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PRIMEIRAS NOÇÕES
PRIMEIRAS NOÇÕES
A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O Título VIII da Constituição Federal, denominado Da Ordem Social,
possui um de seus capítulos (Capítulo VII) destinado a trazer prescrições
específicas sobre a proteção da família, criança, adolescentes e idosos, sendo
que, além dessa normatização específica há diversos outros pontos de nossa
lei maior em que essas questões são tratadas de forma mais difusa.
O art. 227 da CF estabelece um sistema protetivo para as crianças e
adolescentes que prescreve a necessidade de interação da família, da
sociedade e do Estado para lhes assegurar, com absoluta prioridade, uma
série de direitos, em especial:
à vida,
à saúde,
à alimentação,
à educação,
ao lazer,
à profissionalização,
à cultura,
à dignidade,
ao respeito,
à liberdade e
à convivência familiar e comunitária.
Também é papel desse sistema protetivo colocar as crianças e
adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
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Dentre os diversos aspectos que a proteção integral implica, a
Constituição Federal deu maior destaque para os seguintes:
admissão ao trabalho:
o proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre;
o proibição de qualquer trabalho a menores de 16 anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos;
garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato
infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica
por profissional habilitado;
obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade;
estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica,
incentivos fiscais e subsídios ao acolhimento, sob a forma de
guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
programas de prevenção e atendimento especializado à
criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e
drogas afins.
Outros importantes pontos que a Constituição Federal deu grande
ênfase em relação à proteção que deve ser dada às crianças e adolescentes
estão relacionados:
à necessidade de severas medidas visando coibir e prevenir o
abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e
adolescentes;
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à necessidade do Poder Público assistir a adoção, ou seja,
estimulá-la e supervisionar as condições em que ela deva
ocorrer, inclusive no que se refere ao estabelecimento de
casos e condições em que ela poderá ocorrer por parte de
estrangeiros;
à plena igualdade dos filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, os quais devem gozar dos
mesmos direitos e qualificações, sendo proibida quaisquer
designações discriminatórias relativas a essas situações.
Os constituintes deixaram expresso que caberá os pais o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229), contudo, isso não elimina a
participação do Poder Público e toda a sociedade no sistema protetivo
estabelecido em nossa Carta Magna e nas norma infraconstitucionais.
Uma importante questão, sempre muito discutida é a
inimputabilidade penal dos menores de 18 anos. De tempos em tempos
observamos debates acalorados que convergem para a proposta de se alterar
a maioridade penal, sendo comuns sugestões para que ela seja rebaixada para
os 16 anos.
Ocorre, porém, que essa questão não é meramente estabelecida
pelo Código Penal (art. 27), mas sim decorre de expressa previsão
constitucional (art. 228), dessa forma, qualquer proposta nesse sentido,
necessariamente, deve passar por uma alteração dessa última, sendo esse o
cerne do debate.
A grande divergência nesse tema está no fato de que existem
dispositivos constitucionais, chamados pela doutrina de cláusulas pétreas, que
não admitem alterações que impliquem em redução da proteção por eles
estabelecidos, sendo que, para vários autores, o art. 228 estaria entre eles, por
força do disposto no art. 60, § 4º, inc. IV (§ 4º - Não será objeto de deliberação
a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e garantias
individuais.).
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Proteção de Crianças e Adolescentes em Tratados e
Convenções Internacionais
Há diversos instrumentos internacionais destinados à proteção de
crianças e adolescentes, sendo que o Brasil é signatário de diversos deles.
Devemos, contudo, destacar:
Convenção sobre os Direitos da Criança, Adotada pela
Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989: aprovada pelo Decreto
Legislativo n° 28, de 14 de setembro de 1990, e promulgada
pelo Decreto n.º 99.710/90;
Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à
Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de
Adoção Internacional: aprovada pelo Decreto Legislativo no 1,
de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº
3.087, de 21 de junho de 1999.
