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Processo Seletivo 2010

Maria Inês Ghilardi-Lucena


Tereza de Moraes

PUC-Campinas
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Sistema de Bibliotecas e Informação – SBI – PUC-Campinas

808 Ghilardi-Lucena, Maria Inês

G424c Caderno de redações PUC-Campinas: processo seletivo


2010 / Maria Inês Ghilardi-Lucena e Tereza de Moraes.-
Campinas: PUC-Campinas, 2010.
80p.

1. Redação. 2. Narrativa. 3. Língua Portuguesa – Composição


e exercícios. 4. Exame vestibular. I. Moraes, Tereza de. II. Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. III. Título.

22.ed.CDD-808
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Os atores da enunciação, imagens do enunciador e do


enunciatário, constituem simulacros do autor e do leitor
criados pelo texto. São esses simulacros que determinam
todas as escolhas enunciativas, sejam elas conscientes
ou inconscientes, que produzem os discursos. Para
entender bem o conjunto de opções enunciativas
produtoras de um discurso e para compreender sua
eficácia, é preciso apreender as imagens do enunciador
e do enunciatário, com suas paixões e qualidades,
criadas discursivamente.

José Luiz Fiorin (2008, p. 161)


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PREFÁCIO

Profª Drª Angela de Mendonça Engelbrecht

Escrever não é tarefa fácil. Principalmente quando de sua avaliação


depende, de maneira significativa, o resultado de um projeto rumo à futura
carreira profissional: a vaga no curso tão sonhado.

Tem a redação grande importância na classificação dos candidatos


da maioria dos Processos Seletivos. Para alcançar o objetivo pretendido, é
preciso escrever bem e de forma clara. Lógica e coerência permeando a
introdução, o desenvolvimento e a conclusão, consistente defesa de seu ponto
de vista, contribuição pessoal e formalidade da linguagem são requisitos básicos
na produção de um texto.

Em 2000, na Coordenadoria de Ingresso Discente, aprendi muito com o


complexo processo de avaliação das redações. À época, as coordenadoras
acadêmicas dessa atividade, as professoras Maria Inês Ghilardi Lucena, Maria
Marcelita Pereira Alves e Graciema Pires Therezo, já demonstravam interesse
em apresentar as riquezas encontradas na avaliação dos textos, como os
elementos constituintes da estrutura ou a linguagem que os diferenciavam dos
demais. Num estudo crítico, apresentaram explicações destacando as
especificidades de cada gênero textual e as técnicas empregadas na sua
produção.

Surgiu, assim, o Caderno de Redações


Redações, com publicação anual.
Desde 2004, cumpre o objetivo de oferecer material importante para o
aprendizado de novos postulantes aos cursos superiores e, também, para
professores da área de leitura e produção de textos, em suas salas de aula.

Este fascículo traz uma análise das propostas de dissertações e de


narrativas. De cada uma delas são apresentados textos produzidos por
candidatos participantes do Processo Seletivo da PUC-Campinas, com o estudo
crítico de sua adequação ao tema, ao tipo de texto solicitado e aos demais
critérios de avaliação.

Cada texto demonstra ideias, reflexões e pensamentos registrados por


meio de palavras que concretizam a visão de mundo daquele que escreve.
Vale a criatividade, a desenvoltura, as sensações, a emoção e a maturidade.
Vale, principalmente, a demonstração da certeza e da segurança de quem
se preparou em profundidade, não apenas para o Vestibular, mas para a
vida, para o futuro. É isso o que, de fato, importa.
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SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................................................... 5
Apresentação ............................................................................................................... 9
Introdução .................................................................................................................... 11
Textos dissertativos e narrativos ................................................................................. 13
Prova de Redação 2010 - Instruções gerais ........................................................... 15

Proposta I – dissertação ............................................................................................. 19


Comentário da Proposta I ......................................................................................... 20
Redação nº 1: Por um estilo de vida melhor ........................................................... 22
Redação nº 2: Esforços na promoção da saúde infantil .................................... 26
Redação nº 3: O valor da saúde das crianças ................................................... 29
Redação nº 4: Influência da família versus influência da mídia ....................... 33
Redação nº 5: Responsabilidade das empresas ................................................. 36

Proposta II – dissertação ............................................................................................ 41


Comentário da Proposta II ........................................................................................ 42
Redação nº 6: Crítica ou preconceito - onde está a imparcialidade? 43
Redação nº 7: O racional e o insensato ................................................................ 47
Redação nº 8: Senso crítico e preconceito ........................................................... 51
Redação nº 9: As relações entre crítica e preconceito ...................................... 55
Redação nº 10: Consciência crítica ....................................................................... 58

Proposta III – narração ............................................................................................... 63


Comentário da Proposta III ....................................................................................... 64
Redação nº 11: O inusitado ..................................................................................... 65
Redação nº 12: Nietzsche no elevador .................................................................. 68
Redação nº 13: Imprevisto ........................................................................................ 71
Redação nº 14: Interessante experiência .............................................................. 74
Redação nº 15: Tirem-me daqui .............................................................................. 77

Bibliografia para estudo ............................................................................................ 80


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APRESENTAÇÃO

A PUC-Campinas dá continuidade à publicação do Caderno de


Redações que, desde 2004, objetiva orientar os vestibulandos nos estudos de
produção de textos e prepará-los para a prova de redação, a fim de que se
sintam seguros e tenham sucesso ao pleitear uma vaga na Universidade.
Para isso, coloca ao alcance dos candidatos alguns dos textos dissertativos e
narrativos efetivamente produzidos por aqueles que prestaram o Vestibular
2010. Os professores de redação poderão consultar o conteúdo deste
Caderno para fundamentar a avaliação dos textos produzidos por seus
alunos, bem como para promover debates em torno dos aspectos mais
relevantes do material nele reunido.

Publicando exemplos de redações e justificando seus méritos em estudos


críticos, tem a intenção de oferecer parâmetros de qualidade para quem
imagina ter que escrever textos eruditos ou para aquele que acredita ser
suficiente transpor a linguagem falada para o papel. Dissertações e narrativas
de candidatos aprovados no processo seletivo, mais do que os comentários
teóricos, mostram, em si mesmas, de que modo adequar-se ao tema proposto,
ao tipo de texto escolhido, ao nível de linguagem, à coesão e à coerência.
Objetividade, progressão de argumentos e clareza de raciocínio na dissertação;
inventividade, trabalho com a linguagem, poder de criação de personagens
e ações na narrativa; coerência em ambos os tipos de textos, todos esses
recursos ficam evidentes nessas amostras, embora não necessariamente atinjam
a excelência.

A prova do Processo Seletivo 2010 constou de três propostas de redação,


duas dissertativas e uma narrativa, aqui comentadas. As dissertativas diferem
entre si quanto à temática e à diversidade de textos de apoio, sendo a Proposta
I fundamentada em um único texto dissertativo, um editorial jornalístico, e a II,
em dois verbetes de dicionário que circunscrevem um tema. A Proposta III
apresenta uma situação do cotidiano com sugestão de personagens para
compor um texto do gênero narrativo.

Para cada uma das propostas foram selecionadas cinco redações,


assim distribuídas:
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• Proposta I: redações de 1 a 5;
• Proposta II: redações de 6 a 10;
• Proposta III: redações de 11 a 15.

Este Caderno publica, portanto, as três propostas da prova de redação


comentadas e quinze redações seguidas, cada uma, de um estudo crítico,
além de uma introdução sobre a questão da leitura e da produção de
textos em prova de vestibular, considerações sobre dissertação e narração e,
no final, uma bibliografia para estudo, relacionada à área de leitura e
produção de textos. O leitor perceberá que, para escrever, não basta saber
palavras. É preciso que elas expressem um olhar pessoal sobre o mundo que
o cerca.
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INTRODUÇÃO

A avaliação das redações no vestibular tem por objetivo verificar a


capacidade de leitura e produção de textos dos candidatos, reveladora de
reflexão crítica frente ao tema proposto. É a forma de a Universidade perceber,
pelas capacidades linguísticas e cognitivas apresentadas, em que medida
são dominadas as habilidades esperadas. Tal trabalho, entretanto, não
desconsidera a situação de artificialidade em que o vestibulando se encontra.
Ao se considerar a linguagem como interação social, em que o outro
tem um papel fundamental na construção dos sentidos, é preciso levar em
conta, neste caso, a falta de espontaneidade da relação de interlocução.
Ambos, locutor e interlocutor, estão comprometidos com a situação tensa de
um dia de exame, em que ao vestibulando compete ser avaliado e, ao corretor,
avaliar. Disso decorre a artificialidade na construção das imagens que fazem
de si, do outro e do assunto a ser discutido, o que interfere na produção do
texto e, também, na leitura. O candidato escreve para uma banca de
avaliadores, o que confere a quem lê o seu texto uma responsabilidade
igualmente tensa, diferente da fruição do leitor genérico, que lê o que lhe
apraz dentre os textos que circulam socialmente, concordando ou
discordando, mas sem a intenção de atribuir nota.

Conforme colocações de Wanderley Geraldi sobre a tão discutida


avaliação de redações, trata-se de um problema da instituição educacional
até hoje não solucionado, embora dimensionado e debatido. Em situação de
vestibular, adquire, ainda, maior carga de tensão do que no dia a dia escolar,
em que o professor pode orientar e sugerir refeituras. O texto produzido não é
aquele em que um sujeito diz a sua fala, pois ele visa atender às solicitações
propostas pela Universidade. Nesse caso, não há, propriamente, um sujeito da
linguagem, mas uma função-candidato que escreve para uma função-
avaliador.

Nesse contexto, em que se fazem sentir pressões de diferentes ordens,


desde a familiar e social até a pessoal (a auto-estima), a enunciação adquire
um caráter ímpar, pondo em jogo a relação da interlocução. Assim, há
necessidade de, ponderados todos esses fatores, proceder-se a uma avaliação
justa, segundo critérios objetivos, muito bem definidos (adequação ao tema,
ao tipo de texto, ao nível de linguagem, coesão e coerência) e rigorosamente
aplicados por uma banca de avaliação composta de professores altamente
qualificados e suficientemente treinados para essa tarefa.
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TEXTOS DISSERTATIVOS E NARRATIVOS

As questões de gênero e de tipologia textual têm motivado os estudos


na área de leitura e produção de textos. As escolas de Ensino Médio preparam
os alunos para a redação de variados gêneros textuais – editorial, artigo de
opinião, dissertação expositiva e argumentativa, relato, notícia jornalística,
narrativa de ficção, carta, anúncio publicitário, resumo, resenha, dentre outros
– visando, fundamentalmente, à aprovação nos exames vestibulares das
faculdades.

Para os futuros universitários, importa produzir e interpretar os gêneros


que lhes possibilitem maior interação na vida comunicativa, no trabalho e nos
estudos, o que exige, também, familiaridade com diferentes níveis de linguagem.

O Processo Seletivo da PUC-Campinas optou por apresentar três


propostas de redação para a escolha de uma delas, duas dissertativas e uma
narrativa, focalizando, assim, dois dos gêneros textuais mais trabalhados na
sala de aula. Textos dissertativos e narrativos diferem entre si na medida em que
pressupõem recursos específicos, pois dissertar é dizer ideias e narrar é dizer
fatos. Enquanto a dissertação atua no plano lógico-racional, a narrativa atua
no lógico-emocional. A primeira privilegia o intelecto e, se bem feita, leva à
admiração. A segunda, privilegiando a sensibilidade e a emoção, ao
encantamento.

TEXTOS DISSERTATIVOS

Escrever uma dissertação supõe o exame crítico do assunto a ser discutido


e a elaboração de um plano de trabalho que garanta a progressividade de
um raciocínio lógico. Além de coerentes, as ideias apresentadas devem ser
expressas de modo articulado, em nível de linguagem padrão, que permita ao
leitor apreender com clareza todos os sentidos.

O primeiro passo para a produção de um texto dissertativo, depois de


escolhido o tema, isto é, o aspecto do assunto que se deseja abordar, é
estabelecer um objetivo. Este será responsável pela tese do autor, isto é, seu
ponto de vista sobre o problema. É possível, então, redigir a frase-núcleo, que,
na maioria das vezes, aparece na introdução. Esta deve conter um esboço
das ideias a serem discutidas nos parágrafos seguintes.
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O desenvolvimento, o chamado “corpo” do texto, deve obedecer ao


projeto esquematizado pelo produtor, garantindo uma progressão dos
argumentos. São as razões que sustentam a tese: explicações, exemplos,
citações, dados numéricos etc. Elas são responsáveis pela objetividade da
dissertação, cuja finalidade é convencer o leitor. Há várias formas de ordenação
dos parágrafos, sempre constituídos de uma ideia básica seguida de
complementares, mas o importante é que eles devem ser encadeados uns aos
outros para constituir as relações que formam o tecido, que é o texto. Essa
progressividade das ideias apresentadas é que permite ao autor chegar a
uma conclusão, a qual não é, apenas, o último parágrafo, mas decorrência
de todos os argumentos apresentados e deve ser absolutamente coerente
com a tese.

Para a garantia da lógica e da coerência do texto dissertativo, é


fundamental que apresente uma determinada estrutura – introdução,
desenvolvimento, conclusão –, entretanto, não se trata, apenas, de três partes
da redação, mas da sequência de um raciocínio planejado. Este será dedutivo,
se apresentar a tese na introdução, seguida dos argumentos. Será indutivo, se,
primeiro, aparecerem as fundamentações, para, só no final, ficar explícito o
ponto de vista do autor.

TEXTOS NARRATIVOS

Narrar é representar ideias através de fatos organizados numa linguagem


específica que lhes dê forma e sentido, no intuito de sensibilizar o leitor para
uma maior e melhor compreensão do homem e da vida.

