com a realidade de sala, adicionando às atividades uma ferramenta eficaz para a
educação musical coletiva que possibilita incluir “conjuntos vocais, conjuntos instrumentais,
conjuntos mistos, solo/coro com acompanhamento instrumental ou solo com playback”
(BASTIÃO, 2012, p.62).
Nas práticas coletivas com a música indígena devemos estar atentos aos aspectos
fundamentais sobre a estrutura rítmica, melódica e timbrística, próprias do gênero; atendo-se a
isso, todas as outras possibilidades podem se correlacionar. Para tanto, a seguir, apresentaremos
algumas especificidades apontadas sobre os estilos dos quais tratamos.

3.2 ANÁLISE DAS PARTITURAS DOS QUATRO ESTILOS

Iniciando pelo Areruia, vimos por meio do relato que se trata de “uma dança bem suave
de três passos” (LAVINA), podemos dizer que é uma música composta por um ritmo de três
pulsos lentos, [...] “podendo serem vistos como uma imitação do parixara [...]” (SANTOS,
FIOROTTI, 2015, p.1653). Os exemplos que veremos a seguir tiveram sua escrita interpretada
de gravações feitas pelo pesquisador, e, nota-se uma adequação aos padrões da escrita musical
formal, contendo compassos alternados simples de dois e três pulsos, porém, não exclui a
presença de um estilo predominantemente ternário como apresentado pela indígena.

Figura 3 – Partitura, Areruia 01.


29

Reafirmando, a seguir temos o Areruia 02 (fig. 4), que apresenta o pulso ternário na
íntegra, mas, deve-se notar que a tessitura em ambas alcança uma distância de oito sons, que na
música ocidental denominamos de oitava, e essa relação com a teoria musical ocidental nos
leva a observar os conceitos sobre intervalo, que indicam uma classificação numérica e
qualitativa, podendo ser contada como no exemplo abaixo, que varia entre uma e oito notas
para intervalos simples:

Figura 4 – Exemplo de intervalo para entender a oitava.

Figura 5 – Partitura, Areruia 02, acompanhamento de tambor.

Parixara é um estilo roraimense, indígena, muito popular em nosso estado, que está
presente em eventos turísticos, quando é apresentada alguma manifestação popular local aos
30

visitantes, em movimentos sociais e políticos de grupos, em releituras musicais produzidas por


grupos populares, unindo os ritmos folclóricos de outras regiões aos de base do gênero local.
Esse estilo possui uma importante composição para atividades em grupo, pois envolve
uma infinidade de instrumentação, tais como: tambores, flautas, chocalhos, canto e adereços
(KOCK-GRUMBERG, 2006, p.77).
Em vista disso, trago o relato atual sobre o Parixara. A partir das palavras da professora
Lavina, que em suas vivências e diálogos com sua mãe nos expõe que, “não existia forró”, ou
seja, música de festa dos brancos, e por ser uma manifestação musical predominantemente
masculina, em seu tempo, sua mãe a proibia de participar (LAVINA). Nota-se a imensa
influência popular do gênero, presente em tudo o que possa ser considerado festa, pulso de base
percussiva sempre no primeiro tempo e vozes paralelas em oitava como o Areruia
exemplificado anteriormente.
Vejamos um exemplo transcrito por (FIOROTTI, SILVA 2018):

Figura 6 – Partitura, Parixara 01, acompanhamento de chocalho.

Fortemente composto por figuras rítmicas sincopadas em ambas as vozes (fig. 6),
masculina e feminina em oitava paralela como nos exemplos já vistos, porém, o editor sentiu a
necessidade de usar compasso composto (fig. 6) para melhor expressar o estilo estudado.
31

Figura 7 – Partitura, Parixara 02, acompanhamento de chocalho.

O estilo Tukui revela uma estrutura semelhante ao Parixara, tanto nos aspectos musicais
quanto tradicionais. Historicamente, o Tukui está relacionado às Festividades com caxiri,
pajuaru e pajuaru forte. Concluímos que por isso se dá o seu ritmo, mais agitado, porém,
mantém o mesmo pulso do Parixara, com ritmo de base acentuando o primeiro tempo, com o
mesmo andamento:

O Parixara e mesmo o Tukui estão relacionados a essas festas e principalmente ao


consumo de bebidas fermentadas, especialmente de mandioca, atualmente conhecidas
entre os indígenas da região estudada, como pajuaru e mesmo caxiri forte (já que há
o caxiri sem fermentar). Essas festas poderiam comemorar um casamento, um funeral,
uma nova casa ou o estabelecimento em um novo lugar [...] (FIOROTTI, SILVA
2018, p. 29).

Figura 8 – Partitura, Tukui 01, acompanhamento de tambor.

Sinto grande importância em mostrar mais um Tukui para que seja ampliado o panorama
sobre este estilo, que evidencia forte presença de contratempos e síncopes na estrutura rítmica
da melodia, enquanto o acompanhamento permanece com a marcação do pulso acentuando o
tempo forte.
32

Ao longo deste trabalho não busco apresentar uma análise aprofundada das músicas,
apenas mostrar especificidades que me interessaram para os arranjos, visando também a
comparação das estruturas musicais indígenas ilustradas neste estudo com as estruturas que nós
conhecemos na academia, embora tenham sido interpretadas pelos brancos, e sua permanência
até hoje tenha sido feita de modo oral.

Figura 9 – Partitura, Tukui 02, acompanhamento de tambor.

Figura 10 – Partitura, Tukui 02, parte final, acompanhamento de tambor.

De acordo com os relatos de Lavina e Marcílio, o Marapá é desconhecido por eles. Nesse
sentido, no decorrer desta pesquisa, pouco material fora encontrado a respeito, mas foi de
grande relevância a pesquisa de Fiorotti e Silva, pois, embora não fosse o seu foco a música
propriamente como a conhecemos, senão o contexto etnológico muito bem apresentado por ele,
ainda assim nos deixou registros muito além dos seus objetivos.
33

Conforme os autores, os Marapás eram canções de ninar, ou canções para serem


cantadas à noite (SANTOS, FIOROTTI, 2015, p.1653). Das partituras expostas por ele,
selecionei trechos que exemplificam bem as características básicas para este trabalho.

Figura 11 – Partitura, Marapá 01, acompanhamento de tambor.

Figura 12 – Partitura, Marapá 02, acompanhamento de tambor.

Como vemos, é uma música com andamento lento, que ainda conserva consigo
características apontadas por Devair como fundamentais para que tenhamos como ritmo comum
entre os estilos apresentados, a síncope. Temos também a alternância de compassos e ausência
de base harmônica, porém, riquíssima em possibilidades percussivas, para ser trabalhada em
conjunto com os alunos. Esse panorama mínimo que nos evidencia é apenas um pouco do que
a cultura indígena de Roraima possui de grandeza, que deve ser preservada, registrada em
parceria, para que os resultados retornem a eles e os beneficie de alguma forma, pois é notória
34

a ausência, a cada dia, da língua e dos demais aspectos da cultura de Roraima em muitas
comunidades.