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Ante a necessidade de se atualizar a legislação que tratava de
diversos aspectos legais aplicados a crianças e adolescentes, em especial, o
antigo Código de Menores (Lei n.º 6.697/79), bem como para que as diversas
determinações estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 passassem a
ser efetivamente aplicadas, foi estabelecido o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), por meio da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990.
Esse estatuto teve um vacatio legis de 90 dias (art. 266), bem como
revogou o Código de Menores e a Lei n.º 4.513/64, que estabelecia o Fundo
Nacional do Bem-Estar do Menor.
Desde a sua entrada em vigor é esse estatuto o principal
instrumento legal que estabelece os parâmetros para o tratamento jurídico das
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crianças e adolescentes em nosso país, tendo direta influência no
estabelecimento de políticas sociais, assistenciais e educacionais que, direta
ou indiretamente, sempre precisam observar o sistema protetivo determinado
pela Constituição Federal.
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Logo no seu início o ECA estabeleceu em seu art. 2º as definições
legais de criança e adolescente, sendo que essa interpretação autêntica (ou
seja, realizada pelo próprio legislador) deve ser sempre observada.
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se
excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e
vinte e um anos de idade.
ECA
CRIANÇA
ADOLESCENTE
EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DO
ECA PARA MAIORES DE 18 ANOS
DO NASCIMENTO COM VIDA ATÉ
OS 12 ANOS INCOMPLETOS
AQUELES ENTRE 12 E 18 ANOS DE
IDADE
Convém que destaquemos os seguintes aspectos:
muito embora a Convenção dos Direitos da Criança não faça
distinção entre criança e adolescente (pois para ela todos os
menores de 18 anos são considerados criança), o ECA
preferiu estabelecer um melhor parâmetro de tratamento entre
as diversas fases da menoridade;
com o nascimento com vida o ser humano adquire
personalidade civil (conforme consta do art. 2º do Código
Civil), ou seja, pode ser titular de direitos e obrigações,
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contudo, há todo um sistema legal (proteção integral)
estabelecido especialmente pelo ECA, que visa proteger
crianças e adolescentes dada à condição de pessoas e
desenvolvimento;
esse sistema de proteção integral deve ser obrigatoriamente
observado pela família, pela comunidade, pela sociedade e
pelo Poder Público, assegurando prioridade de tratamento
das necessidades próprias das crianças e adolescentes;
muito embora em grande parte do ECA haja igualdade de
tratamento entre crianças e adolescentes, há situações em
que essa distinção é relevante, pois nessas questões a
disciplina legal é diferenciada;
muito embora o ECA se destine a tratar da situação jurídica
da criança e do adolescente, excepcionalmente, ele pode ser
aplicado a pessoas entre 18 e 21 anos de idade. Atualmente,
essa hipótese praticamente se restringe à possibilidade de
aplicação da internação a quem, ainda adolescente, praticou
um ato infracional (conduta considerada crime ou
contravenção penal), sendo passível de ser internado (medida
socioeducativa) até, no máximo, os 21 anos.
Outro ponto destacado pelo legislador é que a interpretação dos
dispositivos do ECA deve sempre levar em conta os fins sociais a que ele se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e
coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento (art. 6º).
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Além dos direitos e garantias previstos em nossa Constituição
Federal para todos, o sistema de proteção integral estabelecido pelo ECA
estabelece uma série de especificidades aplicáveis às crianças e adolescentes.
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DIREITO À VIDA E À SAÚDE
Como não poderia deixar de ser, o legislador estabeleceu que o
direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes deve começar mesmo
antes do nascimento, razão pela qual é assegurado à gestante, através do
Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento pré e perinatal.
Além disso, deve haver uma especial preocupação com o
aleitamento materno, devendo o poder público, as instituições e os
empregadores propiciar condições adequadas para que ele ocorra, inclusive
para os filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade. Neste
último caso, há expressa determinação constitucional que assegura às
presidiárias o direito de permanecer com seus filhos durante o período de
amamentação (art. 5º, inc. L).
