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Boa Vista, RR
2022
ELIEL BERGUE VALENTE
Boa Vista, RR
2022
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
CDU – 78.021(=1-82)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador/Curso de Licenciatura em Música - UFRR
_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Katiusca Lamara dos Santos Barbosa
Curso de Licenciatura em Música - UFRR
_________________________________________________________
Prof. Me. Áquilas Torres de Oliveira
Curso de Licenciatura em Música - UFRR
AGRADECIMENTOS
O objetivo desta pesquisa é apresentar possibilidades didáticas como alternativas para o ensino
da prática musical coletiva do instrumento flauta doce a partir da transcrição, adaptação e
composição de arranjos inspirados em músicas indígenas transcritas de fontes orais. Dessa
forma, o universo foi voltado ao olhar e à escuta da música indígena de Roraima, mais
especificamente de quatro estilos musicais presentes no estado, o Areruia, o Parixara, o Takui
e o Marapá. Quanto à metodologia, a pesquisa trabalhou com abordagens qualitativas inspiradas
no método da etnografia por meio da realização de entrevistas abertas com a professora e o
professor indígenas da etnia Macuxi, Lavina Pereira Xavier e Marcílio Curicaca, bem como das
experiências intersubjetivas enquanto professor de música entre indígenas da mesma etnia nas
comunidades Campo Alegre e Vista Alegre entre os anos de 2009 e 2011. Além disso, a
pesquisa bibliográfica e o referencial teórico nos campos da Etnomusicologia, da Antropologia
e da Educação Musical foram determinantes para a construção das bases conceituais desta
monografia. As histórias de vida cedidas por meus colaboradores e seus anseios para a educação
reforçam a justificativa desta pesquisa. Pretendo, também, homenagear as culturas indígenas de
Roraima observando seus aspectos gerais em diálogo com as pesquisas musicológicas de Devair
Antonio Fiorotti e Terêncio Luiz Silva (2018), uma vez que o autor reconhece que a obra
musical indígena é composta por um universo imenso de características e possibilidades. Ainda,
apresento os quatro estilos em questão com a finalidade de compreendê-los por intermédio da
ampliação de seus aspectos históricos e musicais, embasado, para além das entrevistas e das
pesquisas de Fiorotti e Silva, nas reflexões etnomusicológicas de Tiago de Oliveira Pinto
(2001); de Bastião (2012), com a prática coletiva de instrumentos; de Noara de Oliveira
Paoliello (2007), com a dupla função da flauta doce; e de Paul Zumthor (1997), com a poesia
oral e seu potencial de transmissão. Por fim, publicizo algumas partituras contendo
composições e arranjos - de minha autoria - para flauta doce e percussão, com o objetivo de
contribuir para a educação musical local/regional mediante o diálogo com as musicalidades
indígenas e de fomentar a prática musical indígena dentro e fora da sala de aula, ampliando sua
disseminação para fora do ambiente das comunidades. Como contribuições desta pesquisa,
espero que este seja um referencial inicial para o desenvolvimento de atividades didáticas e
musicais no contexto da Educação Musical Infantil e da prática musical em conjunto a partir de
obras inspiradas em musicalidades indígenas do estado de Roraima.
The objective of this research is to present teaching possibilities as alternatives for teaching the
collective musical practice of the recorder flute based on the transcription, adaptation, and
composition of arrangements inspired by indigenous music transcribed from oral sources. In
this way, the research universe was focused on looking at and listening to the indigenous music
of Roraima, more specifically to four musical styles present in the state, Areruia, Parixara,
Takui, and Marapá. As for the methodology, the research worked with qualitative approaches
inspired by the ethnography method through open interviews with two teachers of the Macuxi
ethnic group, Lavina Pereira Xavier and Marcílio Curicaca, as well as the intersubjective
experiences of the researcher as a music teacher among indigenous people of the same ethnic
group at Campo Alegre and Vista Alegre communities between 2009 and 2011. In addition, the
bibliographical research, and the theoretical framework in the fields of Ethnomusicology,
Anthropology, and Music Education were decisive for the construction of the conceptual bases
of this monograph. The life stories provided by my collaborators and their craves for education
reinforce the reason of this research. I also intend to honor the indigenous cultures of Roraima
by observing their general aspects in dialogue with Devair Antônio Fiorotti e Terêncio Luiz
Silva (2018) musicological research, since the author recognizes that the indigenous musical
work is composed of an immense universe of characteristics and possibilities. Furthermore, I
present the four styles in order to understand them through the expansion of their historical and
musical aspects, based, in addition to Fiorotti e Silva interviews and research, on the
ethnomusicological reflections of Tiago de Oliveira Pinto (2001); by Bastião (2012), with the
collective practice of musical instruments; by Noara de Oliveira Paoliello (2007), with the
double function of the recorder flute; and Paul Zumthor (1997), with oral poetry and its
transmission potential. Finally, I publish some scores containing compositions and
arrangements - of my authorship - for recorder flute and percussion, with the aim of contributing
to local/regional music education through dialogue with indigenous musicalities and to foster
indigenous musical practice inside and outside from the classroom, expanding its dissemination
outside the community environment. As contributions of this research, I hope that this is an
initial reference for the development of teaching and musical activities in the context of Early
Childhood Music Education and of musical practice in general inspired by indigenous
musicalities from the Roraima state.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 REFLEXÃO SOBRE A MÚSICA INDÍGENA EM RORAIMA E SOBRE OS
SIGNIFICADOS DO TERMO “MÚSICA” ........................................................................ 14
1.1 DIÁLOGO ENTRE AS ÁREAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL E ANTROPOLOGIA ... 16
INTRODUÇÃO
A ideia inicial de produzir um material didático a partir de músicas indígenas locais teve
início entre os anos de 2009 e 2011, quando atuei como professor de música nas comunidades
indígenas Campo Alegre e Vista Alegre, com jovens indígenas, por meio do Projeto Cantos da
Terra, promovido pela Prefeitura de Boa Vista, capital do estado de Roraima, que tinha como
objetivo a valorização das tradições e da cultura indígena por intermédio de oficinas de música
em Campo Alegre, Vista Alegre, Ilha, Serra da Moça e Morcego, onde se destacou o canto coral
em Campo Alegre por ser o local mais acessível.
Campo Alegre é uma comunidade indígena situada na região rural de Boa Vista. Nessa
comunidade havia, na época, um núcleo do projeto com atividade de canto coral chamado Coral
Esserenk´á, que significa “Cantar”, originado da língua Macuxi.
As atividades contribuíam para o processo de reinserção ao repertório de sua cultura,
sendo que a presença de uma professora de língua indígena foi fundamental para que as crianças
aprendessem as pronúncias nessas atividades de canto coletivo.
A partir dessa iniciativa, a prática da língua entre as crianças cresceu e as aulas de
Macuxi ofertadas pela escola regular indígena em Campo Alegre passaram a ser mais
valorizadas. Uma atitude multiplicadora que despertou em alguns alunos o ensino da língua
materna atualmente como profissão.
Vários profissionais atuavam no projeto; participavam cantores populares, músicos
instrumentistas, artesãs indígenas voluntárias e servidores da Prefeitura do Município de Boa
Vista. Eles se dividiam em atividades de logística, oficinas de música e coordenação do serviço
artesanal das vestimentas tradicionais da etnia Macuxi. Essas ações despertaram, junto aos
indígenas, o gosto por suas práticas quase esquecidas.