O paradigma que infalivelmente surge no contexto antropológico da música será


sempre sonoro: ouvir e aprender a ouvir a sonoridade dos outros significa entendê-los
melhor, da mesma forma que entender as sonoridades alheias vai fazer com que
entendamos melhor o nosso meio ambiente sonoro também, reconhecendo e
respeitando as alteridades (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 275).

Ao buscar uma amplitude maior correlacionada à visão anterior de Oliveira Pinto temos:

A inserção da música nas várias atividades sociais e os significados múltiplos que


decorrem desta interação constituem importante plano de análise na antropologia da
música. A relação entre som, imagem e movimento é enfocada de forma primordial
neste tipo de pesquisa. Aqui música não é entendida apenas a partir de seus elementos
estéticos, mas em primeiro lugar, como uma forma de comunicação que possui,
semelhante a qualquer tipo de linguagem, seus próprios códigos. Música é
manifestação de crenças, de identidades, é universal quanto à sua existência e
importância em qualquer que seja a sociedade. Ao mesmo tempo é singular e de difícil
tradução, quando apresentada fora de seu contexto ou de seu meio cultural
(OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 223).

Em vista disso, ampliaremos a nossa compreensão com as palavras trazidas pelos


indígenas:

Eu vejo assim, criança, ele já vem ali, ele quer conhecer novidade pra ele, eu imaginei
assim dentro da educação: a criança ouvindo a língua através da música, ela vai dizer,
opa! Vai despertar assim e vai dizer: cadê essas pessoas? Porque as mães e pais não
falam mais né, só na escola... pelo menos ela vai cantar a música, eu sempre falava
pros alunos, vocês cantam, e eles falavam: a gente canta professora, a gente vai buscar
lenha?... às vezes eles estão andando pelo caminho e assobiando a música e eles dizem
que lembram de mim, mas eu digo pra eles que eles não lembram de mim, eles
lembram porque aprenderam a música (LAVINA, 2022).

[...] no caso, a nossa língua Macuxi, a gente pôde perceber a grande importância do
trabalho de musicalidade com o ensino de língua, né [...], tanto no fundamental como
no médio, a gente viu que o resultado foi muito positivo. A ideia principal é esse
trabalho conjunto né, porque um vai fortalecer o outro né, a musicalidade fortalece a
língua, o desenvolvimento do... a pronúncia das palavras, o entendimento fica mais
fácil [...] (MARCÍLIO, 2022).

Para entendermos as razões que me levaram a escolher um instrumento melódico para


minha proposta de arranjos é importante lembrar de uma especificidade apontada pelos estilos
indígenas roraimenses quanto à tessitura.
Pois, quando a tessitura abarca um conjunto de oito notas ou menos, pensamos, então,
que o instrumento que apresenta grande facilidade de execução em uma oitava é justamente a
flauta doce. Com relação à emissão do som, basta a criança soprar e dessa forma já estará
35

emitindo seus primeiros sons. Além disso, é um instrumento bastante acessível do ponto de
vista material.
Com relação ao uso da flauta em processos educativos, Paoliello (2007, p.32) diz que:

A utilização da flauta doce nas aulas de iniciação musical pode ser muito eficiente
quando bem orientada, por proporcionar uma experiência com um instrumento
melódico, contato com a leitura musical, estimular a criatividade – com atividades de
criação – além de auxiliar o desenvolvimento psicomotor das crianças e trabalhar a
lateralidade (com o uso da mão esquerda e da mão direita). Possibilita ainda a criação
de conjuntos, ajudando a despertar e desenvolver a musicalidade infantil e o gosto
pela música, melhorando a capacidade de memorização e atenção e exercitando o
físico, o racional e o emocional das crianças.

Além de ser um instrumento muito eficaz para a educação musical e reconhecidamente,


a partir do século XX, como um dos principais instrumentos para a musicalização, a flauta doce
também não deixou de ser um objeto artístico.
Em Roraima, existem algumas possibilidades de aprendizado para professores que
desejam trabalhar com esse instrumento, uma delas é a escola não formal, onde o Instituto Boa
Vista de Música (IBVM) e a Escola de Música de Roraima (EMUR) são referências em Boa
Vista.
Portanto, é nesse contexto que quero sugerir o trabalho em grupo com a flauta doce e as
musicalidades indígenas de Roraima, já que essas atividades proporcionam aos alunos
momentos de descontração e criatividade, fortalecem os laços entre professor e aluno e revelam
potencialidades inertes nas crianças, no sentido de despertá-las para novas aventuras sonoras.
Além disso, abre portas para a possibilidade de criação de novos instrumentos musicais, ao
explorarem os timbres dos instrumentos percussivos.
Por conseguinte, corroboro com a sugestão de prática em conjunto; trazemos de Zuraida
Abud Bastião a apreciação, a execução e a criação como ferramentas importantes no trabalho
musical coletivo que se dá a partir da audição de gravações, observação e identificação dos
instrumentos que estão sendo executados, quantidades de toques e a ordem dos instrumentos,
além de diálogos e sugestões de trocas de pulso e combinações rítmicas (BASTIÃO, 2012, p.
66). Nessa perspectiva, a criatividade dos alunos é inesgotável quando eles são envolvidos com
os objetivos e as metodologias propostas pelos docentes.
Dito isso, devemos estar atentos às relações entre música indígena e educação musical,
uma vez que os estudos apontam que cada cultura possui sua especificidade, e a música não é
só mais um produto comercial, ela é um ponto de conexão e atua como um “processo de
significado social, capaz de gerar estruturas que vão além dos seus aspectos meramente sonoros
36

[...] dentro de uma comunidade ou grupo social maior, adotando uma perspectiva processual do
acontecimento cultural” (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 227).
37

4 PARTITURAS COM ARRANJOS E RELEITURAS DE MELODIAS INDÍGENAS:


POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL COLETIVA

Combinar os ritmos de base, o uso de instrumentos acessíveis, tem relação com a


viabilidade e acessibilidade que podemos proporcionar às nossas atividades musicais em sala
de aula, porque sabemos que quase nunca é possível utilizar apenas uma metodologia no ensino
de música. Com isso, precisamos sempre produzir alternativas que favoreçam o
desenvolvimento dos alunos atendidos por nós.
Nessa realidade poderão estar presentes crianças com alguma deficiência, como
ausência de algum membro do corpo e, nesses casos, poderemos criar um instrumento que se
adapte à sua necessidade. Nesse sentido, essas propostas devem ser apresentadas, explicadas e
desenvolvidas em parceria com os alunos, pois as suas criatividades, muitas vezes, são mais
importantes que os conceitos apresentados.
Nessa direção, é com imensa satisfação que eu elaborei esses simples arranjos como
uma mostra do potencial que as músicas originárias de Roraima podem proporcionar para a
educação. Minha intenção com essas transcrições é que elas possam servir de inspiração para
novas produções, criações e, também, para as atividades acadêmicas cotidianas.
Nas obras foram inseridas as vozes originais do referencial, adicionada de uma ou mais
bases percussivas com a finalidade de ampliar a instrumentação e facilitar a inclusão de todos
os alunos; desse modo, os que não puderem tocar flauta, poderão tocar os outros instrumentos.
Nada impede de ser incorporado ao trabalho outros métodos, ou ainda, metodologias.
Eu proponho a inserção da dança, por ser uma atividade motora muito apreciada pela
maioria das crianças, mas sugiro que se pergunte antes às crianças se elas querem dançar ou
somente tocar, pois, certamente, elas irão aos poucos se inserindo ao grupo.
A voz da flauta pode variar de acordo com a criatividade dos alunos, eles poderão ficar
à vontade para propor mudanças durante as atividades de criação.
A obra “Brincando com as figuras” resultou de uma atividade executada durante o meu
período de estágio supervisionado, onde trabalhei com as crianças a música étnica de Roraima,
seus conceitos e formas, em conjunto com a construção de instrumentos musicais
confeccionados com materiais reciclados.
Nessa obra, o sapinho de madeira, o triângulo e as flautas foram comprados no comércio
local, enquanto os chocalhos foram produzidos com latas e pedrinhas que os alunos trouxeram
de casa, e o pau-de-chuva, eu mesmo produzi em casa por utilizar ferramentas que
38

