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Fas de Fiber O dialogo entre oensinoea aprendizagem Telma Weisz com Ana Sanchez Editor Miriam Goldfeder Editor-assistente Claudemir D, de Andrade Preparacio de texto Fatima Couto Revisio Ivany Picasso Batista Marcia Cruz Néboa Leme Sandra Brazil (coord.) Editor de arte Marcello Araujo Editora de arte assistente Suzana Laub Editoracao eletronica Estudio OL.M. Tlustracao de capa Lucia Brandéo Capa Marcello Araujo Suzana Laub Lapressio ¢ acobamento Gama - (Gxe1) 6167-4411 2? edigio 14? impress3o ISBN 85 08 07293 7 2006 Todos os sireitos reservados pets Lotara Ati ‘As. Duaviane’ ives de Fina, 4400 - S30 Paulo,SP - CEP 02909-900 Tel 111) 3998-2100 - Fax: (11) 3990-7784 intemet. www aticu.cemn br - www aticaeducacional com he Anecessidade e os bons usos da avaliagao Quando um professor pensa que ensino e aprendiza- gem sdo duas faces de um mesmo processo, faz sentido acre- ditar que, ao final dele, sé existam duas alternativas: o alu- no aprendeu, ou nao aprendeu. Diferentemente disso, se ele vé a aprendizagem como uma reconstrucao que o apren- diz tem de fazer dos seus esquemas interpretativos e per- cebe que esse processo é um pouco mais complexo do que o simples “aprendeu ou néo aprendeu’, algumas questoes precisam ser consideradas. Uma delas é a necessidade de ter claro 0 que o aluno ja sabe no momento em que Ihe é apresentado um contetido novo, j4 que o conhecimento a ser construfdo por ele é, na verdade, uma reconstrucdo que se apdia no conhecimento prévio de que dispée. O conhecimento prévio é 0 conjunto de idéias, representacées e informacdes que servem de sus- tentagao para essa nova aprendizagem, ainda que nao te- nham, necessariamente, uma relacao direta com o conteu- do que se quer ensinar. Como ja vimos anteriormente, investigar e explorar essas idéias e representacdes prévias € importante porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que queremes qué aconteca. Conhecer es- Sas idéias e representacées prévias ajuda muito na hora de construir uma situacdo na qual o aluno tera de usar 0 que Ja sabe para aprender o que ainda nao sabe. Essa necessidade de avaliar no inicio do processo é ca- Tacteristica da relacdo entre ensino e aprendizagem vistos numa ética construtivista. Nela, a informagdo que o aluno recebeu anteriormente como ensino nao define o conheci- mento prévio, porque esse constitui toda a bagagem de sa- beres que o aluno tem, oriundos de diferentes fontes e que S4o pertinentes para a nova aprendizagem proposta. Por- 93 Capitulo 7 tanto, ter conhecimento de quais foram os contetdos en- sinados anteriormente ao aluno nao permite identificar o que ele ja sabe: nem sempre ele aprende o que foi ensi- nado, e como o conhecimento nao se organiza de forma li- near, as coisas ndo funcionam tao simplesmente quanto “agora posso ensinar B, porque no bimestre passado ja foi ensinado A’. Tendo mapeado 0 conhecimento prévio dos alunos, nes- sa espécie de avaliacao inicial, e ponde em pratica as situa- (Ges planejadas para levd-los a avancar, o professor passa a precisar de um outro instrumento para verificar como eles estéo progredindo, j4 que o conhecimento nao é construi- do igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por to- dos. Esse instrumento 6 a avaliacdo de percurso —- formativa ou processual, como muitos a chamam — feita durante o processo de aprendizagem. Ela serve para verificar se 0 tra- balho do professor esta sendo produtivo e se os alunos estao, de fato, aprendendo com as situagdes didaticas propostas. Como um observador privilegiado das ac6es do apren- diz, o professor tem condigées de avaliar o tempo todo, e € essa avaliacdo que lhe da indicadores para sustentar sua intervengdo. Mas isso é diferente de planejar e implemen- tar uma atividade para avaliar a aprendizagem. Ao montar uma situacao de avaliacao. o professor preci- sa ter clareza sobre as diferencgas que existem entre situa- cées de aprendizagem e situacGes de avaliacao. Um ditado, por exemplo, pode ser uma situagao de apren- dizagem para alunos que ainda nao escrevem convencio- nalmente e também uma situacdéo de avaliacdo do seu co- nhecimento sobre a escrita. Se o objetivo é descobrir 0 que cada aluno sabe, quem dita é 0 professor e o ditado sera ‘uma tarefa individual e que ndo permita ao aluno recorrer a fontes de consulta nem ao intercambio de informagao en- tre colegas. No entanto, se o objetivo for a aprendizagem. todas essas resirigées caem por terra. Ai até o autoditado € interessante, como nas situag¢des em que as criancas escre- vem poemas, parlendas ou cangdes que sabem de cor. Se 0 94 objetivo é a aprendizagem, quanto mais informacdo circu- lar melhor, quanto mais se compararem as producées indi- viduais methor, em resumo, a“cola’ é livre e bem-vinda. 