Convém destacar o papel de “valorização e resgate” - como os próprios colaboradores
desta pesquisa ressaltaram em diversas oportunidades - dessas práticas culturais quanto às
atividades musicais, à língua e ao artesanato. Elas são ferramentas fundamentais de reinserção
das crianças às suas musicalidades, objeto desta pesquisa, que apesar da ausência de políticas
públicas voltadas para esse fim, atualmente, ainda resistem, e possuem um núcleo musical
coordenado pelo professor Marcílio Curicaca Leal, onde é realizada a oficina coletiva de flauta
doce e a performance com as composições da professora Lavina, além de alguns cantos
herdados de seus antepassados e apreendidos durante os anos do Coral Esserenk´a.
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Dito isso, o presente trabalho dedica-se a elaborar uma proposta de arranjos para flauta
doce com a inserção de música instrumental na Educação Básica, indígena e não indígena, uma
vez em que a educação multicultural é uma realidade em nossa região, visando despertar nas
crianças o interesse nas suas musicalidades tradicionais e na criatividade em ambiente escolar,
podendo, eles mesmos, posteriormente, criarem suas próprias leituras e releituras musicais dos
estilos roraimenses.
A divulgação das musicalidades indígenas será disposta por meio da edição de melodias
tradicionais de Roraima produzindo um material didático sucinto com releitura de melodias
publicadas voltadas para a performance com flautas doces e percussão, com a possibilidade de
serem aplicadas em ambiente escolar ou em outros ambientes musicais.
O processo de construção metodológica deste trabalho envolveu pesquisa bibliográfica
primária, por conter coleta in loco, secundária, por constarem em outras fontes impressas e
digitais (CERVO, 2007, p. 80). Os materiais coletados passaram por uma edição e foram
organizados ao longo do quarto capítulo.
Ainda sobre as abordagens qualitativas, Marília Stein aponta alguns benefícios sobre o
processo de construção etnográfico como fundamental para o desenvolvimento da coletividade,
sendo que, apesar de despontar dentre um grupo uma pessoa com mais facilidade para a música,
ainda assim para que ocorram desenvolvimentos musicais, são necessários os apoios do grupo
inteiro nesse processo (STEIN, 2009, p. 219).
Por conseguinte, busca-se contribuir na reinserção das práticas musicais tradicionais do
cotidiano da comunidade escolar e da comunidade indígena para o desenvolvimento da prática
instrumental como uma fonte de despertamento do conhecimento de melodias da cultura
indígena de nossa região, pois é de conhecimento público que há poucos professores de língua
materna para suprir essa lacuna em nossa sociedade e nas diversas regiões habitadas pelas
populações originárias, como afirma o indígena participante da pesquisa nos apêndices.
Portanto, é de fundamental importância uma atividade musical étnica para a cultura
local, pois as práticas musicais da comunidade indígena Campo Alegre não se restringem à
música indígena.
A partir dos relatos dos colaboradores, entrei em contato com uma especificidade da
realidade local em que me inseri, a de que existem poucos indígenas que ensinam a sua cultura
aos seus filhos, e segundo eles, isso decorre das trocas culturais, como a cultura do forró, do
xote, a internet, a chegada de migrantes e a intervenção da igreja.
Ainda assim, existe reconhecidamente dois compositores de música indígena na
comunidade Campo Alegre. Apesar de os participantes desta pesquisa apontarem para a
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presença de outros, não se nota uma predisposição para a saída do anonimato dentro de sua
própria comunidade, e o único grupo instrumental existente na comunidade onde realizamos a
pesquisa é um grupo de flauta doce que faz parte de atividade extracurricular na escola.
Essas observações visam responder algumas perguntas que surgiram durante o processo
de elaboração do projeto de pesquisa desta monografia e foram esclarecidas por meio das
entrevistas com a professora Lavina e o Professor Marcílio, fazendo-nos refletir sobre estas
questões: Quais os benefícios produzidos pela inserção de melodias tradicionais por intermédio
de atividades de prática de conjunto? Como essa prática pode contribuir no desenvolvimento
cultural de crianças e adolescentes indígenas? Qual a importância de uma atividade musical
étnica para a cultura local? As práticas musicais da comunidade indígena Campo Alegre se
restringem à música indígena? Qual o estado atual da composição musical indígena em Campo
Alegre? Quem são os compositores e as compositoras indígenas? Há na comunidade algum
grupo instrumental?
As relações entre música indígena e educação musical são tratadas de acordo com o
cenário antropológico de Oliveira Pinto (2001) em sua obra Som e Música: questões de uma
antropologia sonora, para reforçar a relação da música indígena com o ensino musical.
A escolha da instrumentação melódica para os arranjos de flauta doce se deu com base
na dupla função historicamente reconhecida, ou seja, função artística e de educação musical,
conforme defendida por Paoliello (2007, p.3).
Voltando o olhar para o procedimento metodológico entre mim e os participantes,
ressalto que a experiência de campo vivida entre os anos de 2009 e 2011 foi primordial para
nos conhecermos e percebermos as compatibilidades e expectativas para a Educação Musical.
Tínhamos objetivos semelhantes, os colaboradores acompanharam a trajetória positiva de
atividades musicais viáveis para o desenvolvimento cultural, gerando uma confiança mútua
entre a professora Lavina Pereira Xavier, o professor Marcílio Curicaca Leal e os participantes
do projeto Cantos da Terra.
Sobre o modelo de entrevistas abertas, adotado nesta pesquisa, Beaud; Weber (2014, p.
129) afirmam que: “[...] um lugar apropriado e um horário compatível com as limitações das
duas partes. Não despreze essas questões materiais, pois condicionam a possibilidade de realizar
uma entrevista aprofundada [...]”, nesse caso, tudo deve ser levado em consideração respeitando
o tempo e as condições que envolvem a aceitação das partes entrevistadas.
Essa forma de ver a entrevista aberta pode se dar pela liberdade dada ao entrevistado no
momento da conversa, e apesar de os dados serem mais difíceis de interpretar, é importante
para que o entrevistado possa escolher o que falar e sentir-se à vontade para se expressar, como
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segue: “[...] resposta livre, não-limitada por alternativas apresentadas, o pesquisado fala ou
escreve livremente sobre o tema que lhe é proposto. A análise das respostas é mais difícil”
(GOLDENBERG, 2004, p. 86).
Os riscos ambientados por Goldenberg, no caso desta pesquisa, foram minimizados pela
confiança mútua construída ao longo dos anos com os colaboradores, uma vez em que os
próprios alegaram: “professor, o senhor sabe que se fossem outras pessoas da comunidade, ia
ser difícil o senhor conseguir essas informações, né, porque não é qualquer pessoa que a gente
conhece e fala sobre nossas coisas”, e acerca disso é evidente que o entrevistado pode não
querer revelar alguma informação.
Este trabalho está estruturado em quatro capítulos onde trago definições sobre o termo
“música” pelos indígenas participantes, criando diálogos que ligam a Educação Musical à
Antropologia, à importância de um material didático e às razões de se manterem as
características fundamentais dos estilos musicais escolhidos.
Com o propósito de situar o leitor geograficamente, são apresentados esclarecimentos
sobre a região da comunidade assistida e a principal localidade de onde surgiram os estilos
musicais abordados nesta pesquisa.
Na sequência, faço uma ligação entre musicalidades indígenas e educação musical e a
importância de se fazer mais música em sala de aula, as possibilidades da prática musical
coletiva, seguida de uma análise das partituras produzidas por Devair Antônio Fiorotti e
Terêncio Luiz Silva com a finalidade de trazer ao leitor as características fundamentais dos
cantos para, em seguida, apresentar os arranjos criados sem prejuízo à sua essência.
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A música é tão cíclica quanto o dia e a noite, segue uma direção, e a história nos convida
para essa reflexão, para esse olhar na forma com a qual a música é criada, não se trata de uma
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música composta ao acaso ou aleatória, ela possui uma organização, e isso nos lembra que na
música formal temos qualidades que expressam as linhas a seguir: “significa que a peça é
‘organizada’, isto é, que ela está constituída de elementos que funcionam tal como um
organismo vivo” (SCHOENBERG, 1996, p. 27).