apresentariam risco de acidentes para as crianças. De qualquer forma, todas as crianças tocaram
cada um dos instrumentos.

Figura 13, folha 1 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara.


39

Figura 14, folha 2 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara.


40

Figura 15, folha 3 – Partitura, arranjo inspirado no ritmo do Parixara.


41

Figura 16 – Partitura, arranjo inspirado no Parixara – Voz para flauta transcrita na íntegra.
42

Figura 17 – Partitura, arranjo inspirado no Marapá 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
43

Figura 18, folha 1 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
44

Figura 19, folha 2 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
45

Figura 20 – Partitura, arranjo inspirado no Areruia 5 – Voz para flauta, e chocalho, transcritos na
íntegra.
46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que os acontecimentos da colonização devem ser levados em consideração para


compreendermos os processos de trocas culturais, bem como de violências físicas e simbólicas,
para entendermos como ocorrem as transmissões orais na contemporaneidade, que são
essenciais para a existência de nossa sociedade e suas tecnologias educacionais (ZUMTHOR,
1997).
Ao volvermos nosso olhar para os indígenas que ainda estão conosco, resistem e
guardam as suas tradições, muitas vezes não manifestadas pelo temor de serem deles tiradas,
nos vemos na obrigação de olhar sob o foco da autocompreensão e da autoavaliação cultural.
Ou seja, devemos olhá-los e ouvi-los, segundo o dizer de Tiago de Oliveira Pinto (2001), ao
comentar que ao ouvirmos a música dos outros, devemos nos perceber como iguais a eles e
merecedores de tudo o que temos e desenvolvemos ao longo da nossa história.
Essas experiências de alteridade são, em alguma medida, incorporadas ao nosso meio
ambiente, às nossas crenças que se manifestam através da nossa música e ao que somos.
Ouvir e construir em conjunto com o pensamento dos povos originários foi fundamental
para a realização desta pesquisa, das potencialidades dos estilos musicais roraimenses para a
Educação Musical como um todo.
Embora os mais velhos, detentores das sagradas informações, estejam percorrendo o
caminho natural da vida e deixando de repassar seus conhecimentos para os mais novos, é dever
de nossa sociedade saber o que existe de música em nosso estado; é um dever de todos os
pesquisadores comprometidos ouvir o que eles têm para reforçar os recursos intelectuais como
forma de comunicação entre os povos.
Na busca por compreender esses estilos, deparei-me na aquisição de algo mais precioso
que a titulação acadêmica, ou seja, a confiança revelada por meio das palavras dos participantes
em ceder suas histórias, permitindo-me sanar muitas dúvidas em estudos etnomusicológicos
que compõem este trabalho, ampliando meu horizonte para a forma de sua musicalidade.
Precisamos estar abertos para recebermos o entendimento amplo da música indígena e
tudo que a abarca, e pensar: não seria essa a música de Roraima que tanto relutamos em
(re)conhecer? Que alguns professores nos disseram que não existe aqui, senão, do folclorismo
de outras regiões?
Sim. Acredito que essa música faz parte da música de nosso estado e, ademais, é parte
essencial de nossa cultura, assim como as diversas manifestações artísticas e culturais de nosso
47

cotidiano. Portanto, esse é o motivo do título desta obra, e espero grandemente contribuir para
que essa música seja difundida tanto na sala de aula como em textos, biografias, concertos e
recitais, em nossos teatros, nossas praças e em nossas atividades não presenciais.
No decorrer desta monografia, busquei apresentar as músicas indígenas de Roraima com
as quais tive contato sob a ótica da experiência em campo, quando professor de música pelo
Projeto Cantos da Terra, da Prefeitura de Boa Vista-RR, a música sob a ótica da indígena
Macuxi, Lavina Pereira Xavier, e do professor indígena Macuxi, Marcílio Curicaca Leal, que
foram os que me acolheram desde sempre na comunidade indígena Campo Alegre, na área rural
de Boa Vista.
Ouvir sobre música diretamente da voz originária nos permite avaliar o nosso papel no
fortalecimento das culturas musicais dos povos indígenas de nossa região e de nosso país, no
sentido de manter sempre vivas as suas memórias por meio da literatura e das práticas de ensino
voltadas para o fomento de sua história.
De certo que os compositores indígenas são em menor número, devido a muitos fatores
que me falta fôlego aprofundar neste trabalho. Sendo assim, reconheço que minhas experiências
são muito pequenas para avaliar a dimensão desse quantitativo e, certamente, há muitos que
não conheci e que podem ser objeto de pesquisas futuras.
Esta contribuição transitou nas potencialidades etnomusicológicas e de Educação
Musical como instrumento artístico e educativo, neste caso, a flauta doce. Chego ao término
deste estudo com a esperança de ter alcançado o mínimo esperado para essa área da educação,
a partir de musicalidades indígenas de quatro estilos de Roraima, ainda que suas origens são
para além das fronteiras delimitadas pela sociedade ocidental.
No entanto, resultou que as músicas com as quais eu tive contato foram apresentadas e
notadamente ricas em potencialidades didáticas por meio da Educação Musical, deixando para
uma continuidade o desenvolvimento de uma proposta didática propriamente dita inspirada nas
musicalidades de Roraima, o que acentua, ainda mais, a importância desse gênero de trabalho
em nosso estado, já que o presente trabalho enfatiza, apenas, algumas possibilidades didáticas
por intervenção das composições e arranjos apresentados, bem como por intermédio da
contextualização histórica e antropológica dos quatro estilos que as inspiraram.
48

REFERÊNCIAS

BASTIÃO, Zuraida Abud. Prática de conjunto instrumental na educação básica. Música na


Educação Básica, Londrina, vol. 4, n. 4, p. 58-69, 2012.

BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para pesquisa de campo: Produzir e analisar
dados etnográficos. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 [2007].

BRASIL. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. – Brasília: Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 58 p.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF – Dispõe


sobre a educação básica e educação indígena. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 nov.
2022.