Dentre essas medidas, também devem ser destacadas:
a necessidade de perfeita identificação do recém-nascido
mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da
impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas que
venham a ser estabelecidas;
a necessidade de serem realizados exames visando ao
diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo
do recém-nascido (“teste do pezinho”);
os hospitais devem fornecer declaração de nascimento
(importante para a realização do registro civil do nascimento);
os hospitais devem proporcionar condições para a
permanência em tempo integral de um dos pais ou
responsável, nos casos de internação de criança ou
adolescente;
é obrigatória a vacinação das crianças nos casos
recomendados pelas autoridades sanitárias.
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Além disso, todos os casos de suspeita ou confirmação de maustratos
contra criança ou adolescente devem ser comunicados ao Conselho
Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE
A esses direitos o ECA destaca os seguintes aspectos:
ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
comunitários, ressalvadas as restrições legais;
opinião e expressão;
crença e culto religioso;
brincar, praticar esportes e divertir-se;
participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
participar da vida política, na forma da lei, dessa forma nossa
Constituição Federal estabelece a faculdade de adolescentes
maiores de 16 anos participarem como eleitores em votações,
plebiscitos e referendos (art. 14, § 1º, II, alínea “c”);
buscar refúgio, auxílio e orientação;
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, inclusive no que se refere à sua
imagem e identidade (observe que adolescente que praticam
atos infracionais não são exibidos nos noticiários, bem como
não tem seus nomes revelados).
DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
As principais regras legais sobre a convivência da criança e do
adolescente com sua família natural ou substituta estão previstas no ECA,
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sendo que aquela (a família natural) deve ter absoluta prioridade para lhe
proporcionar sua criação, sendo que esta (a família substituta) é estabelecida
excepcionalmente.
FAMÍLIA NATURAL
O ECA se preocupa em definir o que é a família natural, bem como
os seus variados tipos. Dessa forma, entende-se por família natural a
comunidade formada pelos pais ou qualquer deles (nesse caso temos a
chamada família monoparental) e seus descendentes.
Essa previsão legal está ajustada à definição apresentada em nossa
Constituição Federal, inclusive no que se refere à família monoparental (art.
226, § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.).
Um conceito inserido pela Lei n.º 12.010/09, que alterou o ECA, é o
de família extensa ou ampliada, sendo essa definida como “aquela que se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada
por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e
mantém vínculos de afinidade e afetividade” – parágrafo único do art. 25.
Considerando a prioridade na formação da família natural, se torna
bastante relevante a questão do reconhecimento do estado de filiação, sendo
esse um direito personalíssimo (que somente pode ser exercido pela pessoa
interessada), indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os
pais ou seus herdeiros (ou seja, mesmo após a morte dos supostos pais
naturais), sem qualquer restrição. Considerando a natureza desse tipo de
processo, ele sempre corre sob segredo de Justiça, ou seja, sua publicidade é
extremamente restrita – somente as partes e seus procuradores podem ter
acesso aos autos.
Além dessa possibilidade, os filhos, ainda que havidos fora dos
casamento, podem ser reconhecidos por seus pais, conjunta ou
separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante
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escritura ou outro documento público, podendo esse reconhecimento ocorrer
antes do nascimento ou preceder ao seu falecimento, porém, neste último
caso, isso somente poderá ocorrer se o filho a ser reconhecido deixar
descendentes (para que os pais que agora “aparecem” não seja os únicos
beneficiados por eventual herança do de cujus).
Os pais exercem, em igualdade de condições, o chamado poder
familiar, o qual podemos definir como sendo um complexo de direitos e deveres
decorrentes do estado da filiação que unem os pais (pai e mãe) a seus filhos.
Eventuais divergências entre os pais devem ser resolvidas pelo Juiz da Vara da
Infância e da Juventude.
Como decorrência do poder familiar, os pais têm o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais. O descumprimento desses deveres pode determinar, sempre
mediante decisão judicial, a suspensão ou perda do poder familiar.