Embora ela use ferramentas da música ocidental, jamais deixaria de ser compositora de
música indígena, além disso, maiores riquezas são percebidas e transponíveis apesar das
barreiras dos significados entre culturas esboçados ao longo das entrevistas.
Lavina Pereira Xavier me apresentou suas memórias enquanto compositora indígena
fazendo uma inter-relação com a sua verdade histórica, o que para si significa música, e a forma
com a qual ela é produz a sua musicalidade, de modo organizado e coerente, dentro de seus
parâmetros culturais próprios desenvolvidos pela sua história de vida, a sua cultura histórica, a
tecnologia e o meio ambiente natural como fonte fundamental para a sua composição.
Muitos se perguntam o que é música para si e para os diversos teóricos musicais de
todos os tempos, e como vimos nas poucas linhas da indígena Lavina: “música indígena é uma
coisa que não é inventada [...], é uma vocação [...], uma inspiração”, e pode ter letra ou não
(SERENKATO, 2014).
Para os Gregos, a música e a poesia eram também algo que se podia compreender como
indissociáveis, pois, ao se falar em poesia, estaria falando também em música, como no uso dos
termos Poesia Lírica, que era poesia executada com acompanhamento do instrumento lira; Ode,
que significava para eles a arte do canto, entre outras (GROUT; PALISCA, 2007, p. 20).
Compreender o que é música, e como a vemos, sempre é uma necessidade presente nas
linhas que se seguem.
Nessa busca de justificar ao máximo possível a necessidade desta produção, com o
propósito de trazer à comunidade um trabalho firmemente alicerçado em estudos bibliográficos
e entrevista in loco, considero que a sua importância está ligada à necessidade de produção de
trabalhos voltados para a Educação Musical que façam relação entre a cultura indígena como
uma fonte inesgotável de conhecimento para a manutenção da própria história dos povos da
Região Amazônica.
A música atua em diversas frentes, tanto no âmbito da relação com o divino, como nas
relações interdisciplinares (GROUT; PALISCA, 2007, p.17). Atualmente vemos a música
indígena de Roraima sob a ótica da musicologia assumindo uma posição ante sua definição
enquanto música.
Em seu trabalho denominado PANTON PIA´, o professor Devair Antônio Fiorotti e
Terênio Luiz Silva desenvolveram uma pesquisa voltada para o registro musical da região
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quantidade suficiente para o ensino de língua indígena, e a música instrumental entra como uma
ferramenta importante nesse processo.
Oliveira Pinto aponta que ao darmos atenção às sonoridades dos outros, percebemos a
nós mesmos, e nosso meio ambiente, e a música manifesta o que acreditamos, o que somos, e
dá sentido à nossa existência, seja em qual for a sociedade (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 223).
A coleta dessas músicas para a produção de música instrumental indígena para flautas
doces e percussão é proposta para contribuir na divulgação da nossa música local valorizando
a história de nosso povo, e a música como um instrumento de desenvolvimento social e
intelectual, ampliando horizontes no conhecimento musical étnico, norteados por pesquisas que
mantêm o seu valor frente à gama de outros gêneros na educação musical instrumental.
A escolha do instrumento musical flauta doce se deu pelas minhas experiências com o
instrumento e pelo belo trabalho de Noara de Oliveira Paoliello (2007), que se baseia nas
transformações históricas que o instrumento vem passando, considerando a sua dupla função,
como instrumento artístico e de educação musical.
As partituras produzidas pela pesquisa do Dr. Devair passaram por uma análise,
observando-se os aspectos principais de meu interesse para a construção da proposta de
arranjos, como ritmos predominantes, fórmulas de compasso, pulso, andamento, tessitura e
acompanhamento, características em comum entre os estilos.
Ao estruturar os arranjos, segundo a ótica de releitura, busco manter características
apresentadas pelos participantes da pesquisa, que obviamente se enlaçam às apresentadas pela
pesquisa de Fiorotti e Silva (2018), e a sua junção nos esclarece a estrutura geral da música
indígena, tais como: tessitura, ritmos predominantes, ausência de acompanhamento harmônico,
ausência de fórmula composicional tradicional e o empirismo enraizado na criação.
Embora tenha que me valer da junção com a teoria musical ocidental, utilizo como
sugestão a aquisição ou confecção de instrumentos musicais percussivos, flauta, entre outros
instrumentos artesanais, com a meta de manter algumas das principais especificidades dos
cantos em geral, como aponta (SANTOS, FIORROTTI, 2015, p.1658).
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Para que possamos nos situar ao contexto geográfico da pesquisa, é imprescindível saber
os seus limites territoriais. Seu início é na cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima,
com uma população estimada de 43.6591 pelo IBGE (2021), integralmente localizada no
Hemisfério Norte. Estamos na fronteira com a Venezuela, Guiana, e na divisa com os estados
do Amazonas e do Pará.
Segundo relato etnográfico, após a extinção da aldeia indígena Inajatuba, deu-se espaço
para a atual Comunidade Vista Alegre, ali já se notava a presença de influências de culturas
externas, mesmo antes da passagem do etnógrafo Koch Grunberg1 por essa região de Roraima
(KOCH-GRUNBERG, 2006, p. 36).
Para excluírem-se dúvidas acerca da posição geográfica da comunidade indígena citada
ao longo deste trabalho, apresentamos a seguir um mapa que ilustra claramente essa distinção
para se dirimirem as relações com as citações de Koch Grunberg, muitas vezes confundidas.
Sabe-se agora que ambas são distintas em sua geografia, ao norte temos as tratadas neste
trabalho, acesso pela RR-319, e a outra ao sul, no município de Caracaraí, acesso pela BR-174,
como vemos no mapa (fig. 1). Apesar de serem localidades distantes, não obstante, podemos
avaliar algo em comum entre os dois pontos geográficos, a sua relação com as influências
externas sobre os povos indígenas.
1
Etnógrafo, entre 1911 e 1913, Koch Grünberg viajou para o Rio Branco na fronteira entre Brasil, Guiana e
Venezuela. Resultou na publicação dos cinco volumes que relatam a experiência do viajante alemão na expedição
que fez ao norte do Amazonas e ao sul da Venezuela: Vom Roraima zum Orinoco: Ergebnisse einer Reise in
Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren (Do Roraima ao Orinoco: Observações de uma viagem pelo norte do
Brasil e pela Venezuela entre os anos de 1911 e 1913). Sua importância para este trabalho é o esclarecimento
geográfico da comunidade citada.
19
NORTE
SUL
Do mesmo modo, outra forma de vermos os efeitos dessas influências é a partir da ótica
do professor Marcílio, que nos indica a chegada maciça de pessoas não indígenas na
comunidade e as trocas culturais com a música urbana como pontos a serem incluídos nessas
interferências que vêm modificando a vida e a estrutura da própria comunidade (MARCÍLIO,
2022).
As palavras a seguir expressam a realidade de Campo Alegre, cedidas pelos
participantes da pesquisa. Quando perguntados sobre o que levou as crianças a desconhecerem,
ou estarem desinteressadas pela sua cultura – língua e música cantada em Macuxi:
Lavina - a minha preocupação é que as crianças não querem saber, a gente ensina,
mas elas não querem saber.... a minha preocupação é essa, vai morrer a cultura! [...]
Por que os pais não falam mais, na cabeça deles, os pais, na escola que eles estudaram
não era pra falar as gírias, porquê senão não iam merendar, era por isso que eles não
falavam, e ficou isso, e a gente fala que não é mais a palavra gíria, é língua, língua
indígena, não existe mais a palavra gíria, não sei de que modo a gente pode levar pra
eles entenderem que aquilo ali é a nossa língua, a língua dos pais, a língua dos
antepassados, né... Eu sempre falo pra esses que aqui na cidade tem uma igreja, eles
falam muito bem a língua, e eles me chamaram e falaram que estão ensinando as
crianças na língua Macuxi, eu gostaria de aprender esse método pra ensinar esses
alunos que não querem (LAVINA, 20.11.2022).