FIOROTTI, Devair Antônio.; SILVA, Terêncio Luiz. Panton pia’: Eremunkon do Circum-
Roraima. 1. ed. Rio de Janeiro: Museu do Índio-Funai, 2018. v. 1. 332p.

CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2007.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências


Sociais. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2007.

IBGE. (2021). Cidades: Boa Vista-RR. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-


estados/rr/boa-vista.html. Acesso em: 26 dez. 2022.

OLIVEIRA, Fernanda de Assis. Materiais didáticos nas aulas de música: um survey com
professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre – RS. 2005. Dissertação
(Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Som e música: questões de uma antropologia sonora. Revista
de Antropologia da USP, São Paulo, vol. 44, n. 1, p. 221-286, 2001.

PAOLIELLO, Noara de Oliveira. A Flauta Doce e sua Dupla Função como Instrumento
Artístico e de Iniciação Musical. Monografia (Licenciatura Plena em Educação Artística –
Habilitação em Música) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, 2007.

SANTOS, Jucicleide Pereira Mendonça dos. FIOROTTI, Devair Antônio. Os Cantos


Indígenas Macuxi e Taurepang: Possibilidades. Revista Philologus, Rio de Janeiro, vol. 1,
p. 1650-1961, 2015.
49

SERENKATO - Produção cinematográfica local, de Boa Vista-RR. Produzido pela


Biosphera Records, Boa Vista-RR, 2014 – Atualmente participa de alguns festivais
internacionais – Disponível em: https://studio.youtube.com/video/NEsJex07WOw/edit. Acesso
em: 27 nov. 2022.

STEIN, Marília Raquel Albornoz. Kyringüé mboraí - os cantos das crianças e a cosmo-
sônica Mbyá-Guarani. 2009. – Tese (doutorado em música) - Programa de Pós-Graduação em
Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Porto Alegre, 2009.

KOCH-GRUNBERG, Teodor, 1872-1924 – Do Roraima ao Orinoco: Observações de uma


viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de 1911 a 1913, vol.1 ed.
Unesp, São Paulo, 2006.

ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Trad. de Jerusa Pires Ferreira / Maria Lúcia Diniz
Pochat / Maria Inês de Almeida. São Paulo: HUCITEC, 1997.
50

APÊNDICE A – ENTREVISTAS ABERTAS TRANSCRITAS

Entrevista com a professora Lavina Pereira Xavier:


Arquivo de Áudio: Tempo de gravação: 1h07min30seg.
Realizada em 20 de novembro de 2022.
Eliel Bergue Valente = EL
Lavina Pereira Xavier = LV

LV - Eu não conheço essa aí, Marapá.


EL - Marapá é um estilo musical também.
LV - Ah é...!
LV - Eu não tinha visto ainda essa palavra.
EL - Aonde a senhora nasceu, professora?
LV - Aí tá difícil!
EL - Mas foi na área de São Marcos?
LV - Para mim, entender isso é um pouco difícil porque eu não convivi muito tempo
com meus irmãos, porque quando eu era criança, eu e meu irmãozinho que faleceu também
antes de mim, ele era tão pequeno quando faleceu né eu só sei dizer que a gente morava numa
comunidade Caracanã hoje ainda existe, nosso pai que levou a gente pra morar lá, mas agora
eu não sei aonde que eu nasci, eles nunca me disseram aonde foi que eu nasci, e de Caracanã a
gente veio pra Monte Moriá, já pra estudar, é assim tem a história.
EL - A senhora é professora de qual área na escola onde atua?
LV - Comunicação e Artes.
EL - Quais áreas das artes a senhora mais utiliza?
LV - Música.
EL - Dentro da música, o que é que a senhora trabalha com as crianças?
LV - Eu trabalho a língua macuxi para eles poderem aprender a pronúncia das palavras.
EL - A senhora acha que pronunciar as palavras na língua vai ajudá-los de alguma forma
a desenvolver a sua cultura, ancestralidade. Qual o seu objetivo com isso?
LV - Eu procuro assim, né professor, porque hoje eu vou te falar que antigamente
aqueles adolescentes, aquelas pessoas sabiam pelo menos cantar dançar, eram animados
quando eles traziam lá, tal dia vai ser isso, eles tinham aquela música específica né, sabiam
51

mais do que conheço hoje, já desapareceram, agora se mistura tudo né não sabe para que que tá
cantando, mas tá cantando.
EL - Então, da forma como a senhora aprendeu com seus pais seus avós, cada música
possui uma finalidade?
LV - Tem... tem... cada uma tem uma finalidade sim.
EL - A senhora conhece o Areruia?
LV - Conheço.
EL - Na sua cultura o que a senhora aprendeu sobre a origem do Areruia?
LV - Professor, o senhor sabe que se fossem outras pessoas da comunidade, ia ser difícil
o senhor conseguir essas informações né, porque não é qualquer pessoa que a gente conhece e
fala sobre nossas coisas. Quando eu era meninota, assim professor lá onde a gente morou num
tal de Caracanã, não existia mais essas coisas por causa dos Missionários que não deixavam.
Aonde eu vivia com os meus pais quando era pequena, tinha uma pessoa, ainda existe uma
pessoa, é minha prima, segunda sim né, então ela para nós é uma pessoa principal ela identifica
o que vai acontecer ela é EPÜKENAN, então lá na comunidade quando ela fazia dia de domingo
assim ela fazia esse aleluia, e fazia uma bebida, a bebida era feita de caldo de cana com aquelas
batata roxa, entendeu?, era misturado tipo vinho né... então ela dizia que aquelas garrafas
branquinha, eu não sei se é... eu não sei se é... até hoje eu não sei. Ela dizia que quando a bebida
dela fazia assim... xihh.... subindo pra cima, borbulhando né! Aí ela dizia que os anjos estavam
rezando a bebida, pra não fazer mal, pra você não ficar bêbado.
EL- Quantos dias ficava fermentando?
LV - Eram três ou quatro dias, então tava ok... se não subisse aquilo ali, não podia beber.
Então era coisas assim que ela cantava, aleluia né! Mas eu nunca decorei, eu nunca tive
também... esse... eu nunca ia imaginar que eu ia chegar até aqui, senão eu tinha... mas até hoje
ela tem essas músicas.
EL - E sobre o Tukui o que a senhora gostaria de contar?
LV - Ah eu não sei não.
EL - E o parixara?
LV - A minha mãe dizia quando eu ensinava o Parixara: pra quê ensinar isso minha
filha, isso não presta não, ela dizia. Agora ela não disse assim pra mim, porquê, qual o motivo
né... aí nós duas deitada mesmo, eu perguntei pra ela: Mãe, a senhora disse que Parixara não
presta, por que a senhora falou isso? É porque na época a gente não entendi ainda o que era
religião, religião era isso aqui, Areruia, cantado pela indígena, cantava, dançava agradecendo a
Deus né... então existia isso aqui, não existia forró não existia nada... ela dizia que Parixara é
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aqueles que bebe pajuarú, fica bêbo, não sei o que lá, fica dançando... é por isso que não presta,
aí ela me proibia muito fazer essas coisas assim.
EL - O Deus pra quem era direcionado essa oração, era o deus católico, evangélico, ou
era outro deus específico?
LV - Não, não, era esse mesmo católico, evangélico... só que sempre existiu esse deus
evangélico, só que nunca falavam pra você quem era esse deus né... se deus curava, se deus
batizava, se deus né.... agora que os indígenas sabem.
EL - Isso se deu quando os missionários chegaram e falaram pra vocês que esse deus de
vocês era o deus que os brancos conhecem?
LV - É.
EL - Mas antes vocês falavam simplesmente que era para Deus?
LV - Deus que fez o mundo, Deus que fez as plantas, tudo que a gente entendia assim.
EL - E sobre o Marapá?
LV - Não, eu não sei. Talvez existiu isso aí professor, sabe porquê que eu digo: A minha
mãe que era... eu nunca quis escrever nada, hoje em dia eu me arrependo olha... ela dizia assim:
senta aqui minha filha, pega teu lápis e teu caderno, e dizia mas pra quê mamãe! Escreva o que
eu vou lhe ensinar, como diz o professor Elder, Tarén né! Mas pra quê eu vou aprender isso e
ela dizia: escreva aí minha filha pra você ajudar tuas amigas, pra ter bebê logo rápido, aí eu
dizia: eu não quero ajudar ninguém não, eu não escrevi. Ela dizia, escreve aí pra ajudar teus
netos, pode estar gripado, com tosse... eu não escrevi nada, é só apenas ela falava e eu não dei...
EL - A música indígena é então, na sua opinião, a palavra, a letra, a representação
religiosa e o som?
LV - O branco ele olha alguma coisa e ele faz, mas a letra dele é a música. O Indígena
eu vejo assim...