A produção do texto narrativo pressupõe a construção de um enredo


baseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de personagens
que vivenciam os fatos, num determinado espaço, e a instituição de um
narrador que, a partir de um ponto de vista, organiza todos esses constituintes.
Um projeto narrativo deve, também, objetivar o emprego da linguagem
enquanto matéria da construção formal e projetar os fatos narrados não como
um fim em si mesmos, mas como suporte de ideias que os transcendem.

Assim, não basta reproduzir ou inventar alguns acontecimentos,


colocando-os em sequência linear e em linguagem gramaticalmente correta,
ignorando que o objetivo da proposta está, sobretudo, no seu uso particular
enquanto o objeto instaurador de uma realidade que só, e exclusivamente,
por ela é criada. A inventividade se pauta pelo dizer muito mais do que pelo
imaginar. Portanto, não basta pensar uma história, é preciso criá-la em palavras.
É da seleção, ordenação e imagística das palavras que resulta o trabalho
criativo. Na literatura, as palavras não são um meio, mas um fim em si mesmas,
importando menos o que dizem e mais como dizem. É no modo de realização
que reside a grandeza ou o fracasso do texto literário.
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PROVA DE REDAÇÃO 2010

INSTRUÇÕES GERAIS

I. Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:

1. Leia atentamente as propostas, escolhendo uma das três para sua prova
de Redação.

2. Escreva, na primeira linha do formulário de redação, o número da proposta


escolhida. A colocação de um título é optativa, a não ser quando
expressamente solicitada.

3. Redija seu texto a tinta (em preto).

4. Apresente o texto redigido com letra legível (cursiva ou de forma), em padrão


estético conveniente (margens, paragrafação etc.).

5. Não coloque o seu nome na folha de redação.

6. Tenha como padrão básico o mínimo de 30 (trinta) linhas.

II. Da elaboração da redação:

1. Atenda, com cuidado, em todos os seus aspectos, à proposta escolhida.


Às redações que não atenderem à proposta (adequação ao tema e ao
tipo de composição) será atribuída nota zero.

2. Empregue nível de linguagem apropriado à sua escolha.

3. Estruture seu texto utilizando recursos gramaticais e vocabulário adequados.


Lembre-se de que o uso correto de pronomes e de conjunções mantém a
coesão textual.

4. Seja claro e coerente na exposição de suas ideias.


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PROPOSTA I

DISSERTAÇÃO
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PROPOSTA I – DISSERTAÇÃO

Leia o editorial abaixo procurando apreender o tema nele desenvolvido.


Em seguida, elabore uma dissertação, na qual você exporá, de modo claro e
coerente, suas ideias acerca do tema tratado no editorial.

É um bom sinal que 24 empresas do setor alimentício tenham decidido


banir a propaganda voltada para crianças de até 12 anos em programas de
TV com audiência formada majoritariamente por esse público. A restrição se
estende a seções de jornais e revistas, sites e programação de rádio com
características semelhantes.

A proposta reconhece que crianças, mais vulneráveis, devem ser


protegidas de alguns tipos de publicidade. Pena que a elogiável decisão
corra o risco de se revelar inócua, pois nenhuma atração da TV aberta ou dos
canais por assinatura possui mais 30% de público dentro da referida faixa
etária. Apenas a TV Cultura leva ao ar programas que se enquadram nos
termos propostos, mas a própria emissora não aceita publicidade nesses casos.

É sintomático que a medida tenha sido anunciada no momento em


que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária coloca em consulta pública
uma série de normas para cercear a propaganda de alimentos dirigida às
crianças.

O órgão quer proibir anúncios de itens com baixo valor nutricional e


vetar o recurso a brindes, desenhos e personagens admirados pelo público
infantil na divulgação desses produtos.

A autorregulamentação é a melhor resposta ao problema.


Antecipando-se às demandas da sociedade, a indústria tem mais chances
de evitar a indesejável intervenção do Estado por meio de leis draconianas.
Iniciativas como a da Anvisa representam uma ameaça de tutela indevida
sobre a liberdade dos indivíduos e o discernimento dos pais acerca do que é
melhor para os filhos.

Seria louvável se os próprios fabricantes pensassem em desativar linhas


de produtos reconhecidamente prejudiciais à saúde infantil e se entendessem
a restrição à publicidade para crianças como algo efetivo, e não apenas um
lance de marketing politicamente correto.

(Folha de S. Paulo, A2 opinião, domingo, 30 de agosto de 2009)


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COMENTÁRIO DA PROPOSTA I

O editorial da Folha de S. Paulo de 30 de agosto de 2009 trata da


propaganda para crianças. O assunto delimita-se à restrição da propaganda
de alimentos, na mídia para crianças de até doze anos.

No momento em que a sociedade brasileira se depara com o problema


da obesidade infantil, até então considerada pelas famílias como “robustez”,
mas vista pelos serviços de saúde pública como doença a ser prevenida,
nada mais oportuno do que levar a pensar sobre providências a serem tomadas.

O texto inicia-se com o elogio a 24 empresas que decidiram desistir da


propaganda, na mídia, de produtos alimentares para crianças, entretanto
ressalta a possível ineficácia da medida, uma vez que a TV não alcança mais
do que 30% do público infantil. Enfatiza, também, a coincidência de a iniciativa
surgir no momento em que a ANVISA leva a cabo uma consulta pública sobre
esse tipo de publicidade. O objetivo é impedir o consumo de produtos pouco
nutritivos e a sedução exercida por brindes e outros recursos atraentes para a
ingenuidade das crianças.

O texto realça a importância de atitudes restritivas que partam das


próprias empresas, desativando linhas de produção, evitando a imposição do
Estado e a ingerência de órgãos autoritários sobre o papel dos pais na educação
alimentar dos filhos.

Aparentemente simples e objetivo, permite várias possibilidades de


contribuição pessoal. O candidato pode dar exemplos de recursos utilizados
pelos agentes de publicidade, como oferecimento de brindes em ovos de
páscoa, lanches do Mc Donald, venda inescrupulosa de guloseimas de alto
valor calórico em cantinas de escola, clubes etc. Pode tecer considerações
sobre a vulnerabilidade não só das crianças, mas também dos pais às tentações
impostas pelo mercado; sobre o direito de a criança ser protegida segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente; sobre o papel da mídia na publicidade
voltada para a infância com vistas ao estímulo ao consumismo; sobre a
intervenção do Estado como proteção ou censura e, sobretudo, sobre o papel
fundamental da família.

Maior profundidade de reflexão, contudo, levaria à conclusão de que


o editorial, a partir de um fato que remete ao cotidiano, em verdade, aborda
três poderes: o da mídia, o do Estado e o dos pais. Considerando que o primeiro
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é avassalador e molda o comportamento da sociedade de hoje, e que as


famílias se comportam segundo modelos que a TV introduz em suas casas,
bastará a intervenção do governo para modificar hábitos? Será proteção ou
tutela? Considerando, ainda, que a mulher, hoje, trabalha fora o dia inteiro e
não cozinha mais em casa, como evitar que nas lancheiras escolares apareçam
biscoitos e guloseimas industrializados, que as crianças tomem lanche em
cantinas e que os adolescentes sejam frequentadores assíduos de lanchonetes?

Como se vê, o candidato mais observador da realidade do dia a dia


pode chegar, até, a considerar que a ascensão das classes populares, com
consequente poder aquisitivo maior, promoveu maior consumismo de produtos
sedutores ao paladar, principalmente dos seus filhos, e aos pais cabe, também,
a responsabilidade por suas escolhas.

Não estará fugindo ao tema aquele que, chegando às raízes do


problema, deparar com o capitalismo, a ganância de lucro e a decorrente
indiferença pela criança, motivos que impedem as empresas, em sua grande
maioria, de tomar a única iniciativa capaz de resolver o problema: a não-
fabricação de produtos nocivos à saúde.
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REDAÇÃO 1

Por um estilo de vida melhor

Lucas Penna Daraio

A preocupação das autoridades diante das medidas publicitárias


adotadas por empresas do setor alimentício é um fator relevante, principalmente
diante de um mundo capitalista que, muitas vezes, reduz seres humanos a
cifras, de maneira feroz e mesquinha, ainda mais quando o público alvo das
propagandas é composto por crianças, que são bem mais vulneráveis.
Contudo, medidas como as da ANVISA, que busca implementar uma série de
regras para limitar, de forma exagerada, a propaganda de alimentos
direcionada às crianças, tornam-se prejudiciais à liberdade das empresas e
dos próprios pais responsáveis pela orientação de seus filhos e devem ser
analisadas com cautela no tocante à eficiência de tais iniciativas.

Mesmo desprovidas de algumas de suas campanhas publicitárias, as


empresas alimentícias fabricantes de produtos de baixo valor nutritivo, ou,
ainda, com elevado número de calorias, não deixariam de expô-los à venda
nas prateleiras de lojas e de supermercados. Portanto, a remoção de uma
campanha publicitária voltada para crianças menores de doze anos durante
programas de TV é uma medida superficial, que pode até inibir o consumo,
mas não elimina de vez e nem insere no seu estilo de vida uma dieta saudável.

Segundo a OMS, os índices de obesidade ainda na infância têm


aumentado de maneira assustadora, o que exige das autoridades medidas
mais eficientes no combate à alimentação inadequada. Contudo, certamente,
não pode fazer parte de tais medidas a censura às empresas publicitárias, pois
é prejudicial à sociedade tanto a norma que cerceia a liberdade dos indivíduos
de se expressarem e de comercializarem seus produtos como bem entendem,
quanto a limitação dos direitos que os próprios pais têm de direcionar a conduta
alimentar de seus filhos.

O caminho mais adequado, portanto, englobaria tanto uma


fiscalização moderada e consciente das campanhas publicitárias cujo enfoque
fosse a população infantil, quanto a promoção de palestras ou eventos
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informativos, nos mais variados veículos de comunicação, que visassem orientar


os pais sobre a importância de uma alimentação saudável, capaz de oferecer
os recursos suficientes para o adequado desenvolvimento da criança. Criadas
em um ambiente favorável à boa alimentação, crianças saudáveis de hoje
seriam os pais conscientes do amanhã. E como necessita da resposta da
sociedade, o mercado buscaria adequar-se às “novas regras”, podendo
expressar-se livremente, criando, quem sabe, “brindes verdes’, ou, até mesmo,
personagens incentivadores de consumo de uma alimentação mais coerente
e menos prejudicial.

É inegável a presença do setor publicitário no campo alimentício,


principalmente naquele voltado às crianças, exigindo das autoridades a devida
fiscalizacão com base nos preceitos éticos. Contudo, cercear a liberdade de
empresas, bem como de pais responsáveis pela orientação da postura
alimentícia de seus filhos é medida superficial. Ela deve estar associada à
presença cada vez mais séria e efetiva dos órgãos de saúde competentes na
informação de pais e responsáveis da importância de uma alimentação
saudável e de um estilo de vida cada vez mais compromissado com a saúde.
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REDAÇÃO 1 – ESTUDO CRÍTICO

Bem planejada, a introdução desta redação coloca o leitor “em


situação”, isto é, diante do tema, o que é importante para a devida
compreensão do texto. O candidato sabe que esse leitor genérico desconhece
a proposta, não leu o texto-base, portanto, para poder compreender os
argumentos elencados e ser por eles convencido, precisa estar a par do
problema. Frases como “A preocupação das autoridades diante das medidas
publicitárias adotadas por empresas do setor alimentício”, “público alvo das
propagandas é composto por crianças, que são bem mais vulneráveis”
delineiam a questão a ser discutida. O interessante, é que, em meio a esses
esclarecimentos, deixa evidente a sua tese: “medidas como as da ANVISA,
que busca implementar uma série de regras para limitar, de forma exagerada,
a propaganda de alimentos direcionada às crianças, tornam-se prejudiciais à
liberdade das empresas e dos próprios pais responsáveis pela orientação de
seus filhos”. Acrescenta o que pretende seja matéria do desenvolvimento: a
análise cautelosa dessa iniciativa.

O segundo parágrafo vincula-se, de maneira coerente, ao primeiro, ao


exemplificar, com a afirmação de que “as empresas alimentícias fabricantes
de produtos de baixo valor nutritivo (...) não deixariam de expô-los à venda
nas prateleiras de lojas e de supermercados”, uma constatação do início do
segundo parágrafo, a de que o mundo capitalista “muitas vezes, reduz seres
humanos a cifras, de maneira feroz e mesquinha”. A conclusão dessas duas
ideias é de que é improvável que a supressão de campanhas publicitárias
para crianças, na TV, consiga mudar sua dieta para alimentos saudáveis.

O raciocínio seguinte parte da mais grave consequência de uma dieta


não saudável – a obesidade infantil – a qual requer rigorosas medidas
preventivas, mas retoma a tese de que a censura proposta é prejudicial, por
cercear não só a liberdade das indústrias, mas a dos pais responsáveis pela
alimentação de seu filhos.

Até este ponto do desenvolvimento, o leitor acompanha a análise dos


dois lados do problema e já aguarda uma conclusão que ou o considere
insolúvel, ou ofereça sugestões possíveis. Estas aparecem no parágrafo seguinte
e recusam medidas rápidas, drásticas e radicais. Partem do mais difícil e
demorado: a conscientização social, por meio dos mais diferentes expedientes
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como palestras e eventos, cujo alvo sejam os pais. Novamente um vínculo


coerente com a responsabilidade da família apontada no primeiro e no terceiro
parágrafos. Está-se falando da absorção pelas crianças e jovens de novos
valores relacionados à educação e saúde, mais amplos que simplesmente
banimento de publicidade de alimentos pouco nutritivos ou altamente
calóricos. Quanto a esta, a sugestão é “uma fiscalização moderada e
consciente”. O resultado previsto, mesmo que a longo prazo, seria a adequação
do mercado alimentício a “um estilo de vida melhor” – título do texto –, passando
a fabricar produtos saudáveis.

O último parágrafo apenas reitera as sugestões principais do texto:


competência dos órgãos da saúde para esclarecimento dos pais e fiscalização
da publicidade no campo alimentício baseada em preceitos éticos.