O ECA é claro em estabelecer que “a falta ou a carência de recursos
materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder
familiar”, sendo que nesse caso, se o juiz constatar a incapacidade desses
recursos, deverá a criança ou o adolescente ser mantido em sua família de
origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de
auxílio – art. 23.
Apenas como referência, o antigo Código Civil, chamava o poder
familiar de pátrio poder, razão pela qual essa denominação pode ser
encontrada em texto mais antigos que tratam do assunto.
FAMÍLIA SUBSTITUTA
Não havendo a possibilidade de manutenção da criança e do
adolescente em sua família natural ela será, temporária ou definitivamente,
inserida em uma família substituta, sempre em virtude de decisão judicial.
Há 3 formas básicas de família substitutiva, as formadas em razão:
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da guarda;
da tutela;
da adoção.
No estabelecimento dessas medidas, sempre que possível, a
criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional,
respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão, sendo sua
opinião devidamente considerada.
No caso de adolescente é necessário seu consentimento, colhido
em audiência.
Além disso, na apreciação da colocação em família substituta, deve
o juiz:
levar em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade
ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as
consequências decorrentes da medida;
não realizar (salvo razões excepcionais) a separação de
irmãos;
em caso de crianças e adolescentes indígenas ou
provenientes de comunidades remanescentes de quilombos,
devem ser tomados cuidados especiais para que se preserve
sua identidade cultural e social.
A colocação da criança ou adolescente em família substituta deve
ser precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior,
realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da
Juventude.
Não poderá o juiz deferir que pessoa que revele, por qualquer modo,
incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar
adequado possa receber criança ou adolescente em família substituta.
A colocação em família substituta estrangeira constitui medida
excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.
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DA GUARDA
A guarda é a forma mais simples de estabelecimento da família
substituta, podendo ocorrer:
para a regularização de situação de fato – por exemplo, de
pais que “deixaram” a criança com algum conhecido e não
mais retornaram – nesse caso, enquanto se aguarda a
destinação a ser dada ao caso, a criança pode ser colocada
sob a guarda dessa pessoa, regularizando a situação legal;
de forma liminar ou incidentalmente, nos processos de tutela
e adoção (exceto por estrangeiros);
de forma excepcional, fora dos casos de tutela ou curatela,
para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual
dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de
representação para a prática de atos determinados (tal como
a matrícula da criança em escola).
Aquele que recebe criança ou adolescente em razão da guarda tem
o dever de tê-lo consigo e de lhe prestar assistência material, moral e
educacional, sendo que ele se torna seu dependente, para todos os fins e
direitos (tributários, previdenciários etc.).
O guardião tem o direito de opor seus direitos contra terceiros,
inclusive aos pais, contudo estes, salvo determinação expressa e
fundamentada do juiz ou quando a medida for aplicada em preparação para
adoção, podem ter deferido o exercício do direito de visitas pelos pais. Nesses
casos, poderá o juiz estabelecer que os pais devam prestar alimentos.
A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato
judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.
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DA TUTELA
A tutela é uma das formas de substituição do poder familiar aplicada
somente a crianças e adolescentes, razão pela qual a sua concessão implica
que previamente o juiz decrete a perda ou a suspensão desse poder, sendo
que a sua instituição implica, igualmente, no dever de guarda.
Não chega a se formar qualquer tipo de parentesco entre o tutor e o
pupilo, tendo aquele a incumbência de gerir a pessoa da criança ou
adolescente e seus bens.
Uma das hipóteses de seu estabelecimento se dá quando o tutor é
nomeado pelos pais por testamento ou qualquer documento autêntico. Nesse
caso, esse tutor deve ingressar com pedido destinado ao controle judicial
desse ato, no prazo de 30 dias após a abertura da sucessão. É o que ocorre,
por exemplo, se os pais de uma criança vierem por testamento a nomear
determinada pessoa como tutor de seu filho, caso ocorra a morte ou a ausência
legal de ambos.