Após alguns segundos eu percebi que a professora estava cansada, então aproveitei o
momento para lhe apresentar a execução dos quatro cantos, no notebook, para ela ouvir.

LV - Comentou após ouvir o som do Areruia: Areruia é uma dança bem suave, de três
passos, só que quem canta muito Areruia, pode se virar Epükenan, como? Através dos sonhos,
o senhor vai adquirindo aquilo, você não pode guardar, você tem que acordar e cantar... porquê
se você disser, não, eu não sei cantar, aí ele não vem mais, minha mãe era desse jeito, acordava
cantando.
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EL - Na sua opinião e experiência na sala da aula, qual seria a importância dessas


músicas para a educação infantil?
LV - Eu vejo assim, criança, ele já vem ali, ele quer conhecer novidade pra ele, eu
imaginei assim dentro da educação: a criança ouvindo a língua através da música, ela vai dizer,
opa! Vai despertar assim e vai dizer: cadê essas pessoas? Por quê as mães e pais não falam mais
né, só na escola... pelo menos ela vai cantar a música, eu sempre falava pros alunos, vocês
cantam, e eles falavam: a gente canta professora, a gente vai buscar lenha?... ás vezes eles estão
andando pelo caminho e assobiando a música e eles dizem que lembram de mim, mas eu digo
pra eles que eles não lembram de mim, eles lembram porquê aprenderam a música.
Outro aluno que estudou comigo, já cresceu e estudou violão, me procurou dizendo que
queria cantar a minha música. Isso que é interessante, o adolescente não quer saber de nada,
mas vai chegar um ponto que ele vai precisar. Weglisson já é professor de Macuxi em Campo
Alegre, Wegllison tá lá no Mauixi, Luzirene está aqui no Jacaminzinho, passou no concurso e
veio me agradecer... disse muito obrigado professora porque a senhora sempre estava ali tirando
minhas dúvidas. Algumas pessoas perguntam pra que mesmo o ensino de Macuxi e Wapixana?
Eu digo: um dia você vai precisar... assim ocorrerá o despertamento, e a pessoa diz ali vou me
aprofundar.
EL - Nos fale com pouco mais sobre a sua composição por favor.
LV - Minha música indígena é composta pela língua cantada, pensando na cultura, na
natureza, nas paisagens, mas também escrevo a letra da música.
Sobre o simbolismo da música: Igual aquela música que fala assim: Tawake Tawake
Tatarumenk´ai, pra mim é tranquilo entender, mas pra mim que sou indígena, mas agora vem o
branco pedir pra eu traduzir pra ele entender melhor, aí já vai ficar sem significado, porque se
eu for procurar a palavra em português, eu vou procurar a palavra aproximada porque não tem
vocabulário pra aquilo ali. Na música não tem aquele título... ah eu vou cantar... mas dentro da
música já está existindo. A letra diz, ele se pinta, ele está se manifestando através do corpo dele
para receber essa música, que música é essa? Parixara que tá vindo, que ele já recebeu através
dos sonhos, aí ele está desenvolvendo, cantando pra outras pessoas. Então ele fala tatarumenk´ai
– eu me pinto pra receber, então vamos receber, está convidando pra dançar, então vamos
dançar!
EL - Ao aprender a passar pro papel a sua letra da música, a sua cultura cresce com isso?
LV – Sim.
EL - A senhora acha que a sua cultura cresce quando as crianças aprendem a ler e
escrever e falar de sua cultura?
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LV - A minha preocupação é que as crianças não querem saber, a gente ensina, mas elas
não querem saber.... a minha preocupação é essa, vai morrer a cultura!
EL - Dentro do que a senhora notou na sua comunidade, porquê as crianças não querem
mais saber?
LV - Por que os pais não falam mais, na cabeça deles, os pais, na escola que eles
estudaram não era pra falasse as gírias, porquê senão não iam merendar, era por isso que eles
não falam, e ficou isso, e a gente fala que não é mais a palavra gíria, mas é língua, língua
indígena, não existe mais a palavra gíria, não sei de que modo a gente pode levar pra eles
entenderem que aquilo ali é a nossa língua, a língua dos pais, a língua dos antepassados né... eu
sempre falo pra esses que aqui na cidade tem uma igreja, eles falam muito bem a língua, e eles
me chamaram e falaram que estão ensinando as crianças na língua macuxi, eu gostaria de
ensinar esse método pra ensinar esses alunos que não querem.
EL - A senhora acha que os ritmos das músicas dos brancos influenciaram as crianças?
qual seria um dos motivos para as crianças deixarem de gostar da música indígena?
LV - Sim, eu acho que sim.
EL - Na sua cultura, as músicas sempre foram feitas com instrumentos e com a voz dos
indígenas, certo?
LV - Certo.
EL - O que a senhora pensa da música instrumental na educação básica, para indígenas
e não indígenas, como uma ferramenta para despertar nas crianças a curiosidade de saber de
onde vem essas músicas?
LV - Eu acho importante sim, porquê os brancos levam todo dia a música deles pra lá,
então por que não trazer a nossa música pra eles também né! Lá na comunidade eles tocam a
música dos brancos, mas as músicas dos índios eles não sabem cantar nem tocar, precisa de
pessoas como o senhor que estuda pra ensinar eles tocarem a música indígena. É um ponto
positivo com o instrumental, por que eles querem aprender o instrumental, tanto faz o índio,
tanto faz o branco, eles querem aprender o instrumental, os alunos têm vergonha de cantar, eles
têm aula de flauta doce, mas eles têm vergonha de tocar e cantar, aqueles alunos que não tinham
vergonha já foram.
EL - O que pode ser feito para desenvolver a educação musical instrumental na educação
das crianças?
LV - Eu falei pro professor de flauta que ele tem que fazer um arranjo, subir ou baixar,
alguma coisa você tem que fazer na música. Eu vi ele cantando e eu vi que ele não sabia cantar
na língua, se for cantar na língua tem que saber a língua, pra ensinar as crianças cantar na língua.
55