De raciocínio dedutivo, o texto é argumentativo, e o candidato não


temeu tomar posição, rejeitando a censura e optando pela educação. Não
se referiu agressivamente ao poder do Estado, nem desmereceu a importância
da propaganda, sabendo realçar o papel dos pais na formação dos filhos ao
criar “um ambiente favorável” para “valores diferenciados” que serão levados
à próxima geração – “seriam os pais conscientes de amanhã”. Mais uma vez,
a coerência se faz sentir diante da sugestão de orientação dos adultos e, não,
imediatamente das crianças.

Boa linguagem e clareza de exposição são, também, qualidades do


texto.
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REDAÇÃO 2

Esforços na promoção da saúde infantil

Mariana Albertinazzi de Souza

A proposta de regulamentação das propagandas do setor alimentício


voltadas para o público infantil é válida. A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – ANVISA – que coordena o projeto, intenciona proteger as crianças,
mais vulneráveis, de elaboradas estratégias de marketing. Entretanto não basta
a imposição de normas no setor, também é fundamental a educação alimentar
fornecida pelos pais para que a dieta seja adequada e nutritiva.

Esse projeto, uma vez em vigor, proíbe anúncios de itens prejudiciais à


saúde infantil, com elevados índices de gordura, por exemplo. Contudo,
apesar de adequado, não é suficiente. Isso porque as propagandas
veiculadas atualmente atingem apenas 30% do público dessa faixa etária.
Dessa maneira, a pioneira regulamentação de algumas empresas tende a
parecer um lance de marketing, ao invés de real preocupação. Vale ressaltar,
afinal, que muitos dos produtos continuam com composição inadequada à
alimentação das crianças.
A principal problemática, nesse contexto, é a “regulamentação do
consumo”, ou seja, a educação familiar. Como soberanos na criação dos
filhos, os pais ou responsáveis devem conduzi-los a uma correta e balanceada
alimentação. Ensinar a importância da ingestão de alimentos saudáveis, ricos
em nutrientes essenciais ao metabolismo é fundamental para a conscientização
e a criação de bons hábitos. É necessário estimular o consumo desses alimentos
em detrimento de outros prejudiciais e alertar os filhos dos motivos de tal escolha.
Nota-se, pois, que a regulamentação e a educação alimentar são fatores
determinantes para a saúde, quando somados. Os efeitos da ausência de
ambos são evidenciados nos Estados Unidos. O país apresenta crescentes índices
de crianças com obesidade e carência nutricional, resultado da preocupante
aliança entre hábitos alimentares inadequados e forte indústria alimentícia –
redes de fast-food e produtos industrializados de elevado teor calórico.
A iniciativa da ANVISA em regulamentar a publicidade voltada a
menores de doze anos é um avanço na promoção da saúde. Todavia são
necessários esforços familiares em educação para que não sejam alvo de
marketing e tenham alimentação balanceada. Preocupar-se com a dieta
infantil é uma questão de saúde pública e evita os diversos males decorrentes
de má alimentação.
27

REDAÇÃO 2 – ESTUDO CRÍTICO

A redação, de raciocínio dedutivo, inicia-se com a tese de que “a


proposta de regulamentação das propagandas do setor alimentício voltadas
para o público infantil é válida”, uma vez que pretende a proteção das crianças,
“entretanto não basta a imposição de normas no setor, também é fundamental
a educação alimentar fornecida pelos pais para que a dieta infantil seja
adequada e nutritiva”. Posto isso, todo o trabalho do texto é argumentar a
favor do papel da família, muito superior ao de outras instâncias, no caso.

O segundo parágrafo explica o projeto da ANVISA de proibir, na mídia,


anúncios de produtos prejudiciais à saúde infantil, mas afirma não ser a iniciativa
suficiente, pois, pela TV, eles atingem pequena porcentagem do público-alvo,
e “muitos dos produtos continuam com composição inadequada”. Considera,
também, um lance de marketing o fato de empresas alimentícias decidirem se
autorregulamentar.

O ponto mais denso do texto aborda o papel da educação familiar


nesse campo. Enfatiza que os pais são “soberanos na criação dos filhos” e cabe
a eles a responsabilidade de “conduzi-los a uma correta e balanceada
alimentação”. Explicita como conseguir isso, não por meio de imposições ou
castigos, mas por meio do ensino e do estímulo em casa. Atitudes como explicar
“a importância da ingestão de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes essenciais
ao metabolismo”, incentivar o seu consumo, sempre alertando para as razões
dessa escolha, são os passos necessários para as únicas armas capazes de fazer
frente à sedução das propagandas: “a conscientização e a criação de bons
hábitos desde a infância”. Opondo-se à “regulamentação da publicidade”, o
autor chama isso de “regulamentação do consumo”, no caso, normas familiares.

O parágrafo seguinte lembra o exemplo dos Estados Unidos, conhecido


por suas famosas redes de fast-food e pelo consumo de comida de elevado
teor calórico, país onde a falta de normas governamentais sobre as fortes
indústrias do setor e a ausência de educação alimentar em casa resultaram
em obesidade.

A conclusão retoma a tese da validade das normas da ANVISA, pois a


preocupação “com a dieta infantil é uma questão de saúde pública”, mas
reitera que apenas somadas às atitudes familiares em prol de uma alimentação
balanceada surtirão efeito.
28

O texto evidencia um objetivo claro, naturalmente planejado pelo


candidato. Ao invés de investir contra a propaganda, tão capaz de seduzir
um público vulnerável como o infantil, ou contra o governo, considerando-o
interferente ao estabelecer regras que poderão ser consideradas sinais de
censura, foca o papel dos pais na educação dos filhos em um campo pouco
comentado: o da alimentação. Essa escolha do foco, que não resvala para o
sub-tema, pois o candidato tem sempre presentes o poder da mídia e o poder
do Estado, revela experiência familiar e observação da realidade. O implícito
que deixa para o leitor, o qual vive a rapidez e as exigências do mundo
moderno, é de que o essencial para os filhos de hoje é a presença dos pais.

Boa linguagem e boa coesão permitem a clareza das ideias.


29

REDAÇÃO 3

O valor da saúde das crianças

Ana Cândida de Paula Ribeiro e Arruda Campos

Não é ousado afirmar que, no Brasil, a propaganda é um instrumento


que influencia, sobremaneira, o comportamento do dito homem médio, haja
vista os investimentos despendidos pelas empresas com estratégias de marketing
e a qualidade da propaganda nacional, internacionalmente reconhecida.

Frequentemente, bordões e “jingles” veiculados pela imprensa são


executados e absorvidos pelo vocabulário e hábitos de pessoas dos mais
variados estamentos sociais, graus de escolaridade e faixas etárias. Diante
desse fato notório, cresce, cada vez mais, a preocupação com o conteúdo
das propagandas de um modo geral, principalmente porque crianças – público
cativo dos veículos da mídia, sobretudo da TV, dotadas de inconteste
vulnerabilidade – podem ser as grandes vítimas do poder de persuasão desses
veículos.

Com a proibição da veiculação das propagandas de cigarro, por


exemplo, muitas crianças se tornaram imunes às mensagens subliminares –
como a de que o fumante é mais bonito, charmoso, galã – e terão maiores
chances de não adquirir o vício tabagista.

Será que a proibição da propaganda do cigarro representa uma tutela


indevida sobre a liberdade dos indivíduos, ou representa um marco na política
de saúde pública preventiva?

Neste momento, em que as atenções se voltam para a questão da


restrição de anúncios de alimentos de baixo teor nutricional relacionado com
ofertas de brindes e personagens admirados pelo público infantil, o que se
busca é a preservação da saúde das crianças. Assim, a consulta feita pela
ANVISA, além de instrumento dotado de grande viés democrático, reflete,
repita-se, a preocupação estatal com a saúde da população e em nada
interfere no discernimento dos pais sobre o que é melhor para seus filhos.

Não se está discutindo se alimentos de baixa qualidade nutricional


continuarão a ser oferecidos. O que se discute, isso sim, é a vulnerabilidade da
30

criança diante das propagandas que veiculam esses produtos e as possíveis


consequências que a ingestão desses alimentos poderá causar na sua saúde.

Ainda que a restrição submetida à consulta da ANVISA tratasse de


uma tutela indevida – o que se cogita apenas para fins de argumentação – o
valor saúde teria de ser frontalmente desprezado em prol de produtos que
nada agregam à formação de uma criança?

Felizmente, já há empresas que, por iniciativa própria, vêm adotando


postura semelhante à pretendida pela agência regulatória sanitária, ou seja,
optaram por banir a propaganda cujo alvo são crianças de até doze anos em
programas de TV voltados ao público infantil. Tal medida – inócua ou não – é
de grande importância, por representar uma pioneira e espontânea mudança
de paradigma, pois, ao abdicar de uma poderosa ferramenta de marketing,
está pensando num valor deveras nobre, qual seja, a formação e a saúde das
crianças.
31

REDAÇÃO 3 – ESTUDO CRÍTICO

A constatação de que a propaganda brasileira, “internacionalmente


reconhecida”, é “um instrumento que influencia, sobremaneira o
comportamento do dito homem médio”, uma vez que são altos os investimentos
das empresas em estratégias de marketing, é a ideia inicial do texto, que
prepara o leitor para o problema de o destinatário da publicidade não ser
apenas o homem médio, mas um público específico e vulnerável: o das
crianças.

O segundo parágrafo as coloca em pauta, como “vítimas do poder de


persuasão” da mídia, já que esta é capaz de exercer influência no “vocabulário
e hábitos de pessoas dos mais variados estamentos sociais, graus de
escolaridade e faixas etárias”. O problema é o conteúdo de certos tipos de
publicidade.

Para especificar que a preocupação maior é com a saúde das crianças,


o candidato lembra, de antemão, que a proibição das propagandas de
cigarro livrou muitas delas de serem seduzidas pelas “mensagens subliminares”
– justamente o maior incentivo ao consumo – de que o fumante se torna um
jovem superiormente diferenciado. Por meio de uma pergunta retórica, deixa
a afirmação de que a proibição representa não “uma tutela indevida sobre a
liberdade dos indivíduos”, mas “um marco na política de saúde preventiva”.

A essa altura, já se infere que o seu posicionamento é a favor da “restrição


de anúncios de alimentos de baixo valor nutricional relacionado com brindes
e personagens admirados pelo público infantil”. O texto deixa claro que normas
que reflitam a preocupação governamental com a preservação da saúde
das crianças são bem-vindas, e a consulta feita pela ANVISA, “instrumento
dotado de grande viés democrático”.

O raciocínio prossegue com teor explicativo, realçando o fato de que o


que se discute não é a oferta de alimentos de baixo valor nutritivo, mas, sim, as
consequências da publicidade desses produtos para a saúde das crianças.
Uma segunda pergunta retórica prepara o parágrafo de conclusão: a
afirmação implícita de que esta representa valor insuperável, superior a
quaisquer lucros com vendas de produtos.

As ideias finais são de elogio a empresas que, “por iniciativa própria,


vêm adotando postura semelhante à pretendida pela agência regulatória
32

sanitária, ou seja, optaram por banir a propaganda” de alimento cujo alvo


são menores de doze anos. Tal iniciativa é vista como “uma pioneira e
espontânea mudança de paradigma”.

O texto, centrado na criança, considera que o projeto da ANVISA é


democrático, reflete a preocupação do Estado com a sua saúde e não interfere
nas decisões dos pais. Entretanto não se fixa no poder governamental e
demonstra, como contribuição pessoal, grande preocupação com a
vulnerabilidade física e psíquica do público infantil. Nesse sentido é que foca a
iniciativa das empresas de responsabilidade ética que demonstram, com suas
atitudes pioneiras, atender ao apelo implícito do autor do texto: que seja
priorizado o valor da formação e da saúde das crianças.
33

REDAÇÃO 4

Influência da família versus influência da mídia

Lucas Prata Feres

No mundo capitalista e globalizado em que se vive atualmente, não é


difícil perceber a enorme influência que os meios de comunicação exercem
sobre os hábitos de consumo das pessoas, apelando para todo tipo de
estratégia de marketing que possa convencer determinada parcela da
sociedade das vantagens de obter certo produto. Porém, quando tais recursos
de persuasão atingem as mentes vulneráveis das crianças e, principalmente,
quando tratam do gênero alimentício, o problema parece se agravar e atingir,
de modo negativo, a vida de diversas famílias.

A propaganda de alimentos, quando aparece atrelada à participação


de personagens e desenhos do gosto do público infantil, parece tornar o
produto exposto algo de extrema necessidade para essas crianças, de modo
que elas passam a abrir mão de uma refeição nutritiva para se agarrar a
alimentos industrializados, normalmente de baixo valor nutricional.

Essa realidade prejudica a própria vivência familiar, na medida em que


os pequenos desprezam a experiência dos pais e buscam, a todo custo, os
produtos consumidos pelos colegas, o que incrementa as vendas e estimula o
processo de produção, gerando um círculo vicioso de dimensões inestimadas.

Além de comprometer a saúde das crianças, a imposição exercida


pelas propagandas incita a rivalidade como problema social no meio infantil,
já que a busca por ter todo tipo de produto que a maioria tem pode levar à
decepção inúmeros jovens que possivelmente não têm condição financeira
suficiente para adentrar o mundo do consumo da alta sociedade. As
consequências disso são óbvias e vão desde a formação de futuras pessoas
revoltadas até a disputa evidente entre crianças de diferentes padrões de
vida.

Esperar que as próprias empresas tomem a iniciativa de reduzir a


publicidade de consumo não é algo indicado, embora algumas já tenham
iniciado esse processo. E isso por uma razão clara: há competitividade no
34

mundo dos negócios. Perder a base mais sólida de vendas, que é a influência
dos meios midíáticos é uma atitude descabida, que pode acarretar enormes
prejuízos. E, infelizmente, para esse mundo, o lucro ocupa um patamar mais
elevado que a prática de valores éticos que respeitem as decisões de cada
um.