Marcílio - eu vejo que é por causa da chegada dos brancos na comunidade, está muito
acentuada, né, a questão da música, é o forró, é o rock... então isso vai tirando, e a
própria escola não tem um trabalho específico pra isso, né, então fica aí aleatório,
como eu falei, cadê o professor de música nas séries iniciais? Não tem o cara
específico pra trabalhar isso aí, o próprio professor de língua, ele não tem essa base,
não tem nem pelo menos uma teoria musical. Isso desfavorece o despertar do interesse
do aluno, ele tem que ter uma pessoa específica pra aquela área. A própria escola ter
em seu planejamento no seu PPP o ensino da musicalidade, o resgate cultural. Essas
coisas mais presentes, com certeza ia despertar o interesse, mas eu acho também o que
desfavorece o desinteresse é essa massificação das culturas não indígenas dentro das
comunidades indígenas; as próprias secretarias de educação municipais e estaduais
não se preocupam com a contratação do professor específico pra essa área, ah... nós
contratamos professores de língua! Sim, eles são professores de língua, mas cadê o
outro grupo de apoio? Até o professor de artes nas séries iniciais não tem, então se
nós tivesse um professor de artes aliado como professor de língua indígena, com
certeza o trabalho seria excelente, esse trabalho de regate e promoção da cultura, e
língua indígena, já teria ganhado um espaço maior e despertado o interesse dos alunos,
porque quando ele chegar lá no fundamental dois, né, ele já vai ter um conhecimento
mais a fundo da cultura, porque é criança, tá em formação (MARCÍLIO, 24.11.2022).
Neste trabalho, meu intuito não é publicar um estudo etnográfico, mas sim
possibilidades voltadas para o desenvolvimento da música popular de Roraima inspiradas nos
estudos etnográficos, voltando o nosso olhar para o aspecto da educação musical.
Diante disso, sei da dificuldade da escassez de materiais didáticos, poucas políticas
públicas voltadas para o diálogo das necessidades educacionais dos povos originários que
apresente a língua e a música indígena de nossa região e suas potencialidades aplicáveis nos
21
Quando eu era meninota, assim professor, lá onde a gente morou num tal de Caracanã,
não existia mais essas coisas por causa dos Missionários que não deixavam. Aonde
eu vivia com os meus pais quando era pequena, tinha uma pessoa, ainda existe uma
pessoa, é minha prima, segunda, assim, né, então ela para nós é uma pessoa principal,
ela identifica o que vai acontecer, ela é EPÜKENAN. Então lá na comunidade quando
ela fazia… dia de domingo assim ela fazia esse Areruia, e fazia uma bebida, a bebida
23
era feita de caldo de cana com aquelas batata roxa, entendeu?!, era misturado tipo
vinho, né... então ela dizia que aquelas garrafas branquinha, eu não sei se é... eu não
sei se é... até hoje eu não sei. Ela dizia que quando a bebida dela fazia assim... xihh....
subindo pra cima, borbulhando né! Aí ela dizia que os anjos estavam rezando a bebida,
pra não fazer mal, pra você não ficar bêbado (LAVINA, 20.11.2022).
Areruia é uma dança bem suave, de três passos, só que quem canta muito Areruia,
pode virar Epükenan; como? Através dos sonhos, o senhor vai adquirindo aquilo, você
não pode guardar, você tem que acordar e cantar... porque se você disser não, eu não
sei cantar, aí ele não vem mais; minha mãe era desse jeito, acordava cantando
(LAVINA, 20.11.2022).
Comparativamente temos os relatos de Marcílio sobre o que ele pôde nos esclarecer
acerca de sua vivência musical. Temos um relato sobre seus pais, ele diz que seu pai era um
Epükenan, o principal cantor da região de Normandia, município mais próximo da Guiana entre
os três que formam o triângulo na tríplice fronteira (fig. 2).
Sua mãe tocava cavaquinho e depois da morte de seu pai ela dizia ter herdado o dom de
receber as músicas em sonho, cantava para ele, mas como veio para a cidade muito criança,
acabou esquecendo os cantos de seus pais, hoje falecidos. Conforme afirmou o professor:
O antigo Tuxaua daqui sempre cantou no final do ano, assim... sempre vem no final
do ano. Segundo ele o Areruia faz referência às festas natalinas, a Cristo... essas
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situações de final do ano mesmo, inclusive, anteriormente, acho que 92... 93... por aí...
o natal aqui na comunidade era cantado só Areruia, depois da ceia até de manhã era
cantado Areruia por eles os primeiros moradores aqui. [...] A minha mãe, de vez em
quando cantava uma música dele lá... Ela disse que herdou o dom dele, ela sonhava e
acordava cantando, ela tocava cavaquinho, ela chegou até a acompanhar ele.
Professor, a única lembrança assim mesmo, eu vim com quatro anos de lá, mas teve
dois festejos que nós fomos, um no Napoleão, na minha comunidade lá e outro na
Raposa, foram três dias de festa, acho que a professora Lavina lembra, aquelas
flautonas de bambu, é bambú é... mas enorme assim! Umas oito! Taboca! Aí
professor, os caras tocando lá, phunnn... phumm... e olhe! Quando ele dava um
intervalo assim... o cantor cantava, cantava, cantava, e depois descansava a boca e
ficava lá dançando. Rapaz! Eu lembro disso aí, eu ia sempre com a mamãe e com o
papai pra lá, né, e tinha isso aí, e eu nunca mais vi esses instrumentos; não tem porque
os que faziam esses instrumentos já se foram (MARCÍLIO, 24.11.2022).
[...] Tawake Tawake Tatarumenk´ai, pra mim é tranquilo entender, mas pra mim que
sou indígena, mas agora vem o branco pedir pra eu traduzir pra ele entender melhor,
aí já vai ficar sem significado, porque se eu for procurar a palavra em português, eu
vou procurar a palavra aproximada porque não tem vocabulário pra aquilo ali. Na
música não tem aquele título... ah eu vou cantar... mas dentro da música já está
existindo. A letra diz, ele se pinta, ele está se manifestando através do corpo dele para
receber essa música, que música é essa? Parixara que tá vindo, que ele já recebeu
através dos sonhos, aí ele está desenvolvendo, cantando pra outras pessoas. Então ele
fala tatarumenk´ai – eu me pinto pra receber, então vamos receber, está convidando
pra dançar, então vamos dançar! (LAVINA, 20.11.2022).
A professora relata ainda que a sua mãe a reprimia quando ela ensinava o Parixara às
suas amigas dizendo:
[...] pra quê ensinar isso minha filha, isso não presta não, ela dizia. Agora ela não disse
assim pra mim, o porquê, qual o motivo né... aí nós duas deitada mesmo, eu perguntei
pra ela: Mãe, a senhora disse que Parixara não presta, por que a senhora falou isso? É
porque na época a gente não entendia ainda o que era religião, religião era isso aqui,
Areruia, cantado pela indígena, cantava, dançava agradecendo a Deus, né... então
existia isso aqui, não existia forró, não existia nada... ela dizia que Parixara é aqueles
que bebe Pajuarú, fica bêbo, não sei o que lá... fica dançando... é por isso que não
presta, aí ela me proibia muito fazer essas coisas assim (LAVINA, 20.11.2022).
25
Apesar de ambos os entrevistados declararem que não conhecem os outros dois estilos
apresentados a eles, demonstraram interesse em conhecer e aplicar nas suas futuras atividades
musicais e incentivar outros a buscar e a produzir música nesse sentido.