LV - Sobre a educação de crianças nas séries iniciais eu não pensei ainda, porque eu não
tive essa experiência, só tem adolescentes, não tem mais crianças lá onde eu dou aula, o que eu
queria ensinar do início até o sexto ano, eles já estavam capacitados ou não né, falar alguma
coisa, cantar na língua, aquele ânimo, por que eu já trabalhei dessa forma: vamos cantar, mas
pintando! Eu dizia isso né, eu levava aquela música e eu dizia que eu queria ninguém parado,
todo mundo cantando e pintando.
Outra atividade era desenhar, brincar de desenhar, o desenho é livre pra desenhar o que
você gosta, aí eles perguntavam pra quê professora? eu vou escolher o melhor desenho pra eu
fazer uma música pra nós, através do desenho eu vou fazer uma música pra nós, aí que eles se
interessavam. Os adultos... humm! É desse jeito, não é fácil lidar com os jovens não.
Quando essas crianças chegassem no sexto ano, com certeza sabiam cantar... e vão dizer
assim: não, não é assim não, vão ensinar outros.
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Entrevista com o professor Marcílio Curicaca Leal:


Arquivo de Áudio: Tempo de gravação: 38min53seg
Realizada em 24 de novembro de 2022
Eliel Bergue Valente = EL
Marcílio Curicaca Leal = MC

EL - Professor, o senhor conhece as músicas Parixara, Areruia, marapá e Tukui?


MC - Não conheço os dois últimos, Marapá e Tukui.
EL - E sobre o Areruia, o que podes nos falar?
MC - O antigo Tuxaua daqui, sempre cantou no final do ano, assim... sempre vem no
final do ano, segundo ele o Areruia faz referência às festas natalinas, a Cristo... essas situações
de final do ano mesmo, inclusive, anteriormente, acho que 92... 93... por aí a... o natal aqui na
comunidade era cantado só Areruia, depois da ceia até de manhã era cantado Areruia por eles
os primeiros moradores aqui.
EL - Aonde o senhor nasceu, professor?
MC - No Napoleão, comunidade indígena do Napoleão, em Normandia, na região
Raposa Serra do Sol.
EL - Você sempre viveu na comunidade indígena?
MC - Não, eu vivi na comunidade indígena até os quatro anos, por que meus irmãos
mais velhos tiveram que vir para a cidade para estudar, pois só havia até a quinta série nas
comunidades indígenas e a gente foi pra cidade pra que eles pudessem estudar né. Eu fui pra
cidade, fiquei na cidade intensivamente até meus dezesseis anos.
EL - Até qual grau de descendentes você conhece da sua família, pais, avós, bizavós...?
MC - Conheço meus pais e alguns tios os mais antigos mesmo, os avós maternos e
paternos eu não conheci.
EL - Você tem graduação em qual área?
MC - Já fiz matemática, física, pedagogia, e agora letras né...
EL - Você fala a língua Macuxi?
MC - Não, falar não, né, eu tenho estudado pra conhecer as palavras e me comunicar,
até por conta disso né que...
EL - Você dá aula na escola estadual ou municipal?
MC - Estadual aqui em Campo Alegre.
MC - Desde 18 anos de idade eu sou professor, hoje tenho 48 anos. Já trabalhei na cidade
na escola Jesus Nazareno no bairro Cauamé em Boa Vista. A gente fundou a escola, começou
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do primeiro ao quinto ano, e pintou a oportunidade de vim de novo pro interior em 2008, dos
dezoito anos até os vinte e seis, fiquei trabalhando aqui no Campo Alegre, Vista Alegre, Raposa
Serra do Sol, e voltei pra cidade e depois em 2008 voltei de vez aqui pra região.
EL - Atualmente qual a disciplina que você leciona?
MC - Estou trabalhando com física no ensino médio e no laboratório de informática.
EL - Você já deu aula de artes na escola, certo?
MC - Já, já, já dei aula de artes já.
EL - Dentre as quatro áreas do ensino de artes, qual você mais trabalhou?
MC - Minha área sempre foi musicalidade né, minha área da arte sempre foi
musicalidade, sempre gostei de trabalhar com musicalidade e foi a área que eu me identifiquei
dentro da arte.
EL - Como eram as atividades musicais com as crianças?
MC - Canto e dança... agora me lembrei! A gente trabalhou também um pouco de teatro
aqui, já nos últimos anos que eu trabalhei com artes, a gente começou a trabalhar teatro, mas é
música dança, né, como base mais forte da parte de arte né. O teatro surgiu aí como eu tava
falando já... parando de dar aula de arte, a gente conseguiu uns alunos bons aí, e a gene
conseguiu fazer um trabalho bem bacana aí de teatro.
EL - Na sua experiência e opinião, qual a importância do ensino de artes, música na
educação básica?
MC - A gente vem perceber as coisas com o tempo né professor, a gente vai aprendendo
e vendo os resultados obtidos e, eu acredito que a partir de 2012 pra 2014 a gente começou a
ver a grande importância da música, na verdade da arte né, da arte musical dentro da escola, a
gente começou a ver esse resultado e ver o quanto é importante, principalmente quando a gente
tem um trabalho com profissionais de outras áreas, principalmente aqui na nossa área,
professores de língua indígena, no caso, a nossa língua macuxi, a gente pôde perceber a grande
importância do trabalho de musicalidade com o ensino de língua né [...] tanto no fundamental
como no médio, a gente viu que o resultado foi muito positivo.
A ideia principal é esse trabalho conjunto né, porque um vai fortalecer o outro né, a
musicalidade fortalece a língua, o desenvolvimento do... da pronúncia das palavras, o
entendimento fica mais fácil, então a gente sempre procurou fazer o trabalho dessa forma né,
unir o ensino da língua com a musicalidade.
EL - E sobre o parixara, o que é para sua cultura e para você?
MC - O que a gente tem de conhecimento do parixara né, como eu falo dos antigos que
nos repassaram, é sempre um motivo de alegria né, parixara é um momento de comemoração,
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é quando você tem um resultado positivo nas colheitas, na saúde na sua família, eles nos
explicaram que é isso né, é uma forma de expressar a alegria daquilo que foi conquistado, tudo
que foi positivo a agente comemora com parixara né.
EL - Na sua opinião, qual a importância desses estilos musicais na educação básica?
MC - O que a gente pensa aqui com nosso professor de arte e de música, o interessante
é a gente conseguir colocar na escola, todos os estilos musicais indígenas porque além de ser
uma forma de resgatar, é uma forma de ensinar os estilos que existem nas comunidades
indígenas, como eu disse, ouvi falar do tukui, ouvi falar, mas o Marapá eu não conhecia. Se nós
que somos professores não temos conhecimento desses estilos, o interessante seria aplicar,
trazer esse conhecimento pra escola, porque a escola é a difusora de conhecimento né.
EL - E sobre a aplicação desses conhecimentos na escola não indígena?
MC - Eu acredito que falta professores pra fazer esse trabalho, porque, pelo o que eu sei
não existe professor de música numa escola.
EL - Qual a forma com a qual é trabalhada a música na escola indígena?
MC - Sempre em conjunto, mas o difícil mesmo é despertar o interesse nos alunos é o
aprendizado na própria língua né, porque hoje a sociedade está fazendo o aluno perder a vontade
de aprender a sua cultura, a sua língua, e até a questão instrumental também, que a gente não
tem acesso à diversidade de instrumentos que possa favorecer o interesse do aluno,
EL - O que o senhor gostaria de nos falar sobre a língua e a música na escola?
MC - É um pouco de dificuldade porque a gente tem pouca gente que sabe produzir
músicas na língua pra fazer tanto a música quanto a letra da música.
EL - Na educação musical indígena na sua comunidade é trabalhada a música
instrumental?
MC - O senhor falou uma coisa interessante, hoje a gente já não tem uma produção
instrumental dos indígenas, é raridade na nossa região e no nosso estado, pra juntar a música,
instrumentos e intenção, né, que é a finalidade.
EL - Na sua opinião, a música instrumental pode ser usada para atrair a atenção da
criança pra saber de onde vem aquela música, saber a letra...?
MC - A gente entende que a educação básica é a base de tudo, né professor, e a partir
do momento que a gente passa a introduzir uma nova metodologia principalmente na parte
musical, a gente tem conhecimento aí que a música é como uma terapia, e proporciona uma
tranquilidade, uma paz, e isso com certeza vai propiciar um aprendizado. Eu acredito que se a
escola ensinasse dessa forma desde as séries iniciais até o nono ano dessa forma a gente não
teria tantos jovens com déficit de aprendizagem, ou até mesmo a vontade de aprender, porque
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a música ela te leva a isso, né, ela te dá paz, te abre conhecimento pra novos horizontes, você
começa a visualizar outras coisas que são...
EL - O senhor compõe música indígena?
MC - Eu fiz umas duas, mas nunca cheguei a levar a diante não né [...] porque o que a
gente vê de fato nas comunidades indígenas, o que predomina é o forró né, ele não é indígena.
EL - A gente falou sobre o desinteresse das crianças pela sua própria cultura, o você vê
alguma razão pra isso?
MC - Eu vejo que é por causa da chegada dos brancos na comunidade, está muito
acentuada né, a questão da música, é o forró é o rock... então isso vai tirando, e a própria escola
não tem um trabalho específico pra isso né, então fica aí aleatório, como eu falei, cadê o
professor de música nas séries iniciais? Não tem o cara específico pra trabalhar isso aí, o próprio
professor de língua, ele não tem essa base, não tem nem pelo menos uma teoria musical. Isso
desfavorece o despertar do interesse do aluno, ele tem que ter uma pessoa específica pra aquela
área. A própria escola ter em seu planejamento no seu PPP o ensino da musicalidade o resgate
cultural, essas coisas mais presentes, com certeza ia despertar o interesse, mas eu acho também,
o que desfavorece o desinteresse é essa massificação das culturas não indígenas dentro das
comunidades indígenas, as próprias secretarias de educação municipais e estaduais não se
preocupam com a contratação do professor específico pra essa área, ah... nós contratamos
professores de língua! sim, eles são professores de língua, mas cadê o outro grupo de apoio?
até o professor de artes nas séries iniciais não tem, então se nós tivesse um professor de artes
aliado como professor de língua indígena, com certeza o trabalho seria excelente, esse trabalho
de regate e promoção da cultura, e língua indígena, já teria ganhado um espaço maior, e
despertado o interesse dos alunos, porque quando ele chegar lá no fundamental dois né, ele já
vai ter um conhecimento mais a fundo da cultura, porque é criança, tá em formação né.
EL - No caso do ensino em escolas de não indígenas, já que não temos muitos
professores de língua, enquanto isso não for suprido, você considera que a música instrumental
poderia aguçar o interesse das crianças?
MC - Sem sombra de dúvidas, eu acredito muito, que a música, ela vai abrir essas portas
da diversidade né, a gente vai poder levar pra lá as várias línguas, a gente não canta em inglês,
francês, não toca... porque não tocamos na língua macuxi, língua indígena, pra suprir essa
necessidade na ausência do professor de língua, a instrumentalidade poderia suprir, não como
um todo, mas ia dar um ponta pé inicial, mas já seria de grande valia né.
EL - Atualmente há aula de música instrumental aqui em Campo Alegre?
MC - Tem, de flauta doce e de violão instrumental e acompanhado de canto.
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EL - Qual o tipo de flauta que vocês usam nas aulas?