Diante dessa situação, é importante e necessária a ação do Estado na


regularização de programas e propagandas destinadas ao público infantil,
de tal forma que não haja neles intenções alienantes sobre telespectadores e
que, como resultado dessa regulação, surjam veículos de comunicação
interessados em manter as tradições e os hábitos das famílias e entender as
crianças sem eliminar sua liberdade.
35

REDAÇÃO 4 – ESTUDO CRÍTICO

O capitalismo e a globalização formam o contexto no qual o produtor


da redação coloca a influência da mídia sobre os hábitos de consumo das
pessoas. Na consideração do apelo dos meios de comunicação a “todo tipo
de estratégia de marketing que possa convencer determinada parcela da
sociedade das vantagens de obter certo produto”, deixa implícito que o
objetivo é o lucro. Mas vai além, ao considerar que, quando o público-alvo é
o infantil, “o problema parece se agravar e atingir, de modo negativo, a vida
de diversas famílias”.
Essa última ideia vai ser desenvolvida nos parágrafos seguintes. O segundo
mostra que, quando a propaganda de alimentos “aparece atrelada à
participação de personagens e desenhos”, a sedução transforma-se em
necessidade, e as crianças passam a ingerir guloseimas pouco nutritivas. O
problema se agrava quando desprezam os conselhos dos pais, preferindo
aderir às preferências dos amiguinhos, igualmente vulneráveis à publicidade,
a qual, desse modo, incrementa as vendas. E adquire ainda maiores proporções,
quando essa adesão ao que o grupo consome prossegue durante a
adolescência, momento em que passam a se fazer sentir diferenças sociais nos
padrões de consumo.
O quarto parágrafo afirma a inutilidade de esperar que as próprias
empresas tomem a iniciativa de reduzir a publicidade, pois há que se considerar
a competitividade no mundo dos negócios. A influência da mídia é
imprescindível para a obtenção de lucro, valor para elas superior ao da
responsabilidade ética.
A conclusão contém a tese de que “é importante e necessária a ação
do Estado na regularização de programas e propagandas destinados ao
público infantil”, na esperança de que a mídia passe a respeitar as “tradições
e os hábitos das famílias e entender as crianças sem eliminar sua liberdade”.
Como se percebe, o candidato trabalha com uma realidade
desconfortável para as famílias brasileiras, a de que perdem seu papel na
educação alimentar dos filhos, diante da sedução dos meios de comunicação,
os quais, por meio de publicidade compactuada com os objetivos das
empresas, exerce papel mais importante do que o dos pais na formação da
juventude. As crianças crescem e o desejo de, hoje, consumir alimentos
industrializados que os colegas compram, passará, no futuro, à rivalidade na
aquisição e exibição de outros produtos comerciais, símbolos de estrato social.
A reflexão é interessante, pois ultrapassa o atual problema que o Estado
pretende resolver, para entrar, com coerência, no campo do poder da família,
hoje, rival do poder da mídia.
36

REDAÇÃO 5

Responsabilidade das empresas

Luciana Akemi Yasuda Suemitsu

A industrialização do setor alimentício aliada à propagação das redes


de fast-food provocou o aumento do índice de obesidade mundial e reduziu
a qualidade alimentar da população contemporânea. Esse quadro
preocupante leva a uma indagação necessária: até onde as indústrias e suas
estratégias propagandísticas são responsáveis por essa situação, em especial,
pela saúde das crianças?

O público infantil é muito vulnerável ao conteúdo das propagandas.


Por não terem, ainda, muita consciência sobre os males de uma alimentação
ruim, as crianças são facilmente seduzidas por produtos condimentados ou
exageradamente doces, com suas embalagens coloridas e brindes divertidos.
Essa fragilidade é, sem dúvida, explorada pelas indústrias alimentícias, que,
segundo a lógica capitalista, buscam lucrar o máximo possível com a venda
de seus produtos.

Todavia, a questão ética deve ser sempre considerada na atuação


das indústrias. Um empresário deve buscar atender às demandas da
sociedade, proporcionando o melhor para ela. Pode ser mencionado, por
exemplo, o sucesso da atuação de empresas que seguem a linha verde, visando
à preservação do meio ambiente. Com a adoção de medidas como utilização
de meios de transporte menos poluentes, como o hidroviário, e o aproveitamento
de matéria prima reciclável, essas empresas reduziram custos e se destacaram
no cenário global.

As indústrias alimentícias devem seguir lógica semelhante em relação à


saúde de seus clientes. A busca por uma vida saudável é constante no mundo
atual. Ela pode ser constatada pela expansão de academias e de lojas que
oferecem alimentos naturais como saladas variadas. Eis uma alternativa para
as indústrias em questão: a criação de linhas de produtos recomendados
37

para crianças, que contenham extratos de frutas e teor reduzido de açúcar,


por exemplo.

O papel dessas indústrias no controle de doenças causadas pela má


alimentação infantil é central. As propagandas direcionadas a esse público
devem ser reduzidas e as estratégias de “marketing”, como a anexação de
brindes aos produtos, devem ser repensadas. Para compensar qualquer
redução no lucro dessas empresas, causado por tais mudanças, as linhas
saudáveis serão a alternativa. A postura adequada das indústrias do setor
alimentício garantirá a saúde das crianças e será uma demonstração de ética
frente à lógica capitalista.
38

REDAÇÃO 5 – ESTUDO CRÍTICO

O texto, bem planejado, permite ao leitor perceber, já na introdução,


que o autor pretende trabalhar, sem fugir ao tema, a responsabilidade das
empresas alimentícias pelo “aumento do índice de obesidade mundial”, pela
redução da “qualidade alimentar da população contemporânea” e pela
“saúde das crianças”.

O segundo parágrafo mostra o quanto o público infantil é atraído pelas


propagandas dessas indústrias, que se valem de “embalagens coloridas e
brindes divertidos”, para vender produtos condimentados ou excessivamente
doces, indiferentes ao que possam causar. Acusa a lógica capitalista de
explorar a vulnerabilidade das crianças, imaturas e, portanto, ignorantes dos
malefícios de alimentos pouco nutrientes, apenas com o objetivo de “lucrar o
máximo possível”.

O raciocínio prossegue com considerações sobre a necessidade de


uma atuação ética das indústrias e de seu compromisso com o bem-estar da
sociedade. Exemplos aparecem como argumentos de qualidade, lembrando
a existência de algumas que atuam com sucesso, na “linha verde”, procurando
preservar o ambiente, adotando meios de transporte menos poluentes e
aproveitando matéria prima reciclável, o que as faz reconhecidas.

Feitas essas sugestões, o produtor do texto volta a insistir que as indústrias


alimentícias devem seguir igual caminho, pois “a busca por uma vida saudável
é uma constante no mundo atual”. Explicita essa demanda social, lembrando
o aumento de academias de ginástica e de lojas de produtos naturais, já que
exercícios e alimentação balanceada são os elementos imprescindíveis para
a saúde. Após esse argumento de presença, mais uma sugestão: a criação de
“linhas de produtos recomendados para crianças, que contenham extratos
de frutas e teor reduzido de açúcar”.

A dissertação centra-se na fabricação de produtos alimentícios


inadequados ao público infantil pelas empresas, focando sua responsabilidade,
a qual, se assumida, solucionaria o problema. Essa insistência no papel das
indústrias, inclusive no de “controle de doenças causadas por má alimentação
infantil”, deixa implícito para o leitor que, se exercido, evita a necessidade da
interferência do Estado nas propagandas. A conclusão do texto centra-se na
tese de que a elas cabe a redução das estratégias de marketing e que a
redução dos lucros por estas trazidos pode ser compensada por mudanças
nas linhas de produção. Estas garantirão “a saúde das crianças” e serão “uma
demonstração de ética frente à lógica capitalista”.
39

PROPOSTA II

DISSERTAÇÃO
40
41

PROPOSTA II - DISSERTAÇAO

crítica s.f 1 segundo a tradição, arte e habilidade de julgar a obra de um autor


2 exame racional, indiferente a preconceitos, convenções ou dogmas, tendo
em vista algum juízo de valor 3 p. ext. atividade de examinar e avaliar
minuciosamente tanto uma produção artística ou científica quanto um
costume, um comportamento; análise, apreciação, exame, julgamento, juízo.

preconceito s.m. 1 qualquer opinião ou sentimento, quer favorável, quer


desfavorável, concebido sem exame crítico 1.1 ideia, opinião ou sentimento
desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão
2 atitude, sentimento ou parecer insensato, especialmente de natureza hostil,
assumido em consequência de generalização apressada de uma experiência
pessoal ou imposta pelo meio; intolerância.

Levando em consideração as significações indicadas nos verbetes acima,


transcritas do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
Portuguesa, redija uma dissertação,
na qual você desenvolverá, com clareza e coerência, seu ponto de vista
acerca do seguinte tema:

Quem, ao julgar, baseia-se numa vivência ou numa experiência pessoal,


dificilmente confunde crítica com preconceito.
42

COMENTÁRIO DA PROPOSTA II

A Proposta II da prova de redação dissertativa inicia-se com a colocação


de dois verbetes do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, um com a
definição de crítica e outro, de preconceito. Assim determina-se o assunto da
redação. O tema – delimitação do assunto – é a diferença entre esses conceitos,
já que, em várias situações do cotidiano social, eles se confundem ou se
sobrepõem. No dia a dia, as pessoas, muitas vezes, não se dão conta das
relações entre os termos, ou não costumam se deter nessa questão.
A tese vem explicitada na proposta: “quem, ao julgar, baseia-se numa
vivência ou numa experiência pessoal, dificilmente confunde crítica com
preconceito”. O redator da dissertação poderá aceitá-la totalmente, ou
contradizê-la. Seu texto será adequado dependendo dos argumentos que
expuser como sustentação de seu posicionamento. É claro que, ao escolher
uma tese, pode posicionar-se contra, no entanto, é pouco provável que isso
ocorra, visto que a forma como os verbetes são colocados induz a concordar
com as diferenças entre os dois conceitos.
A contribuição pessoal do produtor do texto estará estreitamente
vinculada à percepção de que deve discutir uma afirmação que tanto pode
ser falsa como verdadeira, dependendo do ponto de vista. O operador
argumentativo “dificilmente” é o ponto-chave do sentido da frase. Quem se
sente vítima de preconceito, devido a experiências anteriores traumatizantes,
tende a encontrar hostilidade em críticas mesmo construtivas, portanto
facilmente os confunde. Por outro lado, é possível que uma vivência pessoal
enriquecedora traga a “habilidade crítica” que permita analisar e julgar com
clareza uma determinada atitude.
Assim, estabelecendo-se um paralelo entre os dois conceitos – de acordo
com o conteúdo da proposta –, a crítica, com maior objetividade, opõe-se ao
preconceito, cuja carga de subjetividade costuma ser grande; da mesma
forma, a primeira é impessoal, enquanto o segundo é voltado para o lado
pessoal; a crítica é indiferente ao preconceito, enquanto este supõe ausência
de exame crítico; naquela, predomina a razão, neste, o sentimento, a emoção.
A crítica parte de uma avaliação minuciosa, ligada à sensatez, ao contrário
do preconceito, fruto da generalização apressada, de provável insensatez. Os
objetivos de ambos também diferem, pois a crítica pretende chegar a um juízo
de valor, a uma análise, ao passo que o preconceito gera hostilidade e
intolerância. Uma é realizada a posteriori, em oposição ao outro, que ocorre a
priori.
O tema é rico em possibilidades de exemplificação, de argumentação,
visto que ninguém desconhece situações das mais variadas que ocorrem à
nossa volta, vinculadas a críticas ou preconceitos.
43

REDAÇÃO 6

Crítica ou preconceito - onde está a imparcialidade?

Cesar Eduardo Zambon

Ao longo da história, um problema clássico que sempre se apresentou a


filósofos, artistas, cientistas e demais acadêmicos foi o da possibilidade de se
estabelecer um sistema de ideias completamente livre de qualquer conceito
pré-concebido. Foi isso o que levou, por exemplo, Descartes a duvidar de tudo
que os órgãos dos sentidos lhe forneciam e a buscar o princípio do conhecimento
em um juízo intelectual que estava, aparentemente, acima de qualquer
suspeita – o “eu penso”. Foi isso também o que levou os cientistas revolucionários
a duvidar dos sistemas de explicação da realidade por assim dizer vigentes em
seus respectivos campos e a buscar uma nova explicação para essa mesma
realidade – uma explicação que não estivesse maculada por ideias pré-
estabelecidas e mal esclarecidas. Buscavam-se princípios universais e
indemonstráveis – verdades que se provam verdadeiras por si mesmas,
independentes de fé, dogma ou qualquer tipo de preconceito.

Partindo-se dessa premissa, estabeleceu-se uma distinção entre crítica


embasada e crítica preconceituosa. Essa distinção, com o tempo, passou a
valer não apenas nos campos da ciência e da filosofia, como também no
campo moral e social. Criou-se, assim, o conceito de imparcialidade do exame
crítico. De modo que, para ser considerado apto para criar ou julgar um sistema
de idéias ou uma ação moral, o crítico deveria estar desprovido de qualquer
preconceito, ou seja, de qualquer pré-julgamento que fosse fruto de um ou
mais conceitos irrefletidos e inexplicados presentes em sua mente e que
pudessem intervir no exame imparcial do objeto em questão. Com efeito, uma
crítica deveria ater-se ao seu objeto e a princípios verdadeiros de julgamento.

Contudo, é nesse momento que nos deparamos com a chave do


problema: quais são esses princípios verdadeiros de julgamento? Será que eles
sequer existem? Deve-se notar que essa idéia de crítica imparcial suscita duas
questões. Primeira: é possível uma pessoa ser totalmente imparcial, isto é, deixar
de lado todos os seus pré-conceitos e julgar algo de forma totalmente isenta?
44

Segundo: se tudo isso for possível, esse julgamento isento seria fundado
exatamente em quê?