Em sua obra Panton Pia´, é atribuido um significado ao Tukui como “Beija-flor, e são
canções relacionadas a sabedoria dos Pajés, natureza, acalmar trovões, e eram dançados
coletivamente” (FIOROTTI, SILVA, 2018, p. 30).
Quanto ao Marapá, ele diz que “o Marapá tem como significado morcego, que segundo
relatos indígenas seriam canções de danças noturnas ou canções de ninar” (SANTOS,
FIOROTTI, 2015, p.1653).
Como vimos no referencial apresentado, os cantos indígenas, de forma geral, possuem
características importantes para que o reconheçamos assim, e ao longo deste trabalho apresento
de forma prática essas especificidades. Reafirmado nas linhas que se seguem:
[...] são melodias feitas com cinco a seis notas, o ritmo é sincopado, as músicas
praticamente são cantadas no mesmo tom sem instrumento de acompanhamento
harmônico. No ato de compor música não existe uma fórmula composicional. Os
cantos foram feitos inicialmente pelos povos indígenas de forma empírica, não houve
necessidade de conhecimento formal da teoria musical. Na tradição da música
ocidental, faziam afirmações de que sons que procedessem de um instrumento
convencional não poderiam ser utilizados nas composições, estes seriam considerados
ruídos se ocorressem no momento da execução. Nos cantos indígenas a melodia é
acompanhada por chocalho, flauta entre outros instrumentos artesanais. Estes
funcionam como adereços da melodia que expressam elementos simbólicos dos mitos
indígenas. A ligação da música com o som, não é organizar os sons das notas, mas a
organização sonora (SANTOS, FIOROTTI, 2015, p.1658).
26
Como complemento às informações, ainda divulgaremos uma análise musical para que
possamos visualizar a escrita formal e ver as especificidades apresentadas por Fiorotti e Silva,
dessa maneira, possamos estar adiante nesse processo, cientes de que, além das características
difundidas por ele, há uma a ser acrescentada e claramente percebida ao vermos as partituras,
o fato de alcançarem uma tessitura de até uma oitava.
27
Não pretendemos, com isso, ausentar a língua das atividades musicais; essa parte fica
de acordo com a realidade de sala, adicionando às atividades uma ferramenta eficaz para a
educação musical coletiva que possibilita incluir “conjuntos vocais, conjuntos instrumentais,
conjuntos mistos, solo/coro com acompanhamento instrumental ou solo com playback”
(BASTIÃO, 2012, p.62).
Nas práticas coletivas com a música indígena devemos estar atentos aos aspectos
fundamentais sobre a estrutura rítmica, melódica e timbrística, próprias do gênero; atendo-se a
isso, todas as outras possibilidades podem se correlacionar. Para tanto, a seguir, apresentaremos
algumas especificidades apontadas sobre os estilos dos quais tratamos.
Iniciando pelo Areruia, vimos por meio do relato que se trata de “uma dança bem suave
de três passos” (LAVINA), podemos dizer que é uma música composta por um ritmo de três
pulsos lentos, [...] “podendo serem vistos como uma imitação do parixara [...]” (SANTOS,
FIOROTTI, 2015, p.1653). Os exemplos que veremos a seguir tiveram sua escrita interpretada
de gravações feitas pelo pesquisador, e, nota-se uma adequação aos padrões da escrita musical
formal, contendo compassos alternados simples de dois e três pulsos, porém, não exclui a
presença de um estilo predominantemente ternário como apresentado pela indígena.
Reafirmando, a seguir temos o Areruia 02 (fig. 4), que apresenta o pulso ternário na
íntegra, mas, deve-se notar que a tessitura em ambas alcança uma distância de oito sons, que na
música ocidental denominamos de oitava, e essa relação com a teoria musical ocidental nos
leva a observar os conceitos sobre intervalo, que indicam uma classificação numérica e
qualitativa, podendo ser contada como no exemplo abaixo, que varia entre uma e oito notas
para intervalos simples:
Parixara é um estilo roraimense, indígena, muito popular em nosso estado, que está
presente em eventos turísticos, quando é apresentada alguma manifestação popular local aos
30
Fortemente composto por figuras rítmicas sincopadas em ambas as vozes (fig. 6),
masculina e feminina em oitava paralela como nos exemplos já vistos, porém, o editor sentiu a
necessidade de usar compasso composto (fig. 6) para melhor expressar o estilo estudado.
31
O estilo Tukui revela uma estrutura semelhante ao Parixara, tanto nos aspectos musicais
quanto tradicionais. Historicamente, o Tukui está relacionado às Festividades com caxiri,
pajuaru e pajuaru forte. Concluímos que por isso se dá o seu ritmo, mais agitado, porém,
mantém o mesmo pulso do Parixara, com ritmo de base acentuando o primeiro tempo, com o
mesmo andamento:
Sinto grande importância em mostrar mais um Tukui para que seja ampliado o panorama
sobre este estilo, que evidencia forte presença de contratempos e síncopes na estrutura rítmica
da melodia, enquanto o acompanhamento permanece com a marcação do pulso acentuando o
tempo forte.
32
Ao longo deste trabalho não busco apresentar uma análise aprofundada das músicas,
apenas mostrar especificidades que me interessaram para os arranjos, visando também a
comparação das estruturas musicais indígenas ilustradas neste estudo com as estruturas que nós
conhecemos na academia, embora tenham sido interpretadas pelos brancos, e sua permanência
até hoje tenha sido feita de modo oral.
De acordo com os relatos de Lavina e Marcílio, o Marapá é desconhecido por eles. Nesse
sentido, no decorrer desta pesquisa, pouco material fora encontrado a respeito, mas foi de
grande relevância a pesquisa de Fiorotti e Silva, pois, embora não fosse o seu foco a música
propriamente como a conhecemos, senão o contexto etnológico muito bem apresentado por ele,
ainda assim nos deixou registros muito além dos seus objetivos.
33
Como vemos, é uma música com andamento lento, que ainda conserva consigo
características apontadas por Devair como fundamentais para que tenhamos como ritmo comum
entre os estilos apresentados, a síncope. Temos também a alternância de compassos e ausência
de base harmônica, porém, riquíssima em possibilidades percussivas, para ser trabalhada em
conjunto com os alunos. Esse panorama mínimo que nos evidencia é apenas um pouco do que
a cultura indígena de Roraima possui de grandeza, que deve ser preservada, registrada em
parceria, para que os resultados retornem a eles e os beneficie de alguma forma, pois é notória
34
a ausência, a cada dia, da língua e dos demais aspectos da cultura de Roraima em muitas
comunidades.
Ao buscar uma amplitude maior correlacionada à visão anterior de Oliveira Pinto temos:
Eu vejo assim, criança, ele já vem ali, ele quer conhecer novidade pra ele, eu imaginei
assim dentro da educação: a criança ouvindo a língua através da música, ela vai dizer,
opa! Vai despertar assim e vai dizer: cadê essas pessoas? Porque as mães e pais não
falam mais né, só na escola... pelo menos ela vai cantar a música, eu sempre falava
pros alunos, vocês cantam, e eles falavam: a gente canta professora, a gente vai buscar
lenha?... às vezes eles estão andando pelo caminho e assobiando a música e eles dizem
que lembram de mim, mas eu digo pra eles que eles não lembram de mim, eles
lembram porque aprenderam a música (LAVINA, 2022).
[...] no caso, a nossa língua Macuxi, a gente pôde perceber a grande importância do
trabalho de musicalidade com o ensino de língua, né [...], tanto no fundamental como
no médio, a gente viu que o resultado foi muito positivo. A ideia principal é esse
trabalho conjunto né, porque um vai fortalecer o outro né, a musicalidade fortalece a
língua, o desenvolvimento do... a pronúncia das palavras, o entendimento fica mais
fácil [...] (MARCÍLIO, 2022).
emitindo seus primeiros sons. Além disso, é um instrumento bastante acessível do ponto de
vista material.