0 que é um disparate de um ponto de vista empirista que ndo yé sentido no intercambio entre “ignorantes” nem na idéia de pér em jogo o que se sabe para avancar. Como se vé, as fronteiras sao tao radicais que a idéia de “mesclar” concep- Ges de ensino é, como j4 vimos, no minimo perigosa. Mas, voltando: por que é tao importante ter claras as diferencas entre situacgdées de aprendizagem e situagdes de avaliacio? Porque, quando nao hé essa clareza, os professores acabam propondo atividades formatadas como de avaliacgao pen- sando que est&o ensinando. Dessa forma, nao fazem nem uma coisa nem outra. Se nao, qual o sentido de insistir em ditados individuais, tipo prova, diariamente, em uma classe de alfabetizacao, ou de solicitar redagées sobre as quais ndo se trabalha e para as quais apenas se dd nota? A avaliacado da aprendizagem é também a avaliagdo do trabalho do professor Avaliar a aprendizagem do aluno é também avaliar a in- tervencdo do professor. j4 que o ensino deve ser planejado e replanejado em fungao das aprendizagens conquistadas ou nao, Certa vez uma professora cuja orientacdo pedago- gica estava sob minha responsabilidade solicitou que eu observasse, com uma certa urgéncia, a realizagao de uma atividade de resolucdc de problemas em sua classe, uma 2* série, Num dos encontros anteriores com ela, eu havia de- fendido que era possivel propor aos alunos problemas ma- tematicos que implicassem divisao, antes do trabalho com © algoritmo da operac4o, pois essa seria uma atividade in- teressante para que eles usassem seus conhecimentes so- bre as outras operacdes para chegar ao resultado. Essa professora concordava que para encontrar solucdo Para problemas desse tipo, os alunos poderiam fazer uso de diferentes estratégias. No entanto, diante da atividade que propés, seus alunos haviam ficado bloqueados, nao ten- oF do conseguido pér em uso seus conhecimentos matemati- cos e dizendo que n4o sabiam dividir. Como nao conseguiu convencé-los, até o final do dia, de que poderiam dividir mesmo sem saber como fazer a conta, pediu que tentassem resolver em casa. No dia seguinte, chegaram com contas de divisdo ensinadas pelos pais ou irmaos mais velhos: uns di- ziam que tinham entendido um pouco mas n4o conseguiam realizar as contas, outros, que nada entenderam, Resulta- do: pediram que ela ensinasse como fazer a conta com a chave. Por isso ela estava me procurando para ajuda-laa resolver, por sua vez, 0 seu problema. Discutimos bastante a questdo, mas ela ndo apresentou elementos que me fizessem compreender o que teria acon- tecido, ja que, em relacado a adequacao da atividade propos- ta, nao havia qualquer divida. Fui, entao, observar uma ati- vidade semelhante em sua classe. Quando cheguei, ela estava colocando alguns problemas do mesmo tipo na lou- sa, e de imediato entendi onde estava o “defeito” da situacao proposta. Antes de escrever os problemas na lousa havia um titulo destacado:Problemas de divisdo’. Essa profes- sora estava convencida de que os problemas matematicos sdo sempre de alguma operacgdo especifica, que se deve anunciar @ priori. Como poderiam, entdo, os alunos utilizar outros conhecimentos matematicos para resolvé-los, se a prépria professora nao acreditava nisso? Afinal, ela mes- ma estava dizendo que o problema era “de divisao”. Nessa semana, tivemos uma 6tima reuniao de orienta- cao pedagégica, da qual saiu a proxima atividade de reso- lugdo de problemas a ser proposta:“Problemas de uma festa de aniversario na classe”. Ao realizd-la, os meninos utiliza- ram diferentes recursos para saber quantos brigadeiros se- riam precisos se cada um comesse quatro, quantos sandui- ches cada um poderia comer se tivéssemos apenas 40 ¢ assim por diante. Fizeram inimeras divisGes sem a chave que resultaram, inclusive, em numeros n4o inteiros — 0 que nao é nada anormal para quem divide lanches no recreio... Essa nova atividade tornou possivel verificar que conheci- 96 mentos matematicos os alunos j4 possuiam e como cada um fazia uso deles. O professor precisa de recursos para compreender 0 que acontece com seus alunos e para poder refletir sobre a re- Jacdo entre as suas propostas didaticas e as aprendizagens conquistadas por eles. Exemplos como o que acabo de des- crever evidenciam a necessidade de espacus coletivos de discussdo do trabalho pedagégico na escola ¢ a importan- cia da pratica de observacao de aula pelo coordenador ou orientador pedagégico — ou mesmo por um colega que aju- de a olhar de fora. Porque o professor esta quase sempre tao envolvido que, as vezes, nao lhe é possivel enxergar 0 que salta aos olhos de um observador externo. be a maioria da classe vai bem e alguns ndo, estes devem Jeceber ajuda pedagégica Quando, numa atividade para verificar uma aprendiza- gem determinada, a maioria dos alunos vai mal, é certo que o professor nao estd acertando e precisard rever 0 seu encaminhamento. Se a maioria da classe vai bem e alguns nao, estes devem ser atendidos imediatamente através de outras atividades que possibilitem a superagao de suas dificuldades. No momento em que alguns alunos comecam a se mos- trar perdidos e atrapalhados em relacao aos conteudos tra- balhados, a escola que assume responsabilidade com a aprendizagem de todos tem obrigagao de criar um sistema de apoio para que esses alunos nao se percam pelo cami- nho. Suas dificuldades precisam ser detectadas rapidamen- te para que eles sejam apoiados, continuem progredindo e nao desenvolvam bloqueios. Diante de situacdes que provocam sentimento de impo- téncia, a saiide mental das criancas — das pessoas em ge- ral, na verdade — exige que elas se desinteressem, porque € da condicéio humana ndo suportar o fracasso continuado. Portanto, antes que os alunos desistam de aprender o que 97

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