Vemos que a ciência sempre esteve em uma busca incessante por


aquele princípio básico, belo e bem fundado edifício do conhecimento, capaz
de explicar a realidade como um todo. E, assim sendo, toda crítica embasada
deveria se basear em tal princípio, fosse qual fosse o objeto em questão. De
forma análoga, todo julgamento moral deveria se fundar em um princípio
moral universal, que fosse verdadeiro e evidente por si só e independente de
qualquer dogma ou crença.

Todavia, o que constatamos é que, até hoje, a ciência busca esse


princípio universal, sem sucesso. Tudo que se pôde encontrar até aqui foi uma
verdade mutável – algo que se assume e que se aceita como verdadeiro.
Portanto, a rigor toda a ciência se baseia em conceitos pré-estabelecidos não
porque são verdadeiros, mas porque foram julgados como bons ou plausíveis.
E, por mais que muitas e brilhantes mentes tenham refletido e meditado sobre
eles, conceitos pré-estabelecidos são, em última instância, pré-conceitos.

Paralelamente, no campo moral, por mais que alguém tente ser imparcial
ao julgar uma ação, estará sempre se fundando em algum princípio. E tal
princípio, por mais que seja aceito pela maioria, ou até mesmo por todos, será
sempre algo aceito e nada mais do que aceito. De fato, muito se diz que a
experiência pessoal deve sempre ser levada em conta em qualquer julgamento
moral. Contudo, essa experiência se mostra muito mais como um fator de
preconceito do que imparcialidade, visto que a vivência pessoal nada mais é
do que o conjunto de idéias, crenças e dogmas que acumulamos ao longo de
nossa existência.

Portanto, devemos questionar se a dita crítica embasada não é ela


mesma preconceituosa, na medida em que assume princípios como sendo
verdadeiros, mesmo que não sejam nossas ideias, mas ideias gerais. De fato,
quando julgamos as atitudes de outrem baseados em nossos próprios
preconceitos, estamos sendo evidentemente preconceituosos. Mas quando
tentamos ser imparciais e nos desligar dos nossos próprios preconceitos,
acabamos por assumir outros – os preconceitos que foram enraizados na nossa
mente pela sociedade em que vivemos, por algo que ouvimos aqui ou acolá
ou mesmo por princípios que parecem verdadeiros e inquestionáveis e que,
contudo, nunca paramos para refletir sobre eles. Deste modo, ao que parece,
ser imparcial não significa desprover-se de preconceitos, mas sim desprover-se
dos nossos preconceitos. Pois, ao menos que exista uma verdade não revelada
que estabelece um princípio moral universal e irrevogável, quando julgamos
moralmente a ação de outra pessoa, em termos de imparcialidade, os conceitos
de crítica e preconceito são intercambiáveis.
45

REDAÇÃO 6 – ESTUDO CRÍTICO

Logo de início, a redação “Crítica ou preconceito – onde está a


imparcialidade?” Busca, em fatores históricos, argumentos para ilustrar a
distinção entre “crítica embasada e crítica preconceituosa”. No primeiro
parágrafo, há menção ao pensamento de filósofos, artistas, cientistas e
acadêmicos que, em sua época, rejeitaram “ideias pré-estabelecidas e mal
esclarecidas” e procuraram novas explicações para a realidade vigente.
Procuraram as “verdades”, independentemente do que já havia se
estabelecido na sociedade.

No segundo parágrafo, o texto mostra que toda crítica, em princípio,


deveria ser imparcial, não só no campo científico e filosófico, “como também
no campo moral e social”. Assim, “o crítico deveria estar desprovido de qualquer
preconceito” ou pré-julgamento.

Duas questões são levantadas, em seguida, sobre a possibilidade de


alguém ser totalmente imparcial e sobre os fundamentos de um julgamento
isento de preconceitos. Seria, assim, baseado em princípios universais. No
entanto, a “verdade” é “mutável” e nem as ciências tiveram sucesso na busca
dos princípios universais. Também elas se baseiam em conceitos pré-
estabelecidos, o que é, afinal, um pré-conceito. A argumentação segue esse
raciocínio lógico e, depois, passa ao argumento de analogia, estabelecendo
um paralelo do campo científico com o campo moral. A ciência sempre esteve
em busca do “edifício do conhecimento” e o julgamento moral sempre buscou
o “princípio moral universal”.

Os dois parágrafos seguintes abordam o insucesso da ciência, que só


encontra a “verdade mutável” e o da moral, sempre fundada em algum
princípio simplesmente “aceito”.

Como conclusão, a redação aponta a impossibilidade de a crítica ser


totalmente imparcial – sendo, portanto, marcada por pré-conceitos ou
preconceitos –, visto que o ser humano vive em uma sociedade repleta de
princípios dados como verdadeiros ou inquestionáveis. Haverá, segundo o texto,
sempre preconceitos – individuais ou coletivos – nos julgamentos. Então, “em
termos de imparcialidade, os conceitos de crítica e preconceito são
intercambiáveis.
46

O texto revela um enunciador (poder-se ia dizer “pensador”) interessado


pelo tema, já que tem embasamento teórico para discorrer sobre ele em sete
parágrafos longos e muito bem estruturados a partir de seus tópicos frasais. Se
destacados do texto, estes compõem um exercício de progressividade que
atende à coerência interna, além da coesão marcada por palavras de
transição absolutamente adequadas: “Partindo-se dessa premissa”,
“contudo”, “vemos que”, “todavia”, “paralelamente”, “portanto”. Vocabulário
preciso e desembaraço de linguagem fazem-se notar, pois um texto teórico
como esse requer propriedade vocabular da norma culta, sem contar a
absoluta correção gramatical.

O autor é ousado ao expor sua tese de que a crítica é, ela mesma,


preconceituosa, mas confia na consistência de sua argumentação, que traduz
informatividade louvável em prova de vestibular.
47

REDAÇÃO 7

O racional e o insensato

Marina Zuccolotto Nogueira

Por definição, crítica é o julgamento racional e criterioso de algo. Sendo


livre de convenções, a crítica se afasta muito do que vem a ser o preconceito,
que se baseia numa análise generalizada e insensata. Aqueles que levarem as
experiências pessoais e cotidianas em conta, saberão diferenciar a crítica do
preconceito, pois a realidade e o bom senso encarregar-se-ão de mostrar o
abismo que há entre eles e impedirão equívocos.

A crítica sempre é posterior a uma análise minuciosa que, geralmente,


usa de critérios técnicos e artísticos para realizar o julgamento. Ela deve ser livre
de pressupostos para cumprir com sua imparcialidade e agir com justiça. Desse
juízo de valor pode-se esperar um resultado que, se não verdadeiro, seja
aceitável, já que não se baseou em dogmas ou no senso comum. Sendo assim,
mesmo quando a crítica condena e desqualifica, ela está cumprindo seu
papel de examinadora imparcial.

Distante da racionalidade, o preconceito é insensato a ponto de fazer


julgamentos baseados em aparências e estereótipos. Ele se esquece do
confronto do ser “versus” parecer e não se preocupa em analisar a essência.
Essa superficialidade torna o preconceito extremamente injusto, já que ele
não estabelece um exame crítico, e sim um pré-julgamento sem critérios e até
mesmo sem moral. Muitas vezes, o preconceito é hostil e bastante prejudicial
para seu alvo. Quem sofre com ele é excluído socialmente, marginalizado e
discriminado, sem ao menos ter a chance de revelar suas reais qualidades. Ele
já foi usado diversas vezes durante a história da humanidade para que os
povos que se prejulgavam superiores dominassem, escravizassem e
subordinassem aqueles que para eles eram inferiores. O próprio Imperialismo do
século XIX sobre África e Ásia baseou-se no preconceituoso e fraudulento
Darwinismo Social, que propagava a missão civilizadora do homem branco,
como pretexto para o domínio de territórios.

Se crítica e preconceito são tão diferentes e até mesmo opostos pela


definição exata, equívocos que igualem os dois são, na verdade, pretextos
48

para justificar a discriminação de minorias. Os conceitos divergem pelo


esclarecimento intelectual do indivíduo, já que o segundo parte de intolerância
e ignorância. Sendo assim, se alguém, ao julgar uma pessoa, utilizar suas
experiências reais como parâmetro, dificilmente confundirá crítica com
preconceito, pois as evidências lhe mostrarão que ser crítico envolve ética,
enquanto que ser preconceituoso é tão insensato quanto julgar de olhos
fechados.
49

REDAÇÃO 7 – ESTUDO CRÍTICO

O texto inicia-se com as definições de crítica e de preconceito, mostrando


que há grande diferença entre tais conceitos, o que poderia ser notado por
quem tem experiência e bom senso. Apresenta, portanto, a tese de que
“aqueles que levarem as experiências pessoais e cotidianas em conta, saberão
diferenciar a crítica do preconceito, pois a realidade e o bom senso encarregar-
se-ão de mostrar o abismo que há entre eles e impedirão equívocos”,
semelhante à da proposta de redação.

O segundo e terceiro parágrafos analisam minuciosamente, com


palavras próprias e muito bem adequadas, as diferenças entre crítica e
preconceito. No segundo, destacam-se os critérios para se fazer uma crítica,
ou seja, ela deve ocorrer após “uma análise minuciosa”, sem pressupostos e
com justiça. Aqui, há destaque à imparcialidade que toda crítica deve ter,
afastando-se do senso comum ou de dogmas.

Por seu turno, o preconceito caracteriza-se pela insensatez, pela


superficialidade das aparências e dos estereótipos, prejudicando seu alvo. O
terceiro oferece, também, uma ilusão histórica, ao mostrar os seus inconvenientes,
como, por exemplo, em situação de dominação de um povo sobre outro, ou
de um indivíduo sobre outro. Em todos os casos, a falta de critérios e de exame
crítico impera. Assim, o preconceito é uma atitude irracional que prejudica o
indivíduo alvo.

A conclusão retoma o parágrafo introdutório, que enfatiza a


racionalidade da crítica, e destaca a insensatez do preconceito, deixando
clara a oposição entre os conceitos. Dentre as principais diferenças entre crítica
e preconceito, o “esclarecimento intelectual” marca a primeira e a ignorância,
o segundo, assim como a ética de um lado e, subentende-se, a falta de ética,
de outro lado. Há a retomada da tese, desta vez, mais próxima daquela do
texto da proposta de redação: “se alguém, ao julgar uma pessoa, utilizar suas
experiências reais como parâmetro, dificilmente confundirá crítica com
preconceito”.

Um aspecto a destacar na redação é que o produtor do texto utilizou


os dados conceituais da coletânea sem fazer “colagem”, revelando ter clara
50

noção de crítica e de preconceito. A informatividade aparece não só no uso


da própria linguagem para descrever suas características, o que revela bom
repertório, mas no exemplo histórico da escravização do homem pelo homem
por preconceito dos dominadores. Também no início da conclusão, quando
afirma que igualá-lo à crítica não é apenas equívoco, mas pretexto para a
“discriminação de minorias”.

Simplicidade e clareza revelam maturidade que, no caso, serviu de


base à progressividade do raciocínio.
51

REDAÇÃO 8

Senso crítico e preconceito

João Carlos Saran

Ao dramaturgo e crítico brasileiro Nelson Rodrigues é atribuída a célebre


frase: “Não li e não gostei”. Intenções polêmicas à parte, é importante perceber
que essa declaração ilustra a gênese do preconceito: a ausência de
experiências pessoais que permitam a consolidação do senso crítico. No caso
do autor da citação em questão, é explícita, também, a recusa à possibilidade
de viver a experiência. Provavelmente, ele julga-a desnecessária, pois deve
possuir péssimas referências do objeto que condena sem conhecer. No entanto,
analisar e condenar o consagrado crítico por essa curta declaração também
demonstra preconceito. Ou seja, a discussão é bastante complexa e apenas
uma coisa é certa: uma boa análise não prescinde da visão do todo, devendo
afastar-se de recortes e fragmentos.

É possível distinguir crítica e preconceito baseando-se nos critérios que


motivam e regem ambos. A atividade crítica pressupõe conhecimento completo
do objeto julgado e é impregnada de um componente subjetivo, o juízo de
valor, variável entre os indivíduos. O olhar preconceituoso baseia-se na impressão
superficial e não busca conhecer para julgar. Antes disso, condena. Também
é carregada de um componente subjetivo, diferente daquele presente na
crítica. Nesse caso, atuam impressões advindas, geralmente, de uma realidade
coletiva preconceituosa e absorvida pelo indivíduo, inconscientemente, em
seu processo de formação.

É imperativo ressaltar, então, que o preconceito é algo ensinado. É fruto


de um processo longo e complexo, presente na vida em sociedade desde seus
primórdios. Todos convivem com ele em seus primeiros anos de vida. Um exemplo
clássico da maneira pela qual o preconceito pode ser fomentado por processos
de educação e coerção de mentalidades é o nazismo. No entanto, esse tipo
de olhar pré-concebido raramente sustenta-se em experiências de vida
pessoais. É, antes, algo absorvido nos discursos pautados em ideologias sociais
degeneradas.
52

Consequentemente, os indivíduos podem, eventualmente, usar das


vivências pessoais para vencerem preconceitos. Os seres humanos tendem a
ingressar em situações desconhecidas. Assustados, costumam “fechar os olhos”
e refugiar-se numa realidade própria, criada a partir dos fatores supostamente
certos e seguros que pautaram sua formação. Esse é o olhar do preconceito. Se
conseguem superá-lo, escancaram a vista e enxergam as coisas como
realmente são. Aí descobrem o verdadeiro senso crítico. Nesse processo, saem
transformados de cada experiência vivida e registrada na memória.