Com relação ao uso da flauta em processos educativos, Paoliello (2007, p.32) diz que:
A utilização da flauta doce nas aulas de iniciação musical pode ser muito eficiente
quando bem orientada, por proporcionar uma experiência com um instrumento
melódico, contato com a leitura musical, estimular a criatividade – com atividades de
criação – além de auxiliar o desenvolvimento psicomotor das crianças e trabalhar a
lateralidade (com o uso da mão esquerda e da mão direita). Possibilita ainda a criação
de conjuntos, ajudando a despertar e desenvolver a musicalidade infantil e o gosto
pela música, melhorando a capacidade de memorização e atenção e exercitando o
físico, o racional e o emocional das crianças.
[...] dentro de uma comunidade ou grupo social maior, adotando uma perspectiva processual do
acontecimento cultural” (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 227).
37
apresentariam risco de acidentes para as crianças. De qualquer forma, todas as crianças tocaram
cada um dos instrumentos.
Figura 16 – Partitura, arranjo inspirado no Parixara – Voz para flauta transcrita na íntegra.
42
Figura 17 – Partitura, arranjo inspirado no Marapá 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
43
Figura 18, folha 1 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
44
Figura 19, folha 2 – Partitura, arranjo inspirado no Tukui 2 – Voz para flauta transcrita na íntegra.
45
Figura 20 – Partitura, arranjo inspirado no Areruia 5 – Voz para flauta, e chocalho, transcritos na
íntegra.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cotidiano. Portanto, esse é o motivo do título desta obra, e espero grandemente contribuir para
que essa música seja difundida tanto na sala de aula como em textos, biografias, concertos e
recitais, em nossos teatros, nossas praças e em nossas atividades não presenciais.
No decorrer desta monografia, busquei apresentar as músicas indígenas de Roraima com
as quais tive contato sob a ótica da experiência em campo, quando professor de música pelo
Projeto Cantos da Terra, da Prefeitura de Boa Vista-RR, a música sob a ótica da indígena
Macuxi, Lavina Pereira Xavier, e do professor indígena Macuxi, Marcílio Curicaca Leal, que
foram os que me acolheram desde sempre na comunidade indígena Campo Alegre, na área rural
de Boa Vista.
Ouvir sobre música diretamente da voz originária nos permite avaliar o nosso papel no
fortalecimento das culturas musicais dos povos indígenas de nossa região e de nosso país, no
sentido de manter sempre vivas as suas memórias por meio da literatura e das práticas de ensino
voltadas para o fomento de sua história.
De certo que os compositores indígenas são em menor número, devido a muitos fatores
que me falta fôlego aprofundar neste trabalho. Sendo assim, reconheço que minhas experiências
são muito pequenas para avaliar a dimensão desse quantitativo e, certamente, há muitos que
não conheci e que podem ser objeto de pesquisas futuras.
Esta contribuição transitou nas potencialidades etnomusicológicas e de Educação
Musical como instrumento artístico e educativo, neste caso, a flauta doce. Chego ao término
deste estudo com a esperança de ter alcançado o mínimo esperado para essa área da educação,
a partir de musicalidades indígenas de quatro estilos de Roraima, ainda que suas origens são
para além das fronteiras delimitadas pela sociedade ocidental.
No entanto, resultou que as músicas com as quais eu tive contato foram apresentadas e
notadamente ricas em potencialidades didáticas por meio da Educação Musical, deixando para
uma continuidade o desenvolvimento de uma proposta didática propriamente dita inspirada nas
musicalidades de Roraima, o que acentua, ainda mais, a importância desse gênero de trabalho
em nosso estado, já que o presente trabalho enfatiza, apenas, algumas possibilidades didáticas
por intervenção das composições e arranjos apresentados, bem como por intermédio da
contextualização histórica e antropológica dos quatro estilos que as inspiraram.
48
REFERÊNCIAS
BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para pesquisa de campo: Produzir e analisar
dados etnográficos. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 [2007].
BRASIL. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. – Brasília: Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 58 p.
FIOROTTI, Devair Antônio.; SILVA, Terêncio Luiz. Panton pia’: Eremunkon do Circum-
Roraima. 1. ed. Rio de Janeiro: Museu do Índio-Funai, 2018. v. 1. 332p.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2007.
GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2007.
OLIVEIRA, Fernanda de Assis. Materiais didáticos nas aulas de música: um survey com
professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre – RS. 2005. Dissertação
(Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Som e música: questões de uma antropologia sonora. Revista
de Antropologia da USP, São Paulo, vol. 44, n. 1, p. 221-286, 2001.
PAOLIELLO, Noara de Oliveira. A Flauta Doce e sua Dupla Função como Instrumento
Artístico e de Iniciação Musical. Monografia (Licenciatura Plena em Educação Artística –
Habilitação em Música) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, 2007.
STEIN, Marília Raquel Albornoz. Kyringüé mboraí - os cantos das crianças e a cosmo-
sônica Mbyá-Guarani. 2009. – Tese (doutorado em música) - Programa de Pós-Graduação em
Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Porto Alegre, 2009.
ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Trad. de Jerusa Pires Ferreira / Maria Lúcia Diniz
Pochat / Maria Inês de Almeida. São Paulo: HUCITEC, 1997.
50
mais do que conheço hoje, já desapareceram, agora se mistura tudo né não sabe para que que tá
cantando, mas tá cantando.
EL - Então, da forma como a senhora aprendeu com seus pais seus avós, cada música
possui uma finalidade?
LV - Tem... tem... cada uma tem uma finalidade sim.
EL - A senhora conhece o Areruia?
LV - Conheço.
EL - Na sua cultura o que a senhora aprendeu sobre a origem do Areruia?
LV - Professor, o senhor sabe que se fossem outras pessoas da comunidade, ia ser difícil
o senhor conseguir essas informações né, porque não é qualquer pessoa que a gente conhece e
fala sobre nossas coisas. Quando eu era meninota, assim professor lá onde a gente morou num
tal de Caracanã, não existia mais essas coisas por causa dos Missionários que não deixavam.
Aonde eu vivia com os meus pais quando era pequena, tinha uma pessoa, ainda existe uma
pessoa, é minha prima, segunda sim né, então ela para nós é uma pessoa principal ela identifica
o que vai acontecer ela é EPÜKENAN, então lá na comunidade quando ela fazia dia de domingo
assim ela fazia esse aleluia, e fazia uma bebida, a bebida era feita de caldo de cana com aquelas
batata roxa, entendeu?, era misturado tipo vinho né... então ela dizia que aquelas garrafas
branquinha, eu não sei se é... eu não sei se é... até hoje eu não sei. Ela dizia que quando a bebida
dela fazia assim... xihh.... subindo pra cima, borbulhando né! Aí ela dizia que os anjos estavam
rezando a bebida, pra não fazer mal, pra você não ficar bêbado.
EL- Quantos dias ficava fermentando?
LV - Eram três ou quatro dias, então tava ok... se não subisse aquilo ali, não podia beber.
Então era coisas assim que ela cantava, aleluia né! Mas eu nunca decorei, eu nunca tive
também... esse... eu nunca ia imaginar que eu ia chegar até aqui, senão eu tinha... mas até hoje
ela tem essas músicas.
EL - E sobre o Tukui o que a senhora gostaria de contar?
LV - Ah eu não sei não.
EL - E o parixara?