MC - São aquelas de plástico mesmo e de resina.
EL - Você pensou em fazer mesmo a flauta doce?
MC - Sim, a ideia é essa, produzir mesmo os instrumentos aqui, eu acredito que não
demora muito pro ano que vem. Professor, eu não falei, mas meu avô era o cantor da região da
Raposa, ele cantava toda aquela região lá, ele ganhava boi, ele ganhava farinha, toda pra ele
fazer a festa né, e ele aprendia música em sonho, como EPÜKENA, a minha mãe contava que
ele dormia e aprendia uma música, chamavam ele, um carro de boi ia buscar ele, iam buscar ele
lá na comunidade Canavial, na Raposa Serra do Sol.
EL - E as músicas dele eram como?
MC - Eram Parixara sempre pras festas.
EL - Você conhece as músicas dele?
MC - A minha mãe, de vez em quando cantava uma música dele lá... ela disse que
herdou o dom dele, ela sonhava e acordava cantando, ela tocava cavaquinho, ela chegou até a
acompanhar ele. Professor a única lembrança assim mesmo, eu vim com quatro anos de lá, mas
teve dois festejos que nós fomos, um no Napoleão, na minha comunidade lá e outro na Raposa,
foram três dias de festa, acho que a professora Lavina lembra, aquelas flautonas de bambu, é
bambú é... mas enorme assim! Umas oito! Taboca! Aí professor, os caras tocando lá phunnn...
phumm... e olhe! Quando ele dava um intervalo assim... o cantor cantava, cantava, cantava, e
depois descansava a boca e ficava lá dançando. Rapaz! Eu lembro disso aí, eu ia sempre com a
mamãe e com o papai pra lá né, e tinha isso aí, e eu nunca mais vi esses instrumentos, não tem
porque os que faziam esses instrumentos já se foram. A ideia é essa professor, a gente produzir
esse material, porque a festa aqui em Campo Alegre era assim, não tinha esse negócio.
EL - O senhor gostaria de finalizar de alguma maneira nos dizendo o que poderia
melhorar na educação musical básica?
MC - Professor, na verdade nós não temos quase nada né, o que eu espero que a gente
possa começar um trabalho de musicalidades com a instrumentalização, onde a gente possa
trabalhar realmente a escrita, pronúncia, musicalidade na língua indígena, tanto faz, aqui nós
trabalhamos com Wapixana e Macuxi né. Se a gente conseguir implantar isso pelo menos em
duas escolas, a gente pode posteriormente levar isso para as demais escolas. Eu acredito que
também esses trabalhos de pesquisa, como o senhor tá fazendo, nos trabalhos de... que a gente
pudesse trazer esses trabalhos para serem executados né, que a gente conseguisse trazer esses
trabalhos pra realidade pra poder executar né, o que é um trabalho de conclusão de curso, mas
que pode servir como base pra que as escolas possam aplicar, eu vejo assim, quando tem um
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trabalho feito em qualquer área, ele tem que ser desenvolvido pelo menos como experimento,
já que a gente tem base, tem pesquisa, tem fonte bibliográfica que apoiam esse tipo de trabalho,
que dão fundamentação, nós teremos que partir pra prática né, assim como o senhor fala, se a
gente puder trazer um professor que está terminando, que tem a experiência, tem a pesquisa tem
tudo, porque não aplicar nas escolas!
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APÊNDICE B - MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