Portanto, percebe-se que o julgamento sólido nunca pode conter


preconceitos. Por isso, deve ser pautado no olhar minimalista, possível apenas
àqueles que têm proximidade com o que analisam. Ou seja, deve se superar o
olhar de “estrangeiro assustado” ante a nova terra. Para tanto, é necessário
conhecê-la. Assim, nunca mesclar-se-ão crítica e preconceito.
53

REDAÇÃO 8 – ESTUDO CRÍTICO

Logo de início, a argumentação por exemplificação cita o dramaturgo


e crítico brasileiro Nelson Rodrigues, a quem é atribuída a frase: “Não li e não
gostei”. O vestibulando, autor do texto, classifica a declaração como bastante
preconceituosa, justamente por não oportunizar o exame crítico do objeto
alvo. Mas o interessante é que aproveita para mostrar que a “gênese do
preconceito”, ilustrado pela frase citada, está na “ausência de experiências
pessoais que permitam a consolidação do senso crítico” e já de início, então,
alude à tese oferecida pela proposta, aceitando-a, o que dá à dissertação
um caráter de raciocínio dedutivo. Levanta, ainda, a possibilidade de o
dramaturgo recusar-se a viver a experiência, mas não o condena, lembrando
que fazê-lo seria, também, uma forma de preconceito. Está pois, engendrada,
na introdução do texto, a complexidade da discussão.

O segundo parágrafo esclarece o caráter subjetivo que impregna tanto


a crítica (que não deve prescindir “da visão do todo”, afastando-se de “recortes
e fragmentos”) quanto o preconceito, (que se baseia na “impressão
superficial”). Na crítica o caráter subjetivo é o “juízo de valor, variável entre os
indivíduos”; no preconceito, é “a impressão advinda geralmente, de uma
realidade coletiva preconceituosa e absorvida pelo indivíduo,
inconscientemente” durante seu processo de formação.

O terceiro ressalta que o preconceito é ensinado, não natural e que


ninguém está imune às suas influências já que “está presente na vida em
sociedade”. Exemplifica com o nazismo, “fomentado por processos de
educação e coerção de mentalidades”, em que o olhar preconceituoso nasce
dos “discursos pautados em ideologias degeneradas”.

O raciocínio prossegue, explicando a possibilidade de vivências pessoais


vencerem a força das citadas ideologias. O candidato volta, então, à tese da
proposta, afirmando que a superação do preconceito, geralmente fruto do
medo de enfrentar a realidade, só é possível quando esta é revelada pelo
“escancarar da vista”. O verbo utilizado, que lembra amplitude, é coerente
com a última frase do parágrafo introdutório (“uma boa análise não prescinde
da visão do todo”).

A progressividade no encadeamento das ideias não se perde com a


metáfora de “estrangeiro assustado” diante do diferente, pois somente o
54

conhecimento total “da terra” permite o “julgamento sólido”. Interessante a


escolha da palavra “estrangeiro”, pois o estranhamento é que assusta e cria
a defesa do olhar preconceituoso, como fica explícito no parágrafo anterior. A
conclusão do texto, portanto, fecha a discussão, que revela interesse pelo
tema e pela busca de causas que levam o ser humano a perder “o verdadeiro
senso crítico.”

O texto não é pessimista. Pelo contrário, termina com a convicção de


que a passagem do preconceito para a crítica pode ser feita pela aproximação
do olhar, que permite conhecer. E conhecer de perto é analisar.
55

REDAÇÃO 9

As relações entre crítica e preconceito

Raissa Lago Romero

O homem diferencia-se dos outros habitantes do planeta Terra por sua


capacidade intelectual. Essa habilidade, apesar das inúmeras transformações
que proporcionou – já que o homem, desde a Antiguidade, busca
continuamente a evolução, a melhora através da crítica a modelos
preexistentes –, também é responsável pela distinção, pela segregação entre
a própria espécie humana, pois os que se julgam mais capazes intelectualmente
têm, tradicionalmente, subjugado os que consideram mais fracos. A partir disso,
pode-se perceber a lacuna existente entre a crítica, que promove o progresso
humano em diferentes âmbitos, e o preconceito, que demonstra as limitações
do homem, o qual não consegue agir em conjunto, com união, mas somente
através da ascensão de uns que exercem domínio sobre outros.

Os benefícios alcançados a partir da capacidade humana de criticar,


de não se acomodar, podem ser observados em diversos contextos históricos.
O Renascimento é um dos melhores exemplos dessa característica da
humanidade, pois essa época corresponde ao início das transformações que
possibilitaram a passagem da Idade Média – período de quase completa
dominação sobre a capacidade criativa do homem exercida pela Igreja –
para a Era Moderna, que representou uma verdadeira “ebulição” de ideias,
descobrimentos, invenções, do pleno exercício da intelectualidade humana.
Essa passagem, no entanto, só foi possível por causa do espírito indagador do
homem que não conseguiu aceitar por tanto tempo as verdades absolutas
impostas pela Igreja, a qual condenava qualquer iniciativa transformadora
que questionasse a ordem vigente.

Em oposição à crítica, aparece o preconceito. A própria palavra já


indica seu significado, ou seja, a formação de uma opinião pré-concebida,
sem fundamento racional. Este surge da necessidade humana de se diferenciar
do outro, ao contrário da crítica que procura melhorar o outro. Um exemplo de
preconceito, talvez o mais difundido em todo o mundo, é o da cor da pele.
Objetivando a expansão de suas nações, alguns países europeus criaram a
56

ideia de que os africanos eram seres inferiores por serem negros e, por isso,
precisavam de sua ajuda. Essa foi a justificativa para respaldar a colonização
desses povos. O imperialismo europeu ainda se reflete na miséria existente nos
países da África negra. Além disso, esse julgamento sem qualquer embasamento
científico, sem qualquer prova concreta se disseminou em todo o mundo, sendo
responsável pelas dificuldades sócio-econômicas impostas a qualquer pessoa
que sofra o “azar” de nascer com a pele negra.

Portanto, a maior diferença entre crítica e preconceito está nos efeitos


que elas exercem sobre os homens. Não há como confundir os dois conceitos,
pois um busca o progresso, a melhora da humanidade e o outro objetiva a
diminuição do ser humano e a distinção entre os homens. Assim, enquanto a
humanidade não consegue usar a sua intelectualidade por meio da crítica,
superando os julgamentos preconceituosos, não conseguirá desenvolver uma
evolução plena, abrangendo o todo e não só as partes.
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REDAÇÃO 9 – ESTUDO CRÍTICO

Em seu primeiro parágrafo, a redação “As relações entre crítica e


preconceito” ressalta a capacidade intelectual dos seres humanos, que lhes
possibilita transformar a sociedade, por meio da crítica ao já estabelecido,
mas que, ao mesmo tempo, provoca a segregação e o preconceito de uns
contra os outros. A tese do texto, ao final desse parágrafo, mostra exatamente
isso: há uma lacuna “entre a crítica, que promove o progresso humano em
diferentes âmbitos, e o preconceito, que demonstra as limitações do homem, o
qual não consegue agir em conjunto, com união, mas somente através da
ascensão de uns que exercem domínio sobre outros”.

A seguir, argumentos históricos demonstram que as conquistas das


sociedades através do tempo foram devidas à capacidade humana de criticar,
de inovar e, assim, melhorar as condições de vida em geral. Desde o
Renascimento até a Era Moderna, as transformações ocorridas foram possíveis
devido ao espírito “indagador” dos homens, que questionaram as “verdades
absolutas” muitas vezes impostas a eles.

O parágrafo seguinte expõe o negativismo gerado pelo preconceito,


em oposição à crítica. Uma diferença clara e importante entre esses dois
conceitos é que o “preconceito surge da necessidade humana de se diferenciar
do outro, ao contrário da crítica que procura melhorar o outro”. Como exemplo
fundamental de preconceito, o texto cita o racial, que gerou grandes
empecilhos ao progresso da humanidade como um todo. Ele é responsável
pelas mazelas de parte da população, a negra.

Na conclusão, estabelece-se a argumentação por raciocínio lógico,


próxima de um silogismo, com proposições das quais se extrai uma conclusão
necessária: a) crítica e preconceito têm efeitos diferentes; b) a crítica busca o
progresso e o preconceito objetiva a “diminuição do ser humano e a distinção
entre os homens”; então, c) “enquanto a humanidade não consegue usar a
sua intelectualidade por meio da crítica, não conseguirá desenvolver uma
evolução plena, abrangendo o todo e não só as partes”, pois tem permitido o
domínio do preconceito.

O texto, crítico e bem posicionado, usa linguagem clara em parágrafos


explicativos, de acordo com a proposta de redação.
58

REDAÇÃO 10

Consciência crítica

Natália Rodrigues de Girolamo

A violência humana pode ser medida em várias esferas. Se no passado


a luta armada e as revoluções estavam no centro da questão, atualmente
nota-se o aumento da violência moral, que permeia todas as classes sociais e
atende pelo nome de preconceito. Com toda a liberdade concedida, entre
outros fatores, aos meios de comunicação, os indivíduos passaram a ter maior
dificuldade em discernir criticamente, visto que o pensamento livre tende a
ultrapassar limites e causar ignorância.

Em uma sociedade em que os julgamentos são constantes, tal qual a


aproximação das pessoas – fato acelerador do processo devido à revolução
tecnológica –, possuir consciência crítica afastada de pré-conceitos configura-
se uma complicada tarefa. Entretanto, tal atividade pode ser feita com êxito
se houver o seguinte encadeamento lógico: conhecer, entender, pensar a
respeito e, por fim, julgar. Mais além, é inegável a importância de aliar a esse
processo a noção experimental, ou seja, possuir “bagagem” sobre determinado
assunto, agir positivamente, pois isso faz com que não haja confusão acerca
de pré-conceitos. As etapas de conhecimento e entendimento não podem
ser puladas, sem deixar espaço para as reflexões. Logo, só há crescimento
quando ocorre assimilação de erros e acertos, pois o ser humano precisa
constantemente desse exercício, devido ao caráter fundamental das análises
interiores.

Não obstante, convém observar o papel de outros agentes na formação


crítica de cada um, como por exemplo, a televisão ou a internet, fatores externos
primordiais. Com a intensa exposição a tais meios comunicativos, a população
– em especial os jovens – torna-se parte da massificação, em que todos são
induzidos a pensarem e consumirem de forma igual, ocasionando um surto de
generalizações apressadas e, por consequência, de preconceito. Percebe-se,
novamente, o quão essencial é poder proferir um julgamento embasado por
59

experiência pessoal, de modo a identificar o mundo real daquele transmitido


via computador e/ou TV, de modo a ratificar a existência de manipulação, de
modo de pensar, no seu sentido completo.

Assim sendo, a sociedade deve moldar sua vivência em um modelo no


qual o exame racional de ações seja privilegiado, sempre atrelado a parâmetros
palpáveis, reais. Os avanços industriais, científicos e tecnológicos não podem
ser favorecidos em detrimento do intelectual, até porque sem este último os
outros não aconteceriam. Só há progresso onde o pensamento crítico, em sua
plenitude, desconhece, por inteiro, o preconceito.
60

REDAÇÃO 10 – ESTUDO CRÍTICO

O texto “Consciência crítica” focaliza a força do pensamento crítico


como fundamental ao crescimento do ser humano. Inicia-se mencionando a
violência que faz parte tanto do passado quanto do presente das sociedades,
com o detalhe de que houve alguma mudança no tempo: de física,
basicamente, esta passou a ser, sobretudo, moral. Essa é causada pelo
preconceito que “permeia todas as classes sociais”. É citada como umas das
causas da propagação do preconceito a liberdade advinda dos meios de
comunicação.

O segundo parágrafo mostra a pressa com que são feitos os julgamentos,


na atualidade. Ao invés de “conhecer, entender, pensar a respeito e, por fim,
julgar”, como seria o ideal, as pessoas, hoje, partem para a decisão final,
pulando as etapas necessárias ao conhecimento e à avaliação sem domínio
dos pré-conceitos. Fica, então, comprometido o crescimento da humanidade,
que somente ocorre com a “assimilação de erros e acertos, pois o ser humano
precisa constantemente desse exercício, devido ao caráter fundamental das
análises interiores”.

A dissertação apresenta argumentos de causa e consequência,


especificando que a televisão e a internet são fatores que têm levado à
massificação, ao fazer pensar e consumir “de forma igual, ocasionando um
surto de generalizações apressadas e (...) de preconceito”. Daí a importância
de se levar em conta as experiências pessoais, em vez de somente valorizar
aquilo que já vem pronto, preparado para manipular e determinar o modo de
pensar de cada um. Neste ponto, a redação acompanha exatamente a tese
da proposta de redação: “Quem, ao julgar, baseia-se numa vivência ou numa
experiência pessoal, dificilmente confunde crítica com preconceito”.

Finalmente, ao concluir, o autor defende o desenvolvimento do


pensamento crítico, oposto ao preconceituoso, pois, somente assim, haverá
progresso. Diz, ainda, que os “avanços industriais, científicos e tecnológicos
não podem ser favorecidos em detrimento do intelectual, até porque sem este
último os outros não aconteceriam”.

Com linguagem clara, coerência de raciocínio e coesão entre os


parágrafos, o texto demonstra a maturidade de seu autor, que tem
capacidade de aplicar os conceitos a serem discutidos à vivência real.
61

PROPOSTA III

NARRAÇÃO
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63

PROPOSTA III - NARRAÇÃO

Com a interrupção da energia elétrica, um elevador parou entre andares, e


assim ficará por uns longos minutos.

Dentro dele encontram-se uma babá com uma criança de três anos, uma
professora de português aposentada, um casal de namorados adolescentes,
o síndico do edifício... e você.