LV - A minha mãe dizia quando eu ensinava o Parixara: pra quê ensinar isso minha
filha, isso não presta não, ela dizia. Agora ela não disse assim pra mim, porquê, qual o motivo
né... aí nós duas deitada mesmo, eu perguntei pra ela: Mãe, a senhora disse que Parixara não
presta, por que a senhora falou isso? É porque na época a gente não entendi ainda o que era
religião, religião era isso aqui, Areruia, cantado pela indígena, cantava, dançava agradecendo a
Deus né... então existia isso aqui, não existia forró não existia nada... ela dizia que Parixara é
52
aqueles que bebe pajuarú, fica bêbo, não sei o que lá, fica dançando... é por isso que não presta,
aí ela me proibia muito fazer essas coisas assim.
EL - O Deus pra quem era direcionado essa oração, era o deus católico, evangélico, ou
era outro deus específico?
LV - Não, não, era esse mesmo católico, evangélico... só que sempre existiu esse deus
evangélico, só que nunca falavam pra você quem era esse deus né... se deus curava, se deus
batizava, se deus né.... agora que os indígenas sabem.
EL - Isso se deu quando os missionários chegaram e falaram pra vocês que esse deus de
vocês era o deus que os brancos conhecem?
LV - É.
EL - Mas antes vocês falavam simplesmente que era para Deus?
LV - Deus que fez o mundo, Deus que fez as plantas, tudo que a gente entendia assim.
EL - E sobre o Marapá?
LV - Não, eu não sei. Talvez existiu isso aí professor, sabe porquê que eu digo: A minha
mãe que era... eu nunca quis escrever nada, hoje em dia eu me arrependo olha... ela dizia assim:
senta aqui minha filha, pega teu lápis e teu caderno, e dizia mas pra quê mamãe! Escreva o que
eu vou lhe ensinar, como diz o professor Elder, Tarén né! Mas pra quê eu vou aprender isso e
ela dizia: escreva aí minha filha pra você ajudar tuas amigas, pra ter bebê logo rápido, aí eu
dizia: eu não quero ajudar ninguém não, eu não escrevi. Ela dizia, escreve aí pra ajudar teus
netos, pode estar gripado, com tosse... eu não escrevi nada, é só apenas ela falava e eu não dei...
EL - A música indígena é então, na sua opinião, a palavra, a letra, a representação
religiosa e o som?
LV - O branco ele olha alguma coisa e ele faz, mas a letra dele é a música. O Indígena
eu vejo assim...
Após alguns segundos eu percebi que a professora estava cansada, então aproveitei o
momento para lhe apresentar a execução dos quatro cantos, no notebook, para ela ouvir.
LV - Comentou após ouvir o som do Areruia: Areruia é uma dança bem suave, de três
passos, só que quem canta muito Areruia, pode se virar Epükenan, como? Através dos sonhos,
o senhor vai adquirindo aquilo, você não pode guardar, você tem que acordar e cantar... porquê
se você disser, não, eu não sei cantar, aí ele não vem mais, minha mãe era desse jeito, acordava
cantando.
53
LV - A minha preocupação é que as crianças não querem saber, a gente ensina, mas elas
não querem saber.... a minha preocupação é essa, vai morrer a cultura!
EL - Dentro do que a senhora notou na sua comunidade, porquê as crianças não querem
mais saber?
LV - Por que os pais não falam mais, na cabeça deles, os pais, na escola que eles
estudaram não era pra falasse as gírias, porquê senão não iam merendar, era por isso que eles
não falam, e ficou isso, e a gente fala que não é mais a palavra gíria, mas é língua, língua
indígena, não existe mais a palavra gíria, não sei de que modo a gente pode levar pra eles
entenderem que aquilo ali é a nossa língua, a língua dos pais, a língua dos antepassados né... eu
sempre falo pra esses que aqui na cidade tem uma igreja, eles falam muito bem a língua, e eles
me chamaram e falaram que estão ensinando as crianças na língua macuxi, eu gostaria de
ensinar esse método pra ensinar esses alunos que não querem.
EL - A senhora acha que os ritmos das músicas dos brancos influenciaram as crianças?
qual seria um dos motivos para as crianças deixarem de gostar da música indígena?
LV - Sim, eu acho que sim.
EL - Na sua cultura, as músicas sempre foram feitas com instrumentos e com a voz dos
indígenas, certo?
LV - Certo.
EL - O que a senhora pensa da música instrumental na educação básica, para indígenas
e não indígenas, como uma ferramenta para despertar nas crianças a curiosidade de saber de
onde vem essas músicas?
LV - Eu acho importante sim, porquê os brancos levam todo dia a música deles pra lá,
então por que não trazer a nossa música pra eles também né! Lá na comunidade eles tocam a
música dos brancos, mas as músicas dos índios eles não sabem cantar nem tocar, precisa de
pessoas como o senhor que estuda pra ensinar eles tocarem a música indígena. É um ponto
positivo com o instrumental, por que eles querem aprender o instrumental, tanto faz o índio,
tanto faz o branco, eles querem aprender o instrumental, os alunos têm vergonha de cantar, eles
têm aula de flauta doce, mas eles têm vergonha de tocar e cantar, aqueles alunos que não tinham
vergonha já foram.
EL - O que pode ser feito para desenvolver a educação musical instrumental na educação
das crianças?
LV - Eu falei pro professor de flauta que ele tem que fazer um arranjo, subir ou baixar,
alguma coisa você tem que fazer na música. Eu vi ele cantando e eu vi que ele não sabia cantar
na língua, se for cantar na língua tem que saber a língua, pra ensinar as crianças cantar na língua.
55
LV - Sobre a educação de crianças nas séries iniciais eu não pensei ainda, porque eu não
tive essa experiência, só tem adolescentes, não tem mais crianças lá onde eu dou aula, o que eu
queria ensinar do início até o sexto ano, eles já estavam capacitados ou não né, falar alguma
coisa, cantar na língua, aquele ânimo, por que eu já trabalhei dessa forma: vamos cantar, mas
pintando! Eu dizia isso né, eu levava aquela música e eu dizia que eu queria ninguém parado,
todo mundo cantando e pintando.
Outra atividade era desenhar, brincar de desenhar, o desenho é livre pra desenhar o que
você gosta, aí eles perguntavam pra quê professora? eu vou escolher o melhor desenho pra eu
fazer uma música pra nós, através do desenho eu vou fazer uma música pra nós, aí que eles se
interessavam. Os adultos... humm! É desse jeito, não é fácil lidar com os jovens não.
Quando essas crianças chegassem no sexto ano, com certeza sabiam cantar... e vão dizer
assim: não, não é assim não, vão ensinar outros.
56
do primeiro ao quinto ano, e pintou a oportunidade de vim de novo pro interior em 2008, dos
dezoito anos até os vinte e seis, fiquei trabalhando aqui no Campo Alegre, Vista Alegre, Raposa
Serra do Sol, e voltei pra cidade e depois em 2008 voltei de vez aqui pra região.
EL - Atualmente qual a disciplina que você leciona?
MC - Estou trabalhando com física no ensino médio e no laboratório de informática.
EL - Você já deu aula de artes na escola, certo?
MC - Já, já, já dei aula de artes já.
EL - Dentre as quatro áreas do ensino de artes, qual você mais trabalhou?
MC - Minha área sempre foi musicalidade né, minha área da arte sempre foi
musicalidade, sempre gostei de trabalhar com musicalidade e foi a área que eu me identifiquei
dentro da arte.
EL - Como eram as atividades musicais com as crianças?
MC - Canto e dança... agora me lembrei! A gente trabalhou também um pouco de teatro
aqui, já nos últimos anos que eu trabalhei com artes, a gente começou a trabalhar teatro, mas é
música dança, né, como base mais forte da parte de arte né. O teatro surgiu aí como eu tava
falando já... parando de dar aula de arte, a gente conseguiu uns alunos bons aí, e a gene
conseguiu fazer um trabalho bem bacana aí de teatro.