A senhora está sendo convidada a participar da pesquisa de Trabalho de Conclusão de


Curso, vinculada ao curso de Licenciatura em Música da UFRR, intitulada Música Indígena
para flauta doce: – possibilidades didáticas com musicalidades de quatro estilos roraimenses,
sob a responsabilidade do discente Eliel Bergue Valente, matrícula n.º 1201322510, com
orientação do Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala Norberto.

1. Natureza da pesquisa: A senhora está sendo convidada a participar desta


pesquisa, que tem a finalidade de ouvi-la acerca da sua experiência como professora da
educação básica, sua relação com a composição musical indígena, sua visão sobre a função da
música na educação básica, e a música instrumental como uma ferramenta para o ensino
musical, com arranjos inspirados nas canções indígenas.
2. Participantes da pesquisa: A senhora e o professor Marcílio Curicaca Leal.
3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo, a senhora está
concordando em ser entrevistada pelo discente responsável pela pesquisa para posterior
transcrição e análise dos dados coletados, que serão divulgados no formato de uma monografia
escrita.
4. Sobre as entrevistas: serão gravadas em áudio e uma fotografia.
5. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não infringe as normas
legais e éticas. Os procedimentos adotados obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com
Seres Humanos, conforme a Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum
dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo serão
divulgadas no trabalho, conforme a sua autorização, quando da publicação dos resultados da
pesquisa.
7. Benefícios: ao participar desta pesquisa, a senhora não terá nenhum benefício
direto, principalmente, financeiro. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações
importantes sobre a música, a partir das perspectivas suas e do professor participante, de forma
a contribuir para as áreas de Música e Educação, fornecendo conceituações, definições e
63

discussões no tocante ao ensino musical instrumental baseados nos cantos tradicionais


indígenas. Vale ressaltar que o discente se compromete a divulgar os resultados obtidos,
respeitando-se as informações coletadas, conforme previsto no item anterior.
8. Pagamento: A senhora não terá nenhum tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.

A senhora tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar


participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para ambas as partes. Sempre
que necessário, a senhora poderá solicitar mais informações sobre a pesquisa por meio do e-
mail do discente responsável: elielberguev@gmail.com.
Após esses esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto, por gentileza, leia atentamente, preencha os dados de sua
cidade, coloque a data de realização da entrevista e assine este termo: Confirmo que recebi uma
via deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e autorizo a minha participação na
pesquisa, bem como a divulgação dos dados obtidos neste estudo.

Obs.: Não assine este termo se ainda tiver dúvidas a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido


Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, Lavina Pereira Xavier, declaro que
entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e, de forma livre e
esclarecida, manifesto meu consentimento em participar.

Boa Vista-RR, 20 de novembro de 2022.

__________________________ ___________________________
Lavina Pereira Xavier Eliel Bergue Valente
Participante da Pesquisa Discente/Pesquisador

__________________________________
Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O senhor está sendo convidado a participar da pesquisa de Trabalho de Conclusão de


Curso, vinculada ao curso de Licenciatura em Música da UFRR, intitulada Música Indígena
para flauta doce: possibilidades didáticas com musicalidades de quatro estilos roraimenses, sob
a responsabilidade do discente Eliel Bergue valente, matrícula n.º 1201322510, com orientação
do Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala Norberto.

1. Natureza da pesquisa: O senhor está sendo convidado a participar desta


pesquisa, que tem a finalidade de ouvi-lo acerca da sua experiência como professor da educação
básica, sua relação com a composição musical indígena, sua visão sobre a função da música na
educação básica, e a música instrumental como uma ferramenta para o ensino musical, com
arranjos inspirados nas canções indígenas.
2. Participantes da pesquisa: O senhor e a professora Lavina Pereira Xavier.
3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo, a senhor está
concordando em ser entrevistado pelo discente responsável pela pesquisa para posterior
transcrição e análise dos dados coletados, que serão divulgados no formato de uma monografia
escrita.
4. Sobre as entrevistas: serão gravadas em áudio.
5. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não infringe as normas
legais e éticas. Os procedimentos adotados obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com
Seres Humanos, conforme a Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum
dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo serão
divulgadas no trabalho, conforme a sua autorização, quando da publicação dos resultados da
pesquisa.
7. Benefícios: ao participar desta pesquisa, o senhor não terá nenhum benefício
direto, principalmente, financeiro. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações
importantes sobre a música, a partir das perspectivas suas e da professora participante, de forma
a contribuir para as áreas de Música e Educação, fornecendo conceituações, definições e
discussões no tocante ao ensino musical instrumental baseados nos cantos tradicionais
indígenas. Vale ressaltar que o discente se compromete a divulgar os resultados obtidos,
respeitando-se as informações coletadas, conforme previsto no item anterior.
65

8. Pagamento: O senhor não terá nenhum tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.

O senhor tem a liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar


participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para ambas as partes. Sempre
que necessário, o senhor poderá solicitar mais informações sobre a pesquisa por meio do e-mail
do discente responsável: elielberguev@gmail.com.
Após esses esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto, por gentileza, leia atentamente, preencha os dados de sua
cidade, coloque a data de realização da entrevista e assine este termo: Confirmo que recebi uma
via deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e autorizo a minha participação na
pesquisa, bem como a divulgação dos dados obtidos neste estudo.

Obs.: Não assine este termo se ainda tiver dúvidas a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido


Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, Marcílio Curicaca Leal, declaro que
entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e, de forma livre e
esclarecida, manifesto meu consentimento em participar.

Boa Vista-RR, 24 de novembro de 2022.

__________________________ ___________________________
Marcílio Curicaca Leal Eliel Bergue Valente
Participante da Pesquisa Discente/Pesquisador

__________________________________
Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador
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APÊNDICE C – FOTOGRAFIA COM OS PARTICIPANTES

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