Aproveitando a situação e as personagens acima referidas, desenvolva uma


narrativa, explorando o potencial das personagens em suas diferentes reações.
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COMENTÁRIO DA PROPOSTA III

A proposta III do Vestibular 2010 da PUC-Campinas tem como base


uma situação definida que delineia alguns dos elementos estruturais da
narrativa a ser desenvolvida: a) o local onde os acontecimentos ocorrerão –
dentro do elevador; b) o decurso temporal da história – por uns longos minutos;
c) os personagens – babá, criança de três anos, professora de português
aposentada, casal de namorados adolescentes, síndico do edifício e d) o
narrador, que será, portanto, personagem da história a ser criada. Conhecidos
esses elementos, uma leitura atenta da proposta permite a utilização da
criatividade para a excelência da redação. No que se refere aos recursos
narrativos indicados, elementos expansivos podem ser empregados: a) cenário
– traçá-lo desde a cidade onde está o edifício, ou a rua, a praça, incluindo
elementos espaciais importantes e significativos para os personagens a serem
caracterizados; b) decurso temporal – delimitado pelos tempos verbais
expressos, pretérito perfeito e futuro do presente, também pode ser expandido
ao tempo anterior a um elevador parou, abrangendo os acontecimentos
prévios; c) personagens – podem ser caracterizadas do ponto de vista físico,
moral, psicológico, observando que estão reunidas diferentes faixas etárias,
segmentos sociais, possibilitando que esse microcosmo possa representar o
macrocosmo, a nossa sociedade; d) narrador – esse é o elemento de maior
criatividade, pois é responsável pela tessitura de todos os componentes
estruturais. Nesse caso, a narrativa em primeira pessoa pode apresentar um
narrador protagonista, vivenciando e narrando a sua própria história, ou um
narrador testemunha, narrando, como testemunha, a história vivida pelo
protagonista. Outro aspecto criativo a ser observado é que o personagem
narrador não precisa ser necessariamente uma pessoa, mas pode ser um animal,
ou um objeto.

Observe-se que as exigências são norteadoras e não, restritivas, pois


deixam ampla liberdade para explorar os recursos narrativos, sobretudo no
que se refere ao enredo, pois a única indicação é a da observação do
potencial das personagens em suas diferentes reações. Há liberdade para a
criação do conflito, sua complicação e, sobretudo, sua solução. Trata-se,
portanto, de uma proposta bem elaborada, com critérios norteadores
explicitados, mas, ao mesmo tempo, com abertura para a inventividade do
candidato, que, certamente, será bem sucedido se utilizar com eficiência os
principais recursos de linguagem narrativa.
65

REDAÇÃO 11

O inusitado

Silvana Gonçales Romani

Foi com meu “olá” tímido que, naquele início de tarde, entrei no elevador
do meu prédio. Um dos tantos inconvenientes de se morar em andares inferiores
de edifícios altos é encontrar o elevador cheio. Não foi diferente naquela
segunda-feira. Apertei-me no metro quadrado do elevador com mais seis
pessoas que mal responderam meu cumprimento. Apenas Rafinha, o filhinho
da vizinha do quinto andar, carregado pela babá, sorriu ao me ver entrar.
Éramos amigos! Minha timidez sempre me aproximou mais das crianças que
dos adultos.

Em segundos, ocorreu aquilo que, embora previsto, é inusitado: o


elevador parou bruscamente. A reação imediata de todos foi de espanto.
Rafinha, apertado pela babá e sentindo o seu desespero, começou a chorar.
Um casal de adolescentes, que se abraçava no fundo do elevador, transformou-
se em uma só pessoa, tamanho o medo que os acometeu. O primeiro a
pronunciar palavra foi o seu José Manuel, síndico do prédio, que, em tom
autoritário, disse:

– Mantenham a calma, deve ser um problema de falta de energia.

– Ou um problema de falta de manutenção nesse equipamento –


completou Maria Margarida, a professora que, dizem as más línguas do
condomínio, já viveu um romance frustrado com o síndico e, por vezes, deixa
que essa mágoa do passado se sobressaia em questões triviais como qual o
tom de amarelo deve ser usado nas faixas que separam as vagas da garagem...

– Senhor José, misericórdia! gritou a babá em aflição, sem se dar conta


da discussão entre os dois.

Eu apenas pedi para segurar o Rafinha e mostrei a ele as imagens de


um livro que carregava comigo. Tão logo ele se distraiu, a discussão voltou.

– Tinha que ter menas gente aqui dentro – falou a garota nos braços do
amado.
66

– Menos”, garota, “menos” gente, é assim que se fala – interveio a


professora.

– Vai dar aula pro seus alunos e deixe a gente em paz – defendeu o
namorado.

– Falta luz! É o apocalipse – gritou a babá.

– Ah, não. Agora falou a pastora do prédio – completou o síndico.

– Respeite a religião dos outros, seu José Manuel.

– Ih, falou a Dona Margarida, defensora dos oprimidos – ironizou o garoto.

De repente, Rafinha interrompe a balbúrdia dos adultos com uma simples


palavra: “cocô”! Em seguida, o odor confirma o que o garoto havia anunciado.

Diante disso, todos se unem em uma gargalhada democrática. Os


adolescentes deliram em risadas, a babá mexe no short do garotinho para
confirmar e piorar a situação, o síndico e a professora, rindo pelo mesmo motivo,
talvez se lembrassem quando, outrora, também riam juntos.

Nesse instante, o elevador voltou a funcionar e a porta se abriu. Diante


dela, muitos moradores, aglomerados no hall do térreo, espantaram-se ao
verem essa cena inimaginável. Todos nós saímos do elevador entre risadas.

Saí do prédio, desviando-me de tantos adultos, e ganhei a rua.


Caminhando para a faculdade, fiquei pensando no ocorrido. Pensei: “que
bom iniciar a semana assim, isso me será um rico relato para minha aula de
sociologia”.
67

REDAÇÃO 11 – ESTUDO CRÍTICO

Esse texto atende a proposta, pois se trata de uma narrativa com coesão
e coerência, explorando a reação dos personagens indicados. Pode-se
constatar a presença tanto dos elementos obrigatórios norteadores da proposta
quanto de alguns elementos livres, a saber: o narrador, os personagens, o
decurso temporal, o espaço e o enredo.

O narrador é personagem protagonista, em primeira pessoa, narrando


os acontecimentos nos quais está envolvido juntamente com os demais
personagens. As suas reações são pouco exploradas, limitando-se a narrar a
história. Apenas é mencionada sua timidez e sua reação ao término das ações,
aproveitando os acontecimentos para pensar nas relações humanas e sociais.
Trata-se de um narrador que mais observa que atua ou reage.

Os personagens propostos são: babá, criança de três anos, professora


de português aposentada, casal de namorados adolescentes, síndico do
edifício. Há pouca caracterização dos personagens, a alguns é atribuída
identificação nominal a outros não. São todos os personagens tipos, previsíveis,
estereotipados. Há pouca exploração de suas reações, que também são
tipificadas: choro da criança, desespero da babá, chatice da professora
aposentada, autoritarismo do síndico. A novidade fica por conta do fanatismo
religioso da babá, mas também é caracterização típica. A melhor reação é a
espontaneidade da criança que não é movida pela censura social, mas pelas
necessidades fisiológicas.

O decurso temporal é de alguns minutos, a partir do início da tarde,


numa segunda-feira.

O espaço fica definido a um elevador em um prédio residencial.

O enredo caminha da exposição para a complicação com a discussão


entre os personagens, culminando com a situação hilariante motivada pela
criança de três anos. Chega-se ao desenlace natural e a reflexão do narrador.

Alguns elementos livres contribuem para a qualidade do texto, sobretudo


a inclusão de diálogos explorando o nível de linguagem dos personagens.
68

REDAÇÃO 12

Nietzsche no elevador

Tássia Lima Fernandes Monteiro

De repente, um breu assustador tomou conta daquele local, o silêncio


que se instalou foi quebrado apenas pelo choro de uma criança até que,
segundos mais tarde, a luz de emergência acendeu. Ótimo, era tudo de que
eu precisava: ficar preso no elevador. Quando eu encontrar aquele maldito
síndico... Oh, espere! Ele está bem na minha frente tentando se comunicar
pelo interfone, sem sucesso. Bom, ao menos ele está sentindo o infortúnio na
pele.

– “Aquilo que não me mata, fortalece-me” – recitou uma senhora ao


meu lado, que eu reconheci como a professora aposentada do 320.

– Perdão?

– Nietzsche – ela respondeu simplesmente.

Seja lá quem for este homem, pensei, com certeza ele não deve ter
ficado preso num elevador às seis da tarde de uma sexta-feira após um
exaustivo dia no escritório.

Como companhia, para melhorar, eu ainda contava com uma estridente


criança e sua assustada babá, que não sabia o que fazer para acalmá-lo;
com um casal de jovens que parecia interessado demais em conhecer a
fisiologia do corpo humano com seus indecorosos beijos; um incompetente
síndico que não saberia ligar uma lâmpada, nem se Thomas Edson lhe ensinasse
e, como se não bastasse, uma vovó com tendências filosóficas. Sem dúvida,
esse dia não podia ficar pior.

– Precisamos aguardar alguns minutos, o interfone não funciona – o


síndico informou.

É claro que eu estava errado e as coisas podiam sim ficar piores.

Assim, constatei que o tempo foi passando e nada da energia voltar. A


criança, agora, divertia-se com um boneco que a babá tirara da bolsa e esta
69

havia se juntado ao casal de namorados e ao síndico para passar o tempo


com um baralho que o rapaz levava no bolso. Todos estavam sentados no
chão e eu não podia acreditar que agissem assim tão calmamente. Céus,
estávamos presos numa caixa de metal e todos pareciam desfrutar o momento.
Será que ninguém precisa ir para casa tomar um banho ou assistir à televisão?!
Parece que não...

Inesperadamente, a senhora do 320 se aproximou de mim e me entregou


um livro:

– Ajuda a passar o tempo – explicou.

– Ecce homo?

– Nietzsche – ela sorriu.

Eu apenas suspirei, talvez ela estivesse certa e eu pudesse sair daquele


tormento mais forte.

Minutos mais tarde eu não saía daquele elevador apenas mais forte,
mas sorrindo diante da perspectiva do conhecimento adquirido. Não obstante,
ainda ganhei o livro e um convite para discuti-lo depois com um pedaço de
bolo e uma xícara de café na companhia de minha mais nova e sábia amiga
do 320.
70

REDAÇÃO 12 – ESTUDO CRÍTICO

A ação tem início de forma abrupta, não havendo exposição detalhada


prévia. A colocação do leitor em plena ação confere dinamismo ao texto,
deixando-o atraente. A impressão inicial, ao descrever o ambiente, é de
narrador de terceira pessoa, mas logo surge o personagem protagonista de
primeira pessoa, exigido pela proposta. Surgem, em uma linha progressiva,
paulatinamente, os personagens indicados: inicialmente, o síndico, depois a
professora de português aposentada, seguida pelos outros obrigatórios. Não
há uma caracterização minuciosa de cada um, mas as características
essenciais surgem naturalmente, em suas ações e reações. São personagens
tipos, mas não são estereótipos da sociedade vigente, são mais espontâneos,
mais autênticos, demonstrando sabedoria. Isso demonstra a boa
informatividade do redator. A professora de português não é recalcada, mas
sim afeita à filosofia, o casal tem interesse em “conhecer a fisiologia do ser
humano”, assim por diante.

O decurso temporal é delimitado a alguns minutos e a ação se passa


no reduzido espaço do elevador, não havendo expansões espaço-temporais,
que poderiam ser empregadas livremente. O enredo é conciso, pouca
exposição, desenvolvimento sem grandes complicações, solução inexplicada
e desfecho natural (o retorno da energia). O texto apresenta elementos de
humor – “Ótimo, era tudo de que eu precisava: ficar preso no elevador” – e
reflexão positiva do narrador-personagem – “eu não saía daquele elevador
apenas mais forte, mas sorrindo diante da perspectiva do conhecimento
adquirido” – o qual, a princípio, apenas queria descansar do exaustivo dia de
trabalho, no entanto, aproveita o episódio para aquisição de conhecimento
– um pouco inverossímil, aprender filosofia no elevador – e de novos amigos.
Não há recursos excepcionais, mas boa adequação de ingredientes narrativos
inclusive o emprego de diálogos e a propriedade vocabular.

Não há recursos excepcionais, mas um bom texto também se faz com a


adequação de recursos narrativos. Também contribui para sua qualidade o
emprego de diálogos e a propriedade vocabular. A atribuição de um título
certamente tornaria o produto final mais adequado.
71

REDAÇÃO 13

Imprevisto

Raquel Murari Scarazzato

Primeiro o choro. Não há quem consiga conter uma criança de três


anos quando ela é pega de surpresa na escuridão de um elevador que acaba
de parar. Mais alguns instantes e aquela fraca e amarela luzinha de emergência
olha para nós, de forma tão desanimada quanto nossas expressões. Os
personagens em cena? Quase todos moradores de meu prédio: a criança
mora no apartamento ao lado do meu, filho de uma bancária atarefada; sua
babá a acompanha; uma garota de treze anos do andar de cima e seu
namorado de longa data, acho que umas três semanas...; a D. Cecília, do
sétimo andar, uma excelente professora de português aposentada da escola
de ensino fundamental do nosso bairro; o síndico, sempre sério, Sr. Carlos; e eu,
finalmente eu, tão cansada após um longo dia de trabalho.

Procura aqui e ali e logo a babá encontra uma solução para o seu
problema (não tão só seu): brinquedo que toca música, distração na certa.
Para a criança. Todos os outros ficaram divididos entre a idéia de ter que aturar
o choro ou a musiquinha repetitiva. D. Cecília até que tentou iniciar uma
história para trocar a distração, mas logo a criança achou sua mamadeira de
suco e não percebeu quando o brinquedo silenciou, ou não reclamou. D.
Cecília deve ter tentado agradar a criança assim como faz até hoje com seus
alunos (ex) quando a visitam, ou quando ela mesma comparece a um evento
ou festa na escola.