Se a nomeação ocorrer por disposição de última vontade
(normalmente por testamento), o juiz somente irá homologar a vontade dos
pais se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não
existe outra pessoa em melhores condições de assumir esse encargo.
DA ADOÇÃO
A adoção é uma medida excepcional e irrevogável, pois implica em
prévio e definitivo rompimento do poder familiar a que criança ou adolescente
estava anteriormente submetido, devendo ser utilizada somente quando
esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa.
Por ela o adotado passa à condição de filho do adotante, com os
mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. Em razão de sua natureza,
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ocorre um completo desligamento dos vínculos com os pais e parentes
naturais, exceto no que se refere aos impedimentos matrimoniais, dessa forma,
alguém que foi adotado não pode se casar com sua irmã natural.
Formando-se novos vínculos de parentesco, se torna recíproco o
direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus
ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de
vocação hereditária.
Dentre as prescrições para a adoção, devemos destacar as
seguintes:
o adotante deve ser maior de 18 anos, independentemente do
estado civil;
não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
a adoção pode ocorrer por apenas uma pessoa ou por ambos
os cônjuges (adoção conjunta);
para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes
sejam casados civilmente ou mantenham união estável,
comprovada a estabilidade da família;
o adotante deve ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que
o adotando;
os divorciados, os judicialmente separados e os excompanheiros
podem adotar conjuntamente, contanto que
acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o
estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do
período de convivência e que seja comprovada a existência
de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não
detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da
concessão – nesse caso, a guarda poderá ser compartilhada
pelos adotantes;
a adoção poderá ser deferida ao adotante que, após
inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso
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do procedimento, antes de prolatada a sentença (adoção
póstuma);
a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens
para o adotando e fundar-se em motivos legítimos;
a adoção depende do consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando, salvo se pais forem
desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar;
na adoção de maior de 12 anos de idade é necessário o seu
consentimento.
Antes de efetivada a adoção deve ser realizado um estágio de
convivência, o qual durará o prazo fixado pelo juiz do processo, contudo, esse
estágio poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda
legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a
conveniência da constituição do vínculo.
A guarda de fato (sem decisão judicial), por si só, não dispensa a
realização do estágio de convivência.
Se os adotantes forem residentes ou domiciliados fora do país
(adoção internacional), o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 dias e
será cumprido no território nacional.
Esse estágio de convivência deverá ser acompanhado por equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude.
A adoção se torna definitiva e, por conseqüência, fica estabelecido
vínculo entre adotante e adotado com a sentença judicial transitada em julgado,
a qual é inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá
certidão.
Nessa inscrição:
constará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome
de seus ascendentes;
o mandado judicial cancela o registro original do adotado;
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o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro
Civil do Município de sua residência do adotante;
nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar
nas certidões do registro;
a sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a
pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação
do prenome, contudo, neste caso, é obrigatória a oitiva do
adotando.
Os efeitos da adoção passam a existir a contar da data do trânsito
em julgado da sentença constitutiva, exceto na adoção póstuma, caso em que
terá força retroativa à data do óbito.
O adotado, em regra após os 18 anos, tem direito de conhecer sua
origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a
medida foi aplicada.
A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais
naturais.
A Vara da Infância e da Juventude, em cada comarca ou foro
regional, deverá manter um registro de crianças e adolescentes em condições
de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER
Estabelece o ECA o direito da criança e do adolescente à educação,
visando:
o pleno desenvolvimento de sua pessoa;
preparo para o exercício da cidadania;
qualificação para o trabalho.
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PRIMEIRAS NOÇÕES
Para que esses objetivos sejam atingidos, o Estado deve assegurar
a crianças e adolescentes:
ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os
que a ele não tiveram acesso na idade própria;
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;
atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6
anos de idade;
acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um;
oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
adolescente trabalhador;
atendimento no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo,
ou seja, poder ser judicialmente exigido pelos interessados que não obtiverem
vagas na rede pública.
Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou
pupilos na rede regular de ensino.