EL - Na sua experiência e opinião, qual a importância do ensino de artes, música na
educação básica?
MC - A gente vem perceber as coisas com o tempo né professor, a gente vai aprendendo
e vendo os resultados obtidos e, eu acredito que a partir de 2012 pra 2014 a gente começou a
ver a grande importância da música, na verdade da arte né, da arte musical dentro da escola, a
gente começou a ver esse resultado e ver o quanto é importante, principalmente quando a gente
tem um trabalho com profissionais de outras áreas, principalmente aqui na nossa área,
professores de língua indígena, no caso, a nossa língua macuxi, a gente pôde perceber a grande
importância do trabalho de musicalidade com o ensino de língua né [...] tanto no fundamental
como no médio, a gente viu que o resultado foi muito positivo.
A ideia principal é esse trabalho conjunto né, porque um vai fortalecer o outro né, a
musicalidade fortalece a língua, o desenvolvimento do... da pronúncia das palavras, o
entendimento fica mais fácil, então a gente sempre procurou fazer o trabalho dessa forma né,
unir o ensino da língua com a musicalidade.
EL - E sobre o parixara, o que é para sua cultura e para você?
MC - O que a gente tem de conhecimento do parixara né, como eu falo dos antigos que
nos repassaram, é sempre um motivo de alegria né, parixara é um momento de comemoração,
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é quando você tem um resultado positivo nas colheitas, na saúde na sua família, eles nos
explicaram que é isso né, é uma forma de expressar a alegria daquilo que foi conquistado, tudo
que foi positivo a agente comemora com parixara né.
EL - Na sua opinião, qual a importância desses estilos musicais na educação básica?
MC - O que a gente pensa aqui com nosso professor de arte e de música, o interessante
é a gente conseguir colocar na escola, todos os estilos musicais indígenas porque além de ser
uma forma de resgatar, é uma forma de ensinar os estilos que existem nas comunidades
indígenas, como eu disse, ouvi falar do tukui, ouvi falar, mas o Marapá eu não conhecia. Se nós
que somos professores não temos conhecimento desses estilos, o interessante seria aplicar,
trazer esse conhecimento pra escola, porque a escola é a difusora de conhecimento né.
EL - E sobre a aplicação desses conhecimentos na escola não indígena?
MC - Eu acredito que falta professores pra fazer esse trabalho, porque, pelo o que eu sei
não existe professor de música numa escola.
EL - Qual a forma com a qual é trabalhada a música na escola indígena?
MC - Sempre em conjunto, mas o difícil mesmo é despertar o interesse nos alunos é o
aprendizado na própria língua né, porque hoje a sociedade está fazendo o aluno perder a vontade
de aprender a sua cultura, a sua língua, e até a questão instrumental também, que a gente não
tem acesso à diversidade de instrumentos que possa favorecer o interesse do aluno,
EL - O que o senhor gostaria de nos falar sobre a língua e a música na escola?
MC - É um pouco de dificuldade porque a gente tem pouca gente que sabe produzir
músicas na língua pra fazer tanto a música quanto a letra da música.
EL - Na educação musical indígena na sua comunidade é trabalhada a música
instrumental?
MC - O senhor falou uma coisa interessante, hoje a gente já não tem uma produção
instrumental dos indígenas, é raridade na nossa região e no nosso estado, pra juntar a música,
instrumentos e intenção, né, que é a finalidade.
EL - Na sua opinião, a música instrumental pode ser usada para atrair a atenção da
criança pra saber de onde vem aquela música, saber a letra...?
MC - A gente entende que a educação básica é a base de tudo, né professor, e a partir
do momento que a gente passa a introduzir uma nova metodologia principalmente na parte
musical, a gente tem conhecimento aí que a música é como uma terapia, e proporciona uma
tranquilidade, uma paz, e isso com certeza vai propiciar um aprendizado. Eu acredito que se a
escola ensinasse dessa forma desde as séries iniciais até o nono ano dessa forma a gente não
teria tantos jovens com déficit de aprendizagem, ou até mesmo a vontade de aprender, porque
59
a música ela te leva a isso, né, ela te dá paz, te abre conhecimento pra novos horizontes, você
começa a visualizar outras coisas que são...
EL - O senhor compõe música indígena?
MC - Eu fiz umas duas, mas nunca cheguei a levar a diante não né [...] porque o que a
gente vê de fato nas comunidades indígenas, o que predomina é o forró né, ele não é indígena.
EL - A gente falou sobre o desinteresse das crianças pela sua própria cultura, o você vê
alguma razão pra isso?
MC - Eu vejo que é por causa da chegada dos brancos na comunidade, está muito
acentuada né, a questão da música, é o forró é o rock... então isso vai tirando, e a própria escola
não tem um trabalho específico pra isso né, então fica aí aleatório, como eu falei, cadê o
professor de música nas séries iniciais? Não tem o cara específico pra trabalhar isso aí, o próprio
professor de língua, ele não tem essa base, não tem nem pelo menos uma teoria musical. Isso
desfavorece o despertar do interesse do aluno, ele tem que ter uma pessoa específica pra aquela
área. A própria escola ter em seu planejamento no seu PPP o ensino da musicalidade o resgate
cultural, essas coisas mais presentes, com certeza ia despertar o interesse, mas eu acho também,
o que desfavorece o desinteresse é essa massificação das culturas não indígenas dentro das
comunidades indígenas, as próprias secretarias de educação municipais e estaduais não se
preocupam com a contratação do professor específico pra essa área, ah... nós contratamos
professores de língua! sim, eles são professores de língua, mas cadê o outro grupo de apoio?
até o professor de artes nas séries iniciais não tem, então se nós tivesse um professor de artes
aliado como professor de língua indígena, com certeza o trabalho seria excelente, esse trabalho
de regate e promoção da cultura, e língua indígena, já teria ganhado um espaço maior, e
despertado o interesse dos alunos, porque quando ele chegar lá no fundamental dois né, ele já
vai ter um conhecimento mais a fundo da cultura, porque é criança, tá em formação né.
EL - No caso do ensino em escolas de não indígenas, já que não temos muitos
professores de língua, enquanto isso não for suprido, você considera que a música instrumental
poderia aguçar o interesse das crianças?
MC - Sem sombra de dúvidas, eu acredito muito, que a música, ela vai abrir essas portas
da diversidade né, a gente vai poder levar pra lá as várias línguas, a gente não canta em inglês,
francês, não toca... porque não tocamos na língua macuxi, língua indígena, pra suprir essa
necessidade na ausência do professor de língua, a instrumentalidade poderia suprir, não como
um todo, mas ia dar um ponta pé inicial, mas já seria de grande valia né.
EL - Atualmente há aula de música instrumental aqui em Campo Alegre?
MC - Tem, de flauta doce e de violão instrumental e acompanhado de canto.
60
trabalho feito em qualquer área, ele tem que ser desenvolvido pelo menos como experimento,
já que a gente tem base, tem pesquisa, tem fonte bibliográfica que apoiam esse tipo de trabalho,
que dão fundamentação, nós teremos que partir pra prática né, assim como o senhor fala, se a
gente puder trazer um professor que está terminando, que tem a experiência, tem a pesquisa tem
tudo, porque não aplicar nas escolas!
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ESCLARECIDO
__________________________ ___________________________
Lavina Pereira Xavier Eliel Bergue Valente
Participante da Pesquisa Discente/Pesquisador
__________________________________
Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador
64
8. Pagamento: O senhor não terá nenhum tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
__________________________ ___________________________
Marcílio Curicaca Leal Eliel Bergue Valente
Participante da Pesquisa Discente/Pesquisador
__________________________________
Rafael Branquinho Abdala Norberto
Orientador
66