A escuridão propícia, a relativa liberdade dos olhares dos adultos e,


digamos, os hormônios bastaram para que minha jovem vizinha e seu namorado
aproveitassem para se aproximar mais e “curtir” a situação. Pelo menos os
minutos iniciais, até que o Sr. Carlos tratou de estabelecer uma reunião
extraordinária de condomínio ali mesmo, colocando-se quase que entre o
casal, intencionalmente é lógico. Aliás, na falta dos pais ou responsáveis, o
síndico mostra seu lado paternalista e sente-se, conscientemente ou não, na
obrigação de “manter a ordem”.

Não citei ainda, mas tão esperado quanto o choro da criança foi
minha tentativa de tocar a campainha de alarme do elevador, para poder
72

sair dali o mais rápido possível. Nem o Sr. Carlos, com sua conversa de que os
porteiros estavam preparados para atuar em situações de emergência como
essa, de como iriam chamar os técnicos do elevador brilhantemente e os
procedimentos revistos no último treinamento de funcionários do prédio – o
que mais pareceu um discurso de campanha de reeleição ao cargo de síndico
– pôde conter minha ansiedade contra o pobre botão de alarme. Banho
quente, comida, cama; banho quente, comida, cama. Era só no que eu era
capaz de pensar.

Sim! Estamos aqui! O uníssono na resposta ao chamado dos técnicos. E


mais alguns gritinhos de “manhê” da criança, com choro reiniciado, despertado
pela agitação dos demais. Mais uns minutos e fomos retirados dali, quando
conseguiram descer o elevador e alinhá-los com a porta do andar de baixo.

Completamos o trajeto de escada e fomos nos despedindo entre os


andares. Claro que só após parabenizar o Sr. Carlos (ele não sossegaria se não
fosse elogiado); desejar boa sorte para a babá (ela ainda teria que ouvir o
choro da criança, sabe-se lá por quanto tempo); agradecer a D. Cecília (sempre
paciente) e recomendar juízo ao jovem casal (tão feliz com a perspectiva de
privacidade recém conquistada). Banho quente, comida e cama. Finalmente.
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REDAÇÃO 13 – ESTUDO CRÍTICO

O parágrafo inicial da redação nos insere em plena ação,


contextualizando os acontecimentos, de maneira dinâmica e interessante.
Somente no final do parágrafo é que encontramos o narrador protagonista,
em primeira pessoa, uma das exigências da proposta. Também são introduzidos
os demais personagens, todos moradores do prédio residencial. São bem
caracterizados, com inteligência e dinamismo, o que os torna atraentes ao
leitor. Há irreverência na caracterização, mas não há tipificação, o que os
torna mais humanos e plausíveis. Uma vez todos reunidos no espaço
determinado, o elevador, inicia-se a complicação do problema. Aqui não há
grande criatividade: choro da criança, autoridade do síndico, alienação do
casal de adolescentes, a intervenção professoral de Dona Cecília, impaciência
do narrador, após um longo dia de trabalho. Nesse sentido, a previsibilidade
indica que houve limitada exploração das reações das personagens.

A novidade ocorre na solução do problema, a interferência dos técnicos,


alinhando o elevador no andar e retirando os aprisionados. O decurso temporal
é atendido plenamente, pois o episódio dura poucos minutos.

O encerramento também é criativo, pois terminam o trajeto pelas


escadas e o narrador pode dirigir um pensamento a cada participante do
episódio e finalmente conquistar seu objetivo de descanso ao fim do dia de
trabalho. Os elementos livres mais eficientes do texto referem-se à linguagem
como matéria da construção formal e, sobretudo, à atribuição do título, em
perfeita consonância semântica com o conteúdo explorado, construindo um
produto final completo.
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REDAÇÃO 14

Interessante experiência

Giovanna Chinellato

Nunca gostei de andar de elevador, aliás, nunca conheci outro cão


que gostasse. Minha dona, professora de português (uma das milhares de
línguas humanas) aposentada, leva-me para passear todas as manhãs. E, ao
contrário da cabine que nos ergue até nosso apartamento, passear é tudo de
bom.

Foi voltando de um desses passeios e entrando na tal cabine, lotada


como sempre, que ficamos presos, enjaulados, encaixotados, isolados ou, para
usar o termo humano, parados no elevador.

De início, quando as luzes se apagaram, silêncio. Levou algum tempo


para percebermos que não nos movíamos. Uma criancinha começou a chorar,
um homem de sapatos caros soltou uma palavra que acredito não ser muito
bonita, a babá da criancinha passou-lhe um pito, minha dona puxou a ponta
da guia para certificar-se de minha presença e dois humanos, que pareciam
mal separados como duas bolotas de ração grudadas, começaram a dizer
que se amavam (estranho isso de namoro humano).

Gostaria de dizer que após tamanha infantilidade por parte da espécie


de duas patas a cabine começou a se mexer. Porém, como eu sabiamente
previra, isso não aconteceu. Pretendia esticar as patas e tirar um cochilo, mas
os sapatos caros me pisotearam e o homem que os vestia começou a falar.

Imagino que tenha dito algo moralizante como “o bom de um banho


em pet shop é que em algum momento ele acaba”. Minha dona afirmou com
a cabeça, as bolotas de ração (ainda coladas uma na outra) forçaram um
sorriso e a babá... bem, ele não fez nada além de repetir que a criança se
aquietasse.

Tolas babás humanas... desisti de meu cochilo e fui abrindo espaço


entre pés e pernas até a choradeira (era uma fêmea). Como eu esperava, ela
me apertou, puxou o rabo, coçou minhas orelhinhas (com os dedos escapulindo
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vez ou outra até meus olhos), deu tapinha nas minhas costas e... parou de
chorar. Ótimo. Missão cumprida.

O homem dos sapatos perguntou meu nome, minha dona respondeu e


perguntou o nome dele. As bolotas de ração também se apresentaram. E,
como toda conversa de ser humano, uma coisa levou a outra. Meu limitado
vocabulário humano deu a entender que pareciam felizes.

Interessante experiência. Entramos estranhos e mudos; trinta minutos


empacados e viramos amigos e conversadores. Na minha modesta opinião, o
que mais falta aos humanos é elevadores parados.
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REDAÇÃO 14 – ESTUDO CRÍTICO

A criatividade desse texto está na escolha do personagem protagonista,


narrador em primeira pessoa. Ao selecionar um cachorro para contar a história,
toda a previsibilidade é destruída, pois os acontecimentos e as reações dos
personagens serão analisados pela ótica canina, estabelecendo um paralelo
ao olhar humano. Esse narrador, um cão, é propriedade da professora de
português aposentada, uma das personagens exigida. Excelente opção por
esse recurso estrutural, pois o foco narrativo é diretamente responsável pelo
desenvolvimento dos demais elementos estruturais da narrativa, possibilitando
grande criatividade ao produtor do texto.

O espaço é descrito pelo olhar do cão, transformando-se em uma cabine,


onde os personagens – não nomeados, pois fazem parte da espécie de duas
patas – estão enjaulados. O lugar de onde o cachorro olha só lhe permite ver
bem os sapatos, avaliando o seu custo. Os adolescentes são comparados a
rações grudadas. Torna-se bastante criativa e atraente a caracterização dos
personagens, assim como as reações: ser pisoteado, ração, as delícias de um
banho em pet shop, entre outras possibilidades. O decurso temporal é
delimitado a trinta minutos, em consonância com a temporalidade proposta.

Muito interessante é a sua missão, ao distrair a criança (designada


como fêmea), pois a reação infantil é típica do envolvimento criança/cão.
Também contribui para a qualidade do texto a menção à importância
lingüística da comunicação entre os seres. Compreende a linguagem humana,
faz uma leitura da importância da conversação para a conquista da felicidade.
Relacionamento humano ou canino é a grande meta para uma vida feliz.

Além do foco narrativo selecionado, também contribui para a qualidade


do texto a utilização da linguagem como matéria da construção formal,
restando somente o pecado de não ter atribuído título ao produto final.
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REDAÇÃO 15

Tirem-me daqui

Thaís Michelle Pinho da Rocha

Eu estava voltando do acampamento, podia ouvir os raios, mas minha


mala estava pesada e não pensei duas vezes para pegar o elevador. Tampouco
o fez Dona Marta, Julieta, Wagner e o simpático casal jovem do prédio. Fábio,
o pirralhinho que era o motivo da presença de Julieta, mostrou a língua e se
escondeu atrás da babá. Cada um apertou seu número e aguardou. Era
perceptível o receio de todos em relação às trovoadas:

– Talvez não tenha sido uma boa idéia – disse Marta, de braços cruzados
e olhos arregalados.

– Não se preocupe – disse o síndico – a manutenção do elevador foi


feita ontem à tarde.

Logo após esse infeliz comentário, o elevador, preguiçosamente,


começou a desacelerar e, antes que parasse por completo, a luz apagou.
Fábio começou a chorar, o casal deu umas risadinhas íntimas, Marta afirmou
que não merecia aquilo, o síndico disse que aquilo era um absurdo e que a
manutenção tinha sido uma farsa.

– Acalme essa criança!! – exclamou Marta.

Dona Marta foi professora de português, mas não parece que um dia
tenha gostado disso, só fica satisfeita quando corrige os outros.

Julieta se pôs a chorar e gritava:

– Me perdoe, Senhor, não tenho sido uma boa filha, mas não é minha
hora.

Comecei a rir, o nervosismo me traz o riso. A situação era hilária. Não


podíamos ver, apenas ouvir. A professora tentava acalmar Fábio ensinando
como as vogais são belas, mas ele chorava ainda mais. O casal não se
expressava; a menina apenas disse:
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– Relaxa aí, galera!

Wagner achou um insulto, quis dar lição de vida, falou sobre quantas
horas trabalha por dia, sobre tudo o que se passou na sua longa existência,
mas foi tudo inútil, pois a garota continuou a dar suas risadinhas de namorada
para seu namorado.

A criança aquietou-se, Julieta ainda rezava baixinho e Wagner estava


tentando ligar para a empresa que fez a manutenção. Comecei a conversar
com Pati e Lucas, o casalzinho, sobre assuntos variados e, de vez em quando,
Marta interrompia para correções, também variadas. Passados alguns minutos,
Wagner é atendido e simultaneamente o elevador volta a funcionar. O síndico
solta vários palavrões e quebra o telefone em pedaços.

Julieta agradece a todos os santos e abraça um por um de nós, carrega


Fábio, que está adormecido, e é a próxima a sair. No próximo andar é minha
vez, acompanhado de Pati e Lucas. Poucos segundos depois, a luz falha e
apaga. É possível ouvir o elevador parando e:

– Não! Me tira daqui – gritou Wagner.

– Tirem-me daqui. Ti-rem-me daqui – corrigia uma voz exaltada.


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REDAÇÃO 15 – ESTUDO CRÍTICO

O narrador em primeira pessoa, protagonista, não surpreende o leitor,


pois o primeiro parágrafo inicia-se com o sujeito representado pelo pronome
pessoal do caso reto, atendendo à exigência da proposta. Contextualizado o
episódio, através da dimensão espacial, um elevador, em um prédio residencial,
em um tempo indeterminado, vão sendo introduzidos os personagens exigidos
pela proposta: o síndico do edifício, a babá, a criança de três anos, a professora
de português aposentada e o casal de namorados adolescentes. São
atribuídos nomes a eles, mas não são minuciosamente caracterizados, nem
física nem psicologicamente. Ademais, suas reações demonstram a tipificação
e os estereótipos sociais. O síndico é irritadiço, nervoso, grosseiro; a professora é
recalcada, gosta de corrigir os erros; a babá é beata; o casal de namorados
adolescente é alienado. São pouco exploradas suas reações e, quando o
narrador o faz, são destacadas as típicas reações desses personagens em
função de seu contexto sócio-cultural-profissional: o síndico solta palavrões,
quebra o telefone; a professora ensina a beleza das vogais, corrige os erros de
linguagem; o casal não se expressa. Há, ainda, algumas incoerências, pois o
casal não se expressa, mas conversa com o narrador assuntos variados.

O desfecho é criativo, mas perde parte de seu efeito, pois há um


problema de construção textual que o minimiza. Se a professora fosse mais
bem construída, a partir de sua introdução, com intromissões engraçadas
durante a permanência no elevador, esse desenlace seria mais bem absorvido
pelo leitor, quando ela e síndico continuam presos, após a descida dos outros
personagens.

Consta-se, portanto, que o texto atende aos elementos obrigatórios da


proposta, mas explora limitadamente os elementos livres, tornando o produto
final razoável e não excelente. Cumpre ressaltar que a avaliação regular ainda
advém da não atribuição de título ao texto final.
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BIBLIOGRAFIA PARA ESTUDO

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. Coord.


Tradução: Angela M.S. Corrêa e Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto,
2008.

GHILARDI, Maria Inês, PEREIRA; Maria Marcelita e THEREZO, Graciema Pires.


Redação para o vestibular. 3. ed. revisada e atualizada, Campinas, SP: Alínea,
2006.

GOLDSTEIN, Norma; LOUZADA, M. Silvia; IVAMOTO, Regina. O texto sem mistério:


leitura e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009.

KÖCHE, Vanilda; BOFF, Odete; MARINELLO, Adiane. Leitura e produção textual:


gêneros textuais do argumentar e expor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola, 2008.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, F. Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 17.
ed. São Paulo: Ática, 2007. Série Ática Universidade.

FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação.
5. ed. São Paulo: Ática, 2006.

FIORIN, José Luiz. Em busca dos sentidos: estudos discursivos. São Paulo: Contexto,
2008.

THEREZO, Graciema Pires. Como corrigir redação. Campinas, SP: Alínea, 5.ed.,
2006.

THEREZO, Graciema Pires. Redação e leitura para universitários. 2.ed. Campinas,


SP: Alínea, 2008.

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