Como parte do sistema de proteção total destinado às crianças e
adolescentes, o art. 56 do ECA estabelece uma série de medidas que devem
ser observadas pelos dirigentes de estabelecimento de ensino (público ou
privado).
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino
fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I - maus-tratos envolvendo seus alunos;
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PRIMEIRAS NOÇÕES
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar,
esgotados os recursos escolares;
III - elevados níveis de repetência.
DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO TRABALHO
Muito embora o art. 60 do ECA estabeleça que é proibido qualquer
trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, esse
dispositivo foi revogado pela Emenda Constitucional n.º 20/98, sendo que,
conforme vimos anteriormente, a idade mínima é de 16 anos, exceto como
aprendiz a partir dos 14 anos.
A aprendizagem se caracteriza por possuir o condão de estabelecer
um processo de formação técnico-profissional, devendo atender aos preceitos
fixados em legislação própria, além dos seguintes princípios:
garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;
atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
horário especial para o exercício das atividades.
Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho
protegido.
Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de
trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou
nãogovernamental,
é vedado trabalho:
noturno, realizado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas
do dia seguinte;
perigoso, insalubre ou penoso;
realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
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realizado em horários e locais que não permitam a freqüência
à escola.
DA PREVENÇÃO
Alinhado com o objetivo de estabelecer um sistema de proteção
total, estabelece o ECA que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça
ou violação dos direitos da criança e do adolescente” – art. 70.
Essa prevenção é estabelecida por uma série de medidas a que ele
chamada de medidas de Prevenção Especial.
PREVENÇÃO ESPECIAL
O poder público deve regular as diversões e espetáculos públicos,
estabelecendo a forma como a sociedade deve ser informada sobre a natureza
deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que
sua apresentação se mostre inadequada.
Estabelecidos esses critérios, os responsáveis por essas diversões e
espetáculos públicos devem afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada
do local de exibição, informações sobre a natureza do espetáculo e a faixa
etária especificada recomendada.
Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos
públicos classificados como adequados à sua faixa etária, sendo que as
crianças menores de 10 anos somente poderão ingressar e permanecer nos
locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou
responsável.
Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários de empresas que
explorem a venda ou aluguel de programação em vídeo (fitas VHS e DVD –
locadoras de vídeos, especialmente) devem cuidar para que não haja venda ou
locação em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente.
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PRIMEIRAS NOÇÕES
As revistas e publicações contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em
embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não
poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de
bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores
éticos e sociais da pessoa e da família.
Os responsáveis por estabelecimentos que explorem
comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por casas de jogos, assim
entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para
que não seja permitida a entrada e a permanência de crianças e adolescentes
no local, afixando aviso para orientação do público.
É proibida a venda para criança ou adolescente de:
armas, munições e explosivos;
bebidas alcoólicas;
produtos cujos componentes possam causar dependência
física ou psíquica ainda que por utilização indevida;
fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo
seu reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer
dano físico em caso de utilização indevida;
revistas e publicações não recomendadas à sua faixa etária;
bilhetes lotéricos e equivalentes.
É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel,
motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou
acompanhado pelos pais ou responsável.
Nenhuma criança pode viajar para fora da comarca onde reside,
desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial,
porém essa autorização não é exigida quando:
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PRIMEIRAS NOÇÕES
tratar-se de comarca contígua à da residência da criança, se
na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma
região metropolitana;
a criança estiver acompanhada:
o de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau,
comprovado documentalmente o parentesco;
o de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai,
mãe ou responsável.
O juiz da Infância e da Juventude, a pedido dos pais ou responsável,
poderá conceder autorização para viagens válida por 2 anos.
Em relação a viagens para o exterior, a lei estabeleceu a
necessidade de autorização judicial, salvo se a criança ou adolescente:
estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
viajar na companhia de um dos pais, autorizado
expressamente pelo outro através de documento com firma
reconhecida.
Salvo se houver prévia e expressa autorização judicial, nenhuma criança ou
adolescente nascido em território nacional poderá sair do país em companhia
de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior.

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